O diálogo epistolar entre Cascudo e Andrade e O. Lima e G. Freyre: Um aporte determinante na formação/consolidação da literatura nacional.

 

Ray Max de Medeiros Batista[1]

 

Resumo

Este trabalho consiste numa análise crítica de correspondências trocada entre os escritores Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade e entre Gilberto Freyre e Oliveira Lima, no período que compreendido entre as primeiras décadas do século XX. Em nossas abordagens, nos deteremos sobre os assuntos recorrentes no conjunto de cartas delimitados pela pesquisa, quais sejam: literatura, cultura, tradição, modernismo e regionalismo. Ressaltamos que a troca de correspondência pode ser considerada como um elemento essencial no conjunto de obras desses autores, uma vez que procuramos entender como eles discutiram a literatura e a cultura nessas missivas, ou seja, quais seriam os pontos divergentes e convergentes desses intelectuais em relação aos temas e assuntos nacionais. Sendo assim, buscaremos verificar nessas correspondências temas e tensões dominantes na literatura brasileira que caracterizam situações nas quais as tradições regionais interagem no processo de construção do sistema literário nacional.

 Palavras-Chave: Literatura. Modernismo. Regionalismo. Tradição Correspondências.

Abstract

This paper consists of a critical analysis of correspondences exchanged between the writers Luís da Câmara Cascudo and Mário de Andrade and between Gilberto Freyre and Oliveira Lima, in the early decades of twentieth century. In our approaches, we will be limited on the recurrent subjects of the set of letters delimited by the research which are: literature, culture, tradition, modernism and localism. We emphasize that the exchange of correspondences may be considered an essential element  in the set of these author’s works, considering that we intend to understand how they discussed literature and culture on these epistles, ie, which would be the divergent and convergent points of these intellectuals about the themes and national subjects. Considering this, we will verify, on the correspondences,  themes and dominant tensions  in Brazilian literature that characterize situations in which the local traditions interact on the process of construction of the national literary system.

Key-words: Literature. Modernism. Localism. Tradition. Correspondences.

Introdução:

O estudo crítico de correspondências de escritores é uma atividade essencial para o estudo da vida literária e da historiografia, com reflexos na análise da cultura de períodos determinados. Tais documentos são indispensáveis na análise do fenômeno da vida literária que permite compreender muitos dos temas e tensões dominantes na literatura brasileira, de modo a caracterizar situações nas quais as tradições regionais interagem no processo de construção do sistema literário nacional, como o define Antônio Candido (2006).

 Este projeto tem como eixo central a análise de cartas trocadas entre Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade e entre Gilberto Freyre e Oliveira Lima, no período que compreende as primeiras décadas do século XX, com atenção para os seguintes assuntos recorrentes: leitura, cultura, modernismo, regionalismo.

Interessa-nos saber como esses escritores viam e discutiam os problemas brasileiros, principalmente aqueles relacionados à literatura e à cultura nacional. A partir da leitura das cartas, buscaremos as principais vrtentes desses intelectuais em relação aos temas e assuntos nacionais mais citados nas correspondências.

No tocante do aspecto metodológico, a análise do material selecionado considerará as regularidades e variações significativas na tradição retórica do gênero epistolar, com o objetivo de relacionar esses elementos com a presença dos assuntos recorrentes selecionados para análise. Inicialmente, faremos a identificação, leitura e discussão acerca da bibliografia sobre o gênero epistolar.

Na sequência, desenvolveremos uma leitura da produção epistolográfica de modo a lançar olhares sobre a literatura brasileira do período considerado para a eleição do corpus da pesquisa. Na análise, será estabelecida também uma discussão sobre a crítica da época, além de um diálogo constante com a leitura mais diretamente relacionada à produção cultural e literária das sociedades que compartilham problemáticas semelhantes.

Nosso artigo está divido em seções que abordam assuntos recorrentes a troca de correspondências entre os estudiosos já mencionados. Inicialmente, apresentaremos uma breve introdução sobre a troca de correspondências, descrevendo como funcionava o diálogo epistolar em tempos sem tecnologia avançada.

Na sequência, levaremos em consideração o câmbio de correspondência entre Gilberto Freyre e Câmara Cascudo, levando em consideração as passagens mais marcantes e significativas, externando ao leitor o conteúdo abordado nas cartas, bem como o teor dos diálogos e conversações.

Por conseguinte, temos as missivas de Câmara Cascudo e Mário de Andrade, onde vamos abordar a expressiva troca de correspondência entre os referidos escritores, situando o primeiro encontro entre ambos, a grande amizade dos escritores e significativa contribuição para o desenvolvimento do panorama literário brasileiro. Logo após temos as coincidências e disparidades entre os intelectuais, (de) mostrando as semelhanças e diferenças entre os escritores que marcaram época na literatura brasileira, finalizando, temos as palavras finais e referências.

Troca de correspondência

Esse estudo aborda a troca de correspondência entre os intelectuais  Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade e entre Gilberto Freyre e Oliveiras, no período que compreende as primeiras décadas do século XX. No material analisado, encontramos uma variedade de assuntos discutido pelos missivistas, dentre eles àqueles ligados a assuntos mais íntimos, análises literárias, estudos científicos, perpassando por temas atuais aos escritores, bem como assuntos ligados à cultura de forma mais geral. Nesse sentido, essas cartas se caracterizam como um tipo de escrita que visa apenas um único destinatário, elevando assim o cunho pessoal/privado oferecido pelo gênero epistolar, tornando-se o veículo de comunicação mais utilizado na época em questão.

