O DIREITO À MORADIA EM FACE DA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL: O caso das famílias instaladas na Área Leste 2 do Sítio do Rangedor em São Luís - MA[1]

 

Gustavo José Gomes Azevedo e

João Alves Bezerra Junior[2]

 

 

Sumário: Introdução; 1 Abordagem sobre a Área Leste 2 e sua ocupação; 2 Análise das Leis n° 9985/00 e n° 12.651/12 quanto à proteção ambiental da Área Leste 2; 3 O direito à moradia e o problema habitacional; 4 O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a preservação da Área Leste 2; 5 Conflito entre direitos fundamentais: direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Conclusão; Referências.

RESUMO

 

O presente trabalho tem como escopo abordar o caso das famílias instaladas na Área Leste 2 do Sítio do Rangedor, localizado no município de São Luís-MA. A partir do caso em análise, discorrer-se-á sobre a referida área e sua ocupação. Analisar-se-á a legislação pertinente para o assunto, além dos dispositivos que tutelam os direitos envolvidos em questão, o direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Debater-se-á qual direito fundamental deve prevalecer. Para isto, abordar-se-á sobre a questão habitacional no Brasil, dando enfoque para a capital maranhense, onde a área em tela se localiza, assim como a preservação de áreas ambientais com foco na região objeto de estudo.

Palavras-chave: Área Leste 2; Direito à moradia; Direito ao meio ambiente equilibrado; Questão habitacional; preservação de áreas ambientais.

INTRODUÇÃO

 

A questão habitacional consiste em um grave problema enfrentado em todo o território nacional. Devido à falta de moradias, algumas famílias acabam se instalando em áreas de proteção ecológica, na busca do direito a um local digno para seu abrigo. No entanto, a concretização deste direito, contraposto à preservação ambiental, enseja uma tensão entre dois direitos fundamentais: o direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Neste contexto, abordar-se-á, neste trabalho, sobre um caso de ocupação que envolve os direitos fundamentais em questão, que se trata da instalação de famílias na Área Leste 2 do Sítio do Rangedor, localizada na zona urbana de São Luís.

O referido sítio divide-se em duas regiões: Área 1 compreende a Estação Ecológica do próprio sítio e é protegido pelo decreto 21.797/05, classificado na categoria Unidade de Proteção Integral, em conformidade com a Lei n° 9985/00 (Lei do SNUC); Área Leste2, aqual será o foco da pesquisa, é considerada Zona de Amortecimento da Estação Ecológica, com base na mesma lei, e Área de Preservação Permanente conforme a Lei n°  12.651/12.

Esta segunda região abriga cerca de 3.700 famílias e é alvo constante de desmatamento e poluição, servindo como depósito de lixo e esgoto, os quais atingem também as nascentes dos Rios Calhau e Pimenta, ali localizadas. Esta área é também palco de uma série de conflitos entre ambientalistas, que visam à proteção do local, e empresas imobiliárias, que desejam utilizá-lo para a realização de seus empreendimentos.

No tocante ao desenvolver deste trabalho, em um primeiro momento, discorrer-se-á sobre a Área Leste 2 do Sítio do Rangedor e a instalação de famílias na região. Em seguida, analisar-se-á a Lei n° 9985/00 (Lei do SNUC), que institui sobre Unidades de Conservação, dando enfoque à qualidade de Zona de Amortecimento que exerce a Leste 2 em razão da Área 1, além da Lei n° 12.651/12, que dispõe, entre outras questões, sobre Áreas de Preservação Permanente (APP), categoria na qual está inserida a referida região.

Adiante, discutir-se-á sobre o direito à moradia, previsto no artigo 6° da Constituição Federal, tendo em vista a ocupação realizada no local, relacionada aos problemas de habitação enfrentados pelo Brasil, em especial por São Luís do Maranhão, cidade onde está localizado o Sítio do Rangedor. Ademais, abordar-se-á sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, arrolado no artigo 225 da nossa Carta Magna, trazendo à tona a relação deste com a proteção ambiental da região em tela.

