Republicação da segunda parte de artigo publicado originalmente em 16 de abril de 2009 no periódico eletrônico "Cenário Internacional" - ISSN 1981-9102.


Nesta segunda parte do artigo "O despertar do Urso: a reascensão da Estrela Vermelha" serão analisadas as forças não-convencionais, a defesa aeroespacial estratégica, o programa espacial de Moscou e o conflito de 2008 no Cáucaso. As forças não-convencionais abrangem quatro campos de abordagem, a saber, os arsenais de armas biológicas, de armas químicas, o arsenal de mísseis táticos e as forças nucleares. A União Soviética chegou a manter, durante as décadas de 1970 e 1980 o maior programa de armas biológicas do mundo. Com capacidade para sintetizar variados agentes, desde peste bubônica e tularemia até anthrax, varíola, praga e alguns tipos de febre hemorrágica, os soviéticos empregavam munições de artilharia e bombas aéreas ou mesmo mísseis de longo alcance como vetores de lançamento para tais armas. Entretanto, desde 1992 todos os programas de armas biológicas foram banidos por meio de decreto presidencial assinado pelo então presidente Boris Yeltsin. Apenas os programas de pesquisas civis e de defesa civil foram mantidos. Uma das heranças do programa soviético de armas biológicas são os laboratórios de nível de segurança laboratorial IV, o mais elevado, o que os torna aptos a lidar com qualquer ameaça biológica conhecida pelo Homem. Estes são o do Centro Estatal de Pesquisa Aplicada para Microbiologia em Obolensk, na região de Moscou, e o Centro Estatal de Pesquisa em Virologia e Biotecnologia Vector, na região de Novosibirsk. É digno de nota o fato de que os russos, em conjunto com os americanos, são os únicos detentores oficiais de amostras do vírus da varíola, a serem erradicadas na próxima década.
Os russos mantém, atualmente, o maior arsenal de armas químicas do mundo, estimado, em 2003, em aproximadamente 40.000 toneladas de agentes químicos. Tal quantidade não inclui outras 32.000 toneladas de agentes fosfóricos. Sendo assim, o estoque total de armas químicas declarado pela Rússia é de aproximadamente 72.000 toneladas de agentes químicos e fosfóricos. Da quantidade total de agentes químicos, 80 % são agentes nervosos. Estes, por agirem no sistema nervoso, são as mais letais armas químicas. Entre os agentes nervosos em estoque destacam-se os alemães Sarin, Soman e Tabun, além dos soviéticos R-VX e Novichok. Este último possui uma letalidade oito vezes superior ao dos demais agentes nervosos. As armas químicas soviéticas e, atualmente, as russas, pertencem à classe das chamadas "binárias". As armas químicas binárias são armazenadas nos vetores de lançamento na forma inativa, sendo produzidas no momento do ataque por meio da mistura de dois compostos químicos diferentes armazenados em reservatórios separados do vetor. Assim, não só é mais seguro o manuseio dos mesmos pelo pessoal de terra como também a armazenagem de tais agentes. Tratam-se das mais modernas armas químicas existentes, que também estão disponíveis nos arsenais dos Estados Unidos. Os vetores de lançamento das armas químicas russas incluem bombas aéreas, projéteis e foguetes de artilharia, mísseis balísticos e sprays instalados em helicópteros ou blindados. Do supracitado estoque total, 20 % já haviam sido destruídos em 2007 e 45 % devem estar destruídos até dezembro de 2009, segundo os termos da Convenção para a Proscrição das Armas Químicas (CPAQ). Segundo a mesma Convenção, todo o arsenal de armas químicas da Rússia deve ser eliminado até abril de 2012. A estratégia soviética para o emprego das armas químicas previa a utilização destas para abrir caminho para as forças de vanguarda na eventualidade de um confronto com o Ocidente, o que requeria que estas estivessem preparadas para atuar em ambiente contaminado. Sendo assim, a URSS montou um dos mais eficazes e efetivos programas de defesa química do mundo, possuindo meios adequados para a neutralização de agentes químicos na eventualidade de um ataque. É possível que muitas das técnicas e dos sistemas de neutralização citados tenham sido herdados pela Federação Russa (FR). Informações precisas sobre a atual estratégia russa de emprego de armas químicas não estão disponíveis, sendo esta, provavelmente, limitada, devido às obrigações da CPAQ.