No período que corresponde o nosso estudo, primeiras décadas do Século XX, os intelectuais detinham o hábito de escrever para jornais e revistas, divulgando suas pesquisas/abordagens ou apresentando para o seu público a discussão em torno das ideias e situações sócio-político-culturais vivenciadas naquele momento. É naquele contexto então que surgem e se escrevem as correspondências entre os escritores aqui mencionados.

O câmbio de correspondências é uma atividade bastante comum e envolve todo tipo de cidadão, desde os cidadãos mais reclusos até os intelectuais, reconhecidos por suas obras e publicações, os quais exerciam também o papel de “mentores intelectuais”, orientando, corrigindo e reescrevendo obras literárias e artigos para publicações, atividade essa, na maioria das vezes feita através da troca de correspondência. Em tempo, salientamos que os escritores em análise não possuíam recursos tecnológicos e digitais – haja vista os parâmetros atuais – e por isso exerciam a prática epistolar como meio o principal meio comunicação, conforme retrata Gomes (2005. P. 13)

   As cartas são, portanto, uma prática de escrita que integra a produção de textos de muitos intelectuais, especialmente daqueles que viveram até meados do século XX, quando outros meios de comunicação com o telefone e o e-mail, ainda não estavam disponíveis.

Essas epístolas podem ser consideradas como um componente  importante na compreensão e/ou análise da obra dos escritores, como ilustra Gomes (2005. P. 13)

A correspondência pessoal entre intelectuais é, sobretudo nesses casos, um espaço revelador de suas ideias, de seus projetos, opiniões, interesses e sentimentos. (...) a correspondência, como parte da obra de um autor, assegura uma aproximação das formas de estruturação do campo intelectual em um dado momento e lugar.

Nesse contexto, percebemos que a análise das cartas é fundamental para a concepção da obra de um escritor, principalmente por subsidiar e contextualizar sua produção, apresentando detalhes sobre a criação, circulação  e recepção de sua referida obra. 

Sendo assim, esse “convívio” – propiciado pela troca de correspondência – entre intelectuais torna-se de fundamental importância para alargamento de suas ideias e princípios, abrangendo sua sensibilidade através de um círculo social, que por sua vez, permite aos escritores situar-se no mundo científico-cultural, abrindo margem para múltiplas interpretações, haja vista o universo cultural que não está a sua volta.

Gilberto Freyre e Oliveira Lima: segredos, confissões, favores e intelectualidade.

Após concluir a primeira fase dos seus estudos, Gilberto Freyre decide buscar algo a mais para sua carreira acadêmica, partindo para uma das jornadas mais importantes de sua vida, uma vez que, nos EUA constrói sua vida/carreira acadêmica, fazendo grandes amizades e lapidando o seu nome no cenário intelectual. Antes, segundo o autor, desconhecido no seu próprio país.

O referido escritor pernambucano chamava atenção pelo dom da escrita, como bem destaca Antônio Cândido (1985 p. 124) “ A obra de Gilberto Freyre assinala a expressão, (...) das tendências do modernismo, (...) ao estudar com livre fantasia.” Dessa forma, Freyre atraia olhares de um dos maiores críticos de literatura do nosso país. Os elogios a Freyre soavam em todos os lugares, como denota uma carta redigida por Oliveira Lima com destino a Gilberto Freyre e datada de 15/07/1992 – Washington, onde Monteiro Lobato exercia uma série de elogios a Freyre: “ Quem é esse Gilberto Freyre? Que talento!, Que penetração! Que modo de escrever! Que estilo.! ” (GOMES. 2005 P. 143)

Nesse âmbito, Freyre inicia uma intensa troca de correspondência com o afamado Oliveira Lima, que por sua vez, era um intelectual conceituado e atuante, (re) conhecido nacional e internacionalmente, bem como, autor de diversas obras significativas para a intelectualidade da época. Além disso, Lima era jornalista, escrevia com grande frequência para os mais diversos veículos de comunicações, após uma temporada em Parnamirim – cidade pernambucana – instala-se em Washington, onde inicia seu trabalho para com sua biblioteca voluntária e intensifica a troca de correspondência com Gilberto Freyre.

Em consequência da grande troca de missivas – gênero mais acessível e utilizado no período em questão - entre escritores e intelectuais da época, foram firmados grandes laços de amizades que culminavam em visitas, jantares, festas, encontros, chás, rodas de conversas, eventos e congressos acadêmicos, etc. Como ilustramos na correspondência enviada por Freyre a Oliveira Lima notificando um encontro – On Board Steamship, 23/05/1922 – “Agradável viagem: estou convidado para um lunch hoje com o Goldenberg e para um jantar com Miss Amy Lowell” (GOMES. 2005 p. 137). Nesses encontros eram debatidos assuntos atuais com viagens, cidades modernas, objetivos de estudo, leitura de artigos e livros, literatura, política.

Vale ressaltar que esses encontros eram regados de literatura, ilustramos com um relato de Freyre sobre uma visita ao Dr. Goldenberg – Nova York, 09/01/1922.

Gostei muito do Dr. Goldenberg. É artista puro como deve ser o erítico. Conversamos sobre uma variedade de tópicos: Machado de Assis, Coelho Neto, Dante, Amy Lowell, Mencken, Rui Barbosa, Blasco, Ibañes, Don Ramon, Azorin, D’ annunzio... temos em comum várias opiniões. (...) Sua conversa é que encanta, conhece nossa literatura de verdade.”(GOMES. 2005 p. 123)

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Freyre tratou diversos assuntos com uma grande variedade de remetentes, porém, Oliveira Lima ganha ênfase na preferência do escritor. Entre as discursões presentes nas cartas, destacamos a grande variedade de saudações e agradecimentos, bem com assuntos relacionados com a tradição, cultura, modernismo, religião, literatura, obras, autores, jornais, vida acadêmica, troca de favores. etc. Destacamos a maneira clara, precisa e sem dúvida extremamente pessoal como as cartas eram redigidas pelos autores, transparecendo toda privacidade ofertada pelo gênero epistolar.

