O Ensino da Filosofia no Ensino Médio

Uma reflexão necessária para uma melhor docência

 

Arlindo Nascimento Rocha[1]

http://blaisepascalogenio.blogspot.com.br/

 O que justifica a presença da filosofia como disciplina no Ensino Médio é a oportunidade que ela oferece aos jovens estudantes de desenvolverem um pensamento critico e autônomo. Em outras palavras, a filosofia permite que eles experimentem um pensar por si mesmos”.Sílvio Gallo

 Geralmente o Ensino Médio é considerado como uma fase de consolidação da personalidade do aluno, seus desejos, seus anseios, suas dúvidas, seus questionamentos, sua vontade de mudar o mundo... Nesse aspeto a Filosofia desempenha um papel importante e fundamental no sentido da emancipação intelectual do aluno, uma vez que a Filosofia permite ao aluno a desenvolver um conjunto de competências indispensáveis para formação do seu capital cultural.

A Filosofia é bastante questionada enquanto disciplina, é necessário que os professores, pais, alunos e sociedade e geral conscientizem de que o ensino não deve ser considerado como uma disciplina a mais no currículo.

O ideal é que o professor da disciplina tenha em mente o quanto é necessário fazer com que seus alunos não fiquem dependentes de livros didáticos e nem de ideias dogmatizadas. É preciso desenvolver o espírito reflexivo questionador, que favoreça a formação de alunos capazes de desenvolver seu próprio pensamento, formando cidadãos capacitados para enfrentar as diversas situações que poderão surgir em suas vidas. A Filosofia é fundamental na vida de todo ser humano, visto que proporciona a prática de análise, reflexão e crítica em benefício do encontro do conhecimento do mundo e do homem.

De forma geral o ensino da Filosofia no Ensino Médio tem sido efetuado com o acento em seu ensino e não no ato de aprender. Mas o que os professores transmitem quando “ensinam” a filosofia? Transmitem uma tradição, uma postura ou um conhecimento?

A conclusão mais óbvia, é que os professores limitam a transmitir a tradição do pensamento filosófico, ou seja, aquilo que foi pensado e produzido pelos filósofos ao longo dos tempos, através de textos filosóficos, uma vez que, não se ensina a tradição filosófica sem recursos aos textos filosóficos. Porém, nem todos os pensadores acreditam que a mera transmissão seja suficiente para oferecer aos jovens o desenvolvimento de um pensamento crítico e autônomo.

O exemplo mais eminente é o de Jacques Rancière, (1940) filósofo francês, professor de filosofia na Escola Europeia de Pós-Graduação em Saas-Fee e professor Emérito de Filosofia da Universidade de Paris (Saint-Denis) que dirigindo aos professores franceses afirmou que: o papel da filosofia nas escolas deveria o de promover uma experiência de ignorância coisa que nenhuma outra disciplina é capaz de fazer. A aula de filosofia não pode ser mais o mero contato que os estudantes têm com esse conhecimento transmitido, mediado pelo professor. Então, torna-se necessário colocar ênfase no aprender como processo, e dessa forma, é que o aluno participa e desenvolve a experiência filosófica.

O filosofo francês Michel Foucault, por exemplo, caracterizou a atividade filosófica como uma espécie de ‘exercício de si, no pensamento’. Isto é, como um trabalho de pensar sobre si mesmo que faz com que cresçamos e nos modifiquemos como pessoas. Sendo o ensino médio uma fase de consolidação do jovem, de sua personalidade, de seus anseios, a filosofia tem ai um importante papel e uma colaboração. (Gallo, pág. 43, 2009)

Por isso, os desafios postos pelo ensino da filosofia atualmente, tornam-se necessários não apenas romper com certas práticas pedagógicas tradicionais, mas também aderir a uma nova concepção de ensino que visa desviar a centralidade da aula no professor, para ter como centro o próprio aluno. Uma vez que só existe ensino se alguém aprende. O ensino da filosofia, não deve gravitar em torno da sabedoria do professor que ensina. O ensino deve girar em torno do aluno não no discurso do professor. Trata-se, portanto, de colocar do ponto de vista de quem aprende a filosofar e não do ponto de vista de quem sabe filosofar.

