O Direito como integridade: (im) possibilidade de aplicação da teoria dos precedentes no âmbito recursal - Novo Código de Processo Civil: A teoria dos precedentes como forma de segurança jurídica no âmbito recursal. ¹

                                                                          Rayssa Antonya de Andrade Ribeiro²

                                                                                              Tayse Cristina Gomes Guará³

                                                                                        Carlos Anderson dos S. Ferreira4

 

RESUMO

Refletir acerca da teoria dos precedentes como forma de segurança jurídica no âmbito recursal e teremos como base no presente trabalho, o Novo Código de Processo Civil. Será explicado o conceito de teoria dos precedentes e as diferenças entre este e outros institutos semelhantes e como se deu sua inserção em nosso ordenamento jurídico. Abordar-se-á a evolução dos precedentes judiciais no Direito Brasileiro, levando em conta os sistemas jurídico do Common Law e Civil Law, assim como a aplicação desta teoria dos precedentes em face do Novo Código de Processo Civil e a efetividade do processo que tem como base os precedentes judiciais considerando a teoria da integridade.

 

Palavras-chave: Precedentes. Teoria da Integridade. Novo Código de Processo Civil.


1 INTRODUÇÃO

 

Tendo em vista o nosso sistema jurídico Brasileiro, Civil Law, temos que a lei é a fonte primária do ordenamento jurídico, portanto é o meio utilizado pelo Poder Judiciário para solucionar os problemas levados a seu conhecimento, o que torna este sistema restrito, pois não abre a possibilidade para criação ou interpretação, gerando assim uma insegurança jurídica.

Todavia, sabe-se que não é possível conceber um Estado totalmente legalista, pois a sociedade sofre constantes modificações diariamente que o legislador nem sempre consegue acompanhar, por isso a necessidade do nosso ordenamento se aproximar do sistema Common Law que se caracterizam por um direito costumeiro e pelo respeito obrigatório aos precedentes, garantindo uma maior segurança as decisões.

Uma pequena diferença entre os sistemas jurídicos em ralação aos precedentes é que, os precedentes judiciais no sistema do Common Law são dotados de eficácia vinculante não só para a Corte de onde proveio como também para os juízos que lhe são hierarquicamente inferiores, já no Civil Law os precedentes, apenas orientam (mas não vinculam) o pedido ou o julgamento de casos posteriores sobre a mesma matéria.

O presente trabalho tem como objetivo geral apresentar de que forma a utilização da teoria dos precedentes garante segurança jurídica aos jurisdicionados no âmbito recursal. Para tanto, tem-se como objetivos específicos, comentar acerca dos precedentes judiciais no Direito Brasileiro, abordando os conceitos básicos inerentes a esta teoria. Além de analisar a aplicação da teoria dos precedentes em face do Novo Código de Processo Civil e tratar sobre a efetividade do processo a partir dos precedentes judiciais. Portanto, para tal estudo, dividiu-se o trabalho em três capítulos: o primeiro abordará a evolução dos precedentes judiciais no Direito Brasileiro; o segundo sobre a aplicação da teoria dos precedentes em face do Novo Código de Processo Civil e por fim trataremos sobre a efetividade do processo a partir dos precedentes judiciais.

A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica.

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

2.1 OS SISTEMAS DO CIVIL LAW E COMMON LAW E OS CONCEITOS BÁSICOS INERENTES À TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS.

 

Sabe-se que nosso sistema jurídico Brasileiro é baseado no Civil Law, onde se considera que a lei é a fonte primária do ordenamento jurídico e por isto seria o instrumento capaz de solucionar os conflitos levados ao Poder Judiciário. Porém, não podemos considerar que o Estado seja exclusivamente legalista, visto que, nossa sociedade passa por constantes modificações e que o legislador nem sempre é capaz de prever, por conta disso o Civil Law vem se aproximando cada vez mais do Common Law, onde o Direito se baseia mais na jurisprudência do que na própria lei em si.

     De acordo com Fredie Didier (2013, p.385), o sistema do Common Law, também se distingue do Civil Law especialmente em razão das fontes do Direito. Como dito, no Civil Law o ordenamento consubstancia-se principalmente em leis, abrangendo os atos normativos em geral, como decretos, resoluções, medias provisórias etc. Em contrapartida, no Common Law os juízes e tribunais se espelham nos costumes, no que já foi decidido anteriormente. Esse respeito ao passado é inerente à teoria declaratória do Direito e é dela que se extrai a ideia de precedente judicial.