            Dessa forma, diversas passagens marcaram nossa pesquisa, inicialmente, destacamos o grande apreço de Freyre por Oliveira Lima, uma vez que, o escritor elucidava inúmeros elogios ao remetente, salientando  inclusive que na  América Latina não existia um intelectual a altura de Oliveira Lima. Texas – 04/10/1918 – “ Não creio que a América Latina tenha um segundo Oliveira Lima” (GOMES 2005 p.47).  Com eram escritores, produziam ativamente matérias/obras a serem publicados em veículos de comunicação da época, após a conclusão de um material, os escritores enviavam por correspondência o texto na íntegra, com o intuito de ser analisado e se possível adaptado em partes.

            Gilberto Freyre era conhecedor do grande marasmo intelectual do seu estado, uma vez que Pernambuco ainda não tinha despontado para o cenário literário/intelectual brasileiro. Sendo assim, após sua rápida instalação no EUA começou a escrever diversas matérias que por ventura eram publicadas em Recife – o Diário (e em uma revista Nacional de grande circulação – Revista do Brasil) abastecendo literariamente sua região, principalmente através de artigos que tratavam em geral de literatura e tradição.

Freyre demostrava uma grande satisfação em levar informação ao seu povo, diferentemente de seu companheiro (Oliveira Lima), que segundo o mesmo em carta enviada a Gilberto Freyre – Washington, 10/12/1920 –  “Não tenho perdido meu tempo escrevendo artigos para o Brasil” (GOMES. 2005 . P. 58) Nesse parâmetro percebemos certa disparidade entre os escritores, pois, apesar de Freyre possuir grande influência Norte-Americana não cortou os lanços com sua terra. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Freyre sempre exaltava em suas correspondências o desejo de voltar para o Brasil, e servi-lo da melhor maneira possível, - Texas, 15/12/1920 -  “Minha vontade entretanto é ir para o Brasil e servir da melhor maneira o meu país.“ (GOMES. 2005 . P. 59)  sendo sempre ignorado por Oliveira Lima.

Nesse contexto, Freyre ganhava cada vez mais prestígio e admiração por seus estudos e matérias publicadas no Diário, dessa forma, a Gazeta de São Paulo – jornal de grande circulação da época – começou a transcrever seus artigos sob o título “Contos de Nova York” sem descrever a fonte – O Diário –  e sem a autorização do autor, realizando alterações. O escritor reforça a falta de ética do jornal, pensando em uma possível suspensão de artigos para o Diário.

            Dando continuidade aos seus estudos, Freyre pede ajuda a Oliveira Lima para juntos determinar um possível tema para sua tese de doutorado, após um período de discursões o escritor resolve voltar suas observações para os estudos históricos e sociológicos sobre a América do Sul. Exaltando a grande riqueza e um vasto campo de pesquisa. Diante de uma intensa troca de correspondência com sugestões e análises, que teve como possíveis temas: Abolição da escravidão, revoluções brasileiras e enfoques históricos, políticos e sociológicos, Freyre define o assunto para a tese: revoluções Sul-Americanas do Século XVII. A escolha se deu graças a uma consulta a seu orientador Dr. Shepherd e também por meio de leituras sobre a temática.

No período que compreende as epístolas a grande parcela dos estudos e teses de importantes escritores eram  publicados através de jornais e revistas entre os principais destacamos: South American, El Estudiante, O Diário, Revista do Brasil, The Golden Threchold, The American, New York Word, onde eram registramos discursões sobre obras e estudos em geral. Os intelectuais da época “colecionavam” números e exemplares esparsos para fins de estudos científico-acadêmicos, visto que os mesmos (jornais e revistas) traziam artigos, resenhas, entrevistas etc.  dos mais variados temas e assuntos. Em tempo, para reforçar a preciosidade dos jornais Gilberto Freyre denota que certo número pretendido por Oliveira Lima havia se esgotado, e dessa forma o escritor se propôs a escrever todo o conteúdo na íntegra e enviar por correspondência para o amigo.

            Amigos de longa data, Freyre e Oliveira Lima organizavam encontros visando o tão sonhado descanso, uma vez que, ambos viviam intensamente suas vidas acadêmicas, Washington, 22/03/1926 –  “O seu quarto de costume está pronto para recebê-lo, forrado de papel novo (...) que até chega a parecer um detalhe de um romance de Eça.” (GOMES. 2005 . P. 196) . bem como excursões para congressos e palestras.

            Após as viagens, Freyre fazia questão de contar detalhadamente todos os detalhes e acontecimentos, sempre dando ênfase a cultura e a tradição. Como destacamos um trecho de uma correspondência enviada por Freyre a Oliveira Lima, relatando algumas passagens de sua visita a Paris. – Paris, 18/08/1922 – “(...) As velhas ruas; o bom Paris medieval da Ille de la Cité – que encanto! No museu de cluny recolhi sensações preciosas e no louvre, na seção flamenga, na espanhola e diante de Monalisa.”  (GOMES. 2005 . P. 145) Jovem detentor de bons modos e tradições tenta manter a todo custo sua apreciação e seu apego à cultura. Freyre demostra se encantar cada vez mais por Paris, principalmente pelas velhas ruas e o tom medieval.

 No ápice da relação epistolar, Oliveira Lima destaca a superioridade intelectual de Freyre em relação aos espíritos intelectuais do Brasil. Destacando que Freyre “é um produto Norte-Americano”, levando em consideração o grande crescimento intelectual adquirido pelo escritor ao longo de sua estada nos EUA. 

