O ensino da Geometria abrindo portas para as aprendizagens

 

 

Edlene do Socorro Teixeira Rodrigues

 

 

O ensino da Matemática na Educação Infantil ganha, cada vez mais, maior importância, pois estudos já nos indicam que as crianças nessa etapa dispõem de estruturas que proporcionam a compreensão dos conteúdos matemáticos (ARRIBAS, 2004). O ensino da Matemática deve contribuir para o desenvolvimento cognitivo da criança, para isso, é fundamental que o educador tenha clareza de quais conteúdos serão levados até o contexto da escola e como serão veiculados.

 

O presente artigo não comporta uma discussão sobre todo o ensino da Matemática na Educação Infantil, portanto, faremos um recorte e exploraremos algumas importantes idéias sobre o ensino da Geometria nessa fase.

 

Durante essa fase, a Geometria conduzirá o aluno a perceber o seu corpo e o espaço que este ocupa, estimulará a exploração do espaço que o rodeia, e proporcionará a reflexão sobre as características dos corpos e figuras geométricos.

 

O contexto social, no qual a criança está inserida, já proporciona a ela condições de realizar uma boa parte dessas aprendizagens que, geralmente, são desenvolvidas nos momentos de brincadeira e interação da mesma com o meio, que é quando ocorre a construção de conhecimentos práticos, contribuindo para a construção dos sistemas de referências.

 

Nesse sentido, Panizza (2006) afirma que essas construções realizadas pelas experiências cotidianas das crianças, não levam necessariamente aos conhecimentos matemáticos. Para essa autora, embora os conhecimentos geométricos passem pela intuição, precisarão sofrer uma sistematização, uma “intencionalidade didática” e, assim, passarem a fazer parte do repertório de aprendizagens. É claro que a escola não ficará alheia a tais aprendizagens trazidas pelas crianças, mas também não poderá deixar que o ensino da Geometria permaneça apenas nas experiências espontâneas. Assim, é preciso sistematizar essas aprendizagens, apresentando os conteúdos de forma adequada, para que se tornem significativos e proporcionem condições para o real desenvolvimento de competências.

 

A Geometria gera a aquisição de competências que contribuirão para o desenvolvimento de habilidades, as quais o aluno utilizará no decorrer de sua vida acadêmica e social. Cândido, Diniz e Smole (2003) apresentam essas competências, clarificando as influências das mesmas, para vida do sujeito.

 

O domínio do próprio corpo e a consciência das possibilidades desse corpo na exploração do espaço irá instrumentalizar o aluno para as relações que estabelecerá no âmbito espacial e social. Trará, também, contribuições para todo o desenvolvimento da Geografia, na área da cartografia. E para isso, a escola deve proporcionar condições para que a criança conscientize-se do próprio corpo, desenvolvendo uma percepção positiva do mesmo, e percebendo os outros sujeitos como seres que também estabelecem relações espaciais e sociais. A utilização da lateralidade como referência, por exemplo, é fundamental para um sujeito que utiliza o espaço físico onde vive. Essa habilidade começa a ser desenvolvida pela criança, tendo o próprio corpo como referência e, depois, a transportando para os demais elementos do espaço.

 

A competência de locomover-se, coordenando a visão e o movimento realizado pelo próprio corpo, pelo corpo de outro ou pela movimentação impulsionada pelos objetos, deverá ser desenvolvida por meio de brincadeiras cotidianas como cabra-cega, amarelinha, queimada e muitas outras que já fazem parte do nosso repertório cultural. Mas, a simples realização dessas brincadeiras não conduz ao desenvolvimento da competência descrita acima, pois é necessária uma freqüência na realização das mesmas e uma coordenação, por parte do adulto, para que haja a possibilidade de se explorar o maior número de possibilidades possíveis de movimentos. Importante ressaltarmos que essa competência da coordenação motora-visual trará importante apoio para o domínio da escrita.

