O DIREITO À MORADIA E A OCUPAÇÃO DE ESPAÇOS AMBIENTALMENTE PROTEGIDOS: COLISÃO OU CONJUGAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS?[1]

 

Erica Alencar dos Santos[2]

Thaís Viégas[3]

 

Sumário: Introdução; 1.Direitos Fundamentais: análise de suas nuances, historicidade e noção material; 2.Direito Fundamental à Moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 2.1.Direito à Moradia e a interdependência com outros direitos;3. O Direito à Moradia e a Ocupação de Espaços ambientalmente protegidos: colisão ou conjugação de direitos fundamentais?; Conclusão; Referências.

 

 

 

RESUMO

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à moradia são direitos fundamentais, elevados a esta condição pela Carta Magna brasileira. O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é parte necessária do direito à vida e à integridade pessoal, estes pelos quais são os núcleos essenciais dos direitos fundamentais. A doutrina de direitos humanos e sua evolução é explicitada nos tratados e pactos internacionais e ainda evidenciado na Constituição Brasileira. Contudo, em países em desenvolvimento como o Brasil, caracterizado por um espectro de desigualdades profundas e marcado pela lenta passagem de um país rural para se tornar urbano, é perceptível que o déficit habitacional tornou-se mais agravado e forte, levando as populações mais desfavorecidas a ocuparem e viverem em espaços não alcançados pela propriedade formal, como também em áreas legalmente protegidas ambientalmente.A existência de colisão ou a conjugação entre dois direitos fundamentais e os questionamentos levantados quanto a sua existência será oportuno um juízo de ponderação de qual deles deva preponderar.

PALAVRAS-CHAVE: Espaços ambientalmente protegidos. Direito à moradia. Colisão. Conjugação. Direitos Fundamentais.

 

INTRODUÇÃO

 

Os direitos fundamentais, segundo a doutrina majoritária, podem ser classificados em direitos de primeira, segunda e terceira dimensão. Segundo Henkes (2006, p. 870) “os direitos de primeira dimensão são direitos de cunho negativo, posto que dirigidos a uma abstenção do Estado” são os direitos civis e políticos “vinculados à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança e às diversas formas de opressão” (HENKES, 2006, p. 870). Os direitos de segunda dimensão são aqueles relacionados aos direitos sociais, econômicos e culturais, que implicam uma obrigação do Estado propiciá-los aos cidadãos, sendo deste modo, considerados positivos. No rol dos direitos de segunda dimensão estão incluídos o direito ao trabalho, à saúde, à educação e à moradia (HENKES, 2006, p. 871). Já os direitos de terceira dimensão, segundo Henkes (2006, p. 871) são os direitos relacionados à fraternidade e a solidariedade, e são considerados, por conseguinte, direitos de titularidade difusa, pois dizem respeito a grupos humanos específicos considerados em sua realidade local. Em assim sendo, são direitos de terceira dimensão o direito a equidade de gênero, o direito do consumidor, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros.

Conforme foi mencionado acima, o direito à moradia é um direito fundamental de segunda dimensão, erigido a esta condição por meio da emenda constitucional n° 26/2000 que alterou o caput do art. 6° da Constituição Federal (SANTIAGO, 2010, p. 620). Contudo, cabe neste ínterim ressaltar que o direito à moradia enquanto obrigação do Estado não se resume apenas em prover um teto para abrigar as famílias das intempéries, sobretudo significa proporcionar aos seres humanos condições para uma existência digna, como por exemplo, prover o abastecimento de água potável, de esgotamento sanitário, de coleta de lixo doméstico e assim por diante. Nesse mesmo diapasão, é razoável supor que o poder público em sentido amplo deve fomentar as políticas públicas de habitação para evitar a ocupação desordenada do meio urbano, em consonância com o princípio da função social da propriedade, que está previsto no art.182 da Constituição Federal, a fim de direcionar a ocupação do plano urbano e ainda impedir a proliferação das condições sub-humanas de vida nas favelas e cortiços espalhados pelo país, muitas delas localizadas em encostas de morros e áreas ambientalmente protegidas. Todavia, é mister ressaltar as palavras da doutora em direito ambiental, Silvana Henkes, que alude o principio da função social ser mais um contribuinte para que o acesso a moradia seja garantido, porém, refere que deva ser em conformidade com outros direitos e normas, afirmando que a ocupação nunca se dê em lugares protegidos em virtude da suas características, como as áreas ambientais ou ferindo outros direitos legítimos(HENKES, 2006, p. 874).