No que tange ao conflito de direitos fundamentais envolvidos no caso, debater-se-á a seguinte questão: Qual dos dois deverá prevalecer: o direito à moradia ou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado? A proposta do trabalho será responder a esta pergunta, avaliando-se o caso das famílias instaladas na Área Leste 2 do Sítio do Rangedor.

 

 

 

 

1. ABORDAGEM SOBRE A ÁREA LESTE 2 E SUA OCUPAÇÃO

           

Conforme expõe Coelho (2010, p.11), a Área Leste 2 compreende aproximadamente80 hectaresna Região Metropolitana de São Luís e “é uma das principais reservas florestais e de água doce de São Luís, incluindo as nascentes do Rio Calhau, o maior rio da Bacia Oceânica da Ilha”.

Para compreender a localização da referida região, toma-se por referência o Grande Santuário Ecológico do Rangedor, situado entre as Avenidas Jerônimo de Albuquerque, Holandeses e Eduardo Magalhães, sendo esta última a que separa a Área Leste 2 da Área 1 (Estação Ecológica do Rangedor).

Segundo Coelho (2010, p.11), a Leste 2 é Área de Preservação Permanente, devido às “suas nascentes e grande riqueza de olhos d’água, igarapés, riachos, córregos, condição que foi confirmada pelo IBAMA/MA em  relatório de vistoria realizado em2007”. É possível observar ainda que na região existem várias espécies da fauna (macacos capijubas, jacarés, borboletas, pássaros, etc.) e da flora (juçareiras, buritizeiros, babaçuais, cajueiros, etc.), incrementando a beleza cênica do lugar.

Atualmente, a área em questão abriga a Vila Nossa Senhora da Conceição e Portelinha, ocupações populares espontâneas que somam cerca de 3.700 famílias (COELHO, 2010, p.11). Cita ainda a autora, que essas famílias construíram suas casas em “terra rodeada por vasta vegetação”, tendo que devastar boa parte da área verde existente ali.

Curiosamente, a Área Leste 2 do Rangedor seria também o local onde se pretenderia construir um hospital de emergência, o Socorrão III, além de ser alvo de interesse de grandes empresas de construção civil, que desejam realizar ali seus empreendimentos imobiliários. Ambas as pretensões resultariam em uma devastação ainda maior da Área de Preservação Permanente, destruindo as riquezas naturais ali existentes.

 

2. ANÁLISE DAS LEIS N° 9985/00 E N° 12.651/12 QUANTO À PROTEÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA LESTE 2

 

             A Lei n° 9985/00 (SNUC), que institui sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, dispõe em seu artigo 25 que “as unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos”. (grifo nosso).

Ante essa questão, considera-se a Área Leste 2 zona de amortecimento da Área 1 que corresponde à Estação Ecológica do Rangedor, unidade de conservação na categoria de unidade de proteção integral, criada pelo Governo do Estado por Decreto Estadual n° 21.797 de 15 de novembro de 2005.

Ressalta-se que o tal decreto não discorre sobre zona de amortecimento, contudo o artigo 2° da Lei do SNUC, inciso XVIII a define como “o entorno da área de unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. Dessa forma, reforça-se a condição da Leste 2 como zona de amortecimento, por ser inerente à Estação Ecológica (Unidade de Conservação).

Quanto à preservação ambiental das zonas de amortecimento, estende-se a elas a proteção dispensada às unidades de conservação, como se observa no seguinte dispositivo da lei em análise:

Art. 5o O SNUC será regido por diretrizes que:

XIII - busquem proteger grandes áreas por meio de um conjunto integrado de unidades de conservação de diferentes categorias, próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de amortecimento e corredores ecológicos, integrando as diferentes atividades de preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação dos ecossistemas. (grifo nosso).