(...) Cada aula de filosofia procura provocar uma sacudidela nos alunos, faze-los “quebrar a cabeça”, derrubar suas certezas e provocar suas dúvidas, violar suas “virgindades”, faze-los perder irrecuperavelmente as suas inocências... Exercer violência para provocar no outro um movimento. Um movimento rumo ao... Imprevisível. (...) Gallo et al., p. 95

O objetivo central do ensino da filosofia é introduzir o aluno à filosofia, ou seja, levá-lo para dentro e inseri-lo numa forma específica de saber, então, a didática do ensino da filosofia deve perseguir em termos gerais, uma dupla finalidade: a) criar mediações pedagógicas que facilitam o processo de aprendizagem; b) promover a transição para a construção da capacidade de pensar por conta própria, de modo que o estudante consiga gradativamente dispensar mediações com a filosofia.  

Essas duas dimensões têm de ser obrigatoriamente indissociáveis num projeto educativo que tenha como horizonte a autonomia intelectual. Como o aluno não tem condições de alcança-la de imediato há necessidade de mediações. Nessa etapa a função do professor de filosofia, é principalmente a de intermediário entre o saber filosófico e os alunos que devem ter acesso a ele, mas que ainda não tem competência suficiente para fazê-lo por conta própria.  

Educar filosoficamente é desenvolver uma metodologia filosófica, considerando a diversidade e a multiplicidade de metodologias. O ensino da filosofia deve ser diverso e plural. Por isso os métodos socráticos, escolástico, dialético, fenomenológico são possíveis de serem desenvolvidos no ensino médio o que poderá possibilitar a ação filosofar. Educar filosoficamente remete a três questões: a) o modelo de educação ao qual se pretende programar o exercício do filosofar; b) a postura do professor, e, c) a forma de acesso ao filosofar. É importante ter em mente que o papel do professor de filosofia, é filosofar para, assim permitir os seus alunos a filosofarem...

Porém, o professor de filosofia enfrenta muitos obstáculos na sua tarefa. Especificamente enfatizarei a “motivação do aluno”, uma vez que, é um equivoco comum atribuir aos alunos o mesmo grau de interesse que ele próprio possui para a sua área de conhecimento. Convém primeiro, indagar que motivação pode ter o aluno do Ensino Médio pelo estudo da filosofia. Ao iniciar o estudo na disciplina, o professor não pode contar com nenhum interesse prévio do aluno pela filosofia, mas deve fazer com que o aluno adquira o gosto pelas questões filosóficas, partindo dos aspetos concretos da sua vida, refletindo e formando novos conceitos, que o levam a desenvolver um pensamento cada vez mais abstrato.

Constata-se que o desinteresse pelas aulas de filosofia no Ensino Médio, deriva em boa parte, da falta de compreensão dos conteúdos ou do fato, de que, muitas vezes, o estudante não consegue encontrar significação nesse conhecimento, por isso, o professor deve estar atento à prática de ensino que adota para não favorecer ou alimentar o desinteresse e a indiferença pelas aulas de filosofia. Na impossibilidade de com o interesse inicial do estudante para a filosofia, deve-se reconhecer a necessidade de construí-lo. Mas, como criar “um apetite que não existe”?

O interesse pela reflexão filosófica, só poderá ser despertado se os conteúdos se revelarem significativos para o aluno, inscritos no horizonte pessoal de experiências, conhecimentos e valores. Os pré-requisitos do aluno devem funcionar como uma espécie de ponto de ancoragem para novas aquisições cognitivas.

Para que o saber filosófico se torne significativo, motive e desperte interesse, é preciso conceber estratégias didáticas capazes de estabelecer alguma forma de relação entre esse saber e as referencias culturais e experiências de que os alunos já são portadores ao ingressar na escola.

A sensibilização do aluno para a filosofia, a possibilidade de que ele se torne receptivo a ela, não é tarefa fácil, mas também não é impossível. Parece que o desafio inicialmente, mais importante consiste em descobrir aberturas que favoreçam o acesso para os não-iniciados ingressam no campo filosófico. O professor de filosofia, entre muitas outras tarefas, tem como objetivo peculiar, o de desenvolver no aluno o gosto pela reflexão, o espírito crítico amadurecido, a atenção as causas do que ocorre no nosso redor, tornando-os sensíveis à dimensão ética de cada realidade.

Definindo educação como “aquisição da arte de utilizar os conhecimentos” (Withehead, 1969, pag. 45) o filosofo inglês destacava o fato de que a mente humana não é mero “depósito” de conhecimentos – precisa saber “utilizar” aquilo que se aprende, uma vez que as ideias inertes provocam cegueira espiritual, e esta redunda em frustração, ou seja, o conhecimento estéril redunda em morte espiritual, morte cultural, morte civilizacional.