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental elevado a esta condição pela Carta Magna brasileira em seu art. 225. Segundo Santiago (2010, p. 621) “o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é parte fundamental do direito à vida e à integridade pessoal”, estes que são os núcleos essenciais dos direitos fundamentais (HENKES, 2006, p. 875). É inegável que, sem a manutenção do meio ambiente e seus recursos naturais em níveis adequados, à humanidade estará fadada a extinção, daí a preocupação do legislador constitucional com as gerações futuras.“É fato que os direitos humanos não podem ser protegidos sem que esteja protegido o ambiente em que vivem as pessoas” (SANTIAGO, 2010, p. 622).

Considerando o exposto, vislumbra-se que o direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado são direitos fundamentais aparentemente inconciliáveis. Ou seja, o crescimento e a concentração demográfica das cidades necessariamente implicará o uso inadequado dos recursos naturais, a ocupação de áreas ambientalmente protegidas ou áreas de risco e a flexibilização ou regularização destas ocupações pelo poder público. Isto será de fato verdade? Ou será possível conjugar ou conciliar esses direitos visando à tão almejada dignidade humana? A existência de colisão entre dois direitos fundamentais e os questionamentos levantados quanto a sua existência nos casos concretos, é oportuno um juízo de ponderação de qual deles deva preponderar. Esta é a discussão que se pretende travar ao longo do presente trabalho.

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS: ANÁLISE DE SUAS NUANCES, HISTORICIDADE E NOÇÃO MATERIAL

A afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa humana estimulou o avanço que o Direito Constitucional demonstra nos dias de hoje, e ainda a ênfase que a Constituição é lugar propício para positivar normas que garantem pretensões protetivas. Relacionando-se com a ideia de que os valores mais raros da existência humana devem estar guardados em documento jurídico somado a uma força vinculativa, concernentes a momentos adversos ao respeito prestado ao indivíduo (BRANCO p.153, 2012). Vê-se a importância da proclamação dos direitos fundamentais entre os indivíduos, que pode ser verificada no preâmbulo da atual Constituição, visto que a assembleia constituinte teve como motivação a finalidade de “instituir em Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança”, sendo esta finalidade como coluna basilar jurídico-ético-político do próprio entendimento da Constituição e o que os direitos fundamentais estão vocacionados a proporcionar (BRANCO p.153, 2012).

O que confere fundamentalidade a um direito seria os critérios da essencialidade, o modelo de Estado e direitos humanos positivados nas cartas constitucionais. A essencialidade é justificada porque as normas de direitos fundamentais são mais importantes que as outras normas, isso porque os direitos presentes nessas normas são os mais importantes para o ser humano, ligados a livre construção da personalidade. O que confere a fundamentalidade a um direito também é a sua proximidade com o modelo de Estado de um país e ainda os direitos humanos são aqueles direitos fundamentais elencados nas cartas constitucionais, que foram primeiramente positivados em tratados internacionais de direitos humanos, porém eles na sua essência não decorrem nem da positivação em tratados internacionais e nem em cartas magnas; assim sendo os direitos fundamentais independentes de qualquer positivação, decorrentes da própria existência do ser humano.

Os direitos fundamentais na visão do constitucionalista Robert Alexy são aqueles que o Constituinte afirma que são, segundo o qual excluiria as discussões que remetem a outros critérios. E ainda complementa referindo-se as regras como sendo “mandatos de determinação”, em que algo deve ser satisfeito ou não, afirma ainda que uma norma atribuída só será norma de direito fundamental e válida, se para tal atribuição a uma norma especificamente estabelecida pelo texto constitucional, for possível uma correta fundamentação referente a direitos fundamentais (ALEXY, p.74, 2011).

