Diante do desvalor social, ou seja, uma conduta que ataque um bem reputado importante, é que se configura o ato infracional e conseqüentemente a responsabilização do adolescente.
O Estado não poderia ficar inerte e irresponsável diante de condutas que quebram a harmonia social, a paz, as regras de convivência, que violem bens jurídicos por ele mesmo garantido, e que até ele deve respeitá-los. Assim, o Estado por meio da Lei 8.069/90 trouxe para si a responsabilidade de imputar uma resposta para aquele que comete ato infracional. Não sendo a menoridade do infrator determinante de sua responsabilidade ou não e sim o desvalor social impingido em sua conduta.
O sistema de repressão à criminalidade infanto-juvenil deriva da concepção de ato infracional como desvalor social .
Trabalhar somente a causa da criminalidade infanto-juvenil não é suficiente para redução da mesma, deve-se atacar com maior eficácia seus efeitos. Através de penalizações que mostre ao adolescente que sua conduta não tem adequação social, que deve limitar-se à medida que esbarra na esfera do outro, que devemos respeito ao próximo..., e portanto, sempre que cometa um ato infracional deve ser penalizado e responsabilizado por ele.
A necessidade de proteger a sociedade, através da proteção dos direitos de seus indivíduos, como o direito a vida, ao patrimônio, a dignidade, e etc, enseja a pretensão estatal de imputar uma medida jurídica ao infrator, ou seja, a sua responsabilização sempre que viole tais direitos. Apartir do momento que o Estado avocou para a si a função/ poder/ dever jurisdicional, compete a ele a pacificação social. Sendo, portanto, uma resposta a sociedade, que dela tanto necessita.
A pretensão punitiva estatal no Direito Penal Comum surge com a prática de conduta descrita como crime ou contravenção. Da mesma forma ocorre na aplicação das mediadas sócio-educativas, que são aplicáveis quando do cometimento de um ato infracional, que conforme o art. 103 do ECA é a conduta tipificada como crime ou contravenção. Logo, fica notório o seu caráter preponderantemente penal, já que o motivo que dá ensejo a sua aplicação é a conduta reprovável (crime ou contravenção), necessitável de resposta, e não a causa do comportamento.
A determinação de comportamentos e aquisição de valores se mostra uma conseqüência natural do reconhecimento pelo adolescente do seu erro e reprovabilidade de sua conduta, através de sua responsabilização penal. Logo, não se pode elevar o caráter pedagógico a uma posição que determine o conteúdo preponderante, e conseqüentemente a natureza jurídica das medidas sócio-educativas. Sendo aquele um dos fins a ser atingido e uma implicação lógica e natural.
A Constituição Federal em seu art. 228 , preceitua que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, e dessa forma estão sujeitos às normas da legislação especial. Porém, vale esclarecer que o legislador estabeleceu tal inimputabilidade diante da lei penal comum. Do contrário, se determinasse a responsabilização de adultos e adolescentes pelos mesmos critérios e intensidade estaria violando um dos direitos fundamentais por ela assegurados, o Direito Fundamental à isonomia. E como é cediço, a máxima do princípio da isonomia é a igualdade material, ou seja, tratamento igual para os iguais e tratamento desigual para os desiguais. Observando tal princípio a Constituição Federal remete o adolescente a uma legislação específica condizente com suas peculiaridades, ou seja, uma atenção diferenciada por parte do Estado. Entrementes, não é porque os adolescentes não se subordinam ao Código Penal Brasileiro que se pode afirmar logicamente que são inimputáveis. Admitir a existência do Direito Penal somente no Código Penal é ter uma visão simplista demais do Direito e fechar os olhos para as características e a verdadeira essência que outros sistemas legais carregam e que são determinantes de tal ramo, verbi gratia a Lei 8.069/90.
Destarte, os adolescentes respondem frente a legislação respectiva, porquanto são imputáveis diante dela .
"O autor do ato infracional conta, no Estatuto, com esfera própria para apuração e julgamento de sua conduta, assecuratória de garantias processuais específicas "
Também não é a especialidade da pessoa em desenvolvimento que afasta a idéia de direito penal, apenas é indispensável a devida adequação mediante um direito penal diferenciado, denominado Direito Penal Juvenil, data vênia, opiniões em contrário é nítida sua existência no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A responsabilização dos adolescentes, portanto é peculiar, integra ramo autônomo do Direito e é fundamentada por legislação internacional e regras constitucionais, possui princípios próprios e diploma legal específico (ECA).
