O DOMÍNIO E O COMÉRCIO SOBRE O PRÓPRIO CORPO*

 

 

          Marcus Vinicius Santos de Araújo**

Ronald de Assis soares***

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 2 Do culto ao comércio do próprio corpo ; 3 A dicotomia sobre o Direito da Personalidade ; 4 A proteção da dignidade humana ; Conclusão; Referências.

Resumo: Sempre nos perguntamos quais são os limites existentes entre nossas próprias ações diante nossa pessoa, e para ser mais específico, com o nosso corpo. Afinal, o corpo é meu e posso fazer o que quiser, não é? Nesse ponto, que o ordenamento jurídico aparece através do Direito da Personalidade (Direito Civil), para tentar responder esse “excesso” de liberdade e esses direitos inerentes ao ser humano, cujo fazem ferir a integridade e dignidade da pessoa.

Palavras-chave: Limites. Corpo. Direito da Personalidade. Integridade. Dignidade.

INTRODUÇÃO

 

Sabe-se que não é de hoje que existe uma valorização do corpo, desde a Grécia Antiga, o culto ao corpo era uma necessidade primordial aos cidadãos cujo tinham como principal meta: o belo. E com o passar dos tempos foi-se instaurando um padrão de beleza, imposto pelo capitalismo. Os avanços da ciência e da tecnologia permitiram que essa busca pelo ideal, se tornasse mais acessível a todos, gerando uma disputa desenfreada pela perfeição.

Mas afinal, qual são os objetivos dessa desesperada procura do corpo perfeito? A sociedade de hoje se faz muito exigente aos padrões de beleza, devido ao que é imposto também pela mídia como padrão, e de forma inconsciente as pessoas internalizam essa ideia. A própria Sociologia classifica esse segmento da “moda”, como um fato social, porque ele exerce uma coerção exterior, pois aqueles que não seguem esse “estilo de vida” sofrerão uma punição moral, onde serão estereotipados como estranhos no meio social.

Diante desses fatos se instaurou uma ditadura do belo, onde o copo tornou-se um objeto que além de proporcionar a aceitação social, virou uma forma de comércio. Criando uma satisfação através do trabalho em expor esse perfil aceitável de beleza, como por exemplo: modelos, dançarinos, cantores, jogadores de futebol e em casos mais extremos a prostituição.

Ao encaixar o assunto debatido no ramo jurídico, nos deparamos em primeiro lugar com o Direito da Personalidade, que nos dias atuais é abordado no Código Civil e na Constituição Federal. Esse direito adquirido logo após o nascimento com vida, assegura ao ser humano, direitos e garantias básicas necessárias para seu desenvolvimento natural, contudo constrói e defende-se a dignidade humana algo intransponível para a vida do cidadão.

2 DO CULTO AO COMÉRCIO DO PRÓPRIO CORPO

 

Hoje, o mundo está permeado de serviços que ajudam na manutenção da estética corporal e aumentam essa busca pelo corpo perfeito. Entre eles: cirurgias plásticas, salões de beleza, academias, cosméticos e revistas de moda, ter acesso a isso em um mundo globalizado é muito fácil. Porém, essa exaltação do corpo perfeito não é recente. Na Grécia Antiga o corpo atlético era tão importante quanto o intelecto e o físico era um meio pra se chegar as Olimpíadas. Para eles belo e a mente andavam juntos.

Já na Idade Média,

A preocupação com o corpo era proibida, principalmente devido aos interesses da Igreja, que exercia forte domínio na época. Começa a se delinear claramente a concepção de separação de corpo e alma, prevalecendo a força da segunda sobre o primeiro. O bem da alma estava acima dos desejos e prazeres da carne e, portanto, acima dos aspectos materiais. O corpo tornou-se culpado, perverso e necessitado de purificação, tanto que, nessa tentativa de dominação do corpo, as sociedades e, principalmente os religiosos, instituíram técnicas coercitivas sobre o físico como o autoflagelo, ao mesmo tempo instaurando a confissão como forma de controle. (ROSÁRIO, 2004).

A era renascentista veio com tudo para quebrar esses paradigmas impostos pela igreja na Id. Média. Segundo Rosário (2004), passa-se do teocentrismo ao antropocentrismo. A redescoberta do corpo, nessa época, aparece principalmente nas obras de artes, como as pinturas de Da Vinci e Michelangelo.

Do séc. XX pra cá, as pessoas estão cada vez mais imbuídas de tecnologias, um dos motivos é a globalização. A indústria da moda alimentada pela mídia tem forte influencia sobre os corpos, impondo assim padrões de beleza que se tornam cada vez mais comuns na sociedade. Começa uma corrida a perfeição guiada por esses padrões.