Algumas características acompanham os direitos fundamentais, uma delas é a inerência, configuram inerentes a cada pessoa, o que “não excluí a sua constante mudança, interferindo e acompanhando no processo histórico e na evolução social”; outra seria a historicidade, são frutos de longa duração e participam de contexto histórico. A inalienabilidade é uma qualidade em que atesta aos direitos fundamentais a indisponibilidade, não é possível de serem objetos de comercialização. A indivisibilidade, refere-se pelo caráter conjunto deles, em que só existem se todos eles estiverem sendo respeitados. E por último e não menos importante, a interdependência entre eles, em que determinado direto fundamental não alcança a eficácia plena sem a realização simultânea de alguns ou de todos os outros direitos humanos (CARVALHO, p.614, 2012).

Os direitos fundamentais na ótica de Norberto Bobbio indica que os direitos dos homens ganham proeminência quando se desloca do Estado para os indivíduos, considerando à primazia na relação posta entre eles (BOBBIO, p.4, 1992). Afirma ainda, o constitucionalista Paulo Branco que os direitos fundamentais assumem o patamar de realce permanente na sociedade ao se inverter a tradicional relação entre Estado e individuo, e se estabelece que os indivíduos tenham em primeiro lugar direitos e depois deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em relação ao individuo direciona-se ao objetivo de melhor suprir as necessidades dos homens cidadãos (BRANCO p.155, 2012).

A maturação histórica confere aos direitos fundamentais a sua sedimentação como normas obrigatórias e nos certifica também que os direitos fundamentais não são sempre os mesmos em todas as épocas correspondendo, além disso, “invariavelmente na sua formulação a imperativos de coerência lógica” (BRANCO p.154, 2012). É cabível destacar ainda, que alguns ditos “novos direitos” sejam apenas os antigos direitos adaptados às novas exigências da atualidade, contudo a visão dos direitos fundamentais ao que tange a evolução das gerações demonstra o caráter cumulativo das mudanças desses direitos no tempo, em que é válido não esquecer de situar todos os direitos num contexto de unidade e de indivisibilidade, como já citado alhures.

Trazer para discussão o contexto histórico é coerente, para se compreender e trazer sentido aos direitos fundamentais, em termos de sua gênese e seu desenvolvimento, como também “ revelar a índole evolutiva dos direitos fundamentais” (SILVA, pg.166, 2006). Os direitos segundo Bobbio não se originam todos de uma só vez, ao enfatizar que:

(...) os direitos nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitação de poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor” (BOBBIO, p.6, 1992).

A proteção dos direitos fundamentais é notadamente, algumas vezes, irregular, incongruente no entendimento de um mesmo direito diante de casos concretos diferentes, e vem assegurar o caráter evolutivo-histórico. Isto significa que os direitos fundamentais podem ser explanados em uma determinada época, desaparecendo em outras, ou também que se modifiquem ao longo do tempo. Ingo Sarlet assevera que os direitos fundamentais são aqueles imbricados com as posições básicas das pessoas, porém inscritos em diplomas normativos de cada Estado, são aqueles direitos que: “(...) vigem numa ordem jurídica concreta, sendo por isso,      garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os consagra” (SARLET apud MENDES, p.167, 2012).

A estrutura socioeconômica dos países subdesenvolvidos impõe subjacentemente uma vida injusta e com absurdas desigualdades, lesionando a dignidade dos indivíduos, impostas pelo refreamento da satisfação das necessidades mínimas. E diante dessas carências e exclusões, surgem os chamados “direitos novos”, contudo nem sempre são em sua inteireza “novos”, e assim são denominados por que já não percorrem as vias jurídicas tradicionais e legislativas, todavia provêm de um processo de conquistas e lutas das identidades coletivas, visando almejar o reconhecimento pelo Estado (CARVALHO, 2012). Adjudica-se à ênfase na materialização de necessidades individuais ou coletivas que emergem informalmente. Não se acham estabelecidas por procedimentos técnicos, pois são direitos dados pelas condições de vida. Nas palavras do constitucionalista Kildare Carvalho: “são direitos concebidos pelas condições de vida e exigências de um devir, que só se efetivam se conquistados; processam-se com a          subversão contínua do estabelecido e com a reivindicação permanente do social e do político” (CARVALHO, p.645, 2012).

