O DOGMA DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO  E SEU ABRANDAMENTO PELA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ATRAVÉS DA TÉCNICA

DA PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS

 

Márcia Thaís Soares Serra Pereira

 

 

RESUMO

 

Estudo sobre o princípio da supremacia do interesse público. Busca-se discutir acerca  do referido princípio e seu abrandamento pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por meio da técnica da ponderação de princípios, desenvolvida por Robert Alexy. Para tanto, será realizada uma breve discussão acerca do princípio da Supremacia do Interesse Público, seus elementos característicos e mais relevantes; discutir-se-á acerca da técnica da ponderação dos princípios, apresentando os elementos principais da mesma e finalmente, haverá uma breve análise jurisprudencial, no intuito de compreender as atuais decisões e posicionamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Palavras-chave: Supremacia do interesse público. Ponderação dos Princípios. Supremo Tribunal Federal.

1 INTRODUÇÃO

 

O sistema jurídico brasileiro é composto, além das leis e jurisprudências, por regras e princípios que auxiliam no processo de interpretação jurídica. Trata-se de uma fonte de notada relevância, uma vez que viabiliza a análise de casos onde existem lacunas e/ou conflito de interesses.

Desta maneira, constata-se a existência dos princípios gerais de direito, que se caracterizam por se constituir no eixo norteador de todas as demais fontes do direito. Ademais, os princípios podem ser explícitos – recolhidos no texto da Constituição ou da lei – ou implícitos – os quais resultam da análise de um ou mais preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislação infraconstitucional.

Isso posto, constata-se que o ordenamento jurídico faz uso dos princípios na tentativa de subsidiar toda a prática jurídica. Desta maneira, busca-se proteger a sociedade de decisões injustas e infundadas a partir dos preceitos e valores que esta mesma sociedade apregoa. Isto porque os princípios jurídicos nascem da própria sociedade e precisam ser revistos continuamente no intuito de fazer valer a justiça.

O Direito Administrativo, como todo e qualquer ramo do direito, apresenta princípios específicos, os quais precisam ser utilizados continuamente. Dentre tais princípios, destaca-se o da Supremacia do Interesse Público. Este, é considerado o grande axioma do Direito Administrativo, o eixo norteador de todos os julgados e que serve de suporte inclusive para outros ramos do Direito.

Seu poder absoluto, no entanto, tem sido alvo de inúmeras críticas e questionamentos. Por este motivo, o presente estudo visa discutir acerca da relativização do referido princípio, conforme se constata a seguir.

2 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO: caracterização e análises complementares

O direito administrativo apresenta como pilar fundamental o princípio da Supremacia do Interesse Público. Trata-se de um princípio que privilegia o interesse da coletividade, ou seja, o interesse da coletividade se sobrepõe em relação ao interesse do particular. Desta maneira, constitui-se em um princípio que se faz presente ainda no momento da elaboração da lei e se estende até a sua aplicação no caso concreto.

Conforme ensinamentos de Di Pietro (2011, p. 65) “Ele [o princípio da supremacia do interesse público] inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação. Constata-se, assim, que tal princípio visa tutelar o exercício da justiça social, do bem comum e do bem-estar coletivo, fazendo com que interesses individuais sejam colocados em segundo plano.

Desta maneira, percebe-se que tal princípio vincula não apenas o legislador no momento da elaboração da lei, mas especialmente a Administração Pública ao aplicá-la, constituindo-se em um efetivo dever da mesma.

Além disso, destaca-se a inter-relação entre este princípio e o da supremacia dos interesses públicos. Nesta perspectiva, Celso Antonio Bandeira de Mello (2004, p. 69) afirma que

significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser as intentio legis. (...) As pessoas administrativas não têm portanto disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda e realização. Esta disponibilidade está permanentemente retira nas mãos do Estado (e de outras pessoas políticas, cada qual na própria esfera) em sua manifestação legislativa. Por isso, a Administração e a pessoa administrativa, autarquia, têm caráter instrumental.

