Quando se aproximam essas datas comemorativas lançadas pelo comércio para estimular as pessoas a comprar, sempre vêm junto sentimentos que mexem com o que temos de mais especial: nossas lembranças, sejam elas boas ou ruins.
No meu caso, no Dia dos Pais, o que recordo sobre a figura masculina em minha casa, desempenhando o papel de pai foge totalmente da imagem dos outdoors que vejo, hoje, pelas ruas e nas propagandas veiculadas na televisão. Meu pai nunca usou terno e gravata, não era um jovem bonitão, sarado, porte atlético, de largo sorriso branco, cheio de vitalidade, transbordando energia e que vivia brincando com os filhos no sofá da sala (aliás, esse tipo de brincadeira nem rolava na minha época de criança).
Pai tinha que ser sério, bravo, distante e devia trabalhar muito (de preferência fora de casa: sair muito cedo e vir para o almoço, sair e voltar à noitinha, sujo, mal humorado e cansado do trabalho). Nos domingos, era quase uma presença estranha, pois mais atrapalhava que ajudava. Vivia ralhando, chamando a atenção da gente e não tinha paciência com a piazada que fazia barulho bem na hora quando ele resolvia dormir depois do almoço.
Eu só lembrava que precisava fazer um cartão para o pai no mês de agosto, quando a professora passava, como tarefa de casa, "trazer lápis de cor e cartolina para fazer um cartão para o dia dos pais". Na maioria das vezes eu não sabia o que escrever e desenhar, afinal, quem era aquela pessoa que aos poucos desapareceu da minha vida e da vida de meus irmãos? Eu lembrava frases prontas que ouvia aqui e ali, caprichava até, fazia um texto do tipo "Frankstein" e entregava para professora, pensando mais na nota do que no significado da atividade. A maioria dos meus colegas ficava empolgada com a tarefa, mas aquilo, para mim, era mexer na dor que mais me doía.
Na minha carteira escolar, sozinha e pensativa, fazia o tal cartão para "entregar pro papai no domingo", mas eu sabia direitinho onde ia colocá-lo quando a aula terminasse: no fundo do fundo da minha mochila para ser esquecido junto com o esquecimento da figura que fora meu pai durante a minha vida inteira.
O tempo passou. Ainda essas datas continuam remexendo lembranças e fazendo doer, todos os anos, a mesma ferida.

Autora: Luciane Mari Deschamps