Ao verificar a história, os direitos humanos sofreu uma evolução, deixaram de ser apenas teorias filosóficas e passaram a ser positivados pelos legisladores. Deixaram de coincidir com meras reivindicações éticas e políticas, eles ganharam em robustez concreta ao se sublimarem a prerrogativa da exigibilidade jurídica, todavia perderam em abrangência. Tornaram-se protegidos pela ordem jurídica, mas apenas dentro do Estado que os proclamam.

E assim um pouco mais tarde, com a Declaração Universal (1948), recebe impulso para a corrente da universalização da proteção dos direitos dos indivíduos, e após a Declaração das Nações Unidas seguiram-se algumas convenções internacionais, atenuando a vocação dos direitos fundamentais de alargar suas fronteiras. É cabível de nota ainda, que antes os direitos fundamentais protegiam apenas as reivindicações comuns a todos os indivíduos, e no decorrer do tempo passaram a proteger igualmente os homens com suas peculiaridades, que eram caracterizadas por circunstâncias específicas em que eram submetidos os indivíduos; merecendo atenção especial, daí a consagração dos direitos especiais, como aos idosos, aos adolescentes, às crianças, em que verifica-se uma evolução no significado dos direitos fundamentais, em que o “homem não é mais visto como ser abstrato, mas na concretude das diversas maneiras de ser e de estar na sociedade” (MENDES, p.177, 2012).

Essa especificação implica a multiplicação dos direitos, em que são explicitados novos direitos que se adequam às particularidades dos indivíduos na sua vida social, e assim avolumam-se o quantitativo de bens denominados como merecedores de proteção jurídica. É digno exemplificar, como o direito à moradia, o direito ao meio ambiente, o meio ambiente ecologicamente protegido-pra melhor usufruto por parte dos indivíduos, em seu caráter individual como também coletivo.

É propenso destacar que a conceituação material de um direito fundamental mostra-se relevante, para solucionar a colisão dos mesmos, na qualidade de fundamental assevera José Afonso da Silva: “(...) que é a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as             quais, a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive” (SILVA. p.163, 2006).

2. DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA E AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

É vivo e clarividente o traço da dificuldade de implementação do direito à moradia em países subdesenvolvidos, como o Brasil, e sua concreta efetividade. E que nos últimos anos, essa problemática vem suscitando alerta a sociedade civil e aos governos, em escala nacional e internacional. E neste particular, diversos tratados e convenções foram assinados na busca de soluções, como dito alhures, mas especialmente o comprometimento dos governos visando fomentar melhorias, em que é perceptível as consequências incomensuráveis ao meio ambiente e a vida (SANTIAGO, 2010).

O direito a moradia foi incluído na Constituição brasileira, como um direito fundamental social, conforme art.6º, CF, por meio da Emenda Constitucional nº 26, de 2000, conforme o Brasil aderiu a vários documentos internacionais. É prudente salientar que o direito à moradia não se confunde com o direito à propriedade, do art. 5º, XXII, CF, pois assim a constitucionalização deste direito não garante ao individuo o efetivo acesso à propriedade, porém objetiva efetivar o acesso à moradia (HENKES, 2006).

O direito a moradia e sua efetivação estão intrinsicamente ligado à solução de problemas, a falar, que seria o déficit habitacional elevado, resultantes de um “desequilíbrio ambiental proporcionado pelo abandono do meio rural e a exploração intensa do solo urbano” (HENKES, 2006) e também a inadequação das moradias existentes, isto é, no aumento do número de moradias ilegais, insalubres e em condições precárias.

As cidades brasileiras e suas áreas urbanas, especificamente, apresentam uma carência de recursos e de infraestrutura, que são reflexos de moradias sem redes de esgotos e água, sistemas públicos de iluminação e coleta de lixo, especialmente nas regiões conhecidas com mais escassez de infraestrutura, no que tange a quantidade absoluta de domicílios, as regiões Nordeste e Sudeste (HENKES, p. 867, 2006). E que a inadequação fundiária apresenta sua maior concentração nas áreas metropolitanas, se comparadas às áreas dos municípios, caracterizadas pela existência de favelas e de assentamentos irregulares e perigosos à vida.