Merece destaque também o artigo 49, parágrafo único, o qual diz que “a zona de amortecimento das unidades de conservação, uma vez definida formalmente, não pode ser transformada em zona urbana”. É importante abordar este dispositivo, ao tratar da Leste 2, pois percebe-se que a área em tela sofre com um processo de urbanização, que já devastou grande parte da sua vegetação e a tendência, caso sejam concretizados os projetos de construção para o local, é que a zona de amortecimento em questão seja destruída integralmente.

            Outra classificação da Área Leste 2, além de zona de amortecimento, consiste na condição de Área de Preservação Permanente – APP, como já mencionado neste trabalho. Conforme a Lei n° 12.651/12, que instituiu o novo Código Florestal, considera-se Área de Preservação Permanente:

Art. 3°, II: Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Art. 4°, I: As faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura.

Cumpre salientar que a Leste 2 é rica em mananciais, onde estão presentes as nascentes do Rio Pimenta e Rio Calhau. O próprio Plano Diretor de São Luís a classifica como Área de Mananciais e Fundo de Vales. Contudo, percebe-se na região, que as nascentes dos rios supramencionados estão contaminadas por esgoto vindo de residências de bairros de classe média e alta, um grande desrespeito à proteção e legislação ambiental, pois a Resolução CONAMA n° 375/2006, prevê em seu artigo 15, que não será permitida a aplicação de lodo de esgoto ou produto derivado: II – em Área de Preservação Permanente – APP; III – em Áreas de Proteção aos Mananciais – APMs.

3. O DIREITO À MORADIA E A QUESTÃO HABITACIONAL

Prescreve o Art. 6° da CF: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O direito à moradia, é então, direito social de 2° dimensão, os quais caracterizam-se por sua dimensão positiva, ou seja, precisam ser efetivados, assegurados pelo Estado. (HENKES, 2006, p. 873):

Conforme assinala ainda o referido autor (2006, p. 866):

“O direito à moradia foi incluído na Carta Constitucional brasileira como um direito fundamental social (art. 6°) através da Emenda Constitucional n° 26, de 14 de fevereiro de 2000, haja vista a adesão do Brasil a inúmeros documentos internacionais.”

Dentre os documentos do qual a autora se refere, está a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “fonte inspiradora dos sistemas de proteção internacional dos direitos humanos.” (SAULE JUNIOR apud HENKES, 2006, p. 872). Em seu artigo XXV, dispõe que:

“Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família, saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança e em caso de desemprego, doença, invalidez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora do seu controle”.

Outro documento que deu ensejo à inclusão do direito à moradia em nossa Carta Magna, através da emenda supracitada, foi o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que prevê:

Art. 11, §1°: Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

Elencados os principais documentos que tratam dos direitos humanos e da efetivação destes pelo Estado, faz-se pertinente explanar sobre o direito à moradia, tutelado nos documentos acima, relacionando-o com o Brasil e o problema habitacional por este enfrentado. Ademais, será elucidada também a situação da cidade de São Luís, Maranhão, a qual abriga a área estudada neste trabalho. Ressalta-se que o Maranhão é o estado que apresenta, em percentuais, o déficit mais relevante entre as unidades da Federação.

Assinala Henkes (2006, p. 866) que a efetivação do Direito à Moradia está relacionada diretamente a solução de dois problemas: o primeiro trata-se do acesso à moradia, do alto índice de déficit habitacional; o segundo refere-se à “inadequação das moradias existentes, ou seja, quanto ao elevado número de moradias precárias, insalubres, irregulares”. Tais problemas são facilmente observados no Brasil, como salienta Milaré (2011, p. 616):

“[...] Em países de modernidade tardia, como o Brasil, a transição de um país rural para um país urbano, em um quadro de profundas desigualdades, tornou ainda mais agudo o déficit habitacional, levando muitas vezes a população mais pobre a viver em lugares não alcançados pela propriedade formal, como morros, áreas públicas abandonadas e áreas protegidas ambientalmente.”

