O direito humano à educação nos leva a entender a real importância dos outros direitos humanos e sociais enunciados pelas Nações Unidas em seus instrumentos reguladores. Tal Direito é visto e tratado como uma pré-condição para o exercício dos direitos civis, políticos, bem como a liberdade de informação, expressão, associação e assembléia, direito ao voto ou de ser eleito, ou igual acesso ao serviço público. Todos estes, nos dizeres de Manfred Nowak ao qual partilhamos, dependem de um mínimo de instrução. Além destes, muitos direitos econômicos, sociais e culturais (nomeadamente o direito ao trabalho, de receber um pagamento digno pelo seu trabalho, direito à cultura e etc.) possuem um link estreito com o direito à educação.

Frise-se, desde já para uma melhor compreensão e posterior pesquisa e reflexão, que o Direito Humano à Educação, não se confunde, em momento algum, com o Direito à Educação em Direitos Humanos, de modo que este último consiste no fato dos Estados disponibilizarem à população, por meio de cartilhas, banners e qualquer outro meio de comunicação disponível e eficaz, informações sobre os seus reais Direitos.

A educação, em linhas básicas, consiste no processo que capacita o ser humano a livremente desenvolver um senso universal e adquirir personalidade e dignidade. Permite ao ser humano a participar ativamente de uma vida livre em sociedade, com tolerância e respeito por outras civilizações, países, culturas e religiões. Ajuda, ainda, a desenvolver respeito pelo próximo e, como tal, à família e o meio ambiente. Em suma, contribui com o desenvolvimento do respeito pelos direitos humanos e fundamentais, liberdades e garantias, e a manutenção da paz mundial.
Daí por este ser considerado como um direito multi lateral, pois comporta elementos de direitos sociais, culturais e econômicos em um só direito, sendo detentor de características de cada um dos supra-citados.


Muito embora seja unânime a grande importância deste Direito nos dias atuais, este firmou-se apenas com o desenvolvimento do século IXX, através da emergência do Socialismo e do Liberalismo. Neste lapso temporal foi que a educação conseguiu um lugar mais firme no catálogo dos direitos humanos.

Neste período, Marx e Engels colocaram que o Estado, como uma instituição paternal e beneficente, deveria assegurar o bem estar econômico e social de toda a comunidade através de uma intervenção positivista por parte do governo, atuando na regulamentação de leis, feito esse que ocorreu na Constituição do Império Alemão em 1849, a qual possuía uma seção entitulada "Direitos básicos da população alemã", com 7 artigos (152º a 158º) relacionados diretamente com o direito à educação. Neste lapso temporal, a educação foi traçada como uma função do Estado, independente da Igreja, beneficiando os menos favorecidos. Posteriormente, em 1919, a "German Weimar Constitution" também concedeu um capítulo especial à Educação.

Vários países inseriram, também, como parte de suas constituições, o direito à educação básica, que também teve como escopo o fato de prevenir, de certo modo, o trabalho infantil, segundo Douglas Hodgson.

Contudo, o direito à educação teve a sua primeira instância de reconhecimento internacional (à parte dos tratados relativos a I Guerra Mundial) somente em 1924, com a Declaração de Genebra, que mesmo assim não versa explicitamente sobre o direito a educação, mas, sim, aborda de maneira implícita em 3 (três) princípios nela constantes.

Contemporaneamente, desde o ano de 1945, as Nações Unidas e a UNESCO vêm trabalhando em prol da concretização efetiva destes direitos humanos, pregando pelo reconhecimento e a responsabilidade global pela educação como um Direito Humano, estando presente, inclusive, na constituição da UNESCO, em seu art. 1º. Além desses, a UNESCO também promoveu vários instrumentos NÃO VINCULATIVOS ao passar do tempo, como a Recomendação relativa ao Estatuto dos Professores, de 1966, a Recomendação relativa a Educação para Responsabilidade Mundial - Cooperação, paz e educação aos Direitos Humanos e liberdades fundamentais, de 1974, a Recomendação no desenvolvimento da educação para adultos, de 1976, e ainda a Recomendação relativa ao ensino técnico e vocacional de 1962, revista em 1974.


O direito à educação foi especificamente reconhecido de fato e reafirmado em detalhes por 4 (quatro) grandes instrumentos de proteção aos direitos humanos, quais sejam a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção contra a discriminação na educação de 1960, o Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais de 1966, a Convenção dos Direitos da Criança de 1989, além também de ter sido reafirmado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU nas suas resoluções e relatórios especiais, especialmente as resoluções 2001/29 e o 2003/19. Hoje, já com uma visão moderna que parte do principio da indivisibilidade dos direitos humanos.

