O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E A NEGATIVA DE RECEBER TRANSFUSÃO DE SANGUE DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ[1]

Luana Christian de Araújo Muniz[2]

                                                                           Anna Valéria Cabral Marques[3]

Sumário: Introdução; 1 Dignidade da pessoa humana e a questão da autonomia do paciente; 2 Conflito de direitos fundamentais: direito à vida e direito à liberdade; 3 Tratamento médico e crença religiosa; 4 Responsabilidade médica e decisão dos sujeitos; Conclusão; Referências; Anexos.

 

                                                    RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade analisar sob o aspecto do Direito a recusa da transfusão de sangue em decorrência de motivos religiosos. A questão reflete existência de um conflito entre direitos fundamentais, em especial o direito à vida e o direito à liberdade, especificamente liberdade de crença e religião. Cabe ressaltar ainda, a importância e a complexidade dessa questão, haja vista a existência de decisões e opiniões diversas acerca de como solucionar esse conflito de direitos fundamentais, alguns sustentem a prevalência do valor vida, enquanto outros sustentam a prevalência da liberdade religiosa e autodeterminação do paciente. Buscará se provar a legitimidade da recusa de tratamentos sanguíneos por parte das Testemunhas de Jeová.

                                        

                                          PALAVRAS-CHAVE

Testemunhas de Jeová; Dignidade da pessoa humana; Direito de personalidade; Autodeterminação.

 

Introdução

                 Desde o século XX as relações estabelecidas entre médico e paciente, eram fundadas no princípio da beneficência que segundo Luís Roberto Barroso (2010, p.4), determinava ao médico que assumisse a postura de “protetor do paciente”, justificando-se qualquer medida destinada a restaurar sua saúde ou prolongar sua vida. Dessa maneira, era legítima a intervenção do médico, mesmo que contra a vontade do paciente, é o chamado paradigma do paternalismo médico, que vigorou até o final da Segunda Guerra Mundial, onde o paciente passou a ser sujeito de direitos nas relações médicas, e não mais, um mero objeto. De acordo com Barroso (2010), o paradigma do paternalismo e a beneficência foram cedendo espaço para um novo paradigma: a autonomia do paciente, e agora, não cabe unicamente ao médico realizar determinados procedimentos sem a concordância do paciente. Atualmente a regra “passou a ser a anuência do paciente em relação a qualquer intervenção que afete sua integridade”. (BARROSO, 2010, p. 40). Assim, a recusa de transfusão sanguínea por membros a seita religiosa Testemunhas de Jeová, será analisado no presente estudo sobre esse viés.

1 Dignidade da pessoa humana e a questão da autonomia do paciente

                    A dignidade da pessoa humana é um princípio de difícil conceituação, principalmente por se tratar de uma ideia abstrata e, de certa maneira, relativa. Ela é “o fundamento e a justificativa última dos direitos fundamentais” (BARROSO, 2010, p. 9). Em nossa Constituição, ela representa um valor importantíssimo, e está presente no artigo 1º, III, sendo que pode ser expressa como autonomia ou como heteronomia.

A dignidade da pessoa humana tem uma dimensão ligada à autonomia do individuo, que expressa sua capacidade de autodeterminação, de liberdade de realizar suas escolhas existenciais e de assumir a responsabilidade por elas. A dignidade pode envolver, igualmente, a proteção de determinados valores sociais e a promoção do bem do próprio indivíduo, aferido por critérios externos a ele. Trata-se da dignidade como heteronomia”. (BARROSO, 2010, p.40-41)

                  Ora, é fundamental ressaltar, que para que haja autonomia nas relações médicas, o paciente deve apresentar um consentimento genuíno[4], ele deve está ciente de todas as implicações oriundas da recusa de determinado procedimento médico e suas possíveis opções de procedimentos alternativos, bem como assumir todas as responsabilidades por suas decisões[5].

