O DIREITO DE VISITA AVOENGA:

UMA ANÁLISE ACERCA DO CASO “BETTY FARIA” [1]

 

Darla de Medeiros Gonçalves Gaspar[2]

Thaís Rodrigues da Silva[3]

Vinícius de Oliveira Barros[4]

Anna Valéria Araújo de Miranda Cabral Marques[5]

 

Sumário: Introdução; 1 O Direito Civil e as relações avoengas; 2 Direitos e deveres dos avós; 2.1 A função dos avós na estrutura familiar; 3 O direito de visita nas relações avoengas; 4 Analisando o caso “Betty Faria” e o direito avoengo de visita; Considerações Finais e Referências.

 

RESUMO

O Código Civil em conjunto com legislações específicas, como o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente, procura assegurar ao indivíduo uma convivência harmoniosa e salutar de afetividade. É nessa tão ampla perspectiva de família que se inserem as relações entre netos e avós. E é com o objetivo de demonstrar como se dá a relação entre avô e neto, com enfoque principal no direito de visita que se fará tal artigo. Expondo, inclusive de maneira mais evidente e efetiva como ocorre tal relação a partir da demonstração de um caso concreto.

Palavras-Chave: FAMÍLIA – RELAÇÃO AVÔ E NETO – DIREITO DE VISITA – CASO CONCRETO.

INTRODUÇÃO

O mundo moderno passa por transformações constantes e a sociedade brasileira acompanha essas mudanças, principalmente a partir da família. É sabido que nem todas as famílias vivem harmoniosamente, pois as relações entre pais, filhos e netos também passam por crises de relacionamento. O Código Civil Brasileiro vem ajudar a resolver tais conflitos trazendo o Livro IV dedicado ao Direito de Família. A partir de seu estudo, observa-se a preocupação dos legisladores em assegurar os direitos individuais dos entes familiares.

É nessa perspectiva, que se disporá, em um primeiro momento, acerca do instituto originador do próprio direito de visita que o avô possui, que é a família, expondo-a na perspectiva do ordenamento jurídico, afirmando de que forma o sistema jurídico brasileiro dedica parte do Código Civil ao Direito de Família e prevê as relações parentais mais importantes para o indivíduo, como a existente entre pais, filhos e avós, demonstrando, inclusive, sua evolução, bem como o seu fundamento.

Em seguida, far-se-á uma exposição dos direitos dos avós, elaborando uma perspectiva de tais direitos enfocada na função que os avós exercem no desenvolvimento do indivíduo, afirmando-os como parte de uma estrutura contribuinte para o instituto familiar.Dessa forma, é mister considerar a importância, bem como esmiuçar o papel relevante que os avós exercem no desenvolvimento da criança e do adolescente.Verificando-se em termos de legislação, que, não somente o Código Civil, mas também o Estatuto da Criança e do Adolescente tem entre seus objetivos, assegurar uma convivência harmoniosa e pacífica para a criança e adolescente, o que, por conseguinte, requer a presença dos avós.

Dessa forma, o presente trabalho pretende enfocar o direito avoengo da visita. Para um melhor entendimento, o caso concreto da atriz Betty Faria vem ilustrar exatamente a ação do direito assegurado pelo ordenamento jurídico, enfatizando o caráter protecionista do Estado em relação aos valores familiares.

 

1 O DIREITO CIVIL E AS RELAÇÕES AVOENGAS

Todo ser humano, ao nascer, torna-se membro de uma família. Porém, o instituto familiar é conceituado de maneiras diversas pelos diferentes campos do saber. A História e a Sociologia, por exemplo, afirmam que a família é um conjunto de pessoas que vivem no mesmo local. A Psicanálise, por sua vez, parte dos papéis psicológicos desempenhados pelos indivíduos (o pai e a mãe não são, obrigatoriamente, os fornecedores dos gametas, mas sim àqueles que cumprem a função paterna e materna no inconsciente do indivíduo). Já para a Psicanálise, a família é definida a partir da proibição de relações sexuais incestuosas. O Direito conceitua família em função das relações jurídicas entre os sujeitos (COELHO, 2012).