 

A capacidade de recordar um objeto que não está mais no campo de visão, relacionando suas características com outros, é uma competência da memória visual, que apóia a construção da leitura e da escrita e que pode ser desenvolvida por intermédio de atividades como jogo da memória, de representar um trajeto percorrido, ou um objeto observado anteriormente e, até mesmo, por meio do desenho livre, o qual oportuniza à criança o trazer, para perto de si, contextos que deseja reproduzir.

 

Focalizar uma figura específica em um quadro de estímulos visuais, identificando certas formas em um desenho, como perceber o retângulo como parte de uma janela em uma casa, estimula o desenvolvimento da percepção, o que é fundamental para a realização de outros aprendizados como o da escrita e o das propriedades das figuras geométricas.

 

Para o aprendizado da escrita e leitura é preciso isolar uma parte do todo, texto ou palavra; já para a percepção das propriedades da figura geométrica é necessário observar partes da mesma e estabelecer as características da figura, objeto de análise. Desse modo, ao recortar uma forma em uma totalidade, o aluno terá a mesma condução do raciocínio das exigidas nessas habilidades da construção da leitura, da escrita e da percepção das figuras geométricas.

 

Por meio do reconhecimento das propriedades invariantes de um objeto, mesmo passando por uma variabilidade de sua impressão visual, desenvolve-se a percepção da constância de forma e tamanho. O aluno será estimulado para o desenvolvimento dessa competência, quando for proporcionado a ele condições para vivenciar situações, nas quais verifique e compreenda que um objeto é grande, em relação ao observador, mesmo quando ele se afasta e aquele objeto ganha uma aparência de pequeno. A criança concluirá que o tamanho do objeto não varia, o que muda é a posição do observador.

 

Assim, perceber as relações espaciais é uma competência que se desenvolve a partir da capacidade de ver dois ou mais objetos em relação a si próprio, em relação a eles e ao observador, distinguindo se os objetos estão próximos ou distantes, se são maiores ou menores, se estão acima ou abaixo uns dos outros e em relação ao observador. Essa percepção permite à criança orientar-se no espaço próximo, pelas referências de distância e tamanho.

 

Pela capacidade de distinguir semelhanças e diferenças entre objetos, classificando formas e propriedades, desenvolve-se a discriminação visual, que é fundamental para toda aprendizagem que requer a organização de fatos, propriedades e regularidades. O desenvolvimento dessa competência traz uma contribuição, inclusive para a organização da ortografia, em relação ao grupo de palavras que apresentam variações visuais.

 

A competência espacial da criança inicia-se na organização do esquema corporal, com o reconhecimento do próprio corpo e de suas partes e, com o controle desse corpo nos deslocamentos que realiza no espaço. A criança explora os objetos presentes no ambiente e vai apropriando-se do mundo que a rodeia, e essa apropriação inicia-se com o reconhecimento do próprio corpo, pois é ele que é usado como referência pra a realização dessas explorações.

 

Ao se falar do ensino da Geometria na Educação Infantil, é primordial estudar as diversas metodologias que o professor pode utilizar para proporcionar condições ao aluno de explorar o próprio corpo.

 

Como já abordamos anteriormente, a competência espacial organizar-se-á não só por intermédio das experiências realizadas no cotidiano do aluno, mas também pelas intervenções didáticas realizadas pelos professores. O estímulo à capacidade de transformar objetos em seu meio e orientar-se em um espaço com objetos, percebendo o mundo visual com precisão, efetuando transformações e modificações sobre as percepções iniciais, recriando aspectos da percepção visual, mesmo sem estímulo, proporciona o desenvolvimento da competência espacial, que é processual e se dá com a movimentação no espaço e a organização deste. Inicia-se, portanto, pela percepção que a criança constrói de si mesma, passa pela percepção do espaço ao seu redor, para então, chegar ao espaço representado em forma de desenho.

 

O desenvolvimento da competência espacial refere-se ao espaço físico vivenciado e ao espaço físico percebido. O espaço físico é vivenciado pelo movimento e pelo deslocamento e apreendido pela criança por meio de brincadeiras e atividades que permitam percorrer, delimitar ou organizar esse espaço. E o espaço físico percebido se refere ao espaço que a criança não precisa mais experimentar fisicamente para que possa lembrar-se dele; surge quando existe a capacidade de estabelecer relações espaciais entre elementos, somente por suas representações.