                 Na Constituição brasileira, é possível afirmar a predominância da ideia de dignidade como autonomia, o que significa dizer que, como regra, devem prevalecer as escolhas individuais. Para afastá-las, impõe-se um especial ônus argumentativo. (BARROSO, 2010, p.40-41). Tal afirmativa se conclui pelo fato de a CFB/88 dar maior destaque aos direitos e liberdades individuais, bem como as relações privadas.

                Quanto à possibilidade de disposição dos direitos fundamentais, considerando que sua proteção cofigura a base do sistema jurídico, a primeira vista, por conta de sua natureza, são considerados indisponíveis, como destaca o Novo Código Civil brasileiro ao declarar expressamente no art. 11 o caráter intransmissível e irrenunciável dos direitos da personalidade, que consoante Luciano Vieira e Rômulo Fontes (2009. p. 3-5), nada mais são do que uma espécie dos direitos fundamentais nas relações particulares.  Tratar esses direitos como absolutamente irrenunciáveis é uma perspectiva errônea, uma vez que há exceções, como por exemplo, no caso da proteção ao direito à vida em um sistema jurídico que admite a de pena de morte em casos específicos[6] e a exceção do direito à privacidade por parte de participantes de um reality show.

              Portanto, é possível que os membros pertencentes à seita religiosa das Testemunhas de Jeová recusem procedimentos sanguíneos, mesmo quando implicar risco de morte:

É legítima a recusa de tratamento que envolva a transfusão de sangue, por parte das testemunhas de Jeová. Tal decisão funda-se no exercício de liberdade religiosa, direito fundamental emanado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito de fazer suas escolhas existenciais. Prevalece, assim, nesse caso, a dignidade como expressão da autonomia privada. (BARROSO, 2010, p. 41)

                  Os direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida, são disponíveis, desde que o ato de disposição seja livre e genuíno, sendo necessário analisar o caso concreto. Ainda, com base no artigo 5º, II da CFB/88, é possível constatar que os direitos fundamentais são em sua essência, direitos de liberdade da pessoa, deste modo, é legítimo acolher a decisão de não exercitá-los, ou mesmo de renunciá-los[7].

2 Conflito de direitos fundamentais

             No caso analisado ocorre uma colisão entre o direito à vida e o direito de religião. Entretanto, considerando que não existe propriamente uma hierarquia entre direitos fundamentais, deve-se buscar a harmonização entre tais direitos e valores, de acordo com o caso concreto.

            O direito à vida[8] é condição essencial para o exercício de todos os outros direitos, sendo, portanto, o bem jurídico maior importância assegurado pelo Direito. Entretanto, não se deve reduzir o direito à vida simplesmente como o direito de viver, de não ter sua vida retirada por outrem, seja pelo Estado ou por particulares, o direito à vida deve ser entendido sob a ótica do princípio da dignidade humana[9]. Cabe ressaltar, que “ninguém existe no mundo para atender os propósitos de outra pessoa ou para servir a metas coletivas da sociedade” (BARROSO, 2010, p. 8-9).

               Já os valores religiosos, apesar de não receber tanta importância quanto o direito à vida, de acordo com Zelita da Silva e Maria Isabel Dias (1998) são compartilhados por uma coletividade e ao mesmo tempo, incorporados ao ser da própria pessoa, atribuindo significado a própria vida, sendo, portanto, mais intrínsecos do que qualquer outro valor compartilhado. Ainda, a liberdade de religião é um direito inviolável e protegido em nossa CF/88, estando presente no artigo 5º, VI. Para que haja uma sociedade pluralista e democrática é fundamental que exista liberdade e igualdade entre as pessoas.