Importa destacar que os direitos humanos de segunda geração, assim como o direito à moradia, deixam de ser concretizados devido ao Estado não cumprir as prestações que lhe são devidas, seja por razão de escassez orçamentária, seja pela própria corrupção que assola o nosso país. É o que explica Milaré (2011, p. 624) ao tratar dos problemas de eficácia desses direitos nos países subdesenvolvidos:

“O direito a moradia, bem como outros direitos fundamentais em países subdesenvolvidos, enfrenta problemas de eficácia. Existem importantes documentos constitucionais e infraconstitucionais que lhes garantem proteção, contudo se estabelece um fosso entre o ser e o dever ser, fato que se observa especialmente em relação a direitos humanos de segunda geração, já que exigem prestações materiais poucas vezes cumpridas, às vezes por limites orçamentários, outras pelo desvio de recursos”.

Ressalta ainda o autor, que tais direitos amparados constitucionalmente e infraconstitucionalmente, são reconhecidos apenas formalmente, não sendo efetivados na prática por falta de meios adequados para sua realização:

“Nos direitos sociais a situação é especialmente delicada, quando se considera que, neste âmbito, a efetividade não se apresenta como condição ulterior do direito, mas antes como condição de existência do próprio direito. Não basta, pois, o reconhecimento formal dos direitos fundamentais, imprescindível existirem meios para concretizá-los”. 

Quanto ao acesso à moradia, Henkes (2006, p. 868) assevera que a não efetivação desse direito “propicia graves e inúmeras violações à vida, à saúde e a dignidade das pessoas atingidas, além de violar outros direitos, tais como: a identidade, a qualidade de vida, a segurança, as oportunidades de trabalho, a inclusão social e a cidadania”. Isto significa que o direito à moradia está atrelado à aquisição e exercício de outros direitos, pois ao ser negado ao indivíduo uma moradia, ou moradia adequada, estará sendo violada uma série de direitos, como os já mencionados acima.

No tocante a questão habitacional voltada para São Luís do Maranhão, assinala-se que a capital maranhense apresenta os mesmos problemas da maioria das capitais do país, podendo ser observados através das inúmeras ocupações espontâneas em vários bairros da cidade, como se pode citar as aqui trabalhadas: Vila Nossa Senhora da Conceição e Portelinha, localizadas na Área Leste 2 do Rangedor, no bairro Alto do Calhau.

Quanto ao direito à moradia em São Luís, seu Plano Diretor (Lei n° 4.669 de 11 de outubro de 2006) estabelece os seguintes objetivos e diretrizes gerais, respectivamente:

Art. 3º, I - garantir o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana e rural, através do direito à moradia digna, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e serviços públicos de qualidade para todos os cidadãos; (grifo nosso);

Art. 4º, I - promover políticas públicas que elevem a qualidade de vida da população, particularmente no que se refere à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, às condições habitacionais, à infraestrutura, saneamento básico e aos serviços públicos, promovendo a inclusão e reduzindo as desigualdades sociais; (grifo nosso).

4. O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E A PRESERVAÇÃO DA ÁREA LESTE 2

Para tratar sobre o meio ambiente, a Constituição Federal de 1988, previu um capítulo com um único artigo, que traz a seguinte redação, em seu caput:

Art. 225, CF: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-la e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

De forma a estabelecer um melhor entendimento sobre o dispositivo em questão, é importante, a princípio, discorrer brevemente sobre a noção de meio ambiente. Segundo José Afonso da Silva (2007, p. 20): “O meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. Como se pode perceber, o conceito de meio ambiente abrange não só aspectos naturais, como o solo, água, flora, mas também artificiais e culturais, como o meio urbanístico, patrimônio histórico, turístico e arqueológico, assim completa o autor.