As principais relações jurídicas que constituem a família, para o Direito, são as relações horizontais e as verticais. As horizontais são as relações de conjugalidade, como a relação entre as pessoas casadas, os que convivem em união estável, em união livre e as pessoas do mesmo sexo em comunhão de vida. Já as relações verticais são as de ascendência, como, por exemplo, a relação entre pais e filhos ou entre netos e avós. Normalmente são as relações horizontais que originam uma nova família. Porém, é possível que uma relação horizontal forme um novo núcleo familiar, como é o caso dos avós que acolhem um neto em sua casa (COELHO, 2012). Em sentido estrito, a família engloba o pai, a mãe e os filhos. É a família nuclear ou família conjugal. Já em sentido intermediário, o núcleo familiar é formado pelas pessoas que moram na mesma casa: é a família-lar (COSTA, 2009).

O avanço da ciência, as novas técnicas em medicina, a melhoria na qualidade de vida estão diretamente relacionados à longevidade da população. O aumento no número de pessoas mais velhas tem como consequência o aumento no número de avós. E esses avós estão mais saudáveis, com mais disposição e economicamente ativos, diferente de algumas décadas atrás. Todo esse cenário propicia uma maior convivência entre gerações (COSTA, 2009).

Algumas áreas do saber, como a Psicologia e o Direito, passaram a estudar a convivência entre gerações. O Direito atual passa por um fenômeno demográfico conhecido como multigeracionismo. Este movimento é caracterizado por alguns aspectos populacionais, dentre eles a convivência de três ou até quatro gerações de pessoas, membros da mesma família: bisavô, avô, pai e filho. Essa convivência é muito benéfica para o instituto familiar. Mas também podem gerar litígios, quebrando a harmonia e iniciando disputas que quase sempre tem como destino o poder judiciário (COSTA, 2009).

O avô e o neto são parentes em linha reta de segundo grau. Frases como “os avós são pais duas vezes”, “avós são segundas mães” e “avôs são segundos pais” são comumente ouvidas em conversas do dia a dia. A Constituição Federal, em seu artigo 227, prevê que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar (ARBELLI, 2008). Além disso, a doutrina entende que o Princípio da convivência familiar (pais e filhos devem, em princípio, permanecer juntos) se estende a outros membros da família, como os avós. É esse o direito que gera o direito à convivência familiar, direito do neto (GAGLIANO; FILHO, 2012).

2 DIREITOS E DEVERES DOS AVÓS

 

O direito à família é de grande relevo nos dias atuais. Maria Berenice Dias entende que vem logo atrás do direito à vida, justamente por possibilitar a constituição de sentimentos, valores e a realização de um projeto pessoal de felicidade (DIAS, 2010). Dentro da família, os avós são sujeitos de diversos direitos e deveres em relação aos seus netos. Dentre os principais, estão: o direito à ancestralidade, a obrigação alimentar, o direito de guarda, a tutela e a curatela e o direito de visita.

É possível identificar a ancestralidade de uma pessoa a partir dos nomes que recebe de seus pais e avós. Todos pertencem a uma família e tem o direito de conhecer sua origem, suas relações de parentesco. A busca da ancestralidade é um direito de personalidade, protegido constitucionalmente (artigos 5º e 226 da Constituição Federal). Os vínculos familiares são duradouros e se estendem ao infinito em linha reta (artigos 1.591 e 1.594 do Código Civil) (DIAS, 2010).

A partir do direito à ancestralidade, surge a possibilidade de o filho investigar a paternidade de seu pai. Porém, surge a dúvida: caso o genitor tenha falecido, é possível ação investigatória contra o suposto avô? Por se tratar de uma ação personalíssima, o texto legal pode acabar dificultando determinada pretensão, uma vez que o artigo 1.606 do Código Civil afirma que a ação de prova de filiação compete ao filho. Portanto, a tendência da jurisprudência sempre foi negar a ação de herdeiro falecido contra o suposto avô, declarando a falta de legitimidade do neto (DIAS, 2010).

Porém, é preciso questionar qual a extensão da palavra filiação no artigo 1.606 do Código Civil. Maria Berenice Dias comenta que os graus de parentesco em linha reta são infinitos, sendo limitados apenas os colaterais. Dessa forma, é possível estender o significado de filiação para toda a linha reta. É uma ação de ancestralidade em nome próprio, do neto contra o avô. O direito de ver a relação de parentesco reconhecida é um direito personalíssimo e diz respeito ao direito à ancestralidade (DIAS, 2010).