                      Em se tratando da recusa de tratamento com sangue, no Brasil há decisões em vários sentidos, com o predomínio de decisões no sentido de preservar a vida do paciente, mesmo contra a sua vontade. É possível constatar isso, nos artigos 22[10] e 31[11] do Novo Código de Ética Médica Brasileiro, entretanto, cabe salientar que “a transfusão de sangue só pode ser realizada contra a vontade do paciente se os demais métodos cirúrgicos não tiverem cabimento ou não solucionarem a situação de risco atual e iminente” (BIZIAK, 2010, p. 9).

                  Ainda, é importante ressaltar que a dignidade da pessoa humana está ligada diretamente com a liberdade do indivíduo de autodeterminação, sendo ilegítima a intervenção estatal, desde que, tal liberdade não seja prejudicial a terceiros. Portanto, segundo Luciano Henrik e Rômulo Fernando Novais (2009, p.11-14) não há como dissociar a dignidade da pessoa humana da liberdade do indivíduo de se autodeterminar, pois cada pessoa é inviolável em sua consciência em relação a seus valores ideológicos, religiosos e morais. Devem-se respeitar as convicções religiosas do paciente capaz e sua autonomia uma vez que o respeito à autodeterminação é fundado no princípio da dignidade humana, que é a base de todo o ordenamento jurídico. O respeitar a autonomia do paciente nas relações médicas pressupõe a aceitação do pluralismo na sociedade.

3 Tratamento médico e crença religiosa

             A crença religiosa é inerente ao ser humano. Desde os primórdios da civilização, é possível perceber que a religião sempre esteve presente na sociedade e, portanto, para que a convivência, em sociedades cada vez mais pluralistas como a brasileira, seja harmoniosa, é fundamental que o respeito à religião e as convicções religiosas esteja presente em todas as relações, inclusive as médicas.

            Conforme afirma Daniel Dovigo (2010, p. 5), a religião Testemunha de Jeová originou-se na década de 1870, nos Estados Unidos, por meio de um grupo de estudo bíblico encabeçado por Charles Taze Russell e, assim como as demais religiões, possuem diversos dogmas, sendo a recusa a tratamentos sanguíneos o mais conhecido e debatido juridicamente.  As Testemunhas de Jeová recusam a transfusão de sangue tendo como base, suas interpretações dos textos bíblicos de Gênesis[12] (9,3 a 5), Levítico[13] (17,10) e Atos[14] (15,20), sendo que para os membros dessa seita religiosa, o cristão não deve consumir sangue, sem distinção a respeito da maneira de consumi-lo, seja por via oral, seja por via intravenosa.

               Motivadas por crenças religiosas as Testemunhas de Jeová recusam transfusões de sangue, entretanto, não recusam todo e qualquer tratamento médico. Para elas a Bíblia proíbe os cristãos de prolongarem suas vidas mediante a utilização de transfusões sanguíneas. Esse assunto para as Testemunhas de Jeová envolve os princípios fundamentais sobre os quais baseiam suas crenças e, consequentemente, suas vidas, sendo que constitui uma regra de conduta que deve ser respeitada, mesmo que a sociedade menospreze tal atitude ou a considere sem sentido.

                  A Declaração Universal dos Direitos do Homem contempla em seu inciso XVIII, a importância das crenças religiosas: "Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. Igualmente, nossa Constituição Federal também assegura a liberdade de consciência e da religião, sem distinção de qualquer natureza, sendo considerado um direito fundamental presente no art. 5º, VI, VII, art. 19, I , art. 150, VI, b, dentre outros mais.

4 Responsabilidade médica e decisão dos sujeitos

             Tendo em vista a gravidade da decisão de recusa do tratamento, quando presente o risco de morte, a aferição da vontade real do paciente deve estar cercada de cautelas. Para que o consentimento seja genuíno, ele deve ser válido, inequívoco e produto de uma escolha livre e informada. (BARROSO, 2010, p. 40). Há um predomínio do princípio da autonomia, apenas se o paciente rejeitar o tratamento, com base em suas convicções religiosas, e estiver com capacidade mental plena e puder expressar sua vontade.  Desse modo, o paciente possui o direito de decidir sobre o próprio corpo e as formas de intervenção sobre o mesmo, conforme disposto no artigo 15 do Código Civil Brasileiro de 2002[15]. Diante do exposto, não se deve enxergar as relação médicas com a visão paternalista, fundada no princípio da beneficência, visto que, ultimamente, o princípio da autodeterminação, é requisito básico para a validação ética de tais procedimentos médicos.                   