É digno enfatizar que a falta de efetivação do acesso à moradia proporciona várias e graves lesões à saúde do ser humano, a sua dignidade e até a sua própria vida; para além de violar outros princípios e direitos, como a segurança, a qualidade de vida, as oportunidades para o trabalho, a identidade e a inclusão social, contudo no Brasil o fato que vem acorrendo paulatinamente, é que os poderes públicos ao garantir a efetivação do direito ao acesso à moradia, vem ocorrendo em áreas juridicamente protegidas (HENKES, p. 868, 2006).

A que se falar que estas áreas, são caracterizadas por sua especificidade de natureza jurídica em que a ocupação deve ser restrita e deve estar sob a proteção de uma manipulação sustentável. Porém, ainda se constata hoje uma flexibilização da legislação brasileira (ambiental e civil), motivada em consertar e legalizar várias situações ilegais referentes ao acesso e à moradia em nosso país (HENKES, 2006).

Não se pode olvidar, que a verdadeira efetivação do direito fundamental à moradia, consagrado no artigo 6º, da Carta Magna, ocorridas em áreas juridicamente protegidas choca-se com outros direitos fundamentais. E neste particular, com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado como direito fundamental das gerações presentes e quanto futuras, qualidade de um direito transgeracional, previsto no artigo 225, da CF.

Insta mencionar aqui, que o direito de acesso à moradia é um direito prestacional em sentido estrito, pois configura direito do indivíduo perante o Estado, em uma sociedade democrática industrial moderna, caracterizada pela liberdade fática do titulares de direitos fundamentais, em que não acha correspondência em um contexto vital dominado por estes direitos, se não que depende exclusivamente de atividade estatal para sua garantia (ALEXY, 2011).

Nem tampouco se pode esquecer, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado também origina-se como direito humano, e a ligação entre a temática ambiental e o direto humano é afirmado sob algumas perspectivas. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como o direito à moradia, são partes do direito à integridade pessoal, a dignidade humana e o direito à vida. Verifica-se ainda que os danos ambientais possam ser reflexos da discriminação, e também que alguns grupos mesmo em desvantagem social, vivem mais que os grupos sociais em áreas com problemas ambientais. E ainda a relação existente, em que aos direitos humanos procedimentais, relativo ao acesso à informação, e participação assídua nas decisões políticas, que são crucias para garantir políticas públicas em relação a questões ambientais (SANTIAGO, 2010).

Sob o mesmo vértice, é pertinente a certeza de que a proteção jurídica ambiental é pressuposto para o gozo dos direitos humanos, da mesma forma que alguns direitos humanos, o direito ao acesso a informação, são instrumentos necessários para se alcançar a proteção ambiental (SANTIAGO, 2010). Portanto, é mister destacar as palavras de Alex Santiago:

“(...) é fato que os direitos humanos não podem ser protegidos sem  que esteja protegido o ambiente onde vivem as pessoas, da mesma forma que os direitos ambientais em geral só podem ser adequadamente implementados quando os direitos humanos são respeitados” (SANTIAGO, p.622, 2010).

Diante a qualificação do meio ambiente com a sua definição legal previsto na Política Nacional do Meio Ambiente (artigo 3º), conceituando-o como: “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, assim como do direito à moradia elencado como direitos fundamentais, assegurados na Constituição Brasileira, ambos indispensáveis à uma existência digna.

2.1DIREITO À MORADIA E A INTERDEPENDÊNCIA COM OUTROS DIREITOS

O direito à moradia, não deve ser interpretado em âmbito restrito, segundo Alex Santiago, em que se iguala com um “abrigo provido meramente de um teto sobre a cabeça dos indivíduos”. Motivo pelo qual o significado de moradia envolve aspectos muito mais abrangentes.

Todos aqueles indivíduos que são beneficiados com o direito ao acesso a moradia adequada, deveriam associado a ela ter acesso sustentável a “recursos naturais e comuns, água apropriada para beber, energia para cozinhar, aquecimento e iluminação, facilidades sanitárias, depósito de resíduos e de lixo e serviços de emergência”. Em que a satisfação de outras necessidades básicas não sejam ameaçadas ou comprometidas. E salientando que essa moradia seja habitável, em que os indivíduos-habitantes tenham um ambiente adequado de proteção contra riscos de doenças. A segurança física deve ser assegura concomitantemente com a acessibilidade, e ressalta-se que a forma como a habitação é construída deve proporcionar adequação cultural e outras facilidades tecnológicas (SANTIAGO, 2010).