Apesar de em nosso sistema jurídico haver a preponderância das leis nada obsta que utilizemos dos precedentes judiciais. Porém para nós, este precedente não vai obrigar que o julgador utilize dos mesmos fundamentos da decisão anterior, mas sim irá servir como um norte, para orientar a interpretação da lei.

Para entendermos do que se trata o precedente judicial é importante estabelecermos a diferença de alguns conceitos. A primeira diferença será dos precedentes judiciais e das súmulas vinculantes. Para Streck e Abboud (2015, p.34-35), os precedentes são utilizados para solucionar casos concretos e influenciar decisões futuras, ao contrário das súmulas que são editadas visando à solução de casos futuros. A outra diferença é entre precedente e jurisprudência, o precedente ele se torna uma regra jurídica universal que passa a ser utilizada como critério de decisão em contrapartida a jurisprudência precisa de várias decisões para se caracterizar. Sendo assim, é importante destacar que estes três institutos não são sinônimos.

Como destaca Streck e Abboud:

Nem toda decisão de Tribunal Superior se torna precedente, razão pela qual essa compreensão é fundamental para que possamos fazer uso constitucionalmente adequado da nova legislação processual. Nesse sentido: precedente não equivale à súmula ou a jurisprudência, e os três não devem ser utilizados/aplicados da mesma forma. Em suma, precedente é um julgamento que passa a ser referência em julgamentos posteriores. Jurisprudência é um conjunto de decisões sobre o mesmo assunto (2015, p.109).

 

Sendo assim, o precedente seria uma decisão judicial anterior, o que erroneamente em nosso dia a dia, entendemos como se este fosse o conceito de jurisprudência, que nada mais é como já mencionado, um conjunto de decisões acerca do mesmo assunto.

Importante destacarmos alguns conceitos. A norma jurídica que é criada pelo julgador e que fundamenta a decisão em determinado caso é o que chamamos de ratiodecidendi (razão de decidir.). De acordo com Fredie Didier (2013), essa ratiodecidendi se desprende do caso específico em que foi utilizada e pode ser aplicada em situações que se assemelham à que deu origem a ela. E o obter dictum é uma regra do direito de um caso que não faz parte da ratio e consequentemente não se torna obrigatória, ou seja, é desprovido de força vinculante para os julgamentos posteriores.

Para que haja uma correta aplicação do precedente judicial, precisa-se da utilização de técnicas de confronto, interpretação e aplicação (distinguish) que permitem a estabilidade e uniformidade do direito e de técnicas de superação (overruling), as quais merecem algumas considerações.

Quando se tem a aplicação desses precedentes o juiz não pode fazer isto de qualquer maneira, deverá o magistrado comparar o caso concreto com a ratiodecidendi da decisão de um precedente judicial, para saber se a ratiodecidendi servirá como motivo determinante à decisão do caso em julgamento.

Para Ataíde Junior (2012), a essa técnica de confronto e diferenciação entre os fatos relevantes de dois casos dá-se o nome de distinguishing. Ela revela a inadequação da aplicação da ratio decidendi do precedente ao caso em julgamento, em virtude da diversidade fática entre os mesmos. Assim dá flexibilidade ao sistema não o engessando e faz justiça no caso concreto.

Sendo assim, essa técnica serve justamente para que os fatos fundamentais do caso que irá ser julgado não ser diferente dos que serviram para a ratiodecidendi do precedente.

Em relação à técnica de superação do precedente, para Didier (2013), o overruling é a técnica através do qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído por outro precedente. O overruling é uma forma de superação, ou seja, revogação de precedentes que ocorre tanto no plano horizontal (órgão revoga seu próprio precedente) como também no plano vertical (tribunal superior revogando um precedente de um inferior hierárquico).

 Exemplo de técnica de superação de precedentes, no nosso ordenamento jurídico, é o processo para revisão ou cancelamento de súmulas vinculantes, previsto no artigo 103-A, § 2º da Constituição Federal.

Apesar de por anos o nosso sistema ser o Civil Law, a doutrina vem cada vez mais sendo favorável a adoção da teoria dos precedentes judiciais, justamente para garantir isonomia na aplicação da lei. Visto que, o nosso judiciário sem a presença destes precedentes julgam cada caso de forma distinta e para evitar que isto aconteça é necessária à observação do princípio da igualdade perante as decisões judiciais.

                              

2.2 A APLICAÇÃO DA TEORIA DOS PRECEDENTES EM FACE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

 

Os precedentes judiciais no Brasil é um instituto que ainda se encontra incompleto e que precisam de algumas alterações. Por conta disso o Novo Código de Processo Civil trouxe meios para aperfeiçoar o sistema de precedentes judiciais com o objetivo de uniformizar e estabilizar o mesmo.

