O discurso do deputado e a ética parlamentar

O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (CECD) foi aprovada em 2001, através da resolução de nº 25 de 2001, após 9 anos de debate e esforço para “regulamentar a ética nessa Casa do Congresso Nacional” (CECD, p. 7, 2002), com o intuito de consagrar a transparência e vencer abusos em potencial (2002).

Em uma das primeiras páginas do Código de Ética da Câmara dos Deputados encontra-se escrito:

É o Parlamento que torna possível a representação política da sociedade, refletindo as opiniões e os sentimentos dos cidadãos. É o parlamentar que dá voz à comunidade e transforma os anseios populares em ação política” (CECD, p. 5, 2002).

Entretanto, essa prática parece não estar refletida em alguns discursos proferidos na votação na Câmara dos Deputados, sobre o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rouseff, em abril deste ano. O intuito deste artigo é comparar trechos do texto do Código em questão com algumas falas de deputados, quando justificando seus votos.

Sobre a imagem negativa sobre os deputados que, as vezes, é passada para a sociedade, encontra-se no texto do Código de Ética que tal decorre do “suposto trabalho em causa própria” (CECD, p. 5, 2002). Ora, não foi exatamente em razão de causa própria que muitos deputados votaram ao favor/contra o impeachment, quando mencionando familiares e crenças pessoais para justificar o voto?

Por exemplo, quando a deputada Raquel Muniz dedicou seu voto, afirmando ser “pro Tiago, Gabriel, Mateus, […] (informação verbal)”1 , claramente foi de encontro ao previsto pelo Código de Ética, no inciso VI do artigo 3º, que afirma ser dever do deputado “examinar todas as proposições submetidas a sua apreciação e voto sob a ótica do interesse público (grifo meu)” (CECD, p. 12, 2002). É atribuição do deputado buscar o bem comum e, portanto, usar de argumentos e raciocínio desvinculados do interesse próprio.

Observada em outros discursos, a ofensa era, muitas vezes, explícita, como no discurso de Glauber Braga: Eduardo Cunha, você é um gangster. E o que dá sustentação a sua cadeira cheira a enxofre (informação verbal)2. Que transgride o que está descrito no artigo 5º, inciso III, do Código de Ética, como uma conduta que atenta contra o decoro parlamentar: praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou comissão, ou os respectivos Presidentes (CECD, p. 13, 2002).

Além disso, o Código de Ética afirma ser dever fundamental do deputado “tratar com respeito e independência os colegas, as autoridades, os servidores da Casa e os cidadãos com os quais mantenha contato no exercício da atividade parlamentar, não prescindindo de igual tratamento.” (CECD, p. 12, 2002).

Até a ordem máxima, que é a Constituição Federal, foi confrontada com discursos de alguns deputados que saudaram e exaltaram a “república de Curitiba”. Acima de tudo, deve-se respeitar e cumprir a Constituição, como afirma o inciso II do artigo 3º, do Código de Ética. Entretanto, certos deputados, com tais falas, feriram a Carta Maior, pois está declarado na Constituição Federal que a República Federativa do Brasil é indissolúvel.

Ainda que haja imunidade parlamentar, questiona-se a extensão dessa prerrogativa. Por exemplo, quando olhamos para o discurso do deputado Jair Bolsonaro, que homenageia um agente praticante de tortura e colaborador de tantas atrocidades durante o período militar, perguntamo-nos se o estado de direito não está sendo agredido e, talvez, ameaçado a partir de tal.

Neste caso específico, houve certa intervenção da Ordem dos Advogados (OAB) para avaliar as declarações do deputado em questão. Mas, o caso ainda está em processo de análise, e seguirá o tempo dito daquela instituição. Não há um “órgão de controle” dentro do próprio legislativo, que deve estar atento e se faça cumprir a Carta Magna e o próprio Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados?

Estabelecido na mesma resolução que aprova o Código, está previsto um Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (COETICA). Cabe, então, ao próprio COETICA, já que estão previstas no capítulo 5 do Código de Ética, as atribuições de acatar denúncias, analisar os fatos, julgar e punir aqueles que atuam de maneira contrária ao estabelecido pelo Código.

E, se não está se fazendo valer desta norma, cabe, ao cidadão fiscalizar as ações de seu deputado e exigir que se faça cumprir a norma, pois também está garantido no Código de Ética a representação legítima de qualquer cidadão junto à Mesa da Câmara dos Deputados (2002).

Portanto, que os últimos acontecimentos no cenário político brasileiro, evidenciando atuação (ou não) do legislativo e dos congressistas, possa ser interpretado como um chamamento à sociedade de participação ativa na política, não deixando apenas o “destino” à mercê do voto, mas exigindo de seus representantes clareza e transparência dos atos, e o cumprimento das normas as quais estão submetidos.

Referências bibliográficas

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Código de ética e decoro parlamentar da Câmara dos Deputados : aprovado pela Resolução n. 25, de 2001. – Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.

1Sessão de Votação na Câmara dos Deputados, 17 de abril de 2016.

2Sessão de Votação na Câmara dos Deputados, 17 de abril de 2016.