(...) a ascensão do capitalismo traz consigo um ser humano mais autônomo, colocado a serviço da economia e da produção. Esse objetivo é alcançado criando-se o corpo produtor que, portanto, precisa ter saúde para melhor produzir, e precisa adaptar-se aos padrões de beleza para melhor consumir. Em tempos de modernismo, os sujeitos fazem quase tudo para manter o seu corpo dentro dos modelos construídos e dominantes. Abre-se espaço, então, para uma indústria do corpo; a matéria física precisa entrar numa linha de produção que inclui ginástica, regimes alimentares, tratamentos estéticos, tratamentos de saúde, consumo da moda e de bens. As indústrias da beleza, da saúde e do status têm no corpo seu maior consumidor. (ROSÁRIO, 2004)

A medicina cada vez mais contribui para a indústria do corpo, com reconstruções faciais, implantes de silicone e lipoaspirações, as chamadas cirurgias plásticas. Com isso as pessoas ficam envaidecidas pela perfeição e esse excesso faz com que homens e mulheres se tornem objeto. Segundo o psicólogo Fernando de Almeida Silveira, “As pessoas passaram a enxergar o corpo hoje como uma coisa moldável, conforme certos padrões estéticos, fomentados por uma pressão social de classe.”. Eles veem seu corpo como um objeto biológico, que pode ser transformado a qualquer instante que for necessário. Cria-se a concepção de corpo-objeto, onde ele pode ser comercializado.

Há varias formas de comércio do corpo e na maioria das vezes essa ideia de comercialização está ligada as mulheres, principalmente as popularmente chamadas, garotas de programa. Elas são marginalizadas pela sociedade por usar literalmente seu corpo como instrumento de trabalho, há quem diga que essa prática não é um trabalho.

3 A DICOTOMIA SOBRE O DIREITO DA PERSONALIDADE

 

Durante muito tempo o direito se preocupou em tratar das relações entre o patrimônio do homem, das questões materiais. Porém, depois da Segunda Guerra Mundial, ao analisarem as atrocidades realizadas e estudarem os governos totalitários (que possuíam uma ideologia desequilibrada), a ciência do direito altera essa preocupação para o ser humano em si, e não, pelo o que a ele pertence.

Remete-se nesse ponto, diversos fatores que levam a formulação de um estudo específico, a defesa da integridade do ser. Ao ter o objetivo traçado, criaram-se os Direitos da Personalidade, no qual trata justamente desse direito subjetivo das pessoas de defender tudo que lhe é próprio. Em nosso ordenamento jurídico, esses direitos se encontram no Código Civil (desde 2002) e na Constituição Federal.

É importante estabelecer algumas das várias dicotomias que se enquadram os Direitos da Personalidade, entre elas: direito natural e direito positivo, personalidade jurídica e direitos fundamentais. Entretanto antes se faz necessário, enunciar as características que emanam desses direitos:

São absolutos, ou de exclusão, por serem oponíveis erga omnes, por conterem, em si, um dever geral de abstenção. São extrapatrimoniais por serem insuscetíveis de aferição econômica (...). São intransmissíveis, visto não poderem ser transferidos à esfera jurídica de outrem (...). São irrenunciáveis já que não poderão ultrapassar a esfera de seu titular. São impenhoráveis e imprescritíveis, não se extinguindo nem pelo uso, nem pela inércia na pretensão de defendê-los, e são insuscetíveis de penhora. (DINIZ, 2009, p. 121)

De início, cita-se a discussão dos Direitos da Personalidade com relação ao direito natural e direito positivo, partindo da visão Jusnaturalista (defendida por Maria Helena Diniz), esses direitos são inatos no sentido de pertencer ao ser humano independente e/ou anteriormente do ordenamento, afirmando ser um direito natural. Contrario a essa visão, a corrente juspositivista (defendida por Miguel Reale), rebate o pensamento justificando que se trata de um direito positivo, pois só existe por causa da positivação desses no ordenamento, no qual é o responsável pela existência e proteção deles.

Diferentes que muitos pensam Personalidade jurídica, Direitos da Personalidade e Direitos Fundamentais, se distinguem em conceito e aplicabilidade.  A Personalidade jurídica é a capacidade de obter direitos e deveres. Já os Direitos Fundamentais, engloba todos os direitos necessários para uma boa convivência social do homem, inclui-se: a dignidade, a integridade, propriedade e a própria personalidade.

Uma questão levantada e até hoje é motivo de debate: O corpo é meu, então posso fazer o que bem entender com ele? A reposta para essa pergunta se faz um pouco confusa, pois ao momento que esse é um direito supremo pertencente à pessoa, devido a sua própria proteção, é necessário à existência de certa privação desse excesso de liberdade, visando sempre o bem estar do ser. Portanto apesar do corpo ser propriedade da pessoa, ela não pode atingir sua própria integridade, pois se faz intransponível para sua sobrevivência.