Como exemplo disto, temos o artigo 499 do Novo CPC:

Art. 499 [...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[...]

V – se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

 

Sendo assim, não basta que o julgador utilize do precedente, deve o mesmo fundamentar o porquê de utilizar deste precedente. Podemos dizer que é aqui que se encontram os parâmetros para a prática da técnica do distinguishing. No que diz respeito ao inciso VI, se o juiz deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, ele deverá demonstrar que há distinção entre o precedente e a situação concretamente apresentada ou que o paradigma invocado já foi superado.

Ainda em relação à técnica do distinguishing o legislador nos trouxe no Novo CPC no §2º do art. 520, onde proíbe a edição de súmulas que não se atenham aos detalhes fáticos do precedente que motivou a sua criação. Desta forma, busca-se prevenir, a consolidação inadequada de súmulas, a errônea aplicação dos precedentes aos casos sob julgamento.

O artigo 521 nos traz regras para a adoção dos precedentes, como se fosse uma espécie de roteiro de como os juízes e tribunais deverão aplicar os precedentes. Segundo este artigo, havendo precedente sobre a questão posta em julgamento, o juiz não poderá escolher outro parâmetro para apreciar a causa. O magistrado só utilizará de uma lei ou outro método para solucionar o caso na ausência de precedentes, na verdade ele poderá até utilizar, mas somente para fundamentar a sua decisão. O juiz pode não seguir o precedente, mas tem que fundamentar que se trata de uma situação que não se enquadra na ratiodecidendi do precedente.

Outro mecanismo trazido pelo Novo CPC é o art. 925 do NCPC que passa a exigir coerência e integridade na jurisprudência, ou seja, deve-se proporcionar nos casos semelhantes a garantia da isonômica aplicação principiológica. De acordo com Dworkin (2011), a integridade é composta por dois princípios: o legislativo e o jurisdicional. Havendo integridade nas decisões judiciais o juiz não se baseia na discricionariedade, e sim em argumentos coerentes ao Ordenamento Jurídico.

A integridade impede que o ordenamento jurídico fique cheio de decisões divergentes e individuais, e trabalho no sentido de proporcionar em direito íntegro, não fragmentado (p. 159). A coerência e a integridade impedem a discricionariedade das decisões judiciais e o livre convencimento do juiz. As decisões deixam de ser personalistas e o juiz deve decidir fundamentadamente e não se convencer por qualquer motivo.

 

2.3 A EFETIVIDADE DO PROCESSO A PARTIR DOS PRECEDENTES JUDICIAIS CONSIDERANDO A TEORIA DA INTEGRIDADE.

 

Como já foi abordado no presente trabalho, o direito brasileiro tem por base a civil law, no entanto, tendo em vista a evolução da sociedade e os fatos novos que vêm acontecendo, o sistema positivista se tornou insuficiente para sanar as necessidades da sociedade, exigindo assim por parte dos juízes maior interpretação ao decidir as lides.

Ao julgar o juiz deve considerar aquela lide como se fosse o capítulo de um romance, e por considerar como continuação de um romance deve observar o que foi tratado e decidido nos capítulos anteriores. O que vai ser decidido pelo juiz deverá ser uma continuação de um romance, e por isso levar em conta tudo que foi abordado anteriormente, gerando assim a integridade dos fatos (DWORKIN, 2003).

De acordo com Luiza Cruz (2009), a partir do momento em que os juízes adotam a integridade do direito, estes formam um compromisso com a história e os precedentes. Para Dworkin, a aceitação do precedente como elemento vinculante tira o juiz do patamar de um mero aplicador de normas e o coloca como construtor na cadeia de direitos, e isso contribui para o comprometimento principiológico da atividade jurisdicional, pois assume uma relação com o passado e uma responsabilidade com o futuro.

O citado autor busca oferecer respostas justas e legítimas aos casos levados ao Judiciário, utilizando, claro, as leis, e também os princípios que permeiam a comunidade, pois, de acordo com o mesmo, diferente da tese defendida pelos positivistas, o direito se origina a partir de um processo de construção e justificação.

REFERÊNCIAS

ABBOUD, George; STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3 ed. Rev. atual de acordo com o novo CPC. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.

ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012.
 

CRUZ, Luiza Costa Braga. O Direito como Integridade e a aplicação judicial da súmula vinculante. Disponível em:

Acesso em 20 ago. 2015.

DWORKIN, Ronald.

STRECK, Lenio Luiz. . Livraria dos Advogados, 2015.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, v. 2, 2013.