Como de praxe, após a conclusão de um trabalho, Oliveira Lima enviara o conteúdo – História da civilização para  apreciação de Freyre, o escritor rasga elogios ao material, destacando que o livro preencherá lacunas na nossa literatura didática, referindo-se em sua correspondência que o ensino de literatura no Brasil limita-se ao aprender de datas, nomes e batalhas.

            Graças a sua grande influência/prestígio no EUA, Freyre recebe um convite para organizar com auxílio dos embaixadores Português e brasileiro (Dr. Coutinho, Dr. Branner, Dr. Goldenberg e o Prof, Jones) uma Festa do idioma, imediatamente Freyre sugere a Oliveira Lima a escrita de uma “mensagezinha” (sic) de abertura para o evento – que não chegara a tempo - . Em correspondências posteriores Freyre exalta o sucesso do evento, descrevendo alguns pontos marcantes e lamentando que a mensagem não tenha chegado a tempo para ser lido na festinha.

            Com o término de sua temporada de estudos se aproximando, Freyre mostra-se preocupado com seu retorno a Pernambuco, - Paris, 08/01/1923  - “(...) Crescem diante de mim os pontos de interrogação. O que  vou fazer?” (GOMES. 2005 . P. 162). Nesse sentido, Oliveira Lima tenta convencer o seu amigo de não voltar para o Brasil, ou então se instalar em um grande centro brasileiro (São Paulo ou Rio de Janeiro), afirmando que Freyre não se reestabelecia em Pernambuco, segundo o escritor: meio muito acanhado e hostil. Nesse contexto, Oliveira lima envia uma carta de apresentação a Washington Luiz, então presidente de São Paulo, recomendando Freyre destacando o seu caráter, inteligência, conquistas e estudos.

Todos os apelos de Oliveira Lima foram em vão, Freyre resolve voltar a Pernambuco externando todo seu amor a sua terra. Logo no seu reestabelecimento, Freyre destaca o ótimo ambiente familiar e o estranhamento em relação ao clima. Freyre salienta alguns cargos oferecidos após seu reestabelecimento, entre eles – Criação de uma cadeira de literatura e diretor da biblioteca.

Em tempo, Freyre critica os traços da modernidade encontrados em Pernambuco, - Imperador, Pernambuco, 17/04/1923 –  “O Recife está cheio de casas novas – um pavoroso bric-à-brac de estilos que se não adaptam ao meio. ” Na sequência, o autor também direciona críticas ao panorama social/literário da cidade, uma vez que:  “Não há chás, não há reuniões (...) Sob o ponto de vista social, isto é, sem exageros, horrível.”  (GOMES. 2005 . P. 172)

Com o passar do tempo, a profecia de Oliveira Lima estava se concretizando, Freyre denota que está vivendo momentos decisivos, e os fatores familiares, paisagens e sentimentos prendem o escritor em Recife. Freyre Destaca – Pernambuco, 09/07/1923 –  “(...) sinto que cada vez mais me odeiam os chamados intelectuais.”  (GOMES. 2005 . P. 177). Nesse sentido, Oliveira Lima destaca a infelicidade (prevista) a qual Gilberto Freyre está passando em Recife, principalmente pelo meio acanhado  espiritualmente e a grande inveja que ronda o escritor. Oliveira sugere a mudança de Freyre para São Paulo, destacando a grande influência intelectual da metrópole.

Após um período conturbado, Freyre recebe o convite para organizar um livro sobre o centenário do jornal O Diário, Freyre destaca que o referido trabalho aumentará suas antipatias na cidade, mas seguirá com o projeto. Em cartas posteriores, Freyre aborda o grande empenho/trabalho para o livro do centenário, destacando a hostilidade que vem passando pelas pessoas que o odeiam. O escritor descreve os problemas enfrentados em Recife, invejas, condições climática, acanhamento intelectual, mas, faz referência à atração familiar como um norte na sua permanência. Como descreve em carta enviada a Oliveira Lima. Rio de Janeiro – 25/08/1926,   “Pernambuco cada vez mais me puxa à paisagem e à minha família e aos amigos que tenho lá. ”  (GOMES. 2005 . P. 209 a 210).

Em meio aos problemas enfrentados, Freyre continua sua crescente intelectual, sendo convidado para representar o jornal – O Diário -  em uma conferência Pan-Americana. Durante tal conferência Freyre ficou acomodado na residência de Oliveira Lima. No final da excursão, Gilberto Freyre mostra-se receoso com a falta/solidão que enfrentara longe da companhia do escritor (Oliveira Lima).

Nesse momento, bons ares sopram a favor de Freyre, pois além de regressar a “querida Pernambuco”, o escritor recebe o convite para dirigir O Diário, bem como para colaborar no governo de Estágio como chefe de Gabinete. Freyre denota outra oferta, essa para sair de Pernambuco. Recusada. No final da troca de correspondências, percebemos que o escritor pernambucano está totalmente desmotivado e sem ambição, como bem denota o próprio escritor: Recife – 04/12/1926

O Sr. Diz que acha que acabo político. Sei lá! O que sei é que sou desencantado de todo o esforço, de toda ação, tudo me parece inútil. Mas vivo a procurar vencer esse sentido de desencanto de mim – e não sei se obterei sucesso nem como. Escrevendo? Nenhum estímulo. Ação social? Para que? (GOMES. 2005 . P. 217).

Com o passar do tempo, a relação do escritor com o jornal foi se desgastando, apesar de quase comprá-lo, Freyre anuncia sua saída do Diário, creditando sua decisão a  incidentes que lhe tiravam o sono a bastante tempo. Com a desvinculação, Freyre recebe o convite para trabalhar no governo de Estácio Coimbra, destacando que fatores como a preservação/divulgação da cultura e da tradição pesaram na sua escolha, uma vez que, Gilberto Freyre sempre foi um apaixonado/defensor da tradição e da cultura local.