Vale enfatizar as palavras da doutoranda Silviana Henkes, em que: “a não efetivação do acesso à moradia propicia graves e inúmeras violações à vida, a saúde e a dignidade das pessoas atingidas, além de violar outros direitos e valores, tais como: a identidade, a qualidade de vida, a segurança, as oportunidades de trabalho, a inclusão social e a cidadania” (HENKES, p.868, 2006).

A dependência recíproca entre o direito ao acesso à moradia com outros direitos fundamentais e o direito da dignidade da pessoa humana e a implicância na sua personalidade, propõe a importância à habitação decente a qual é condição inerente à formação e ao desenvolvimento da personalidade do indivíduo (HENKES, 2006). A moradia inadequada como também não ter uma moradia, configura a perda da própria condição de pessoa humana, em que “todo individuo tende naturalmente a delimitar uma ocupação que lhe possa servir de referência à sua própria identidade” (HENKES, p. 874, 2006).

Diante o exposto ainda é digno propor, o que Henkes assevera:

“(...) a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. Enquanto um lugar vem a ser condição de sua pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhes são teoricamente devidos, mas que, de fato, lhe faltam”(HENKES, p. 874, 2006).

3. O DIREITO À MORADIA E A OCUPAÇÃO DE ESPAÇOS AMBIENTALMENTE PROTEGIDOS: COLISÃO OU CONJUGAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS?

É necessário reiterar aqui o artigo 1º, inciso II, da Lei nº 4.771/65, que prevê uma das funções das áreas de preservação permanente é o de “assegurar o bem-estar das populações humanas”, o que fica claro possuir tais áreas, função constitucional na política de desenvolvimento urbano, ao também considerar o caput do artigo 182, da CF, que prevê a política de desenvolvimento urbano, que tem como objetivo ordenar e adequar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e assegurar o bem estar de seus habitantes.

Tem-se, pois, a colisão nítida entre os direitos fundamentais à moradia e a ocupação de espaços ambientalmente protegidos ou meio ambiente ecologicamente equilibrado. E que nem sempre é simples precisar a arestas de um direito fundamental, tema que muitas vezes assente correntes doutrinárias contraditórias e rivais, e que assim é indispensável à busca da sensibilidade do operador jurídico, e dele exigindo-se que se mantenha fiel aos valores predominantes na sociedade, ao encontro de soluções justas, munidas de competência técnica e respaldo social (MENDES, 2012).

Ao se verificar o conflito de direitos, que pode ser explicitado no artigo 2º, da referida Lei, em que se estabelece um limite, que naquelas áreas de preservação permanente, não se pode edificar, não só em função da proteção do meio ambiente, porém também para proteção das próprias pessoas, configurando a preexistência de princípios e regras.

E o que acontece quando duas posições tuteladas como direitos fundamentais distintos contendem por prevalecer num mesmo momento? A doutrina tem estabelecido a classificação das normas jurídicas em dois grupos, a das regras e dos princípios (DWORKIN, 2002).

As regras representam às normas que diante da ocorrência do seu fato, exigem algo em termos categóricos, enfatizando que não existe a possibilidade de um modo gradual de cumprimento para as regras estabelecerem. Os conflitos entre as regras são resolvidos nos termos da validade. Em contrapartida, os princípios são normas que exigem a realização de algo da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades jurídicas, são tidos como mandados de otimização, em que são determinações para que determinado bem jurídico seja satisfeito na maior medida que a circunstância permitir (MENDES, 2012). Por assim entender, que um princípio pode ser aplicado em graus diferenciados. E as disposições de direitos fundamentais estatuem normas do tipo de regras e de princípios.

A regra em análise, proveniente da norma do artigo 2º do Código Florestal Brasileiro define um resultado direto ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e o artigo 225, III, da CF, que prevê que para assegurar a efetividade deste direito fundamental é necessário dever do Poder Público demarcar espaços territoriais e seus componentes para ser especialmente protegidos. A área de preservação permanente é uma modalidade de espaço territorialmente protegido, em que nos faz assegurar em dizer que a norma do artigo 2º do Código Florestal representa regra de direito fundamental (SANTIAGO, 2010).

