Maria Francisca Carneiro

Doutora em Direito pela UFPR, pós-doutora em Filosofia pela Universidade de Lisboa.

PALAVRAS-CHAVE

Direito – tato – textura – analogia – Multisensory Law.

 

 Considerações iniciais sobre Direito e tato

Sobre o tato e a textura – definições e elaborações

 

 Considerações iniciais sobre Direito e tato

                Na vanguarda dos estudos atuais sobre a Filosofia do Direito e outras extensões dela decorrentes, encontramos um novo ramo do conhecimento denominado Multisensory Law,[1] na expressão cunhada por Colette R. Brunschwig.

                Diversos estudos têm sido desenvolvidos nessa seara, incluindo análises sobre direito visual, conjecturas sobre olfato e direito, sabores do direito, etc. Trata-se de puras abstrações ou meras analogias, que visam a colaborar com o assunto à guisa de exercícios de raciocínio, embora, em outras vertentes da matéria, já seja possível verificar aplicações práticas, particularmente no âmbito digital.

                     Entretanto, neste ensaio, tencionamos nos ater ao mero exercício do pensamento abstrato, traçando assim uma eventual analogia entre o sentido físico do tato e o Direito. A relação que pretendemos delinear entre o Direito e o tato não é concreta e realística e sim uma analogia, entendida como “extensão provável do conhecimento mediante o uso de semelhanças genéricas que se podem aduzir entre situações diversas”.[2] Portanto, estas páginas devem ser lidas não buscando equivalências ou correspondências, mas como um ensaio analógico entre Direito e tato, onde o espírito aceita intuitivamente a analogia proposta, compreendida como similaridade.[3]

Antes de iniciarmos este estudo, é importante observar que as reflexões analógicas podem ser problemáticas e ocasionar erros, pois se pode considerar que não é legítimo e às vezes nem lógico passar de um conceito a outro, em diferentes áreas do conhecimento, fazendo transposições abruptas, tentando justificar o injustificável ou o impossível.    Desse modo, pela analogia, pode-se produzir delírios e vertigens,[4] como também prodígios e pensamentos sensatos. Assim, é preciso ter cuidado,  lembrando a recomendação do Estagirita,[5] de não perder de vista a perspectiva de manter cada assunto em seu devido lugar, ou seja, compreender a natureza de cada coisa e de cada proposição.

Vejamos.

Qual poderia ser a relação analógica entre o Direito e o tato? O tato, enquanto um dos cinco sentidos físicos, é uma forma de toque, que provoca sensações térmicas (quente, frio, morno, etc.) ou têxteis, referentes à textura dos objetos (áspero, macio, suave, etc). Desse modo, a respeito do Direito e do tato, poderíamos divagar sobre expressões jurídicas “quentes” ou “frias” (temperatura); ou então “ásperas” ou “macias” (textura), considerando-se as polaridas extremas térmicas ou têxteis dessas denotações; ambas táteis.

Aventemos então a idéia de que um Direito “áspero” poderia ser, por hipótese, o Direito Penal, com seu rigor, apenamento e coersividade. Por outro lado, expressões jurídicas algo “suaves” ou “macias” poderiam ser, por hipótese, a conciliação, como também a mediação e outras formas alternativas de solução de litígios.

Pensemos hipóteses sobre as temperaturas jurídicas: debates acalorados, controvérsias jurisprudenciais abrasadas, etc., e, em contraponto, a jurisprudência mansa, pacificada  e remançosa, legislação congelada no tempo – por exemplo, o Direito de Sucessões no Brasil, etc. . A temperatura morna no cotidiano modorrento, burocrático e repetitivo das lides forenses... Qual é a temperatura da paz jurídica?.

Mas há ainda um interessante uso do conceito[6] de tato, que pode render boas reflexões para o caso jurídico: trata-se do tato como jeito adequado e boa maneira de condução das coisas. Diz-se que uma pessoa tem tato quando tem aquilo que costuma dizer em francês: savoir-faire. Ou seja: é um saber-fazer; um fazer bem feito.

Quem diz “tato”, diz também “não-tato”, pois a afirmação implica a negação. Ambas fazem parte da totalidade e podem ser uma e a mesma coisa. Portanto, tocar pode ser um modo de não-tocar verdadeiramente. Depende da geometria.