Câmara Cascudo e Mário de Andrade: Literatura, camaradagem, viagens e descobertas.

O intenso e significativo diálogo epistolar entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade se confunde com os primeiros lampejos do modernismo, visto que as primeiras missivas coincidem com o período do referido movimento. Cascudo e Andrade trocaram “gentilezas” por décadas, protagonizando o crescimento sócio/intelectual do Rio Grande do Norte, escrevendo sua marca no cenário nacional.

                Câmara Cascudo estava fadado das manifestações intelectuais da sua cidade natal (quase não existiam), o Potiguar era conhecedor da enorme carência da literatura/cultura no estado, principalmente no que diz respeito a poetas e escritores. Ferreira (2000 p. 21) expõe a atividade intelectual do Rio Grande na época em que iniciara a troca de correspondências entre os autores:

(...) longe dos principais centros urbanos, Natal levava uma vida pacata e quase sem atrativos intelectuais. Este é o caso da capital do Rio Grande do Norte, nessa época, que vivia a típica vida provinciana do século XIX, (...) a vida intelectual e artística da província limitava-se à atuação de poucos poetas populares que exerciam a atividade boêmia das serenatas e a quase função de trovadores. (Grifos nossos)

Nesse parâmetro, Câmara Cascudo assume o papel de líder intelectual da província, escrevendo livros como - Alma Patrícia 1921 – transparecendo os primeiros escritos sobre a literatura produzida no estado, e na sequência, Joio 1924 – dividindo-se entre a crítica literária e o mundo ficcional. Bem como publica artigos e resenhas em periódicos locais: A Imprensa e A República, onde eram divulgados desde pensamentos do autor e assuntos que circulavam na esfera local até assuntos nacionais e internacionais, perpassando pela divulgação do movimento modernista. Como bem denota Ferreira (2013 p. 126) “A imprensa (1914 - 1927), ele reunia em torno de si os nomes mais representativos da intelectualidade natalense e com eles discutiam as ideias estéticas e culturais postas nos canários nacional e mundial.”

Com o passar dos anos, a fama do nosso escritor começou a ganhar o Brasil, circulando entre os jornais e revistas mais populares do país (Revista do Brasil), Ferreira (2013. P. 125) destaca que o escritor Norte-Rio-Grandense publicou textos no referido periódico. “Entre os anos de 1920 e 1923, o escritor potiguar Luís da Câmara Cascudo publicou quatro textos na Revista o Brasil editada em São Paulo por Moteiro Lobato.” Sempre elevando o sertão nordestino como a principal temática dos escritos.

Sendo assim e levando em consideração a enorme popularidade da revista em questão, ocorreu um primeiro contato entre Mário de Andrade e Cascudo, como denota o próprio escritor paulista, em carta datada -  14 /08/ 1924 – São Paulo.  “O seu nome ficou-me dum artigo lido na Revista do Brasil .“ Moraes (2010. P. 33)

Nesse escopo surgiu uma intensa troca de correspondência que perdurou por décadas, os escritores abordavam diversas temáticas da época em suas cartas, elucidando opinião bem como sugerindo informações sobre os temas locais e acontecimentos em evidência. De acordo com Araújo (1995. P. 46)

“Câmara Cascudo trazia para Natal as novidades editoriais do Sul do país, resenhando livros, divulgando revistas literárias e incentivando o intercâmbio de publicações com outros estados. O movimento das grandes cidades e os elementos da modernidade passaram a ser comentados com os intelectuais da província, virando assuntos de artigos e crônicas, assim como a conjuntura em que se davam os fatos culturais.”

 

 

 Seguindo o raciocínio do autor, destacamos que boa parte do conteúdo que Cascudo apresentava a comunidade Potiguar nas rodas de discussão ou através dos periódicos locais (ensaios, resenhas ou artigos) eram frutos do grande intercâmbio de informações entre Luís e Andrade, (re) afirmando a importância das missivas entre os escritores.

A literatura, a tradição e o folclore sempre foram bastante exploradas pelos escritores, uma vez que era praticamente uma rotina o envio de livros, poemas, contos, romances, lendas, ensaio de peças e manifestações culturais, por parte dos escritores, esses textos/acontecimentos eram apreciados/vivenciados  e repassados  a comunidade através de jornais e revistas.

Por conseguinte do “diálogo literário” o nome e a obra do  poeta Jorge Fernandes foi sendo lapidado pouco a pouco no panorama da literatura moderna, surpreendendo até um dos líderes do movimento, 6 /9/ 1925 – São Paulo. “Quem é esse Jorge Fernandes? (...) me deixou com água no bico. É bom mesmo. Sensibilidade e inteligência. (...) que achado formidável!.”  Moraes (2010. P. 63). Jorge Fernandes foi um dos “achados formidáveis” de Luís, descoberto graças ao anexo dos seus poemas as correspondências.