CONCLUSÃO

                  Diante do exposto anteriormente, é possível perceber a natureza controversa da recusa de tratamentos sanguíneos pelas Testemunhas de Jeová, sendo necessário que essa questão seja analisada tendo como base o caso concreto. Ainda, os valores religiosos dos pacientes não podem ser minimizados por terceiros ou ignorados, especialmente pelos profissionais de saúde, que estarão excedendo os limites éticos ao desrespeitar as crenças religiosas de seus pacientes, ministrando-lhes tratamentos médicos incompatível com tais crenças. Ainda, consoante             Luís Roberto Barroso (2010), conclui-se que os direitos fundamentais são, em princípio, disponíveis, haja vista que a liberdade é a regra e a disposição. Contudo, não se deve excluir a possibilidade de que alguns posicionamentos a respeito de direitos fundamentais sejam considerados indisponíveis pelo nosso ordenamento jurídico e que nesses casos, o Estado deverá demonstrar que a limitação imposta é legítima, e não constitui uma violação à liberdade de escolha individual.

              Assim, a questão da indisponibilidade dos direitos fundamentais e da validade do ato de disposição de tais direitos, deve ser analisada de acordo com o caso concreto, contrapondo a decisão do paciente livre e autônoma com os valores sociais relevantes presentes na sociedade. Só a partir dessa análise é que será possível analisar legitimamente a situação. Ainda, deve prevalecer nos casos de negação de tratamentos sanguíneos, dentre eles a transfusão de sangue, por parte das Testemunhas de Jeová, a dignidade como autonomia, sendo que seria ilegítimo, com base no exposto anteriormente, que o Estado imponha procedimentos médicos desaprovados pelo paciente nas relações médicas, pois ao fazer isso, estaria violando a liberdade do individuo de fazer suas escolhas existenciais e, consequentemente, a sua dignidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERENCIAS

 

BARROSO, Luis Roberto. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de jeová. dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais. 2010. Disponível em: < http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/testemunhas_de_jeova.pdf> Acesso em: 10/04/2012

 

 

BELTRÃO, Silvio Romero. O médico e o respeito às crenças religiosas. 2003. Disponível em: < http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=o%20m%C3%A9dico%20e%20o%20respeito%20%C3%A0s%20cren%C3%A7as%20religiosas&source=web&cd=1&ved=0CFcQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.maristaspe.com%2Fargumentum%2Fvolume1%2Fsilvio.doc&ei=uT66T_-bCY_PgAfF7Ny6Cg&usg=AFQjCNHSOJ8Xf1zRXzxTnmkdpcGd9ESIYg&cad=rja > Acesso em: 10/04/2012

 

 

BIZIAK, Daniel Dovigo. A Recusa de Transfusão de Sangue por Motivos Religiosos. 2009. Disponível em: <http://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/viewArticle/74 >Acesso em: 10/04/2012

 

 

Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde. Portaria nº 675/2006. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-675.htm> Acesso: 10/04/2012

 

Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 196/96. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/res19696.htm> Acesso em: 10/04/2012

 

 

SOUZA,  Zelita da Silva; MORAES, Maria Isabel Dias Miorim. A Ética Médica e o Respeito às Crenças Religiosas, in BIOÉTICA, Revista Publicada pelo Conselho Federal de Medicina, volume 6, Brasília, 1998.