Murilo Digácomo, assim como muitos estudiosos, defendendo um Direito a Socio-educação constante do ECA, afirma que haveria uma incongruência em admitir a existência de um Direito Penal Juvenil diante da Doutrina da Proteção Integral estabelecida pela Constituição Federal. No entanto, é oportuno trazer a baila um dos princípios basilares da proteção integral, o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente. Tal princípio não deve ser visto apenas sob o enfoque individual do menor, mas principalmente pela ótica social. Como compreender um desenvolvimento social saudável do menor se não lhe é dada à oportunidade de entender e responder pelas conseqüências dos seus atos? Que consciência esse menor estará adquirindo? A doutrina da proteção integral deve além de garantir direitos individuais do menor como a sua integridade, honra, educação, saúde, vida, entre outros, deve mais ainda se preocupar com a vida social daquele. Conscientizando-o para pensar antes de agir, pois os rebatimentos dos seus atos podem ser drásticos, a manter o respeito para com os outros indivíduos, a entender que a nossa atuação é limitada pelos direitos do outro e principalmente que cada qual responde pelos seus atos. Só assim a Doutrina da Proteção Integral estará preocupada com a emancipação de cidadãos socialmente responsáveis.
Ainda para corroborar a existência de um Direito Penal Juvenil Brasileiro, predominam no ECA, assim como no Direito Penal Comum, os princípios da despenalização, descriminalização e do Direito Penal Mínimo, mostrando-se as penas restritivas de direitos como alternativas à privação de liberdade. Além do mais, os princípios da legalidade, da retributividade ( mitigada pela possibilidade da remissão), do caráter pedagógico e excepcional das medidas sócio-educativas constituem garantais de natureza penal, que também estão presentes no Estatuto .
Vale registrar que o caráter pedagógico das medidas sócio-educativas por si só não extingue a idéia de Direito Penal, pois ele é próprio e inerente a este. O Direito Penal reprime justamente com vistas a obter esse fim pedagógico do indivíduo, e assim restabelecer a harmonia social.
Se as medidas sócio-educativas forem vislumbradas apenas como um direito a sócio-educação, estas deveriam se restringir ao âmbito do adolescente, pois seria literalmente um DIREITO seu, sem qualquer preocupação com a adimplência, resposta e satisfação social. Porém, é cristalina a preocupação do legislador com uma contraprestação social, como por exemplo, na medida de reparação do dano.
Deve-se enxergar a punição do adolescente não como uma imposição de aflição e sofrimento como querem muitos, mas como uma conseqüência jurídica dos seus atos. E dessa forma deve ser aplicada sempre.
É tão evidente o seu caráter retributivo que o ECA em seu art. 112 § 3º, preleciona que a medida deve guardar correlação com a gravidade da infração, ou seja, deve haver uma proporcionalidade entre a sanção e o ato infracional.

CONCLUSÃO
Discute-se com muita veemência atualmente sobre a fragilidade do sistema de responsabilização do ECA, que não se mostra eficaz diante dos fatos sociais. Diante disso e perante a crescente criminalização e violência juvenil formou-se um grande debate acerca da redução da maioridade penal, com o intuito de responsabilizar os menores infratores por seus atos.
Porém, esta não é a solução para a problemática. Em verdade ela nos já está posta. Reconhecer a existência do Direito Penal Juvenil e sua verdadeira implementação acalmaria os clamores leigos de um povo que ainda não compreendeu o sistema penal juvenil que temos, talvez por falta de oportunidade para conhecê-lo e interesse dos poderosos que teimam em não reconhecê-lo.
Não se pode olvidar que de fato o Estatuto é bastante novo e com ele passamos por mudanças bruscas. Dessa forma, ligeiramente também pode-se concluir, que a sua exegese não está madura o bastante para haver uma implementação conforme o seu espírito.
No entanto, o que se quer por ora deixar bem claro, é que embora a medida sócio-educativa não esteja prevista no Código Penal Brasileiro, as suas características, a sua essência e os seus princípios denunciam o seu irredutível caráter penal. A impropriedade do nome ? sócio-educativa ? é irrelevante, o que interessa é que sempre corresponderá a responsabilização do adolescente pelo ato infracional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DE PAULA, Paulo Afonso Garrido de Paula. Natureza do Sistema de responsabilização do adolescentes autor de ato infracional.
SARAIVA, João Batista Costa. Garantias processuais do adolescente autor de ato infracional.
DIGIÁCOMO, José Murillo. Garantias processuais do adolescente autor de ato infracional.
SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal juvenil: adolescente e ato infracional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coordenadora). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lúmem Júris, 2006.
SILVA, Antonio Fernando do Amaral. O Estatuto da Criança e do Adolescente e sistema de responsabilidade penal juvenil ou o mito da inimputabilidade penal.