Mário de Andrade ficou tão surpreso com a poética de Jorge Fernandes que dedicou um espaço ao Potiguar no seu livro O Turista aprendiz – que narra uma viagem realizada por Mário de Andrade ao Rio Grande do Norte e a Paraíba – enfatizando:

 “Jorge Fernandes está livre assim, a poesia nasce para ele. (...) o livro de poemas que publicou o ano passado (...) pode ser um bocado irregular pelos tiques de poética antiga inda sobrando nele, porém possui coisas esplêndidas, das mais nítidas das mais humanamente brasileiras da poesia contemporânea.” (ANDRADE. 1976 P. 237 - 238)

Graças a Câmara Cascudo que articulou, divulgou e revelou para a intelectualidade da época, o poeta Jorge Fernandes começara a se firmar no cenário modernista, haja vista um diálogo estabelecido com outros centros culturais do Brasil. Ferreira (2000) evidencia a participação do poeta em um recital organizado D. Eugenia Álvaro Moreyra, - divulgadora da poesia moderna.:

“O poema “Viva o Sol” foi o escolhido para o recital onde a poeia de Jorge Fernandes desfilou (...) entre as obras de poetas como Manuel Bandeira, Raul Boop, Oswald de Andrade, Jorge de Lima, Paulo Silveira, Alcântara Machado, Tristão da Cunha, Mario de Andrade e Álvaro Moreyra. Para o divulgador do Modernismo no Rio Grande do Norte, a atitude de D. Eugenia faz com que Jorge Fernandes se inclua entre os poetas de primeira linha da arte moderna.” (FERREIRA. 2000. P.73)

Apesar de ser considerado Moderno por Mário de Andrade: -  3/2/1926 - São Paulo – “De moderno mesmo só você, pela sensibilidade, pelo inédito da invenção, pelo cortante e incisivo da expressão.(MORAES. 2000. P. 89) e checar a ter publicado (raros) poemas (por Mário der Andrade) de sua autoria – 12/3/1926 – São Paulo -  “Agora escrevi pra Mocidade sobre as tendências da poesia Modernista no Brasil, só citei dois poemas e um deles é o primeiro que você me enviou.”  Moraes (2010. P. 97), Cascudo não seguiu os “estudos literários” propriamente dito, mas, decidiu dedicar-se ao estudo do folclore, desmiuçando as lendas, tradições, costumes e culturas dos  povos brasileiros, voltando suas atenções para o Nordeste.

Sucessivamente Mário de Andrade demostrava um profundo apreço pelo sertão nordestino, exigindo fotos, de paisagens, praias, sertões, prédios históricos. Etc. Destacamos a grande quantidade de lendas, crendices e tradições enviadas por Câmara Cascudo a Mário de Andrade, bem como um pedido especial ao folclorista Potiguar: - 6/9/1925  - São Paulo -  “Confesso que o livro sobre Lendas e tradições me interessa mais porque me afeta nos meus assuntos e preocupações.” Moraes (2010. P. 63)

Seguindo nossas abordagens, Mário de Andrade sempre foi amante das lendas e tradições, fator determinante para a escrita de uma de suas obras primas – Macunaíma. O escritor paulista apresenta em primeira mão a Cascudo o romance em questão. -  1/3/1927 -  São Paulo –

 “(...) Em dezembro estive na fazenda dum tio e... escrevi um romance. (...) em todo caso, chama-se Macunaíma. Minha intenção foi aproveitar no máximo possível lendas e tradições, costumes e frases feitas. (...) misturei completamente o Brasil inteirinho.“ (MORAES. 2000. P. 123)

Seguindo nossa análise, percebemos a grande importância do envio de missivas para a formação/consolidação do panorama literário brasileiro, uma vez que, através de correspondências, Mário de Andrade recolhe lendas pesquisadas e documentadas por Câmara Cascudo para o romance Macunaíma. -  1/3/1927 -  São Paulo –  “Ora o que eu quero de você é isto: você tem recolhido lendas e tradições ai do Nordeste. (...) Eu queria uma lenda, você não pode me ceder uma das que você recolheu? Quero uma bem lírica, sentimental se for possível.”  (MORAES. 2000. P. 123)

Câmara Cascudo intensificou seus estudos sobre a tradição nordestina e recebeu um convite para escrever artigos para a Revista do Brasil, segundo Ferreira (2013 p. 130) “Câmara Cascudo procura nesses textos revelar algumas das tradições presentes no sertão ´nordestino e liga-las a outros elementos da tradução cultural ocidental.” Seguindo a mesma linha de pensamento, cascudo notifica a finalização/publicação do seu livro vaqueiros e cantadores,  tornando-se um dos trabalhos mais conceituados de Cascudo.   “Meu livro sobra à poética tradicional está pronto e cresceu como um músculo interino. Chama-se Vaqueiros e Cantadores e sairá na Globo, na coleção que o Josué de Castro dirige. “ Moraes (2010 p. 298)

Após anos de troca de correspondência, Mário de Andrade decide visitar o seu “compadre” (Mário tornou-se padrinho do filho de Cascudo) na capital do Rio grande do Norte, partindo uma excursão que visitaria praticamente todas as regiões do estado e boa parte da Paraíba. Mário faz questão de marca sua chegada e reforça a ideia de registrar tudo em um diário, que mais tarde viraria um livro – O turista aprendiz. -  30/04/1927 – São Paulo – “,Partimos dia dez, do Rio. (...) Eu pretendo escrever um livrinho sobre a viagem, você compreende que isso até bem fará pra todos.” Moraes (2010 p. 130)

Passado sua temporada de estudos e observações, protagonizada pela sua excursão ao Nordeste, Mário de Andrade a todo instante faz menção aos acontecimentos que mais marcaram sua estada no Sertão, fazendo alusão ao forte calor de Caicó – cidade do interior do Rio Grande do Norte - bem como a riqueza folclórica encontrada em sua estada, Mário faz questão de enaltecer a fortuna cultural encontrada no tocante de sua visita, como descreve em carta datada de 9/6/1937 – São Paulo –  “Você tem a riqueza folclórica ai passando na rua a qualquer hora.” Moraes  (2010 p. 296)

Dando continuidade, o autor de Macunaíma faz uma revelação determinante, segundo o mesmo, em carta enviada a Câmara Cascudo em 10 / 9/ 1934 -  São Paulo. Andrade faz questão de enaltecer a grande importância do Nordeste para sua formação crítico-literário, “ O Nordeste marcou muito em mim, na minha vida, na minha obra, sim tudo isso prova muito. (...)” Moraes (2010 p. 264)