 

 

VIEIRA, Luciano Henrik Silveira; FONTES, Rômulo Fernando Novais. Objeção de consciência: a legítima recusa a tratamento Médico. 2009. Disponível em: < http://www.feol.com.br/sites/revista%20eletronica/artigos/direito%20de%20recusa%20a%20tratamento%20medico%20%28luciano%20vieira%20-%20romulo%20fontes%29.pdf > Acesso em: 10/04/2012

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXOS

Anexo 1: CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE: RESOLUÇÃO Nº 196 DE 10 DE OUTUBRO DE 1996

[...]

II - TERMOS E DEFINIÇÕES

A presente Resolução, adota no seu âmbito as seguintes definições:

[...]

II.11 - Consentimento livre e esclarecido - anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa.

[...]

IV - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.

IV.1 - Exige-se que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível e que inclua necessariamente os seguintes aspectos:

a) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa;

b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados;

c) os métodos alternativos existentes;

d) a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis;

[...]

f) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado;

[...]

IV.2 - O termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes requisitos:

a) ser elaborado pelo pesquisador responsável, expressando o cumprimento de cada uma das exigências acima;

b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda a investigação;

c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um dos sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais; e

[...]

IV.3 - Nos casos em que haja qualquer restrição à liberdade ou ao esclarecimento necessários para o adequado consentimento, deve-se ainda observar:

a) em pesquisas envolvendo crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou doença mental e sujeitos em situação de substancial diminuição em suas capacidades de consentimento, deverá haver justificação clara da escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade;

b) a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles sujeitos que, embora adultos e capazes, estejam expostos a condicionamentos específicos ou à influência de autoridade, especialmente estudantes, militares, empregados, presidiários, internos em centros de readaptação, casas-abrigo, asilos, associações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes a inteira liberdade de participar ou não da pesquisa, sem quaisquer represálias;

c) nos casos em que seja impossível registrar o consentimento livre e esclarecido, tal fato deve ser devidamente documentado, com explicação das causas da impossibilidade, e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa;

 

Anexo 2: PORTARIA Nº 675/2006 - Aprova Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, que consolida os direitos e deveres do exercício da cidadania na saúde em todo o País.

PRINCÍPIOS DESTA CARTA

[...]

III - todo cidadão tem direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação;

IV - todo cidadão tem direito a atendimento que respeite a sua pessoa, seus valores e seus direitos;

V - todo cidadão também tem responsabilidades para que seu tratamento aconteça da forma adequada; e

VI - todo cidadão tem direito ao comprometimento dos gestores da saúde para que os princípios anteriores sejam cumpridos.

[...]

SEGUNDO PRINCÍPIO

[...]

II - informações sobre o seu estado de saúde, extensivas aos seus familiares e/ou acompanhantes, de maneira clara, objetiva, respeitosa, compreensível e adaptada à condição cultural, respeitados os limites éticos por parte da equipe de saúde sobre, entre outras:

a) hipóteses diagnósticas;

b) diagnósticos confirmados;

c) exames solicitados;

d) objetivos dos procedimentos diagnósticos, cirúrgicos, preventivos ou terapêuticos;

e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas;

[...]

III - registro em seu prontuário, entre outras, das seguintes informações, de modo legível e atualizado:

a) motivo do atendimento e/ou internação, dados de observação clínica, evolução clínica, prescrição terapêutica, avaliações da equipe multiprofissional, procedimentos e cuidados de enfermagem e, quando for o caso, procedimentos cirúrgicos e anestésicos, odontológicos, resultados de exames complementares laboratoriais e radiológicos;

b) registro da quantidade de sangue recebida e dados que permitam identificar sua origem, sorologias efetuadas e prazo de validade;

c) identificação do responsável pelas anotações.

[...]