 

2.1 A função dos avós na estrutura familiar

Já foi admitida pelo Supremo Tribunal de Justiça a possibilidade de investigação de relação avoenga. No caso, os autores eram netos do réu. O pai nunca havia promovido a investigação de paternidade. Porém, a pretensão não era a investigação de paternidade. O que se buscava era o reconhecimento de parentesco em linha reta com os avós. Na V Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal foi aprovado o Enunciado 521, que permite que qualquer descendente promova, por direito próprio, o reconhecimento do vínculo de parentesco em face dos avós ou qualquer outro ascendente de grau superior (MONTEIRO; SILVA, 2012)

Em relação à obrigação alimentar, o Código Civil determina a reciprocidade da mesma entre pais e filhos. Essa obrigação pode recair sobre todos os ascendentes, tendo preferência sempre o mais próximo. A obrigação é primeiramente dos pais. Não tendo este condição, a obrigação é transmitida aos avós (DIAS, 2010).

Para parte da doutrina, a obrigação avoenga só poderá ser posta em prática quando o pai for ausente ou incapaz. De acordo com Washington Epaminondas Barra, há três hipóteses em que pode ser verificada a ausência do pai: a ausência juridicamente considerada (art. 22, CC); desaparecimento do pai, que se encontra em local incerto e não sabido ou morte. Já a incapacidade do genitor pode acontecer em caso de: idade avançada incapacitante, despreparo e incapacidade de exercício rentável, prisão do alimentante ou impossibilidade de trabalhar por motivo de doença, deficiência ou estado mórbido (BARRA apud GONÇALVES, 2012).

A jurisprudência é clara no entendimento de que a ação contra os avós só será admissível em um dos casos descritos acima. O STJ, no Agravo em Recurso Especial nº 390.510 (julgado em 17/12/2013), através do Ministro e relator do caso Raul Araújo, afirmou que a natureza jurídica é subsidiária e complementar. Ou seja, só poderá ser exigida em caso de descumprimento total ou parcial pelos genitores. O relator ainda cita outras decisões, dentre elas o AgRg na REsp 514.356/SP (julgado em 2006), em que o relator Ministro Humberto Gomes de Barros afirma não ser solidária a obrigação alimentar dos avós (STJ, AREsp 390510), uma vez que quem demanda os alimentos não pode escolher contra quem vai exercer esse direito.

Maria Berenice Dias faz uma crítica à jurisprudência, que resiste em adotar o posicionamento de que a obrigação dos avós só é devida no caso em que os dois genitores não possuam condições. Para a autora, é errado o pensamento que na omissão de um dos genitores, a obrigação passa para o outro. E apenas na omissão dos dois é que se pode demandar dos avós. Esse posicionamento afasta o caráter complementar e subsidiário da obrigação dos ascendentes (DIAS, 2010).

A autora ainda discorda de que a responsabilidade avoenga só poderá ser posta em prática em caso de ausência ou incapacidade. O fato de o detentor da guarda ter algum rendimento não afasta a responsabilidade do ascendente, que pode complementar o valor. É preciso invocar o Princípio da Proporcionalidade entre os rendimentos do genitor e dos ascendentes, de modo a garantir o melhor para o menor, como afirma a autora: “de todo injustificável submeter uma criança a viver limitada à acanhada disponibilidade de seus genitores quando possui avô que pode complementar a carência dos pais” (DIAS, 2010, p. 471).

Discordando da autora, para Maria Aracy Menezes da Costa, se os pais tem condição, os avós não são obrigados a prestar alimentos aos netos. A diferença da obrigação entre os avós e entre pais e filho está no fato de que a última tem fundamento no poder familiar e na filiação (BOSSERT apud COSTA, 2009). Para a autora, o menor deve viver no padrão econômico dos pais, independente da realidade dos avós.

O direito de guarda também faz parte dos direitos dos avós sobre seus netos. É atribuição dos pais, no exercício do poder familiar, a guarda de seus filhos. Porém, em algumas situações esse direito não pode ser exercido pelos genitores. É o caso da suspensão ou perda do poder familiar, que estão dispostas nos artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil, respectivamente. Em caso de separação do casal e constatação da inconveniência da permanência dos filhos com qualquer um dos pais, a guarda deverá ser atribuída à outra pessoa. Nesses casos, cabe ao juiz determinar quem ficará com a guarda da criança ou adolescente (DIAS, 2010).