A importância do conhecimento filosófico está no seu uso, em nosso domínio ativo sobre ele, quero dizer, reside na sabedoria. É convencional falar em mero conhecimento, separado da sabedoria, como capaz de incutir uma dignidade peculiar a seu possuidor. Não compartilho dessa reverência pelo conhecimento como tal. Tudo depende de quem possui o conhecimento e do uso que faz dele.  

A pergunta sobre o porquê de se ensinar filosofia encontra suporte, por exemplo, se pensarmos na relação da educação com a sociedade, pois a filosofia é ponto central para a realização final do processo educativo de encaminhar o indivíduo para a sua autonomia. A produção de uma consciência verdadeira pressupõe a autonomia do indivíduo. Porém, há que se buscar um caminho que seja caracterizado tanto pela adaptação quanto pela autonomia.

E a Filosofia se torna cada vez mais importante na medida em que o mercado exige profissionais especializados, dificultando a reflexão, o levantamento de questões acerca do meio em que vivem; uma vez que o Ensino Médio não fornece, como afirma Silva (1992, p. 164-165), as bases para que o aluno possa equilibrar as exigências do mercado com a sua formação cultural, estes profissionais, cada vez mais, não se reconhecem na sociedade e se transformam em meras peças de uma gigantesca máquina.

Um dos pressupostos filosóficos em relação à educação é o de que educar filosoficamente é uma forma de crescimento de dentro para fora, e crescer é viver. Para que os alunos cresçam e vivam, precisam participar ativamente desse processo. A teoria (em tese) produz prática. A escola “parte integrante da própria vida” não pode, portanto, confinar-se em si mesma, considerando sua principal função dar lições previamente fixadas por adultos, visando à cobrança da resposta certa, com a prerrogativa da coação intelectual.

A finalidade da educação filosófica é levar o aluno a participação ativa no sentido, nos valores, na conduta da sociedade a que pertence. O sentido da educação, não é a educação. O sentido está sempre além. Transcende. E por isso confere significado. O sentido da educação da aos educadores e educandos a certeza de que vale a pena dedicar-se às tarefas exigidas na busca de conhecimento.

O processo de emancipação do indivíduo cabe à Filosofia, a partir de sua reflexão radical, rigorosa e de conjunto, utilizar essas ferramentas para que seja, então, possível essa emancipação. Isso não significa afirmar que a Filosofia está acima das outras disciplinas; ocorre que elas não têm como potencialidade prioritária emancipar o sujeito, enquanto, em algum sentido, a reflexão filosófica busca ativar essa potencialidade. De todo modo, a Filosofia torna-se “inútil” quando as outras disciplinas não fornecem a base cultural para que a Filosofia possa articulá-la, pensá-la e repensá-la.

E, pelo fato da Filosofia não ser fechada em si mesma, há – no que diz respeito aos seus conteúdos – uma história de como as problemáticas foram surgindo, ganhando formas, respostas e contra-respostas e a questão a ser colocada agora é como essa história da Filosofia deve ser trabalhada. A implementação de determinadas práticas de ensino, depende da concepção que se tenha do processo ensiono-aprendizagem em geral e da filosofia em particular. A postura tradicional ainda não foi inteiramente abandonada. Em oposição a essa postura, passou a ser enfatizada uma conduta pedagógica mais centralizada na aprendizagem, não apenas na aquisição de conteúdos, mas também no desenvolvimento das capacidades e habilidades capacidades cognitivas.

A escolha consciente ou inconsciente de uma das duas lógicas de ensino conduz a práticas pedagógicas bem diferenciadas. A primeira remete para uma didática centrada na exposição centrada na exposição do professor, enquanto que a segunda privilegia o processo ativo de construção do conhecimento com base nas atividades do aluno e na interação com o professor e com colegas da classe.

Concepções semelhantes estão de algum modo, implícitas na confiança que os professores depositam na aula expositiva, como exercício pessoal de reflexão diante dos alunos. Expressa uma crença didática muito antiga e arraigada na classe docente, segundo o qual o aluno aprende a filosofar ouvindo o mestre. Isso não quer dizer que a aula expositiva não tenha sentido ou não seja necessária em muitos momentos. Ao contrário, ele permite explicitar o envolvimento pessoal do professor com o processo educativo ao apresentar a sua própria elaboração sobre o conhecimento filosófico.