Cascudo apaixona-se cada vez mais pelo folclore nordestino, nesse sentido decide criar a biblioteca do Folclore, com direito a sócios e presidente, de acordo com o mesmo: 19/10/1941 – Natal - 

“Começa-se pelo arquivamento, em espécie, livros, revistas ou jornais. (...) se fará anotação com detalhes, editor, datas, páginas, assunto, etc. registro de cópia de autos populares, tradições características toponímia que seja de origem popular. (Aqui possuímos duas sociedades de gente humilde, com pátios próprios para ensaios, e que já o afazem, de Fandango e Congos.” Moraes (2010. P .314)

Ao mesmo tempo em que funda e participa da Biblioteca do Folclore no seu estado, Cascudo propõe a Andrade a criação de uma instituição assemelhada em São Paulo. 19/10/1941 – Natal -  “Você é sócio-fundador de nossa  sociedade. Pergunto o que pode fazer ái em Sân Pôlo? Um grupment... zinho de 5,7,9,11 amigos não seria possível em sua ou na casa dum camarada. ” Moraes (2010 . p. 314) Porém, Mário de Andrade mostra-se receoso coma ideia, que é novamente reforçada por Cascudo: -  13/8/1942 –Natal – “ Fundo o clube, Mário. Nada de muita gente, ata, discurso, moção e telegrama. Conversa. Inicie o registro da bibliografia paulista folclórica e etnografia.” Moraes (2010 p. 324)

Coincidências e disparidades entre quatro grandes intelectuais (Câmara Cascudo, Mário de Andrade, O. Lima e G. Freyre) do século XX

Nessa seção, iremos abordar as coincidências e disparidades entre os escritores abordados no referido estudo. De antemão levaremos em consideração as semelhanças entre nossos intelectuais, dando ênfase especial aos dois escritores nordestinos (Câmara Cascudo e Gilberto Freyre).

      Nesse escopo, Cascudo e Freyre destacam-se no cenário intelectual nas primeiras décadas do século XX, dois jovens fadados do marasmo intelectual de seus respectivos estados (Rio Grande do Norte e Pernambuco) decidem buscar melhorias intelectuais para suas províncias, articulando amizades e desenvolvendo o panorama intelectual local. Em tempo, destacamos que os escritores participaram do movimento literário denominado Modernismo, com publicações e divulgação do movimento, embora sofressem “influências divergentes.”.

      As publicações e o reconhecimento de ambos logo vieram à tona, pintando o sete até então desconhecido. A fama e o conhecimento intelectual de ambos escritores ganharam o mundo, graças as seus estudos e publicações, registraram seus nomes no panorama literário brasileiro, contribuindo não só para o desenvolvimento intelectual dos seus estados, mas também, para a literatura de um país inteiro.

      Freyre e Cascudo se embrenharam em uma extensa troca de correspondência com grandes personalidades brasileira, em especial para o diálogo epistolar com (respectivamente) Oliveira Lima e Mário de Andrade. Servindo de base para a execução desse referido trabalho, onde verificamos na análise das missivas uma gama de assuntos (muitas vezes correlatos) que abordavam o contexto da modernização, bem como outras situações em que eram expostas algumas conjunturas culturais do Brasil.

      Verificamos que os autores sempre estavam em busca de conhecimentos, para assim, abastecer literariamente suas regiões com as tendências que encontraram-se em evidencias no cenário intelectual. Os dois nordestinos detinham  uma paixão em comum, a tradição sertaneja, cultivada, exposta e dialogada em rodas de conversa, eventos e publicações.

      A paixão pela vida política também ganha uma atenção especial, (embora passageira) onde o escritor Potiguar Câmara Cascudo se elegeu deputado estadual pelo Rio Grande do Norte, e por outro lado, Gilberto Freyre – Após voltar de sua temporada de estudos fora do país - como chefe de gabinete no governo de Estácio em Pernambuco.

Iniciando nossas discursões sobre as disparidades encontradas entre Câmara Cascudo e Gilberto Freyre, inicialmente destacamos a formação intelectual, nesse sentido, temos Cascudo como um “produto” brasileiro, levando em consideração sua formação e influências, e, por outro lado, Gilberto Freyre torna-se, segundo Oliveira Lima em carta data de -   21 /10/ 1921 Washington -  “(...) Nossa educação intelectual se fez em pouco distante dos meios espirituais brasileiros. O Sr. É produto Norte-americano. ” Gomes (2005. P . 113), de acordo com a opinião externada por Oliveira Lima, creditamos a formação de Freyre a sua estada nos EUA, sendo influenciado pela intelectualidade local.

            Seguindo nossas discursões, salientamos que, embora G. Freyre e Cascudo tenham protagonizado/ divulgado o movimento Modernista em suas regiões, os escritores possuíam influências divergentes, uma vez que, Gilberto Freyre era o líder do movimento regionalista, que estourou em Recife, por outro lado, Cascudo demostrava maior aproximação com as tendências, porém, nunca assumiu nenhuma influência do movimento comandado por Mário de Andrade, como bem ilustra Ferreira (2010 p. 199.)