Ressalta-se que o direito em análise, anteriormente à previsão pela nossa Carta Magna em 1988, foi reconhecido como direito fundamental a partir da Conferência de Estocolmo em 1972, quando se estabeleceu, no primeiro princípio, que o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado era indispensável para o gozo do direito à vida”. (MILARÉ, 2011, p. 622). Adiante, em 1981, foi instituída a Política Nacional do Meio ambiente, através da Lei n° 6.938, e em 1985, criou-se a Ação Civil Pública através da Lei n° 7.347, “a qual institucionalizou a tutela processual moldada à natureza dos direitos e interesses difusos” (HENKES, 2006, p. 875).

Em relação à proteção da Área Leste 2 do Rangedor e os danos ambientais presenciados na região já citados no teor deste trabalho, faz-se necessário citar o que o artigo em questão trata sobre o assunto em seus parágrafos e incisos:

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade;

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

5. CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À MORADIA E O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

 

“Haverá autêntica colisão de direitos quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”. (Canotilho apud Viegas, 2004, p. 328).

Contudo, percebe-se que o conflito em questão apresenta natureza diversa da maioria dos conflitos de direitos fundamentais, no que concerne a titularidade difusa e intergeracional do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, “difusa porque pertencente a toda coletividade indistintamente; intergeracional porque pertence às atuais e futuras gerações”. (HENKES, 2006, p. 881).

Cumpre salientar ainda que existem decisões da jurisprudência brasileira afirmando que não se verifica conflito entre os direitos envolvidos em análise. (MIRALÉ, 2011, p. 633). Cita o autor o trecho do voto do Relator Torres de Carvalho:

“Não há conflito entre o direito à moradia e o direito ao meio ambiente; isto porque o direito à moradia há de ser exercido sem o sacrifício da natureza, que beneficia também, e principalmente, as pessoas de baixa renda. Sem fugir ao truísmo, o art. 225 da CF/1988 estabelece que a preservação da natureza é de dever de todos, e isso inclui a população menos favorecida, uma vez que a dificuldade econômica não confere direito à destruição da natureza” (TJSP, Voto do Relator Torres de Carvalho na ApCiv 99409357951-8, Câmara Especial de Meio Ambiente, 08.04.2010)

Portanto, não havendo conflito, segundo Miralé (2011, p. 633) configuraria “ato ilícito, originado a maior parte das vezes por omissão dos Municípios, que permitem construções em locais de alto risco”. Importa mencionar que os Estados têm flexibilizado a ocupação de famílias em locais inadequados, “bem como tem legalizado situações até então ilegais” (HENKES, 2006, p. 876). Nesse mister, Turra (apud HENKES, 2006, p.876) constata também que:

“O tratamento dado aos moradores da favela variou historicamente de acordo com fatores políticos, sociais e culturais. Pouco a pouco, a favela foi deixando de ser um território de bandidos, de caos e desordem para ser tolerada, tendo por fim, sido reconhecido aos seus habitantes o direito de nela permanecerem”.

“Outro fenômeno de incomensurável gravidade que vem se consolidando no Brasil, é a urbanização das áreas ambientais protegidas,” (HENKES, 2006, p. 877), na busca da efetivação do direito à moradia. Foi o que ocorreu na Área Leste 2, a partir da instalação de famílias na região.

Menciona ainda a autora que as “áreas ambientais protegidas têm uma tutela legal em decorrência das suas especificidades, ou seja, em razão da sua importância para o equilíbrio ambiental, seja por serem ecossistemas frágeis ou áreas que abrigam espécies em extinção”.

Quanto à efetivação do direito à moradia em áreas de preservação ambiental, Henkes (2006, p. 881) constata que:

“Os casos de colisão de direitos fundamentais devem ser resolvidos de acordo com a proporcionalidade dos valores em confronto, razão pela qual, o direito ao meio ambiente equilibrado pertencente às presentes e futuras gerações, número indeterminado de pessoas, deve prevalecer sobre o direito dos moradores da área protegida, número determinado de pessoas, ainda que de grande proporção, no que tange a sua permanência no local, se possível e viável a manutenção e ou reparação das características ecológicas do local, não obstante a efetivação do direito à moradia neste caso, deve-se dar em outro local, sob pena de lesar o art. 6°, da CF/88”.