O conteúdo filosófico em sala de aula não deve ser trabalhado somente a partir textos filosóficos, mas também de filmes, anúncios, músicas, teatro, artes visuais, de todos os materiais que podem ser coletados na Internet. É um trabalho que precisa do auxílio das outras disciplinas, das outras matérias, uma vez que se pode produzir muito mais “experiência de pensamento” com um jovem usando a pichação que ele vê nas ruas, do que um livro da biblioteca, com uma cena de uma telenovela ou mesmo um problema do cotidiano.

A aula pode ser um “campo de guerra” onde as armas são as ideias, os argumentos e os contra-argumentos, ou um lugar de encontro de partilha, pesquisa e de formação cidadã. Sob a orientação e supervisão do professor os alunos precisam debater, conversar, discutir, refletir sobre o sentido de estar no Ensino Médio e na sala de aula e, inclusive, de permanecer nela ou modificá-la.. É preciso desenvolver a consciência de que a escola é uma comunidade. A ausência dessa consciência é nociva para a educação, para qualquer prática que se torna, deste modo, irreflexiva, cega e perdida.

O professor de filosofia deve ensinar aos seus estudantes a prática mais complexa de nossa época, e da qual a nossa sociedade é tão carente, a do diálogo como elemento de qualquer método válido em filosofia. Por isso, é um imperativo aplicar o diálogo em sala de aula sempre, porém, o diálogo só acontece no processo do convite ao diálogo, ou seja, o professor deve estimular a participação dos alunos por forma a adquirirem paulatinamente o poder de organizar suas ideias e expô-las com propriedade.

Atualmente existe consenso entre os educadores na defesa do papel ativo do estudante no processo de aprendizagem. É preciso opor à passividade do aluno, por isso, torna-se necessário conceber estratégias interativas de ensino. O ensino tradicional em que o aluno tinha um papel basicamente receptivo, não atribui muita importância a participação ativa do aluno. Mesmo nas escolas de hoje que pregoa o caráter ativo da aprendizagem, ainda é muito comum restringir as atividades dos alunos à função da avaliação.

A participação ativa do aluno, principalmente na aula de filosofia, assume um papel fundamental, por isso, o professor pode usar diferentes estratégias para as suas aulas, tais como: o dialogo, a discussão, a disputa e o debate. Essas estratégias ajudam a reforçar a elaboração de um pensamento não dogmático. O diálogo é uma atividade espontânea, sem uma preparação antecipada; a discussão possui um caráter informal e nela a preparação também tem um papel secundário; a disputa tem como objetivo a defesa do próprio ponto de vista, contra outras posições; o debate por sua vez, é mais estruturado que a discussão e mais aberto ao confronto que a disputa. (Ruffaldi, 2004).   

Uma das tarefas mais difícil é a avaliação utilizada como instrumento de fiscalização da aprendizagem. Nas posturas pedagógicas menos tradicionais, passou a entender a avaliação como meio educativo, resultando em propostas inovadoras em relação aos seus vários aspetos: o que, como e para que avaliar?  Em filosofia, como em qualquer outra área é importante determinar previamente os aspetos a serem avaliados, assim como os critérios , embora a avaliação em filosofia deva ser mais flexível, uma vez que, a educação filosófica é um investimento a longo prazo, cujos resultados imediatos não têm tanta relevância.

Os professores, dentro da sala de aula, no Ensino Médio, precisam de aparatos conceituais e experiências que justifiquem e orientem suas ações e seus critérios avaliativos. E mais: que lhes garantam uma crítica consistente à avaliação enquanto mero dispositivo institucional e a consequente possibilidade de torná-la um modelo justo, constituído de concepções filosóficas e educacionais também muito bem fundamentados.

 Bibliografia:

SOFISTE, Gomes Joares “Sócrates e ensino da filosofia” – Uma investigação para o Ensino da Filosofia. (Editoras Vozes)

PARISSÉ, Gabriel “Introdução à Filosofia da Educação”.

CERLETTI, A. O ensino de Filosofia: como problema filosófico. Rio de Janeiro: Autêntica, 2009.

PIMENTA, A. O ensino de Filoso$ a no Brasil: um estudo introdutório sobre sua história.


[1] Graduado em filosofia pela Universidade Pública de Cabo Verde e diplomado em Pedagogia pelo Instituto Pedagógico de Cabo Verde.