 

Na fase da Educação Infantil, a escola deve sistematizar as experiências que as crianças adquirem na exploração do espaço. De acordo com os estudos de Arribas (2004), essa sistematização irá abordar os aspectos relacionados à orientação do espaço como a orientação estática e a orientação dinâmica.

 

A orientação estática, tendo o corpo como referência, irá explorar as noções de: em cima/em baixo; na frente/atrás; de um lado/de outro; direita/esquerda. Já a orientação estática dos objetos entre si, explorará as noções de em cima de/embaixo de: diante de/atrás de; para um lado. Os estudos relacionados à orientação dinâmica deverão explorar a direcionalidade que surge a partir do próprio corpo, como: para cima/para baixo; para frente/para trás; para um lado. Enquanto a orientação dinâmica dos objetos móveis explorará as noções de: move-se para frente/para trás; para cima/para baixo. São importantes, também, os estudos sobre noções de distância como perto/longe, para conduzir o aluno a construir a competência de compreensão espacial, utilizando-se desse espaço e estabelecendo relações nele.

 

O estudo das formas geométricas é de grande importância na Educação Infantil, pois contribui para o desenvolvimento da percepção espacial e para o estabelecimento de relações geométricas. Isso ocorre, pois, as formas (corpos e figuras) geométricas estão presentes no contexto da criança, propiciando explorações desses objetos e de suas representações, por meio da percepção dos objetos espaciais construídos, ou representados e, de propriedades, que esses objetos e representações apresentam como: igualdade, diferença, tamanho, características.

 

As primeiras intervenções didáticas direcionadas para a exploração dos corpos geométricos devem ser feitas pelas experiências com os objetos presentes no contexto da criança: objetos presentes no espaço da sala de aula, nas demais áreas da escola, brinquedos, sucatas e outros.

 

Os fatores das formas geométricas que devem ser explorados na fase da Educação Infantil, de acordo com os estudos de Arribas (2004) são: as dimensões; abertura e fechamento; reta e curva; corpos poliedros e os arredondados; as formas que representam os polígonos e o círculo. Nessa faixa etária, os alunos irão apreender as dimensões dos objetos por intermédio de manipulações, observando os aspectos da altura, largura e profundidade. Na abertura e fechamento, irão perceber que as linhas ou superfícies se apresentarão abertas ou fechadas, havendo a região interna e externa. Observarão que uma linha ou superfície pode ser reta ou curva. Observarão, também, as características dos corpos poliedros e dos arredondados, dos polígonos e círculo.

 

Inicia-se, também na Educação Infantil, a compreensão das transformações topológicas. O professor deve conduzir o aluno à percepção de como era uma figura, qual ação essa figura sofreu, a transformação ocorrida e o que ficou invariável, possibilitando, assim, o estabelecimento de relações a partir das propriedades geométricas. Panizza (2006) afirma que as propriedades geométricas dos objetos e figuras devem ser objeto de estudo, ao longo dos vários anos da escolaridade do aluno, devido à diversidade de propriedades que esses objetos e figuras proporcionam e pela complexidade que apresentam.

 

A Geometria deve ser vivenciada pelo aluno, por meio da exploração corporal e espacial, do raciocínio e da exploração de noções lógicas, para que os mesmos possam proporcionar condições de se construir as competências necessárias para a exploração e compreensão do espaço no qual se está inserido.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ABERKANE, C. F.; BERDONNEAU, C. O Ensino da Matemática na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1997.

 

 

ARRIBAS, T. L. Educação Infantil: Desenvolvimento, Currículo e Organização Escolar. Porto Alegre: Artmed, 2004.

 

 

CANDIDO P.; DINIZ M. I.; SMOLE, K. S. Figuras e Formas: Matemática de0 a 6 anos. Porto Alegre: Artmed, 2003.

 

 

PANIZZA M. Ensinar Matemática na Educação Infantil e Séries Iniciais: Análise e Proposta. Porto Alegre: Armed, 2006.