O desvalor das palavras
Publicado em 08 de março de 2009 por NERI P. CARNEIRO
No furacão das transformações as palavras perdem seu valor.
Não digo isso como reclamação, nem como apologia da tradição. Apenas como constatação. Como disse a raposa, ao princepezinho: "as palavras são uma fonte de mal entendidos". Ou, como disse Belchior, são navalhas que ferem. Sempre ferem! Podem agradar a alguns, mas não a todos. E se não agradam a todos é porque desagradam a alguns, pois agem como a navalha: cortam! Em "eu sou apenas um rapaz latino-americano", canta:
"Não me peça que lhe faça uma canção como se deve
Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém
Mas não se preocupe meu amigo com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção, a vida, a vida realmente é diferente
Quer dizer, a vida é muito pior"
Vamos comprovar o que estou dizendo. Você, com certeza, já utilizou inúmeras vezes a palavra:"Duvidar". Mas já atentou para seu significado etimológico e original?
Creio que a maioria das pessoas, diante da palavra dúvida pensa em incerteza. Entretanto, quando falamos em "dúvida" não estamos falando de incerteza, que é o contrário de certeza, é negação. A dúvida é a abertura para possibilidades!
Duvidar é uma palavra composta: "Du"= duas; "vidar"= vias. Duas vias, duas vidas. Quem duvida se defronta com uma situação em que deve optar entre duas vias, fazer uma opção entre duas possibilidades, duas vidas. Defrontar-se com a necessidade ou ter que optar entre duas possibilidades de vida é porque se tem liberdade. Podemos dizer, portanto, que um das pressupostos da dúvida é a liberdade. Só quem é livre pode optar.
Uma das conseqüências da dúvida, ou uma de suas alternativas, ou ainda, uma idéia oposta à dúvida é "Acreditar"
Quem duvida, não acredita. Ou quem duvida é porque tem algo diferente em que acreditar. E o que significa acreditar? A+Creditar?
Lembremo-nos da música do Gonzaquinha:
"Eu acredito é na rapaziada que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada, que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta é com essa juventude que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade que não tá na saudade
E constrói a manhã desejada..."
A palavra "Acreditar" vem de "a" mais "crédito" que, em sua origem significa empréstimo. Quem acredita dá crédito e passa a ser "fiador"; e quem "fia" é porque deposita fé naquele em quem acredita. Acreditar é um ato de fé em alguma possibilidade. Quem acredita, é porque já superou a dúvida e tem crédito.
Você deve estar se perguntando o porquê de estarmos falando sobre o significado das palavras. Deve estar se perguntando porque falamos, no título, em "desvalor" das palavras.
Ocorre que de quatro em quatro anos, milhares de prefeitos e vereadores assumiram seus cargos. Foram empossados. E receberam a posse porque antes haviam recebido votos que lhes conferiu um poder. Lembrando que o voto é uma transferência de poder: quem vota delega seus poderes a outro que o exercerá em nome de quem o elegeu.
Então vejamos: vereador, em latim, significa aquele que vereia, anda pela vereda. Lembrando que vereda é via, caminho, trilha... Portanto o vereador, ao receber os poderes das pessoas e sendo o que anda pela vereda, tem uma função dinâmica. Além disso, as pessoas, para votar, partiram de uma dúvida optaram e, portanto, acreditaram. Por ser merecedor de fé e o por trafegar nas veredas, conduz as expectativas dos que nele acreditaram.
Algo semelhante ocorre com o prefeito, em latim, praefectu. Prae= pré; fectu= fato, execução, realização. Portanto o prefeito é o homem que é colocado, pelos eleitores, à frente (pré) desses eleitores, para, em nome deles executar aquilo que é do interesse público; ou, pelo menos, do público que o elegeu. Lembre-se que o prefeito é o chefe do "executivo".
Assim, o vereador é quem, caminhando nas trilhas, ajuda aquele que foi colocado à frente (prefeito=executor), a encontrar o direcionamento e o melhor caminho por onde conduzir aqueles que superaram a Du+vida (duas vidas) e neles a+cre+ditaram (deram crédito) e com+fiaram (foram fiadores) pelo voto. Mas se persistirem dúvidas por parte do que anda pela vereda ou do que é colocado à frente, ou ainda dos que confiaram, sobram duas opções: pedir ajuda ao avaliador, depurador (o deputado) ou à sabedoria acumulada pelos anos daquele que é o mais idoso, o ancião (senil=senador). O senior com a experiência, o depurador, com o tino avaliativo, se juntam ao viandante e ao que é colocado à frente para, juntos fazerem algo de bom para aqueles que são os fiadores de todos: os eleitores.
Pena que isso só fique bonito na etimologia, pois na prática muitos desses que recebem voto para "senatore" viram safados; os depuradores fazem "putaria"; os que veream aprontam viadagens e os praefectus não fazem efeito nenhum. Antes, pelo contrário, se juntam para executar obras nefastas contra aqueles que neles depositaram fé. Por isso há tanto des-crédito e des-confiança em relação aos políticos (poli=diversidade; ethos=costumes, ética), que deveriam ser os melhores da população e para a população.
Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.
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