Assim, um direito geral à educação foi pela primeira vez direcionado e especificado, articuladamente, na Declaração universal dos Direitos Humanos de 1948, no seu art. 26, onde diz que TODOS tem o direito à educação, e que esta deve ser gratuita nos estágios elementários e fundamentais da pessoa humana.

A obrigação de fornecer educação gratuita para as crianças implica que cada nação deve estabelecer um sistema público de ensino em razão de fazer valer as normas concatenadas pela ONU, designadamente para um efetivo e notório cumprimento dos direitos humanos resguardados nos instrumentos internacionais.


A aparente inconsistência entre o direito à educação e a obrigação natural da educação básica, pode ser desfeita ao interpretar o termo "obrigação" de modo que nenhuma pessoa ou ente possa impedir qualquer criança de ter acesso à instrução básica. Isso significa dizer que o ESTADO deve promover a educação, numa situação hipotética, mesmo nos casos em que os pais ajam com negligência na situação.

A Convenção contra a discriminação na educação, adotada durante a Conferência Geral da UNESCO em 14 de Dezembro de 1960, é o primeiro instrumento internacional a prescrever de maneira exaustiva as normas internacionais pare o direito à educação pública. É de bom alvitre ressaltar que a discriminação na educação tem sido investigada em vários apectos e campos pela Subcomissão de prevenção das discriminações e proteção das minorias, sob aval da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.

É claramente perceptível nesta Convenção contra a discriminação, em seu preâmbulo, que este tomou como base os arts. 2º e 26º da Declaração Universal, que nomeadamente versam sobre o direito à educação. Discriminação, neste caso, entende-se como a distinção de qualquer natureza, a exclusão, e a limitação ou preferência baseados na raça, cor, sexo, língua, religião, posição política, origem social, nacionalidade, condição econômica, ou idade.

Inclusive fora encontrado um caso no ano de 2007 das Crianças Romenas x Rep. Tcheca na Côrte Européia de Direitos Humanos, onde as mesmas, embora saudáveis, recebiam uma educação direcionada às crianças com deficiências mentais, onde tais crianças estavam sendo alvo de discriminação por sua origem étnica e racial, sendo segregadas separadamente em escolas não por suas capacidades intelectuais, mas sim por suas origens.


Além desses, outros casos como o da estudante Leyla Sahin vs Turquia foram detectados, onde a estudante de medicina foi proibida de frequentar a faculdade, realizar exames e de praticar qualquer ato dentro daquela instituição por usar o véu em respeito a sua religião. O caso foi à Côrte Européia de Direitos Humanos, que decidiu apoiar a Lei Turca, por 16 votos a 1.

Entendemos que essas pessoas que são alvo de discriminação acabam por tornarem-se cidadãos de 2ª classe e, se a Educação ajuda os Estados a se desenvolverem, renegar um Direito como esse por uma simples discriminação pode, inclusive, contribuir para o não desenvolvimento do próprio Estado.


O Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais foi também fundamental para a consolidação do direito à educação, onde este encontra-se fixado no art. 13 como um Direito Universal, garantido a todas as pessoas, independentemente de qualquer situação, e neste dispositivo encontramos a mais extensiva e detalhada regulação do direito à educação, comparando-os designadamente com os outros instrumentos internacionais existentes. No inciso 2º, alínea "b", do supra citado art. 13º, percebe-se a menção à educação secundária, onde esta é citada tanto no sentido técnico como no sentido vocacional.

A partir daí dois aspectos podem ser distinguidos. O primeiro ponto, mais uma vez presente neste instrumento internacional, é a realização do direito a educação que demanda por parte do estado um esforço para que este seja acessível e digno à todos, de modo que isto implica, ao Estado, o dever de realizar de fato tal direito. Isto pode ser definido, como acentua a publicação anual da UNESCO, como um direito de receber a educação por parte da população. O segundo ponto é que existe uma liberdade dos indivíduos de escolher entre o ensino público e a educação privada, onde isso corresponde na liberdade dos pais assegurar aos filhos a educação que estes crêem ser a mais correta, de acordo com suas crenças.

Jorge Reis Novais, nobre doutrinador português, aduz que o direito à educação, enquanto faculdades ou pretensões, assumem uma natureza de direitos sociais, ou também, tal como também se vê a liberdade de ensino e a liberdade de ensinar, que tomadas em si, assumiriam uma estrutura típica de direito a liberdade. Isto consiste no direito de escolher a educação, ou a dimensão de liberdade do direito a educação, que requer ao estado a política de não interferência nas crenças individuais.

