Sâmara Rhafaela Antunes de Araújo Guimarães

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de discorrer brevemente sobre o direito de desistência nas relações consumo fora do estabelecimento comercial, elucidando tópicos como o prazo de reflexão e efeitos jurídicos da desistência. São também feitos apontamentos sobre a responsabilidade das administradoras de cartão de crédito e o direito de arrependimento nas relações virtuais de consumo.

PALAVRAS-CHAVE: direito de desistência, relação de consumo direito do consumidor, direito de arrependimento, prazo de reflexão, artigo 49 do CDC, código de defesa do consumidor

1. INTRODUÇÃO

O consumidor pode adquirir bens e serviços em um estabelecimento comercial, onde tem acesso direto as informações, características e detalhes de sua aquisição, o que permite ponderar com mais clareza sobre os prós e os contras do negócio que deseja realizar. Nesses casos, se o consumidor se arrepende da compra, sem justificação ou motivo legal que o autorize, é mera (e boa) liberalidade do vendedor ou prestador de serviços ressarcirem a quantia paga ou permitirem a troca do produto ou serviço por outro de preço equivalente.

Nos negócios realizados fora do estabelecimento do fornecedor, contudo, o comprador pode ser influenciado pelo marketing do produto ou serviço e por ofertas e condições de pagamento que parecem atraentes. Caso o consumidor se arrependa ao ter acesso à compra, porém, pode devolver o bem adquirido ou negar a realização do serviço, com direito a restituição dos valores pagos, por norma do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), exercitando o seu direito a desistência, tema do presente artigo.

2. O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL

Quando o consumidor compra em um estabelecimento comercial pode observar o produto e verificar as minúcias do serviço que deseja contratar, ele avalia de perto a compra e averigua se atende ou não a sua necessidade. Diz-se que o consumidor parte de uma decisão ativa e plena, como ensina Rizzato Nunes em seu Curso de Direito do Consumidor.

Porém, se compra é fora do estabelecimento do fornecedor, o consumidor não tem as mesmas possibilidades, já que o produto ou o serviço não é visto de perto e, por isso, sua propaganda pode exercer maior influência. Ao efetuar a aquisição, então, o consumidor pode restar insatisfeito, quando o produto entregue ou o serviço a ser feito é diferente do que a sua descrição (fotos, frases de impacto ou outro tipo de marketing) o induziu pensar.

Ciente da relevância desses negócios jurídicos e com o objetivo de proteger o consumidor de eventuais abusos e consumo inconsciente, o legislador inseriu, no artigo (art.) 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), norma que autoriza àquele a desistir dos contratos realizados fora do estabelecimento comercial, regularizando o direito a desistência ou arrependimento, vejamos:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

Podemos analisar que, expressamente, o artigo transcrito cita as vendas realizadas via telefone e no domicílio do comprador, todavia não se trata de um rol taxativo e sim meramente exemplificativo, já que o próprio dispositivo trouxe a expressão “especialmente”, o que dá margem a interpretação que, em outros tipos de negócios realizados fora do estabelecimento comercial, o consumidor também possui tal direito. O legislador enunciou esses dois tipos de vendas, especificadamente, por serem as transações mais comuns realizadas na data da publicação da lei, que é de 1990.

Esse dispositivo aplica-se, igualmente as compras realizadas, por exemplo, pela internet que hoje igualam ou superam em número as realizas por telefone ou a domicílio. Ainda, quando menciona que o consumidor pode desistir do contrato, demonstra a intenção do legislador em alcançar negócios como assinatura de revistas e jornais, contratação de serviços de televisão, seguros, planos de saúde feitas fora do estabelecimento do fornecedor e outros similares.

O direito a desistência, todavia, não pode ser exercido a qualquer tempo, o prazo é decadencial, de sete dias, denominado na doutrina de prazo (ou período) de reflexão, contado do ato da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou serviço. Como não há no CDC nenhuma norma específica para como se opera a contagem do prazo, subsidiariamente utiliza-se a do artigo 132 do Código Civil Brasileiro/2002, excluindo-se o dia do início e incluindo-se o último dia, que, se cair em dia não útil, fará com que prazo se prorrogue para o primeiro dia útil posterior. O início da contagem se dá, portanto, no dia seguinte ao recebimento do produto ou serviço em domicílio ou a busca do produto nos correios ou outro estabelecimento designado pelo contrato e termina após a contagem sequente de mais seis dias (depois do primeiro).