VI - o acesso à continuidade da atenção com o apoio domiciliar, quando pertinente, treinamento em autocuidado que maximize sua autonomia ou acompanhamento em centros de reabilitação psicossocial ou em serviços de menor ou maior complexidade assistencial;

TERCEIRO PRINCÍPIO

           Assegura ao cidadão o atendimento acolhedor e livre de discriminação, visando à igualdade de tratamento e à uma relação mais pessoal e saudável. É direito dos cidadãos atendimento acolhedor na rede de serviços de saúde de forma humanizada, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em função de idade, raça, cor, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, características genéticas, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, ser portador de patologia ou pessoa vivendo com deficiência, garantindo-lhes:

I - a identificação pelo nome e sobrenome, devendo existir em todo documento de identificação do usuário um campo para se registrar o nome pelo qual prefere ser chamado, independentemente do registro civil, não podendo ser tratado por número, nome da doença, códigos, de modo genérico, desrespeitoso ou preconceituoso;

[...]

III - nas consultas, procedimentos diagnósticos, preventivos, cirúrgicos, terapêuticos e internações, o respeito a:

a) integridade física;

b) privacidade e conforto;

c) individualidade;

d) seus valores éticos, culturais e religiosos;

[...]

g) bem-estar psíquico e emocional;

[...]

VI - a informação a respeito de diferentes possibilidades terapêuticas de acordo com sua condição clínica, considerando as evidências científicas e a relação custo-benefício das alternativas de tratamento, com direito à recusa, atestado na presença de testemunha;

 

Anexo 3: Personalidade e liberdade religiosa

             

             Sendo a personalidade, uma espécie dos direitos fundamentais, também deve ser tratada sob a ótica da dignidade da pessoa humana. A personalidade é adquirida com o nascimento com vida (artigo 2º CCB), sem restrições para as pessoas naturais, enquanto que a capacidade depende de determinadas situações previstas em lei, presentes nos artigos 3º a 5º do CCB. Consoante o entendimento de Luciano Vieira e Rômulo Fontes (2009, p. 3-5):

Personalidade é a qualidade de ser pessoa, é consagrada pelo Direito na legislação civil e constitucional, pelos direitos fundamentais dentre eles a vida, a igualdade, e a liberdade, sendo que, tal qualidade não é concedida pelo Direito, mas sim imposta ao Direito que não pode negá-la. A capacidade possui outra significação, pois implica na aptidão de gozo ou de aquisição de direitos, sendo demarcada e imposta pela lei, pois é a lei que determina quem possui capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações.

              O direito de personalidade, é um postulado jurídico essencial para a construção da vida em sociedade, visando à autodeterminação contra limitações juridicamente injustificadas que banalizam os direitos fundamentais (VIEIRA; FONTES, 2009, p. 3-5). Assim, como a liberdade religiosa faz parte do direito de personalidade do indivíduo, não pode sofrer limitação de terceiros.



[1]  Paper apresentado à disciplina de Teoria do Direito Privado, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 2º período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, orientador.

[4] Ver anexo 1: Resolução CNS nº 196/96, ITEM ii.11.

[5] Ver anexo 2: Portaria nº 675/2006, V e VI.

[6] Código Penal Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Art.5º, XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

[7] Direito à personalidade como direito fundamental. Ver anexo 3.

[8] Previsto no Art.5º, caput da Constituição Federal do Brasil de 1988.

[9] Previsto no Art. 1º, III, da Constituição Federal do Brasil de 1988.

[10] Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

[11] Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

[12] Tudo o que vive e se move servirá de alimento para vocês. Assim como lhes dei os vegetais, agora lhes dou todas as coisas. Mas não comam carne com sangue, que é vida. A todo aquele que derramar sangue, tanto homem como animal, pedirei contas; a cada um pedirei contas da vida do seu próximo.

[13] Todo israelita ou estrangeiro residente que comer sangue de qualquer animal, contra esse eu me voltarei e o eliminarei do meio do seu povo.

[14] Ao contrário, devemos escrever a eles, dizendo-lhes que se abstenham de comida contaminada pelos ídolos, da imoralidade sexual, da carne de animais estrangulados e do sangue.

[15] Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.