O arsenal de mísseis táticos mantido pela Rússia inclui alguns dos mais modernos sistemas de mísseis do planeta. Entre eles, destacam-se os modernos mísseis OTR-21 Tochka-U e Iskander-M. Os primeiros, com alcance de até 120 km, possuem a capacidade de, com precisão, atacar alvos em profundidade tática no teatro de operações. Os mísseis em serviço podem ser lançados tanto em trajetória balística, o que permite maior velocidade, quanto em forma de mísseis de cruzeiro, o que permite maior precisão e menor chance de detecção do míssil em vôo. Podendo, portando ogiva de fragmentação, ser utilizados com eficiência e eficácia contra concentrações de tropas e blindados, ou se equipados com ogiva convencional ou nuclear de até 100 kt, contra instalações militares, tais mísseis são extremamente flexíveis. Acredita-se que os russos mantém, atualmente, 310 ogivas nucleares táticas para uso com os mísseis OTR-21. Além disto, estes podem acertar seus alvos com uma excelente precisão de até 95 metros. A precisão dos mísseis é considerada como o raio, a partir do alvo designado, onde há maior probabilidade de a ogiva do míssil vir a cair. Seus veículos de lançamento, capazes de transportar dois mísseis e operar em ambiente de guerra química, biológica ou nuclear, também são anfíbios, podendo operar também em ambientes alagados. Estes são capazes de lançar seus mísseis em menos de dois minutos, se preparado com antecedência, ou em menos de 16 minutos sem preparação prévia. Os mísseis Iskander-M, em processo de incorporação às forças armadas russas, representam o que há de mais moderno e avançado no campo dos mísseis balísticos. Estes, por atingirem altitude máxima de ataque inferior à alcançada por outros mísseis balísticos, são definidos como mísseis semi-balísticos. Esta trajetória de vôo modificada permite que os mísseis escapem com mais facilidade não só da detecção dos radares, o que garante o efeito surpresa, mas também da interceptação por parte dos sistemas antimísseis. Tais vetores também podem realizar violentas manobras evasivas e lançar despistadores e iscas durante a fase terminal de vôo, o que também torna extremamente difícil sua interceptação por sistemas antimísseis atuais ou futuros. Além disto, estes atingem velocidades muito superiores aos mísseis balísticos convencionais durante o vôo, o que diminui o tempo de reação ao ataque, dificultando ainda mais a defesa adversária. Os mísseis Iskander-M podem ter o alvo modificado durante o vôo, o que permite o engajamento, com precisão, tanto de alvos móveis quanto de alvos fixos. Uma das capacidades mais impressionantes, únicas e formidáveis de tais mísseis é a de portar múltiplas ogivas, o que permite o ataque a vários alvos com apenas um míssil. Outra característica única do vetor é poder ser controlado por comando de rádio enviado tanto por Veículos Aéreos Não-Tripulados (VANT) quanto por informações enviadas pelas já descritas aeronaves Beriev A-50M, o que permite ao seu sistema de orientação eletro-óptico receber imagens do alvo e atuar com precisão máxima. Além disto, os mísseis também podem receber informações enviadas por satélites. O sistema de orientação eletro-óptico, combinado com informações enviadas pelos satélites de posicionamento do Sistema Global de Navegação Por Satélite (Глoбальная Haвигационная Cпутниковая Система, ГЛОНАСС, ou GLONASS), permite uma formidável margem de erro de dez metros. Cada veículo lançador, capaz de operar em ambientes de guerra química, biológica ou nuclear, além de poder operar também em ambientes alagados, pode atuar de forma totalmente autônoma. Portando dois mísseis cada, os lançadores podem disparar suas armas menos de dez minutos, mesmo não estando de prontidão para fazê-lo. Com um alcance de até 400 