O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente traz um conceito de família extensa ou ampliada (quando existem vínculo de afinidade) e possibilita que a guarda seja deferida a outra pessoa na falta dos pais (artigo 33, parágrafo 2º do ECA). Geralmente os avós são os primeiros convidados a exercer essa guarda. Os motivos normalmente são a proximidade de parentesco e a afinidade existente entre avós e netos. A guarda compartilhada também pode ser estabelecida entre pais e avós, desde que seja observado o melhor interesse da criança ou do adolescente (DIAS, 2010).

A tutela e a curatela também estão presentes entre os direitos e deveres avoengas. No artigo 1731 do Código Civil está disposto que os ascendentes são os primeiros legitimados a exercer a tutela quando os tutores não são indicados pelos pais. Já a curatela pode ser requerida pelos avós (artigo 1768 do Código Civil), além de também poderem ser nomeados como curadores do neto (DIAS, 2010).

3 O DIREITO DE VISITA NAS RELAÇÕES AVOENGAS

Silvio Rodrigues (2004, p. 3) afirma que as regras previstas pelo Direito de Família afetam o indivíduo dentro do núcleo familiar e disciplina suas relações tanto de ordem pessoal quanto patrimonial. O aspecto de ordem pessoal é o objeto deste trabalho, principalmente as relações familiares, dentre elas, a garantia do relacionamento entre avós e netos. Assim, o conceito jurídico de família, desde o mais amplo ao mais restrito, engloba a figura dos avós, dada a influência e importância direta sobre a vida não somente do casal, mas também sobre a dos netos.

O direito de visita nas relações avoengas pode ser encontrado no Código Civil e compreendido a partir da leitura do Parágrafo único do Artigo 1.589:

Código Civil. Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visita-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.

 Tal dispositivo dá uma dimensão do caráter e da importância das relações de afeto necessárias entre avós e netos. Entretanto, quando da sua criação, o Código Civil só previa o caput. Isso pressupõe que não se tutelava o direito dos avós de visitar os netos, pois o Parágrafo único só foi incluído posteriormente a partir da Lei nº 12.398 de 2001.Tal lei foi criada no sentido de complementar tanto essa lacuna do Código Civil, quanto para complementar sua execução, na criação do inciso VII do Artigo 888 do Código de Processo Civil.

Código de Processo Civil: Art. 888, inciso VII. A guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós.

Tal direito foi criado buscando preservar e garantir o Princípio da Dignidade Humana, dentre outros previstos no texto constitucional. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira apud Andressa Bonato Scuro e Vitor Hugo Oltramari (2009), tal princípio consegue irradiar sobre outros princípios, como a cidadania, a igualdade e a autonomia do indivíduo.

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu Art. 227, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, à convivência familiar e comunitária, dentre outros, que garantam seu pleno desenvolvimento físico e emocional. Entretanto, como afirma Arbelli (2008), muitas vezes, ocorre omissão ou impossibilidade dos pais com relação aos direitos dos filhos, cabendo aos avós a responsabilidade no sentido de suprirem financeiramente, a falta dos pais.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 87), “a referida lei visa coibir a Síndrome da Alienação Pariental”, assegurando aos avós, a critério do juiz, o direito de visita aos netos, depois do fim do relacionamento conjugal dos pais da criança ou adolescente.

Por outro lado, os avós não têm apenas deveres, mas direitos também, muitas vezes suprimidos pelo desafeto que infelizmente acomete tantas famílias. O problema decorrente das desavenças entre pais e avós dificulta o contato destes com os netos. Tal situação é tão comum, que deu cabimento à criação da lei que garante o direito de visita dos avós, Lei nº 12.398 de 2001.

Assim, o direito dos avós de visitarem seus netos é tanto unilateral quanto recíproco, pois favorece o exercício de uma gama de direitos essenciais ao desenvolvimento psíquico e emocional dos netos, ao mesmo tempo em que fortalece os laços familiares abarcados também pela figura dos avós. O Estatuto da Criança e do Adolescente se volta essencialmente para a defesa do menor, ou seja, do mais vulnerável na relação familiar.

Pode-se afirmar que com o advento de tal Estatuto, buscou-se atender a essa parcela da sociedade antes desprotegida e a partir de sua criação, outro conjunto de leis foram criadas no sentido de complementá-lo. Foi o que aconteceu com a criação da Lei que estabelece o direito de visita dos avós e da complementação do Código Civil e do Código de Processo Civil.

