INTRODUÇÃO


A existência de mecanismos eficazes de controle da constitucionalidade das leis, é de fundamental importância para a implementação do modelo constitucional e da preservação dos princípios e regras constitucionais, assim como pela evolução interpretativa das normas constitucionais, já que somente por intermédio deste, é que na realidade se garante o direito igual para todos. Um exemplo disso é o direito a greve, que após a Reforma da Previdência Social, foi discutido face as greves do funcionalismo público e dos magistrados.

O exercício do direito de greve é assegurado constitucionalmente aos trabalhadores (art. 9º da Constituição da República). Contudo, tal direito não é absoluto, pois o interesse público se sobrepõe ao interesse coletivo da categoria. A definição dos serviços ou atividades essenciais onde não poderá existir paralisação total, sob pena de prejuízo à comunidade, está contida na Lei de Greve, art. 10, sendo que nos artigos 11, 12 e 13, encontram-se estabelecidas as condições e parâmetros mínimos para o funcionamento dessas atividades e/ou serviços. Logo, se este é um direito de todo cidadão, o mesmo é regulamentado conforme a profissão e segundo o que representará para a comunidade em geral.

Como o funcionalismo público, juízes, promotores, desembargadores etc., efetuam serviços ao Estado, da qual dependem milhões de brasileiros, suas greves, ocasionaram queixas, e voltou-se para a questão do direito a greve, que até em plenário, é objeto de análise, já que o governo cedeu à muitas pressões das classes grevistas que defendiam seus direitos, justamente por se tratarem suas atividades, de algo que mexe profundamente com a população, em suas mais diferentes camadas.

1 O TRABALHO ? ORIGEM DO DIREITO A GREVE

A evolução humana, desde os tempos primitivos até os atuais, seria marcada pela luta incessante do homem pela sobrevivência e superação de limites. Desta luta nasceria o trabalho, que como processo de produção, determinaria as relações estabelecidas entre os homens e sua forma de viver.

O que significa o trabalho, o que tem sido, o que esta sendo, fazem parte das muitas indagações que tem formado o pensamento sobre o trabalho na mente de muitos. Até na Bíblia o termo "salário" é usado como "quantia ou pagamento", pelas ações de um homem, mesmo que empregado no sentido religioso, como se vê em Romanos 6:23, onde se diz que, "o salário do pecado é a morte". Aristóteles, Weber, Adam Smith, David Ricardo, Rosseau, Comte, Marx e muitos outros pesadores fariam do trabalho objeto de suas reflexões, sujeitando-o ao estudo e as críticas, quanto seus efeitos nas relações homem-homem e homem-mundo.

O trabalho em todas as épocas da história humana foi de sua importância, por ser sua prática individual ou coletiva, a razão das muitas transformações que ocorreram, pois conforme seus vários estágios através dos tempos, é que toda a estrutura social, tecnológica, política, econômica e cultural, delineou-se. De acordo com Masi (1993:41) "nas últimas quatro décadas fizemos mais progresso do que em 40 mil anos", por razão das inúmeras mudanças nas formas de trabalho. Porém com os valores criados por esta rápida evolução, percebeu-se também que nunca o homem ficou tão preso às exigências e a necessidade do trabalho, como hoje.

Se na pré-história o trabalho surgiu como forma de melhorar a vida do homem primitivo na natureza através de ações de caça de animais, retirada de pele, aproveitamento de ossos, colheita de frutos, ou até mesmo a descoberta do fogo que exigiu deste a busca de madeira, durante os milhões de séculos que se passaram, assumiu faces diferentes.

O trabalho no primeiro estágio da economia isolada e extrativa, nas palavras de Albornoz (s.d:16) seria "um esforço apenas complementar ao trabalho da natureza", ou seja, este era uma forma primitiva de complementaridade quase secundária ante a ação da natureza, praticado apenas para a subsistência, até que fosse o homem se sedentariando e criando a agricultura, uma das primeiras e maior atividade de trabalho, que ligada a necessidade de alimentação, firmaria as relações trabalhistas, na Antiguidade, no Feudalismo, no Capitalismo, enfim em todos os sistemas econômicos.