quilômetros, incorporam tecnologia em estado-de-arte. Devido aos planos anunciados que prevêem a instalação de elementos do escudo antimísseis dos Estados Unidos na Polônia e na República Tcheca, na Europa Oriental, os russos anunciaram sua intenção de instalar os mísseis Iskander-M no enclave de Kaliningrado, situado entre a Lituânia e a Polônia. A base de Redzikovo, na costa polonesa, que abrigará dez contramísseis americanos GBI (Ground Based Interceptor, Interceptadores Baseados em Terra), está situada dentro do raio de alcance dos citados mísseis russos. Assim, na eventualidade de um confronto, os russos poderiam se utilizar de tais mísseis para neutralizar os elementos do sistema americano desdobrados em solo polonês, inclusive com armas nucleares. Devido à excelente precisão do vetor, mesmo com armas convencionais seria possível a neutralização do referido sistema americano, sendo a opção nuclear, entretanto, mais efetiva. Atualmente, dezenas de mísseis estão em serviço nas forças armadas da Rússia, com planejada aquisição de outras dezenas.
Os russos mantém atualmente o maior arsenal de armas nucleares do mundo. Este inclui as armas nucleares táticas, para uso em teatros de operações restritos, e as armas nucleares estratégicas, instaladas em vetores de alcance global. As primeiras, das mais variadas potências, podem ser lançadas por aeronaves, mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro, projéteis de artilharia, torpedos, minas navais e cargas de profundidade. A Federação Russa possui mais de dois mil dispositivos nucleares para emprego tático. Estes, com modernos sistemas de segurança e detonação, dentro na nova estratégia russa podem ser empregados em ataques preventivos contra ameaças iminentes à segurança da Federação. Informações oficiais detalhadas sobre as armas nucleares táticas russas não estão disponíveis, o que inviabiliza a elaboração de precisa conclusão.
As armas nucleares estratégicas russas, assim como suas análogas americanas, são as mais modernas em serviço no planeta. É interessante notar que tanto os dispositivos nucleares estratégicos americanos quanto russos pesam, em média, menos de cem quilogramas, sendo os mais avançados em serviço no globo. Comparativamente, seus análogos na França e na China pesam, respectivamente, 180 kg e 700 kg. Segundo dados divulgados em janeiro de 2009 no memorando de entendimento do Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Strategic Arms Reduction Treaty, START), os russos mantém operacionais 2.825 dispositivos nucleares estratégicos, e os americanos, 2.200 dispositivos. Como vetores de lançamento de tais dispositivos são empregados Mísseis Balísticos Intercontinentais (MBI), Mísseis Balísticos Lançados de Submarinos (MBLS) e bombardeiros estratégicos. As Forças de Mísseis Estratégicos (Ракетные Bойска Cтратегического Hазначения, PBCH, ou RVSN), responsáveis pela operação dos MBI da Federação Russa, que são os mais avançados e poderosos do globo, são uma Força separada das demais, dentro da estrutura militar russa. Os mísseis intercontinentais russos constituem o núcleo da força estratégica da Federação. Os quatro modelos de mísseis operacionais podem, juntos, portar até 1.357 ogivas nucleares. O primeiro deles, UR-100UTTh, está em serviço desde 1979. Atualmente os russos operam 72 exemplares destes mísseis equipados com um total de 432 ogivas nucleares. Com um alcance de 10.000 quilômetros e portando seis Veículos Múltiplos de Reentrada Independente (VMRI) com potência unitária de 750 kt, tais mísseis podem atacar qualquer alvo situado na Europa, Ásia, África e em partes da Oceania e do continente americano. Cada um dos seus VMRI pode ser direcionado contra um alvo diferente, o que permite a cada míssil atingir seis