Como se vê, hoje não são poucos os documentos de caráter internacional, assinados por países membros das Nações Unidas, que reconhecem e garantem esse acesso a seus cidadãos.

Mas vem o grande problema: a garantia da efetivação e justiciabilidade deste direito. É necessário que os Direitos Humanos se exerçam acompanhados de garantias jurídicas precisas, a fim de impor respeito no seu cumprimento.

Garantia esta que reflete diretamente na efetivação dos outros direitos humanos que são intimamente ligados com o que estamos falando. É preciso que ele seja garantido e, para isso, a maneira é que ele esteja disciplinado em lei de caráter nacional. Se isto não acontece (esta sistematização interna dos direitos humanos), estes tornam-se uma espécie de promessa do Estado relativa aos seus cidadãos


Certamente que em muitos casos a realização dessas expectativas e do próprio sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condições sociais de funcionamento da sociedade. É por isso que a importância da lei não é identificada e reconhecida como um instrumento linear ou eficaz de realização de direitos sociais, nela sempre reside um caráter de luta.

Há exemplos em nível mundial de que em certos países como Dinamarca e Suécia, onde, em suas legislações, alguns direitos humanos, apesar de não serem mencionados explicitamente, possuem um nível de cumprimento muito maior do que países em que esses mesmos direitos são grifados em lei. A titulo exemplificativo, a Lei Dinamarquesa, no art. 76, inclusive dá a possibilidade dos pais, conforme seus entendimentos, não serem obrigados a colocar seus filhos na escola.

No entanto, é preciso levar em consideração, como assinala Norberto Bobbio, também, que a inscrição de um direito no código legal de um país não acontece da noite para o dia. Trata-se da história de produção de uma norma.

A necessidade de garantia nos remete à mesma ponderação acerca da indivisibilidade dos direitos do homem, sobre uma possível realização eficaz dos direitos do homem através de standards específicos, como garantias apropriadas para a eficaz consolidação desses direitos, ou mesmo o fuzzysmo defendido pelo professor constitucionalista português Gomes Canotilho.


Em muitos Estados apesar deste direito não constar originalmente em suas legislações, até porquê existiam outras preocupações à época da confecção das normas (liberdade em face das Igrejas, por exemplo), é pela aceitação deste que inicia-se o nascimento de uma sociedade moderna.


 John Locke assinala que o caminha que leva à construção desta sociedade implica em um processo gigantesco de educação, e não apenas a educação entendida no sentido da transmissão do conhecimento, mas no sentido da formação da cidadania.


Thomas Marshall classifica a evolução de certos direitos de acordo com períodos, sendo que os direitos civis foram estabelecidos no séc XVIII, os políticos no século XIX, e os sociais no séc. XX. Para o autor, a história do direito à educação é semelhante a luta por uma legislação protetora dos trabalhadores da indústria nascente, onde ai nascem as bases para os direitos sociais como integrantes da cidadania do séc. XIX.

A educação era vista como um canal de acesso aos bens sociais e à luta política e, como tal, um caminho também de emancipação do indivíduo diante da ignorância. Ora, como é óbvio, o direito a educação é primordial, como já dito, para o efetivo gozo dos direitos humanos, o pleno desenvolvimento do cidadão e para a paz mundial. Kant vai mais além e diz que a educação é uma das condições da "PAZ PERPÉTUA".

Como já dito no início, ao ser educado, o ser humano pode, assim, usufruir de todos os direitos humanos relacionados e estipulados nas Convenções das Nações Unidas. A educação é o único meio propício para se efetivar tais direitos. A própria questão da justiciabilidade de todos os outros direitos fundamentais e sociais é intimamente ligada ao direito à educação. É como uma balança, um equilíbrio. É uma pré-condição para poder usufruir destes, criando a noção de indivisibilidade, universalidade e interdependência, como um mesclado de direitos unidos em um só.

Trata-se de uma espécie de mínimo existencial ou piso mínimo normativo, como uma das condições de que a pessoa necessita para viver em sociedade, para ter uma vida digna, sobretudo no que se refere ao ensino público fundamental gratuito nos estabelecimentos oficiais de ensino, que se traduz como direito público subjetivo, como condição essencial para uma existência digna. Nas palavras de Flávia Piovesan, pregamos mais uma vez que a proteção desses direitos humanos não deve ser restrita à competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica, eis que é um tema de legítimo interesse internacional.




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