O DESVIO DE FUNÇÃO NA CONSTRUÇÃO CIVIL 

Na indústria da Construção Civil, é recorrente aos empregadores se depararem com o instituto do desvio de função. Tal fenômeno, além de gerar a obrigação ao pagamento de diferença salarial, traz consigo outras consequências.

Na presente explanação, iremos tratar de que forma o desvio de função pode afetar a relação contratual, no que se referem aos reflexos das diferenças salariais nos consectários trabalhistas, ocorrência de acidentes de trabalho ou acometimento de patologias não correspondentes ao risco ergonômico da função na carteira, e o risco econômico que deverá ser suportado pelo empregador.

Salientam-se, então, as diferenças básicas entre desvio de função e acúmulo de função.

Entende-se por acúmulo de função quando o trabalhador, além de exercer a função para a qual fora contratado, exerce outras atividades inerentes a outro cargo, de forma habitual.

Já desvio de função, ocorre quando o trabalhador é contratado para desempenhar uma função determinada e, desde o início, ou no decorrer do seu contrato de trabalho, é “desviado” para desempenhar função diversa daquela a qual fora contratado.

De acordo com a CLT, em seu art. nº 461, é devido ao empregado:

“sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade".

Na realidade da construção civil, é comum que funcionários exerçam pequenas atividades, ou tarefas, inerentes a outros cargos.Tal ingerência do empregador decorre do "jus variandi" deste, e não representa qualquer lesão aos direitos trabalhistas, hipótese que se configura quando do exercício de várias tarefas, todas de caráter auxiliar à construção civil e de complexidade semelhante.

Nos canteiros de obras existem muitas funções e cargos desempenhando suas tarefas simultaneamente, o que ocasiona, muitas vezes, uma ajuda paralela em relação a alguns serviços. Por exemplo, um ajudante que tem como uma das atividades colocar a fiação elétrica na parede, pode, equivocadamente, acreditar estar realizando um trabalho de eletricista, mas na realidade, há apenas uma tarefa esporádica, não se confundindo com a função de eletricista.

Assim, é facultado ao empregador atribuir ao empregado, no curso do contrato de trabalho, tarefas distintas daquelas para as quais fora contratado, com o objetivo de adequar a prestação do trabalho às suas necessidades, mormente quando desempenhadas dentro da jornada normal de trabalho, sempre observando que, tais situações, não podem ser habituais, sob pena de configuração do desvio de função.

Desta forma, tem-se que, funções compatíveis com a condição pessoal do trabalhador dentro da dinâmica da empresa, na mesma jornada de trabalho, e que não ultrapassem o limite entre uma função e outra, podem ser exigidas do empregado sem que isso ocasione acréscimo salarial.

O exemplo mais rotineiro que se observa no desvio funcional é o de servente de obras para função de pedreiro, vez que as tarefas de ambos os cargos se confundem e se complementam.Por isso, o empregador deve está atento para tais situações e manter fiscalização permanente, já que a distância entre as atividades é reduzida.

Por outro lado, existem desvios funcionais mais graves, tais como, empregado contratado para função de servente, exercendo a função de pedreiro fachadeiro, cuja atividade exige certificado de treinamento de trabalho em altura, nos moldes da Norma Regulamentadora nº 18, do Ministério do Trabalho e Emprego, assim como, a utilização dos EPI’sespecíficos e, não menos importante, experiência na execução desse tipo de atividade.

No caso citado acima, os riscos para o empregador são eminentes, tendo em vista que o funcionário na função desviada corre risco de sofrer acidente de trabalho, por não possuir nenhum dos requisitos para executar trabalho em altura, aumentando a chance de condenação em eventual ação, por impor ao trabalhador o despenho de função para o qual não fora contratado, além de expor o obreiro ao elevado risco de uma atividade para a qual não possui treinamento.

Desta feita, o desvio de função não se resume apenas à obrigação de pagamento das diferenças salariais, podendo tal fenômeno colocar o empregador em situação custosa, vez que, na construção civil, as funções existentes necessitam de equipamentos de proteção individual (EPI) especiais, com treinamentos específicos, e que se não fornecidos podem gerar doenças e acidentes e, após a dispensa, poderá gerar dano passível de indenização.

Não obstante, é sabido que o Direito do Trabalho é orientado pelo princípio da Primazia da Realidade, e o que importa é a função efetivamente exercida e não a denominação do cargo, ou seja, na Justiça do Trabalho fica fácil o empregado provar o exercício da real função desempenhada, com a simples apresentação de prova testemunhal, sendo geralmente, o colega de trabalho que, diariamente, presencia o desvio funcional. Logo, restará comprovado nos autos que o trabalhador exercia funções de responsabilidades superiores às da qual fora contratado.

Diante da análise das causas e aplicações do desvio de função na construção civil, podemos extrair que as construtoras devem possuir controle eficaz sobre as tarefas e funções que seus colaboradores exercem, visto se tratar de um ambiente com muitos trabalhadores e atividades em prática ao mesmo tempo, com escopo de evitar prejuízos financeiros que podem ser evitados com fiscalização.

Por fim, o empregador deve ter conhecimento de que o desvio de função não se limita apenas às diferenças salariais, pois tal instituto poderá acarretar prejuízos financeiros mais significativos quando se tratar de casos com ocorrência de acidentes de trabalho e doenças, quando do exercício pelo trabalhador de função para qual não foi inicialmente contratado, podendo, o desvio funcional, gerar consequências bem mais graves das que se aparenta. 

Aline Ferraz Tavares
OAB/AM 8.845