Dentro do prazo, o consumidor pode exercer o seu direito livremente, seja no primeiro ou no último dia e sem ônus, inclusive em relação às despesas necessárias à devolução do produto ou serviço. A lei não obriga que o consumidor justifique o motivo da desistência ou cumpra qualquer outra exigência, bastando sua manifestação ao fornecedor do bem ou serviço que desistirá da compra efetuada, sendo ineficaz qualquer disposição contratual que diga o contrário; porém, por se tratar de um prazo de natureza decadencial, caso os sete dias sejam ultrapassados o consumidor perderá o direito de arrependimento imotivado.

Nada obsta, porém, que o fornecedor oferte um prazo maior do que o legal, visto que o prazo estabelecido no artigo é o mínimo e não o máximo, caso em que estará vinculado por sua oferta (norma do artigo 30 do CDC), não tendo validade a alegação posterior pela qual convoque o contrário.

O direito de desistência pode ser exercido por telefone, internet, correspondência, devolução ou recusa do recebimento do produto pelo correio, recusa no ato da prestação do serviço, por carta ou qualquer outro meio que possibilite a ciência do fornecedor. A manifestação do arrependimento é eficaz a partir da remessa do aviso, não gerando invalidade se a ciência do fornecedor só ocorrer após o prazo legal quando legitimo o meio de contato.

O exercício do direito de arrependimento tem efeito ex tunc, ou seja, retroage a data do início do negócio jurídico, conduzindo às partes a condição inicial em que se encontravam, como se nunca a compra tivesse existido, por isso os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, conforme enuncia o parágrafo único do artigo 49, serão devolvidos, de imediato e monetariamente atualizados.

Se a venda realizada fora o estabelecimento do fornecedor é feita através de cartão de crédito, a administradora do cartão participa do negócio, por possuir parceria com o fornecedor, anuindo ao conteúdo da venda, já que com este celebra contrato (geralmente por meio de desconto nos valores pagos pelo produto ou serviço). Sendo assim, a operação realizada com o pagamento no cartão também é alcançada pelo exercício do direito de desistência, tornando-se inexistente.  Os valores já descontados na fatura devem ser, portanto, estornados e os descontos efetuados depois da desistência, se pagos pelo consumidor, devem ser restituídos em dobro por força do artigo 42, parágrafo único do CDC.

Igualmente deve ser restituído o pagamento efetuado, por exemplo, em espécie, por débito em conta corrente ou boleto , seja por devolução direta ao consumidor ou depósito em conta corrente, aplicando-se a norma do art. 42, supracitada, em caso de excesso.

Como já informado, o direito de arrependimento constante no art. 49 abrange as compras feitas pela internet, mas esta situação também foi tratada especificadamente no art. 5° do Decreto 7.962/2013, que regulamentou a contratação no comércio eletrônico e o direito de arrependimento, da seguinte forma:

Art. 5o  O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

§ 1o O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.

§ 2o O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.

§ 3o O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:

I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou

II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.

§ 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

Logo, o consumidor que realiza compras pela internet está duplamente protegido em seu direito de desistência, sendo garantido o envio de confirmação do recebimento de sua manifestação de forma imediata, a rescisão conjunta dos contratos acessórios, o cancelamento da compra feita via cartão de crédito (sendo obrigação do fornecedor o comunicado) e o comunicado da desistência virtualmente ou por qualquer outro meio que esteja a disposição do consumidor.

Por fim, ressaltamos que a faculdade de arrepender-se pressupõe a boa fé objetiva que norteia os negócios jurídicos, pois não deve o consumidor utilizar-se dessa proteção para cometer abusos e sim para garantir o direito à correspondência entre a oferta e o produto ou serviço adquirido e a propaganda não abusiva e consciente.

3. CONCLUSÃO

O direito de arrependimento abrange as compras efetuadas fora do estabelecimento do fornecedor e se realiza através da manifestação do consumidor, em 7 dias  da assinatura do contrato ou recebimento do produto ou serviço, de devolução do bem ou não realização do serviço.

É imotivado e sem ônus para o desistente, devendo ser o pagamento já efetuado devolvido e o realizado de forma irregular restituído em dobro, sem maiores obstáculos. Esse direito não abrange somente as compras feitas por telefone ou a domicílio, pois trata-se de um rol exemplificativo, o que permite a lei alcançar os mais diversos e recentes negócios jurídicos, inclusive os virtuais.

4. REFERÊNCIAS

BRASIL, Código civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

_______, Código de proteção e defesa do consumidor. Lei n. 8.078 de 11 de setembro de 1990.

_______, Regulamentação da contratação no comércio eletrônico. Decreto n° 7.962 de 15 de março de 2013.

NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

TARTUCE, Flávio.; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. São Paulo: Editora Método, 2012.