 

O descumprimento para com o seu dever por parte da administração pública, caracteriza omissão. Desta maneira, a autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhes são conferidas por lei, nem mesmo deixar de punir sempre que perceber a existência de ato ilícito administrativo, ou ainda deixar de exercer o poder de polícia sempre que necessitar fazer valer o direto da coletividade; nem deixar de exercer poderes decorrentes da própria posição hierárquica que ocupa ou ainda fazer uso da liberalidade do dinheiro público. Isto porque a omissão em qualquer uma destas condutas significa prejuízo ao interesse público (DI PIETRO, 2011, p. 67).

Ademais, o princípio do interesse público encontra-se expressamente regulamentado no artigo 2º, caput, da Lei 9.784/99, havendo a exigência de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei”.

Em outras palavras, sempre que houver a necessidade de sacrificar um interesse individual e um interesse público coletivo, prevalece o interesse público. São as prerrogativas conferidas à Administração Pública, porque esta atua por contados interesses públicos. Frente ao exposto, fica muito claro que o interesse público é irrenunciável pela autoridade administrativa.

A partir da compreensão destes elementos, cumpre questionar: Afinal, o que é interesse público? Na tentativa de elucidar tal questionamento, muitos doutrinadores incitam a profundas reflexões, tais como: 1) o interesse público visa proteger o interesse da coletividade e, como tal, busca o bem comum; e 2) o interesse público pode resguardar interesses entre o Estado – representante da coletividade – e o particular (o que não significa dizer proteção ao direito coletivo, mas àquele que o Estado considera pertinente).

O conflito entre interesses públicos e particulares pode gerar questões ainda mais controvertidas. Afinal, qual coletividade se pretende proteger? Quais os elementos que fundamentam tal proteção?

Pedron ([201-]), ao realizar uma análise pormenorizada da problemática, afirma que “a associação do interesse público ao interesse de uma maioria da sociedade mostra-se insuficiente sob o prisma de uma democracia pluralista, que garante a inclusão da perspectiva de todos os envolvidos”. Desta maneira, constata-se a necessidade de relativização deste princípio. Para tanto, discute-se acerca da técnica da ponderação dos princípios proposta por Alexy, conforme se vê a seguir.

3 A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE ROBERT ALEXY

Robert Alexy constitui-se em um dos mais influentes juristas alemães da contemporaneidade. Em seus estudos, buscou distinguir, normas regras e princípios e rompeu com a visão tradicionalista com que estes são vistos.

Assim, para Alexy norma é o gênero, do qual princípio e regra são espécies. Além disso, o referido jurista afirma, ao contrário dos juristas mais tradicionalistas, que “podem existir regras com grau de generalidade elevado e que seriam fundamentos para outras regras” (KÖHN, 2006).

Ainda conforme, o referido estudioso, ainda que duas regras não possam coexistir quando contraditórias, o mesmo não ocorre com os princípios, os quais podem existir juntamente, sem que haja invalidação. Assim, há necessidade de ponderação dos princípios no caso concreto. Nestes termos, o conflito será resolvido a partir da análise daquele que possui maior incidência no caso concreto.

Isso posto, não há como saber qual princípio que deverá ter prevalência. Mesmo em situações similares, as pequenas distinções podem fazer com que a incidência recaia sob um ou outro princípio.

Além disso, Alexy ensina que todos os princípios a priori têm o mesmo valor e peso. Caso dois ou mais princípios colidam, deve ser ponderado no caso concreto qual princípio deve prevalecer para fazer Justiça. Desta maneira, não há como se resolver o conflito eliminando um dos princípios do rol dos princípios, também não se estabelece uma regra geral, pela qual um princípio prevalece diante de outro, e tampouco se estabelece uma regra de exceção, pela qual em tese um princípio prevalece, mas que em certos casos pode prevalecer o outro.  Assim, não existe uma preferência absoluta de um princípio diante de outro, mas uma preferência condicionada. Nestes termos, Alexy (apud KHÖN, 2006) escreve:

A solução da colisão consiste, ao contrário, em estabelecer, considerando as circunstâncias do caso, uma relação de preferência condicionada dos princípios. O estabelecimento da relação de preferência condicionada dos princípios, por sua vez, consiste em que, em referência ao caso sejam indicadas as condições sob as quais um dos princípios precede o outro. Em outras condições, a relação de preferência condicionada dos princípios pode ser ao contrário.