No entanto, a autora faz uma ressalva: a efetivação do direito à moradia pode se dar em áreas ambientais se for inviável a reparação das características do local protegido, “caso o local esteja habilitado à habitação”, não pondo em risco a vida dos moradores.

No caso da Área Leste 2, o que se percebe é que a região onde estão localizadas as famílias, já foi bastante danificada, o que torna inviável a reparação de suas características. Logo, embora não sejam moradias dignas diante do que foi exposto em relação ao direito à moradia, por não ser um local de risco evidente como morros, por exemplo, e devido ao problema habitacional, o Estado acaba por permitir este tipo de ocupação.

Vale destacar que há uma região bem preservada, que ainda mantém as características de Área de Preservação Permanente, embora seja possível observar vestígios de desmatamento, assim como contaminação das nascentes dos Rios ali presentes. Em prol da preservação da Leste 2, ambientalistas reuniram-se em defesa da área, realizando um projeto de replantação de árvores e conscientização dos moradores quanto à importância da preservação do local, além de impedir as inúmeras tentativas de utilização do local por  empresas de construção civil, para que realizem seus empreendimentos, destruindo a área tão rica em recursos naturais e de exuberante beleza cênica.

 

CONCLUSÃO

À luz do exposto neste trabalho, foi possível observar que tanto em relação ao direito à moradia quanto ao direito ao meio ambiente equilibrado, há inúmeros dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que asseguram ambos os direitos em análise. No entanto a omissão do Estado e o não cumprimento das prestações a ele devidas, ensejam no conflito desses direitos, pois se fosse concretizado o direito à moradia não seria necessária a ocupação de áreas ambientalmente protegidas, afetando o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Quanto às famílias instaladas na Área Leste 2 do Rangedor, verificou-se que a ocupação ali realizada, já alterou bastante as características de área ambiental, sendo inviável reparação. Desse modo, não cabe mais considerar esta parte da Leste 2 como Área de Preservação Permanente, devido à urbanização ocorrida no local. Neste caso então, prevaleceria o direito à moradia, embora não seja o ideal de concretização deste direito arrolado nos dispositivos supracitados.

Porém, na área onde há presença de vegetação preservada, apesar dos vestígios de desmatamento, deverá prevalecer o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, visto que tal área funciona como zona de amortecimento da Estação Ecológica, sendo descarga de aquíferos, assim como Área de Preservação Permanente, dispondo de nascentes de importantes rios para a capital maranhense, além da diversificada fauna e flora ali existente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

COELHO, A. G. S. Para Que Serve A Legislação Ambiental: um estudo de caso da Estação Ecológica do Rangedor na cidade de São Luis- MA. In: IV Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade, 2010. Anais eletrônicos. Florianópolis, 2010. Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT16-714-739-20100902153937.pdf. Acesso em 03 set. 2012.

HENKES, Silviana L. Colisão de Direitos Fundamentais: meio ambiente ecologicamente equilibrado e acesso à moradia em áreas protegidas. In: BENJAMIN, Antônio Herman (Orgs.). Direitos humanos e meio ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. 2v.

 

SANTIAGO, Alex F. O Direito à Moradia e o Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Ocupação de Áreas Protegidas: Conflito Entre Direitos Fundamentais? In: MILARÉ, E; MACHADO, P. A. L. (Org.). Direito Ambiental: fundamentos do direito ambiental. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 9. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011.

VIEGAS, Thaís E. S. Zoneamento Ambiental e Colisão de Direitos no Espaço Urbano. In: BELLO FILHO, Ney de Barros, LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito ambiental contemporâneo. Manole, 2004.

 

 

 

 

           

 

           



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Ambiental.

[2] Discentes do 4º Período do curso de Direito, da UNDB.

[3] Professora mestre, orientadora.