 

 

4 A PROTEÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

 

A dignidade da pessoa humana se compõe em três características, ela é: um Princípio, um Postulado e uma Regra. Princípio esse Fundamental (estabelecido CF Art. 1°), que vai indicar um objetivo a ser alcançado, um guia de atuação para que o Estado possa propiciar os meios necessários a uma vida humana digna. Com isso, também serve como orientação para a interpretação e a criação de outras normas.

Como Immanuel Kant diz, a pessoa tem valor superior ao objeto e nunca poderá ser tratada como um. É nesse sentido de valoração do ser, que a dignidade vem para garantir e defender esses direitos inerentes o homem, no qual asseguram as mínimas condições possíveis para a convivência (saudável, nos aspectos: físicos, mentais e morais) da pessoa na sociedade.

A dignidade da pessoa humana, na sua acepção contemporânea, tem origem religiosa, bíblica: o homem feito à imagem e semelhança de Deus. Com o Iluminismo, ela migra para a filosofia, tendo por fundamento a razão, a capacidade de valoração moral e autodeterminação do indivíduo. Ao longo do século XX, ela se torna um objetivo político, um fim a ser buscado pelo Estado e pela sociedade. Após a 2ª. Guerra Mundial, a idéia de dignidade da pessoa humana migra paulatinamente para o mundo jurídico (...). O surgimento de uma cultura póspositivista, que reaproximou o Direito da filosofia moral e da filosofia política, atenuando a separação radical imposta pelo positivismo normativista.(...) inclusão da dignidade da pessoa humana em diferentes documentos internacionais e Constituições de Estados democráticos. (BARROSO, 2010, p.4)

É notório o teor da obrigatoriedade da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico, encontra-se nessa relação, algo que é superior às leis do homem, partindo da natureza humana, cujo nunca pode ser ferida.

A dignidade humana, então, é um valor fundamental que se viu convertido em princípio jurídico de estatura constitucional, seja por sua positivação em norma expressa seja por sua aceitação como um mandamento jurídico extraído do sistema. Serve, assim, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais. (BARROSO, 2010, p.11)

Compreende-se assim, o objetivo final desse princípio: a proteção do ser humano contra tudo que possa lhe atingir, a integridade, a sua essência, defendendo-o do desrespeito.

CONCLUSÃO

 

Tendo em vista todos os assuntos abordados ao longo do paper, as sociedades atuais tem uma fascinação pelo corpo perfeito, sendo ele um ideal a ser alcançado por muitos. O meio midiático e a indústria da moda só reforçam essa cultivação, para que corpo se transforme em um objeto de valores morais e monetários. Valores morais esses que o Direito reconhece como, direitos da personalidade.

 É necessário que primeiramente o homem se faça um ser de valor, para depois o Direito estabelecer a positivação de suas necessidades irrefutáveis. Portanto apesar do controle sobre suas características de existência, a pessoa deve ser a primeira a garantir esse direito, dando destaque ao direito de integridade física (do próprio corpo), para que este seja respeitado (como já estabelecido em um principio fundamental, de competência internacional), visando sempre seu bem estar: físico, psicológico e moral.

Nesse ponto, afirma-se a visão de Maria Helena Diniz sobre a questão do Direito Natural, onde tais características (que se encontram no Direito da Personalidade e na proteção da Dignidade humana) são inerentes ao positivismo jurídico. São qualidades indispensáveis a vida humana, portanto antecede o ordenamento jurídico.

REFERÊNCIAS

PAIM, Maria Cristina Chimelo. Corpos em metamorfose: um breve olhar sobre os corpos na história, e novas configurações de corpos na atualidade. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd79/corpos.htm >. Acesso em: 22 de abr. de 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 7° ed. São Paulo: Atlas, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: 1. Teoria Geral do Direito Civil. 26° ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

FIRACE, Renata. A sociedade do culto ao corpo perfeito. Disponível em: <http://www.metodista.br/cidadania/numero-59/a-sociedade-do-culto-ao-corpo-perfeito/>. Acesso em: 22 de abr. de 2012.

ROSÁRIO, Níssia Martins. Mundo contemporâneo: corpo em metamorfose. Disponível em: <http://www.jorgematheus.jex.com.br/intersexo/mundo+contemporaneo+corpo+em+metamorfose>. Acesso em: 22 de abr. de 2012

BARROSO, Luís Roberto. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO DIREITO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO: NATUREZA JURÍDICA, CONTEÚDOS MÍNIMOS E CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2010/12/Dignidade_texto-base_11dez2010.pdf>. Acesso em: 22 de abr. de 2012.