Para avaliar, qual princípio é no caso concreto o mais justo, se utiliza o princípio da proporcionalidade, como critério da ponderação. Neste sentido, Robert Alexy (apud SCHÖN, 2006) afirma que “quanto maior o prejuízo causado pela desconsideração de um princípio, maiores devem ser as vantagens obtidas pela preferência do outro. Esta lei da ponderação é importante para destacar, que o peso de cada princípio deve ser considerado, mas não é um critério para saber qual princípio tem o maior peso.”

Além disso, Alexy (apud PEDRON, [20--], p. 11) destaca a  possibilidade de ponderação de valores, ao afirmar que:

Com a ajuda de conceitos de valor classificatório se pode dizer que algo tem um valor positivo, negativo ou neutro; com a ajuda de conceitos de valor comparativo, que a um objeto que se deve valorar corresponde um valor maior ou o mesmo valor que outro objeto e, com ajuda de conceitos de valor métrico, que algo tem um valor de determinada magnitude.

Frente ao exposto, cumpre analisar o posicionamento do STF no que concerne à primazia do princípio da supremacia interesse público em face do direito privado. Constata-se a partir da análise de julgados da Suprema Corte, que a primazia ainda é o pilar das decisões. No entanto, constata-se uma tendência à relativização dos princípios em alguns casos específicos, o que não significa afirmar a aplicabilidade da técnica da ponderação dos princípios proposta por Alexy. Ao realizar uma análise destas situações, Cattoni de Oliveira (apud PEDRON, [20--]) afirma:

O que eu discordo, em princípio, é quanto à afirmação de parte da doutrina atual segundo a qual, recentemente, o STF estaria relativizando o “princípio da supremacia do interesse público”, ao ponderar, usando como critério a proporcionalidade, interesse público (estatal) e interesse privado. Não penso assim. Há uma tendência jurisprudencial a se relativizar, isto sim, a distinção entre questões políticas e questões jurídicas, com conseqüências para a compreensão da separação de poderes, para o papel do STF, para a práxis e para a metódica constitucionais. Por exemplo, ao considerar que, no exercício do controle concentrado, o STF exerce “tarefas não somente jurídicas mas políticas”, ele é “legislador negativo”, mas também “legislador positivo”, ainda que excepcional, em prol de um “interesse público ou social maior”

Constata-se a partir da leitura do exposto, que a própria definição de interesse público causa controvérsias e gera ainda mais discussões. Além disso, percebe-se a relevância do estabelecimento de condutas mais precisas e claras para a resolução dos conflitos, uma vez que qualquer medida que esteja pautada em critérios alheios ou desconhecidos gera profunda insegurança jurídica e compromete o efetivo Estado Democrático de Direito.

 

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

É evidente a necessidade de se analisar os posicionamentos do STF quando da aplicabilidade – ou não – do princípio da supremacia do interesse público.  A análise de tais posicionamentos reforça a tese de que há uma tendência quanto à relativização dos interesses, do ponto de vista políticos e jurídicos.

A definição clara e precisa de critérios e parâmetros é de fundamental importância para o exercício e garantia do estado democrático de direito e, por conseguinte, do efetivo exercício da justiça.

Desta maneira, entende-se que não há como estabelecer um outro principal como fundamental ou superior, mas que cada situação deve ser avaliada a partir dos elementos existentes no caso concreto. Estes, aliás, são os critérios contidos na técnica da ponderação dos princípios propostos por Alexy.

Por fim, destaca-se a necessidade de o STF repensar as práticas desenvolvidas no intuito de efetivar os princípios gerais do direito e garantir um acesso livre, igualitário e impessoal. Assim, torna-se mister que decisões pautadas em interesses de pequenos grupos (pequenas coletividades) devem ser ressignificadas no intuito de garantir um verdadeiro alcance das normas e princípios jurídicos.

REFERÊNCIAS

 

 

DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

 

 

KHÖN, E. Princípios e regras e sua identificação na visão de Robert Alexy. 2006. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1440. Acesso em: 10 out. 2011.

MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.

 

 

PEDRON, Flávio Quinaud. O dogma da supremacia do interesse público e seu abrandamento pela jurisprudência do STF através da técnica da ponderação dos princípios. [20--]. Disponível em: www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_96.pd. Acesso em: 07 out. 2011.