A proteção assegurada à saúde no Brasil deve-se não somente por estar prescrita no texto constitucional como direito de todos e dever do Estado, mas sim, pela sua estreita vinculação com a vida (e a vida com qualidade), entendida esta com dignidade, o que inclui o completo bem-estar físico e mental do cidadão, uma vez que, conforme abordado no presente trabalho, a saúde não mais pode ser tratada como a simples ausência de doenças.
Quando em discussão o direito à saúde, não há dúvida que, em caso de omissão dos órgãos legitimados para tal mister, o Poder Judiciário, frente a uma demanda, deve agir com cautela, pois sabidamente os recursos do Estado são escassos, o que, por si só, não serve para limitar o direito à saúde.
Diante disso, os princípios, que possuem força normativa e servem para dar eficácia aos nossos direitos, assumem relevante importância e devem servir para nortear o julgador a fim de que seja buscada a melhor solução, sempre sopesando o valor de cada um deles.
Nesse aspecto, a dignidade, considerada assim como aquele valor mais íntimo que o homem possui, somente em casos extremamente excepcionais pode sofrer limitações, sob pena de violar-se direitos fundamentais.
Sendo assim, é evidente que a consideração pela vida é o aspecto mais importante a ser sopesado, mas esta não ocorre quando inexistentes as mínimas condições, dentro de um patamar razoável e de cada cidadão, assim consideradas suas especificidades.
A saúde, conforme sobejamente referido no presente estudo, está diretamente relacionada com a vida, vistos que pressuposto para a existência do homem. Sendo assim, a preocupação do constituinte em inseri-la no Título II da Carta Magna, que trata dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, não foi por acaso, tanto que, atualmente, é consagrada pela doutrina como direito fundamental.
Mesmo que, de certa forma, ainda haja dificuldade para definir-se um conceito preciso de direito fundamental, tendo em vista que, muitas vezes são utilizadas expressões sinônimas para designá-los, não há dúvida que direito fundamental é algo que pertence a todos os homens, indistintamente, e cuja proteção encontra-se na Lei Maior.
A saúde está inserida no rol do art. 6º da CF/88, que trata dos direitos sociais, também denominados direitos de segunda geração. Todavia, a doutrina mais moderna prefere utilizar a expressão dimensão ao invés de geração, a fim de afastar a ideia de hierarquia entre eles.
De qualquer modo, independentemente de haver ou não hierarquia entre os direitos, a proteção contra a ingerência do Estado, sob o argumento de aviltamento de recursos, não serve para deixá-la sem proteção, pois sua ligação com a vida é inquestionável.
Nesse aspecto, destaca-se que a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), a saúde foi tratada como direito de todo o cidadão, relacionada a um nível de vida saudável, com um mínimo de dignidade, sendo recepcionada, inclusive, por Tratados Internacionais.
Além da proteção constitucional, também está positivada na legislação infraconstitucional, o que ratifica sua importância como direito de todos, embora a doutrina encontre alguma dificuldade em definir se deve ser destinada a qualquer pessoa ou somente àqueles desprovidos de recursos.
Frente a esse quadro, a importância do Poder Judiciário assume papel de máxima relevância, posto que também tem a função de garantir direitos quando interpreta os princípios norteadores de todo o sistema que envolve a saúde, especialmente se for levado em consideração que a tarefa do intérprete, é, acima de tudo, dar efetividade ao que foi assegurado constitucionalmente, analisando o caso concreto.
Por outro lado, não pode ser olvidado que não cabe ao Poder Judiciário promover políticas públicas para implementar direitos, porém, quando estiverem ameaçados ou forem violados, por omissão dos demais poderes, faz-se necessária a intervenção, pois, do contrário, o cidadão estará desprotegido frente ao Estado.
Sendo assim, o SUS, criado especialmente para promover acesso à saúde de forma igualitária, nem sempre consegue atender a toda demanda. Em razão disso, fica o cidadão à mercê da (in)disponibilidade financeira do Estado, que protela a concretização do direito à saúde, justificando que não possui recursos para todos.
A Teoria da Reserva do Possível, surgiu para, em tese, justificar a inércia ou a inexecução do Estado na concretização do direito à saúde, pois baseando-se nela faz limitações. Todavia, esse argumento deve ser visto com cautela, analisando-se sempre o caso concreto, devendo ser levado em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, que, sopesado com o da proporcionalidade, verificar-se-á que o bem da vida deve prevalecer.
Deste modo, como limite à tutela jurisdicional para ter pleno acesso aos serviços de saúde, encontra-se a exigência de prova de que o cidadão é hipossuficiente ou necessitado economicamente e, neste aspecto, concentram-se os maiores problemas. Afinal, o que é ser hipossuficiente? Apenas aquele que assim se declarar, nos termos do art. 4º da Lei 1.060/50 ou deverá, além da prefalada declaração, também fazer prova de sua indisponibilidade financeira.
Nesse contexto, encontra-se a situação daquele que busca a tutela judicial pela afronta do direito à saúde, conforme se verifica da pesquisa jurisprudencial realizada no presente estudo.
Assim, a prova da hipossuficiência econômica exige do julgador um grau elevado de prudência, sob pena de colocar em risco o núcleo essencial do direito à saúde de cada cidadão, ou seja, aquela parcela mínima de dignidade que este possui. Dessa maneira, em respeito à hermenêutica constitucional, interpretando a saúde como direito fundamental, é imperioso verificar-se até que ponto tal exigência afeta o princípio da dignidade da pessoa humana, e, de certa forma, o da universalidade, posto que, em tese, ela é direito de todos e dever do Estado.
Frente a esse quadro e, longe de fulminar o assunto, perquire-se se a necessidade de quem busca tutela judicial não é presumida ou, cabe sim, ao cidadão, mesmo colocando em risco sua vida ou sua saúde, juntar prova de sua pobreza com documentos que, ainda assim, ficarão sob o critério de subjetividade do julgador.
Na análise, portanto, do direito à vida ou saúde do indivíduo, em confronto com os direitos assegurados e deveres impostos ao Estado (em uma visão de coletividade), cabe se perquirir, na ponderação razoável ou proporcional, se não seria exigir demais do jurisdicionado que, para receber a tutela judicial, deve necessariamente, de plano, provar sua condição financeira deficitária, especialmente ante a presunção de boa-fé que permeia qualquer processo judicial.
Além do mais, toca à parte contrária (Estado, União ou Município) fazer prova de que o autor/cidadão dispõe de recursos para a obtenção do direito alegado.
Em todo caso, pode-se concluir que, sendo a saúde direito de todos e dever do Estado, deve sempre buscar-se a melhor forma e a mais efetiva para garanti-la. Assim, a prova da hipossuficiência do cidadão, em um primeiro momento, não deve ser exigida, bastando a simples afirmação de que não possui condições de suportar os gastos com seu tratamento, consubstanciada pela declaração de que trata a Lei 1.060/50. Todavia, futuramente, a situação econômica do tutelado poderá ser investigada durante a instrução do feito, caso houver necessidade.
Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, espera-se com este estudo levar alguns questionamentos a fim de que sejam repensadas as formas de barrar o cidadão que busca o acesso à saúde.