Direito à Identidade Pessoal 

                        Os direitos da personalidade constituem-se uma construção recente da doutrina. Tendo em vista os avanços científicos e políticos, buscou a sociedade após Segunda Guerra Mundial inserir proteção aos bens existenciais do indivíduo, vista sua notada fragilidade após o caótico evento. Com a inserção desses direitos existenciais ampliou-se a gama dos direitos subjetivos clássicos, o que foi impulsionado ao final do século XX pela constitucionalização do direito civil.

                       Com efeito, conforme defendem Pietro Perlingieri[i] e Paulo Mota Pinto[ii] os direitos de personalidade não possuem um rol taxativo ou típico, que deveriam estar previstos na Constituição ou por outras leis Civis, mas seriam esses um direito amplo, todos resultantes de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana, sendo a personalidade humana, em todas as suas manifestações, atuais ou futuras imprevisíveis, de tal sorte, o direito geral de personalidade permitiria a tutela de novos bens, uma vez esculpidos no bojo da sociedade e em respeito à dignidade humana.

                       Considerado uma espécie aos direitos da personalidade, o direito a identidade pessoal não é tão difundido entre os estudiosos do direito, ao contrário dos conhecidos direitos à imagem, honra ou ao próprio corpo. Ocorre que, com o advento da pesquisa sobre o genoma humano, percebeu-se que todo ser humano, desde a sua concepção tem uma determinada identidade, nesse caso, genética, que irá se desenvolver estavelmente até o momento da sua morte. Por outro lado, esse mesmo indivíduo, através dos elementos externos irão modelar uma determinada e específica personalidade a partir da sua projeção social. Diz-se assim, que a identidade pessoal, possui duas facetas: Uma genética, estática e imutável, e outra social, dinâmica e mutável[iii]

                      Desenvolvido em larga escala após 1970, na Itália, após ampliar a tradicional concepção de direito ao nome, o direito a identidade, de aplicação recente no Brasil, em muitos casos acaba sendo, erroneamente, classificado como direito à honra ou à imagem. E em não raros episódios é assim citado pelos nossos tribunais. Trata-se, entretanto, de um direito que visa proteger algo além da honra, mas o respeito pela imagem, ideias, experiências sociais, convicções religiosas, morais e sociais, que diferenciam a pessoa e aos mesmo tempo a qualificam.

                        Toma-se um exemplo bastante difundido nos dias atuais, como a utilização de perfis falsos nas redes sociais. O usurpador da identidade pessoal do indivíduo da qual atribui ser detentor pode em nenhum momento atingir a honra ou imagem do mesmo, ao exprimir frases e mensagem que aos olhos da sociedade são tidas como normais, porém ao fazer isso, o fere, de todo modo, a identidade pessoal da vítima, pois como se vê, os pensamentos ali exprimidos possuem traços distintos da verdadeira pessoa, já que o seu íntimo, quem de fato é, a sua crença ou a sua ideologia, só é por esse conhecido.[iv]

                        Outro exemplo ilustrado pela doutrina é o caso de um ateu, em uma foto de jornal, ter a sua imagem associada a um judeu em uma reportagem. Ora, de fato, por estarmos diante de um Estado laico, onde toda a forma de expressão religiosa é permitida, não há que se falar em ofensa a honra ou a imagem da pessoa, mas  apenas em ofensa a identidade pessoal. [v]

                        Destarte, a identidade pessoal constitui, assim como os outros direitos da personalidade, um bem em si mesmo, independente da condição social, das virtudes e dos defeitos do sujeito, de modo que cada um é reconhecido o direito de ter sua personalidade protegida, considerando a sua exclusividade genética e social.                       



[i] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de: Maria Cristina de Cicco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 

[ii] PINTO, Paulo Mota. Notas sobre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os direitos de personalidade no direito português. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 61-83. 

[iii] SESSAREGO, Carlos Fernández. Derecho a la identidad personal. Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1992. 

[iv] CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Direito à Identidade na Perspectiva Civil-Constitucional, Rio de Janeiro, Renovar, 2010. 

[v] Ibidem