“Fora esse episódios que atestam uma aproximação d Câmara Cascudo com o modernismo em torno do grupo paulista, existem outros que são bastante conhecidos, como por exemplo, a longa correspondência com Mário de Andrade, além das duas visitas feitas pelo escritor paulista ao estado e, ainda, os aspectos da obra do escritor norte-rio-grandense que, notadamente, estão inseridos na atmosfera das ideias programáticas daquele movimento. No entanto, Câmara Cascudo sempre foi cauteloso no que se refere à sua adesão oficial ao movimento.  ”

A temática da tradição também é uma vertente oposta entre os escritores, visto que, Cascudo incorpora em seu fazer literário elementos regionais, expressão principalmente através da tradição literária e cultural. Porém, de acordo com Ferreira (2010,), podemos afirmar que o escritor Potiguar não está correlacionado com o movimento pernambucano, uma vez que, a exaltação regional de Cascudo não representa um amparo enfático de volta ao passado, bem como uma certa retradicinalização dos ambientes modernizados com as novas tendências.

Outro fator díspare que merece destaque é a vida literária, uma vez que, passado alguns anos de intenso desenvolvimento literário e divulgação do movimento modernista  na província do Rio Grande do Norte, Câmara Cascudo tomou novos rumos para suas pesquisas e abordagens, voltando seus estudos para o panorama local, elevando a cultural, o folclore e a tradição do sertão do Nordeste. Freyre por sua vez, seguiu sua linha de raciocínio, publicando obras significativas para a intelectualidade da época.

                Nesse sentido, fazemos menção a um grande pesquisador de câmara Cascudo, Araújo (2006 p. 209) destaca: “Diferenças a parte, as pesquisas do dois nordestinos (...) podem ser lidas como um grande legado modernista.” Dessa maneira, o que importa não são as divergências entre os escritores, mas, o grande legado deixado para a literatura nacional, visto que, esses jovens escritores se dedicaram a cultura/tradição local, quebrando paradigmas  e (cada um a sua maneira) ofertando aos brasileiros novas perspectivas e elementos da literatura/cultura brasileira. 

Conclusão

Diante das leituras realizadas e das referências consultadas, percebemos que tanto Câmara Cascudo quanto Gilberto Freyre foram responsáveis pelos primeiros lampejos modernistas em suas regiões, momento em que eles ganham mais visibilidade no cenário nacional, principalmente quando nos remetemos aos temas por eles discutidos, bem como pelas publicações por eles realizadas.

Destacamos a grande recorrência de determinados assuntos na escrita epistolar, principalmente àqueles ligados aos fenômenos de natureza sociocultural: literatura, vida cultural, tradição literária, modernização, dentre outros assuntos ligados às esferas locais, regionais, e nacionais. Em tempo, avultamos principalmente as discursões/apreciações literárias, recorrente nessa troca de correspondências, bem como a informação de uma vasta publicação de artigos, pelos autores, em veículos de comunicação da época.

Nesse âmbito, realizamos uma leitura crítica e reflexiva das correspondências trocadas entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade e Oliveira Lima e Gilberto Freyre. Onde Registramos e  estabelecemos situações semelhantes e díspares no dialogo epistolar entre os intelectuais alargando o fator circunstanciado na complexa relação epistolar. Bem como a variante linguística, termos sócio interacionais e a privacidade, propiciados pela particularidade do gênero epistolar.

Enfatizamos em nossa leitura os assuntos mais discorridos pelos escritores, como já mencionamos, correlacionando-os com o movimento modernista brasileiro. Em nossa análise, perpassamos por diversos assuntos socioculturais, expressos através das cartas, comprovando o vasto conhecimento literário dos escritores. Destacamos o locus em evidência, uma vez que o conteúdo local era exposto com grande frequência, confirmando a recorrência dos temas locais, regionais e nacionais.

Por fim, enfatizamos a grande importância / intensidade da vida literária de ambos os autores, refletida diretamente na prática epistolar, expondo situações do dia a dia, publicação de obras e estudos. Diante disso, entendemos que as ações dos intelectuais envolvidos nessa discussão, no aspecto que se refere ao estudo das cartas,  contribui significativamente para o fortalecimento da moderna literatura brasileira e  consolidação do sistema literário nacional.

Referências:

ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Modernismo: anos 20 no Rio Grande do Norte. Natal: Editora da UFRN, 1995.

ARAÚJO. Humberto Hermenegildo de. Lituras sobre Câmara Cascudo. João Pessoa: Ideia, 2006.

Andrade. Mário. O turista aprendiz. Estabelecimento de texto, Introdução e notas de Telê Porto Ancona Lopes. 2 ed. São Paulo: Duas Cidades, 1976.

CÂNDIDO. Antônio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: ed. Nacional. 1985

FERREIRA. José Luiz. Câmara Cascudo na Revista do Brasil. In____.: ARAÚJO. Humberto Hermenegildo; SANTOS, Derivaldo dos. (ORG.) Memórias de contiguidades: Leituras sobre textos de autores potiguares em periódicos do século XX.  João Pessoa/Natal: Ideia/Edufrn, 2013.

FERREIRA. José Luiz. Modernismo e tradição: leitura da produção crítica de Câmara Cascudo nos anos 20. 2000. 135f. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio grande do Norte. 

FERREIRA. José Luiz. Modernismo: DO resrecalque localista à incorporação da dimensão regional. In__.: SANTOS. Derivaldo dos; HOLANDA. LOURIVAL; CABRAL. VALDENIDES. Et al. (ORG.) Trama de um cego labirinto: Ensaios de literatura e sociedade. João Pessoa: Ideia, 2010 

GOMES, Ângela de Castro. Em família: a correspondência de Oliveira Lima e Gilberto Freyre. Campinas: Mercado de Letras, 2005.

MORAES. Antônio de Morais. Câmara Cascudo e Mário de Andrade. Cartas, 1924 – 1944. São Paulo: Global, 2010.



[1] Graduado em Letras Língua Portuguesa e suas respectivas Literaturas. Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Centro de Ensino Superior do Seridó – DLC –  Pesquisador de literatura moderna do Rio Grande do Norte. - [email protected]