Assim, para que se afirme a existência de um direito de visita avoengo é necessário afirmar as teorias de Arbelli(2008). O autor afirma que é direito da criança ter um convívio com seus avós uma vez que estes contribuem para o desenvolvimento da criança, e faz um contraponto entre os direitos de visitae alimento,afirmando que a existência de um justifica a existência do outro por uma questão lógica: uma vez que o avô tem o dever de pagar alimentos (ou mesmo não tendo) deveria ter no mínimo o direito de visitá-lo. Nas palavras do autor:

Indiscutivelmente os avós tem o direito de visitar os netos. Conveniente perquirir: se os avós têm a obrigação de alimentá-los, quando os pais não podem fazê-lo, porque não teriam o direito de visitá-los? Ademais, as visitas beneficiam os netos eis que a relação da criança com seus avós se exercita muito mais por prazer da amizade que os une, em nome do amor recíproco que deve existir entre os componentes de uma família. (ARBELLI, 2008). 

Carlos Roberto Gonçalves também defende tal direito fazendo um contraponto com o dever avoengo da prestação de alimentos. Segundo esse autor, se os avós são impedidos de visitar os netos injustamente, em decorrência de ressentimentos entre o cônjuge que ficou com a guarda da criança e a família do que perdeu sua guarda, por exemplo, e independente do fato de esses avós serem responsáveis pela prestação de alimentos, esses avós “poderão requerer a concessão judicial do direito de visita, o qual deve ser deferido pelo magistrado sempre que o seu exercício não causar qualquer inconveniente, de acordo com as circunstâncias de cada caso”. (GONÇALVES, 20013, p. 305).

Além disso, tal direito é expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, e mesmo que não fosse assim, seria presumível visto que o indivíduo tem direito a convívio familiar, a dignidade da pessoa humana, entre outros direitos devidamente previstos nas legislações.

4 ANALISANDO O CASO “BETTY FARIA” E O DIREITO AVOENGO DE VISITA

Apesar de previsão expressa no ordenamento jurídico do direito de visita dos avós em relação a seus netos ainda existem casos em que tal direito precisa ser reivindicado, como é o caso da artista “Betty Faria”.

A análise do caso da atriz Betty Faria, muito chamou a atenção do público quando esta buscou a justiça para conseguir visitar a neta. Isso mostra enfaticamente, a aplicação do Código Civil no sentido de dirimir tal conflito.

De acordo com a imprensa, a atriz Betty Faria teria dificuldade de visitar a neta Giulia. A mãe, Alexandra Marzo, não estaria bem, pois apresenta quadro depressivo e vive em reclusão, afastando a neta do convívio com a avó. Esta alega que adora a neta e que estaria sofrendo muito com a situação. A situação se agravou quando a atriz resolveu acionar a justiça com o objetivo de visitar a neta livremente, numa ação que propõe a regulamentação de visita dos avós. A expectativa é a obtenção de uma liminar que permita as visitas. (ISTO É, 2012). A partir desse caso, pode-se visualizar como a situação acontece nas mais diversas famílias, independente de classe social.

Na maioria dos casos em que os avós são impedidos de visitar os netos, essa situação decorre de ressentimentos entre as famílias opostas. Quem ficou com a guarda da criança após a separação, às vezes tenta dificultar a continuidade da convivência das famílias de ambos os cônjuges. Entretanto, o que mais chama a atenção no caso Betty Faria, é que o distanciamento ocorre entre pessoas do mesmo ramo familiar. No caso, a atriz requer judicialmente, o direito de visitar a filha de sua filha. É um caso bem peculiar, porque independe de situação de separação entre cônjuges. Isso pressupõe que mesmo que sua filha vivesse em plena harmonia familiar, ainda assim estaria sendo negado o direito de visita da avó. Sendo que ainda assim, tal direito é garantido. Percebe-se então, a visão ampla do legislador ao criar tal direito independente do relacionamento dos pais. Isso dá uma dimensão do valor do afeto entre avós e netos.

Essa étambém uma problemática que envolve fatores tanto emocionais quanto financeiros. No caso citado, a atriz se sente impedida do convívio familiar e busca a justiça, uma vez que esta tutela esse direito. Entretanto, apenas com base na Lei nº 12.398/2001 já se pode vislumbrar que a liminar será emitida, pois a lei garante tal direito. Além disso, o fato de a mãe apresentar quadros depressivos põe em risco o pleno desenvolvimento psíquico da criança, pois a mãe acaba por atingir a esfera individual e autônoma da filha.