Requer se digne, aos ditos do constitucionalista Ingo Sarlet, ao afirmar que: “o direito à moradia, assim como outros diretos fundamentais, não pode em principio ser considerado como absoluto e imune de restrições, sendo exemplo de consequência de restrição válida a desocupação de áreas de proteção ambiental” (SARLET, p. 173, 2011).

É importante dizer que a prevalência de um direito sobre o outro se determina em razão das especificidades do caso concreto, em que não existe um critério de solução de colisão em termos abstratos, todavia o constitucionalista Gilmar Mendes apregoa que se colhe de “um precedente um viés para a solução de conflitos vindouros” (MENDES, 2012). E que, portanto, diante de um precedente específico, será admissível a certeza que repetidas às mesmas condições de fato, num outro caso futuro, um dos direitos consequentemente prevalecerá sobre o outro.

Por fim ressalta-se que é necessário um exercício de ponderação, pragmatizado pelo constitucionalista Robert Alexy, em que seja sensível a noção de que no sistema constitucional, embora todas as normas tenham a mesma posição hierárquica, os princípios constitucionais podem ter pesos abstratos diferentes. Porém, esse peso é apenas um dos fatores a ser ponderado, levando-se em conta o grau de interferência sobre o direito preterido que a escolha do outro pode ocasionar (ALEXY, 2011).

           

CONCLUSÃO

 

Durante o estudo em análise, ao tratar de áreas protegidas e bens ambientais de titularidade da coletividade, as presentes e futuras gerações, não se deve e nem se pode flexibilizar as normas e também a legalização de situações claramente em confronto com a legislação, sob cometimento de infringir direitos difusos intergeracionais e de se promover uma cascata de novas e constantes ocupações inadequadas.

É sabido, que essas áreas protegidas juridicamente, são de importância vital para o equilíbrio ambiental, para saúde dos indivíduos, e também para a preservação e proteção do meio ambiente, salientando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental assegurado pela Carta Magna Brasileira, em seu artigo 225, e pode-se concluir que todas as manifestações, atitudes ou normas que obstacularize a manutenção desse equilíbrio, serão inconstitucionais.

Aos nos deparamos com a colisão dos direitos fundamentais em estudo, o direito ao acesso à moradia e a ocupação de um ambiente ecologicamente equilibrado em áreas ambientalmente protegidas, sendo o direito a moradia caracterizado pelo dever de ação do Estado para garanti-lo, afirma-se que a colisão entre direitos deve ser resolvido, segundo o critério da proporcionalidade, difundida pelo constitucionalista Robert Alexy. Em se deve considerar na análise, as características do local protegido e que estejam comprometidas e que não seja possível a reparação e se o local estiver apto para ser habitado, entender-se-á que se deva promover a urbanização e a legalização dos assentamentos necessários, desde que o faça na regência e na congruência das normas jurídicas e direitos de terceiros indivíduos.

Por fim, diante o exposto, a ponderação deve ter presente e ênfase a própria confiabilidade das premissas obtidas pela prática e pela experiência, em que se ancoram os argumentos sobre o significado da solução proposta para os direitos em colisão.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais.2 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BOBBIO, Noberto. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: Teoria do Estado e da Constituição-Direito Constitucional Positivo. 18 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.

HENKES, Silviana L. Colisão de direitos fundamentais: meio ambiente ecologicamente equilibrado e acesso à moradia em áreas protegidas. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL, 10., 2006, São Paulo. Anais... São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. p. 865-881.

MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed.São Paulo: Saraiva, Cap. 9, p. 1070-1076, 2012.

SANTIAGO, Alex Fernandes. O direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado- Ocupação de áreas protegidas: conflito entre direitos fundamentais? Revista de direito ambiental, São Paulo, ano 15, vol. 60, p. 615-641, out.-dez. 2010.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 4ª ed. São Paulo: Nobel, 1998.

SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos fundamentais. 10ª ed. Porto Alegre: Lumem, 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.



[1]Paper apresentado á disciplina de Direito Ambiental da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2]Aluna do 4º período do curso de Direito da UNDB.

[3] Professora Mestre, orientadora.