Por razão dos frutos colhidos do trabalho na terra, homens exploraram homens, nasceram camponeses, servos e senhores, burguesia e proletariado, empregados e patrões, classes sociais distintas, presas à luta pelo enriquecimento ou apenas sobrevivência. A terra que a princípio era direito de todos, com as descobertas quanto seu uso, e os meios desenvolvidos para nela se produzir, com o uso de mão-de-obra, retirou do trabalho seu caráter de prática livre, e uma vez este privatizado, ou colocado nas mãos de indivíduos com poder sobre os mais fracos, expulsou a maior parte dos homens de suas terras. O homem tornou-se escravo de sua própria mão-de-obra, a partir do momento que a vendeu.

A partir da união, direito a terra-capital-trabalho, a sobrevivência dos indivíduos teria por base, de um modo geral, um trabalho assalariado, que lhe forneceria meios para aquisição de bens essenciais à satisfação de suas necessidades. Segundo Albornoz (s.d:8) isto se explica porque o ato do trabalho tornaria-se "ação para sobreviver e realizar-se, criando instrumentos, e com estes, todo um novo universo cujas vinculações com a natureza, embora inegáveis, se tornam opacas". O artigo, por conseguinte, retrata aqui o percurso histórico do trabalho humano que, culminaria nas relações que hoje se conhece, onde pessoas vendem sua força de trabalho, para quem dispõe de dinheiro e meios de produção para lhe pagar um salário, para explicar como surgiu o direito a greve. Apresenta-se, o trabalho assalariado como a mais nova forma de escravidão, que subjugou o homem ao domínio de outro homem, principalmente com o advento do Sistema Capitalista, que exigiu dos sindicatos e do próprio poder legislativo, a re-adaptação da Constituição e do Código Trabalhista, de leis que garantissem os direitos, e permitisse a organização de movimentos de greve (paralisação) desde que corretos, para os trabalhadores.

O surgimento da palavra greve deve-se a uma praça de Paris, denominada Place de Grève, na qual os operários se reuniam quando paralisavam seus serviços com finalidades reivindicatórias, podendo ser definida como um direito de autodefesa, consistente na abstenção coletiva e simultânea do trabalho, organizadamente, pelos trabalhadores de um ou vários departamentos ou estabelecimentos, com o fim de defender interesses determinados.

Nasceram os sindicatos, as leis trabalhistas, o direito a greve, pois a privatização do trabalho significou sacrifícios, e diminuição da qualidade de vida para alguns, já que junto com este, todas as coisas adquiriram um preço a ser pago, e a falta de meios para sua aquisição, gerou a miséria, a fome, e a desapropriação ou expropriação, já que na sociedade civilizada pelo trabalho, não existem formas de praticar extrativismo, ou plantar para a subsistência, pois pequenos não sobrevivem, e todos os produtos da natureza têm um preço e uma qualidade pré-estabelecidos. Da agricultura de subsistência, à agricultura de exportação, muitos se perderam no caminho.

Mediante a privatização do trabalho, usando-se palavras de Karl Marx citado por Albornoz (s.d:36) "o homem se aliena ou seja, vende sua força de trabalho a outro, a quem ele outorga e a quem passa a pertencer o seu trabalho e o produto deste ? ambos igualmente alienados". O trabalho como propriedade privada do capitalista que o compra, cria relações recíprocas, onde organização (empresa) e membros compram e vendem força de trabalho, cada qual dentro de seu papel, numa busca de alcance de objetivos, o que sempre causa conflito. A greve é um destes.