É possível também falar-se em tipos mais ou menos sutis de tato, que não precisa, necessariamente, ater-se sempre às mesmas formas grosseiras da matéria, mas pode sobretudo referir-se a ângulos maiores, projetando círculos mais amplos de liberdade e espontaneidade.

Há ainda os sucessivos momentos no tempo do tato: o primeiro momento, o segundo momento, e então todos os demais momentos, configurando-se etapas gradativas de aproximação, todas conseqüentes, porque aí está implícita a relação entre antecedente e conseqüente; e também a relação entre causa e efeito, porque não há efeito sem causa. Não se trata simplesmente da temporalidade do tato, ou dos atos do tato como fato, mas sim de sua complexidade.   

Passemos então à definição vocabular de “tato” e “textura”, para não fugirmos (ou deveríamos?) ao classicismo da tradição ocidental acadêmica, que sempre começa, ou pelo menos inclui, aspectos filológicos nas reflexões que enceta.

 

Sobre o tato e a textura – definições e elaborações

                Tato é “o sentido pelo qual percebemos a extensão, a temperatura, a consistência, e outras qualidades dos corpos, pondo em contato com eles o nosso corpo. [É] a sensação causada pelos objetos quando os apalpamos. Ato de apalpar, de tatear: Cristo dava saúde pelo tato. (Vieira)”.[7] (Itálico no original). 

                O vocábulo “textura”, por sua vez, pode ser definido como “ação ou efeito de tecer. Tecido. União íntima das partes de um corpo que formam um como tecido: contextura, rede; organização: textura das fibras. As primeiras (as peças essenciais) são de textura córnea e polida e ocupam o centro do sistema”.[8] (Itálicos no original).

                Como se vê, é possível divagar bastante a respeito do tato, do Direito e das texturas. Estamos certa de que o leitor que nos brinda com a sua atenção certamente poderia colaborar com as ideias a respeito do assunto!

 

 

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5 Referências

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. (Trad. de Alfredo Bosi), 2ª. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.

 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [s.l.].

 

 

BOUVERESSE, Jacques. Prodiges et vertiges de l’analogie – De l’abus des belles-lettres dans la pensée.  Paris: Raisions d’Agir Éditions, 1999. 

 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [s.l.].

 

 

BRUNSCHWIG, Colette. R.  Multisensory Law and therapeutic jurisprudence: how family mediators can better communicate with their clients. In: 5Phoenix L. Rev. (2012).

 

BRUNSCHWIG, Colette. R. Law is not or must not be Just verbal and visual in the 21st century: towards multisensory law. In: Internationalisation of Law in the Digital Information Society, Nordic Yearbook of Law and Information 2010-2012, Copenhagen: TutoPublishing.

 

CARNEIRO, Maria Francisca. On heterodox aesthetics: analogical relations between arts and logics. AuthorHouse: Bloomington, 2007. 

 

FINGER, Ingrid. Metáfora e significação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.   

 

MENDONÇA, Nadir Domingues. O uso dos conceitos – Uma tentativa de interdisciplinaridade. 3ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1988. FINGER, Ingrid. Metáfora e significação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.   

 

 

[1] BRUNSCHWIG, Colette. R.  Multisensory Law and therapeutic jurisprudence: how family mediators can better communicate with their clients. In: 5Phoenix L. Rev. (2012); et [1] BRUNSCHWIG, Colette. R. Law is not or must not be Just verbal and visual in the 21st century: towards multisensory law. In: Internationalisation of Law in the Digital Information Society, Nordic Yearbook of Law and Information 2010-2012, Copenhagen: TutoPublishing.

[2] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. (Trad. de Alfredo Bosi), 2ª. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 55.

[3] CARNEIRO, Maria Francisca. On heterodox aesthetics: analogical relations between arts and logics. AuthorHouse: Bloomington, 2007, p. 21-2.

[4] BOUVERESSE, Jacques. Prodiges et vertiges de l’analogie – De l’abus des belles-lettres dans la pensée.  Paris: Raisions d’Agir Éditions, 1999, p. 15. 

[5] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [s.l.].

[6] MENDONÇA, Nadir Domingues. O uso dos conceitos – Uma tentativa de interdisciplinaridade. 3ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1988; et FINGER, Ingrid. Metáfora e significação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.   

[7] AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da Língua Portuguesa. 2ª. ed. Brasileira, vol. V, Rio de Janeiro: Editora Delta S. A . , 1964, p. 3902.

[8] Idem, ibidem, p. 3958.