O entendimento acerca do Princípio o respeito da dignidade da pessoa humana facilita a compreensão da finalidade da criação da lei que garante o direito dos avós de visitar os netos. No caso concreto citado, a avó Betty Faria busca um estreitamento das relações familiares, no sentido de perpetuar o sentimento de afeição necessário na família. Lévy-Bruhl apud Maria Helena Diniz (2002, p. 22), afirma que “o traço dominante da evolução da família é a sua tendência em tornar o grupo familiar cada vez menos organizado e hierarquizado, fundando-se cada vez mais na afeição mútua, que estabelece plena comunhão da vida”.

De acordo com Diniz (2002, p. 22), alguns juristas afirmam existir, atualmente, uma crise familiar decorrente do desaparecimento da organização patriarcal, que perdurou por todo o século passado no Brasil, à substituição do poder dos pais pelo poder estatal, o qual intervém cada vez mais na família. Entretanto, o que o Estado busca é a proteção do indivíduo na medida em que os poderes privados declinam. Como explica a autora, o Estado não pode deixar a família à mercê do indivíduo, tendo em vista que “a força do Estado depende da solidez do núcleo familiar”, (DINIZ, 2002, p. 22).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que o Direito Civil e, em geral, o ordenamento jurídico, tem como objetivo tutelar direitos do indivíduo. É nessa perspectiva que se inserem os direitos que os avós tem de participar do desenvolvimento da criança e do adolescente, afirmando-se, como exposto por alguns autores como, um direito também da criança e do adolescente ao convívio familiar.

Foi com esse objetivo de demonstrar como ocorrem tais relações, com principal enfoque no direito de visita demonstrado e efetivado pela exposição de um caso concreto, que o artigo conceituou e evidenciou as principais considerações acerca do direito civil e as relações avoengas, demonstrando as mais variadas perspectivas do fundamento de tal. Explicando de modo bem didático e de fácil apreensão, através das teorias suscitadas, o conceito moderno de família trazendo para o âmbito do direito civil brasileiro, as noções gerais acerca do instituto do direito avoengo.

Em seguida, fez-se uma exposição detalhada acerca dos direitos e deveres avoengos de maneira geral, expondo direitos como o de alimentos, guarda e visita. Enfocando o último direito, afirmando-o como expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, e mesmo que não fosse assim, seria presumível visto que o indivíduo tem direito a convívio familiar, a dignidade da pessoa humana, etc.

Apesar de previsão expressa no ordenamento jurídico do direito de visita dos avós em relação a seus netos ainda existem casos em que tal direito precisa ser reivindicado, como é o caso da artista “Betty Faria”, assim, em uma última perspectiva que se buscou evidenciar tal direito através desse caso, expondo a burla a previsão do Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5093

>. Acesso em abr. 2014.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: família, sucessões. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2012.

COSTA, Maria Aracy Menezes da.A obrigação alimentar dos avós: leitura dos limites constitucionais – da obrigação afetiva à obrigação legal. Porto alegre: UFRGS, 2009. Tese (doutorado) – pesquisa em Fundamentos Dogmáticos da Experiência Jurídica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/34199/000728981.pdf?...1>. Acesso em: 24 de março de 2014.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V. 5: direito de família. – 18. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil – São Paulo: Saraiva, 2002.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: direito de família, as famílias em perspectiva constitucional. Vol. 6. São Paulo: Saraiva, 2012.

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RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. Vol. 6 – 28. Ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2004.

 

MONTEIRO, Washington de Barros; SILVA, Regina BeatrizTavares da. Curso de Direito Civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012.

SCURO, Andressa Bonato; OLTRAMARI, Vitor Hugo. O reconhecimento jurídico do direito de visitas entre avós e netos no contexto da convivência familiar. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 64, maio 2009. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=6122&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em abr. 2014.

 

VADE MECUM. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 13. Ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.

 

 



[1]Paper apresentado à disciplina Direito de Família e Sucessões, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2]Aluna do 6º período do Curso de Direito vespertino da UNDB.

[3]Aluna do 6º período do Curso de Direito vespertino da UNDB.

[4]Aluno do 6º período do Curso de Direito vespertino da UNDB.

[5]Professora Mestre, orientadora.