O MPT pode instaurar dissídio junto à Justiça do Trabalho, para declaração de abusividade do exercício do direito de greve e o restabelecimento da ordem jurídica e/ou o interesse público violados, quando deixarem de ser satisfeitas as condições necessárias ao atendimento da coletividade. Nos dissídios decorrentes de paralisação de quaisquer serviços, o Ministério Público do Trabalho participa da instrução e conciliação, concordando ou não com homologação de eventuais acordos firmados antes da homologação (inciso IX, do art. 83 da Lei Complementar nº 75/93).

Assim sendo, veio a tona a discussão do direito a greve, e se falou em modificações na lei, pois os serviços públicos, e aqueles prestrados pelos agentes do Direito, demonstraram-se essênciais a população, tal qual os que já estão regulamentados por lei, como atividades ou serviço essenciais, uma vez que estes trabalham com o processamento de dados ligados a serviços essenciais (concessão de benefícios, seguro desemprego, auxílio doença, auxílio maternidade, expedição de sentenças, concessão de alvaras etc).

2 GREVE UM REVINDICAR DIREITOS

O direito de greve, sob a ótica jurídica, portanto, se configura como direito de imunidade do trabalhador face às conseqüências normais de não trabalhar, incluindo-se no exercício desse direito diversas situações de índole instrumental, além do fato de o empregado não trabalhar, tais como a atuação de piquetes pacíficos, passeatas, reivindicações em geral, a propaganda, coleta de fundos, "operação tartaruga", "cumprimento estrito do dever", "não-colaboração" etc.

Há diversas espécies de greves permissíveis pelo texto constitucional, podendo os trabalhadores decretar greves reivindicativas, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, visando conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou, ainda, greves de protesto. Jamais, porém, o texto constitucional permitiria a execução de greves criminosas, caracterizadas pelo abuso aos direitos de locomoção e segurança de toda a Sociedade.

O direito de greve é relativo, assim como os demais direitos fundamentais, que não podem ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos ilícitos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

O direito de greve consagrado pela Constituição Federal, em seu artigo 9º, portanto, não é ilimitado, uma vez que encontra seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (relatividade ou convivência dos direitos fundamentais). Havendo conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, devemos harmonizá-los, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas.

Os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores não podem obstar o exercício, por parte do restante da Sociedade, dos demais direitos fundamentais, configurando-se, claramente abusivo, o exercício desses direitos que impeçam o livre acesso das demais pessoas ao transporte e às vias públicas, em flagrante desrespeito à liberdade constitucional de locomoção (ir e vir), colocando em risco a harmonia e a segurança pública. Cabe a justiça organizar os direitos e deveres públicos, permitindo a justiça social justa para todos. Talvez isso, levou a toda a confusão, quando os próprios juristas, operadores do direito, que são responsáveis pela aplicação deste tipo de lei, resolveram fazer isso deste direito de greve. A justiça fazendo greve, com certeza foi algo estranho!



3 PORQUE SE REGULAMENTAR O DIREITO A GREVE

O direito de greve, previsto no art. 9º da Constituição, deve ser regulamentado, de modo a não estimular práticas abusivas, não permitir a paralisação de serviços e atividades essenciais à população, nem prejudicar a continuidade de atividades produtivas não alcançadas diretamente pelo movimento paredista. A Justiça do Trabalho, na apreciação da abusividade do exercício do direito de greve, poderá aplicar multas a entidades sindicais, sem que isto represente ofensa à liberdade sindical. Portanto, a greve ou a ameaça de greve dos juízes, promotores, desembargadores e do funcionalismo público em geral, diante de alguns erros na lei, mesmo considerada do ponto de vista de alguns abusiva, não pode ser reprimida ou condenada, e nem submetidos os possíveis grevistas, a algum tipo de punição, conseguindo principalmente no caso dos operadores de direito, a garantia de muitas das coisas que para eles na Reforma Previdênciária, prejudicariam seus "direitos", ainda cheios de tantas vantagens, se comparado a "um salário" mínimo, garantido a maior parte da população por ocasião de sua aposentadoria. A lei com certeza, não possuiu instrumentos para saber agir quando o próprio Poder Público ameaça uma greve, como foi feito. Este ter de aplicar a lei, e não aplicar a lei, é que fez se polemitizar o atual texto do direito a greve.

CONCLUSÃO

Ao final deste artigo, observou-se que o direito de greve é uma garantia dada por lei a qualquer pessoa, desde que não prejudique a sociedade, ou também caso não comprometa serviços básicos para o bem estar da sociedade. Abusos e violência são terminantemente proibidos. Apesar a importância deste direito no entanto, o ganhou destaque nos últimos tempos, não pela greve dos trabalhadores comuns, pelos sindicalistas etc., mas sim, pela possibilidade da greve dos membros do judiciário, e os transtornos da greve do funcionalismo público.

Notou-se que, a conduta do Poder Público na compatibilização prática dos direitos fundamentais deve pautar-se pela razoabilidade, no sentido de evitar o excesso ou abuso de direito, e, consequentemente, afastar a possibilidade de prejuízos de grandes proporções à Sociedade, impedindo-se atos de desrespeito ao direito da sociedade, mas com o que se acompanhou no inicio da Reforma Previdênciária em 2003, foram os próprios operadores do direito, agindo no sentido de garantir seus próprios direitos, numa atividade, que atende a sociedade. Aqueles que trabalham com as leis, e que as defendem não pensaram duas vezes, na hora de defender seus direitos, quanto salários altos, benefícios fabulosos. Nesta hora, o direito de greve, desde que não comprometa atividades que no fundo são essenciais a sociedade, foi esquecido.

Viu-se com o muito do que se tem lido, a respeito que, a razoabilidade no exercício da greve deve, portanto, evitar a ofensa aos demais direitos fundamentais, o desrespeito à consciência moral da comunidade, visando, em contrapartida, a esperança fundamentada de que se possa alcançar um proveito considerável para todos, resultante na prática democrática do direito de reivindicação. Trata-se da cláusula de proibição de excesso (Übermassverbot) consagrada pelo Tribunal Constitucional alemão, ao estabelecer o pensamento da proporcionalidade como parâmetro para se evitar os tratamentos excessivos, inadequados, buscando-se sempre no caso concreto o tratamento necessariamente exigível dentro dos parâmetros de um Estado Democrático de Direito. Porém algo esteve errado em alguma parte, na hora de ser tocar nos direitos e beneficios profissionais dos operadores do Direito.

Com o exposto analisou-se que, defenderam-se os magistrados, os juristas, enfim alguns membros do poder judiciário, frisando que na reforma, não se poderia discutir os direitos destes, pois assim, o governo, trataria o judiciário como órgão sem autonomia, submisso as ordens dos outros poderes, quando na verdade este deveria ser livre e respeitado por todos, pois é neste que se fazem e executam as leis. Mexer em seus direitos saláriais e de aposentadoria, segundo os depoimentos de muitos, colhidos nos meios de comunicação, era medida abusiva, atuando sobre um Poder, que por fazer as leis, estaria longe desta corrupção que tem causado o déficit da previdência, o que na prática não é verdade. Corrupção está infelizmente nos muitos ramos dos poderes a que a população brasileira é submissa. Se os poderosos trouxeram à tona o "direito de greve", para se defender a Reforma Previdenciária, ainda muitos pais de familia não estão cientes do quanto as modificações alterarão suas vidas e a de seus filhos. O que ainda não se viu dentre a população que esta nova Reforma, não é uma reforma só para o funcionalismo público, nem somente algo que mexa com os operadores do Direito, mas sim, que é aquela que passará a exigir do trabalhador rural prestes a se aposentar, um registro em carteira, e uma contribuição, talvez nunca feita até o momento, sem mencionar as outras tantas modificações até então aprovadas, e as que se encontram em votação.



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