diferentes alvos situados por vezes a centenas de quilômetros um do outro. Os sistemas de orientação digitais independes de cada veículo permitem uma precisão de 920 metros, segundo fontes russas. Entretanto, é pratica comum dos russos depreciar os dados oficiais de precisão dos seus mísseis, o que leva a inteligência ocidental a estimar, no caso dos UR-100NUTTh, uma precisão de até 220 metros. Devido à precisão oficial de tais mísseis, acredita-se que sua missão seja atuar em missões de contra-valor, o que significa que estes vetores teriam como alvos primários as cidades e os centros populacionais do adversário. Entretanto, não se descarta sua utilização em missões de contra-força, ou seja, naquelas cujos alvos primários seriam os elementos da estrutura militar do inimigo. No caso das armas nucleares, quando se refere às missões de contra-força, comumente está se referindo ao uso destas contra as bases de lançamento de armas nucleares do adversário, como silos de mísseis, plataformas lançadoras ou bases aéreas. Os mísseis UR-100NUTTh estão armazenados em resistentes silos subterrâneos, o que permite que estes possam ter mais chances de resistir a um primeiro golpe adversário e assim desferir um contra-ataque. Mesmo sendo movidos a combustível líquido, os mísseis podem ser abastecidos e permanecer em alerta durante longos períodos, já que seus sistemas de bordo permitem o monitoramento remoto de seu estado atual, mesmo durante os períodos de alerta. Estima-se que o vetor permanecerá em serviço até pelo menos meados da próxima década. Os mísseis R-36M2, dos quais os russos operam 68 unidades, são os mais poderosos mísseis intercontinentais já postos em serviço pelo Homem. Sua capacidade de transportar dez VMRI de até 1 Megaton (Mt) cada (1 megaton = 1.000 kt) a uma distância que pode ultrapassar 16.000 quilômetros e com uma precisão que, segundo algumas fontes, pode chegar a 220 metros, tornam o modelo único. Sendo assim, 680 ogivas estão desdobradas atualmente em mísseis R-36M2. Seu formidável alcance garante que nenhum ponto na Europa, Ásia, África, Oceania ou no continente americano possa estar além do seu raio de ação. Estacionados em silos especiais capazes de resistir a uma pressão de até 422 quilogramas por centímetro quadrado ? comparativamente, os mísseis americanos LGM-30G Minuteman III estão desdobrados em silos que resistem a uma pressão de até 21 quilogramas por centímetro quadrado ? tais armas devem permanecer em serviço pelo menos até 2020. Tais silos garantem que os R-36M2 resistam a um primeiro ataque nuclear inimigo e executem um contra-golpe com eficácia. Devido ao fato de que, durante seu lançamento, o vetor é ejetado do silo por um sistema de gases pressurizados, impedindo danos ao silo, há possibilidade de recarregar o silo e lançar uma segunda salva de mísseis antes que as ogivas inimigas atinjam seus alvos. Os mísseis R-36M2 estão equipados com computadores de bordo digitais, o que garante um melhor desempenho deste durante todas as fases do vôo. Os citados mísseis podem operar tanto em missões de contra-força como em missões de contra-valor. Existem consideráveis chances de que um eventual primeiro ataque russo com tais armas consiga destruir boa parte dos mísseis intercontinentais americanos LGM-30G ainda em solo. Os mísseis R-36M2 são, certamente, a principal arma de ataque da Federação Russa, garantindo não somente a segurança nacional como também o equilíbrio estratégico global. Outro modelo de MBI em serviço na RVSN são os mísseis RT-2PM Topol, dos quais os russos operam 180 exemplares. Estes são transportados e lançados por caminhões especiais, sendo totalmente móveis. Isto garante uma indescritível vantagem estratégica, já que inviabiliza a atuação dos mísseis inimigos em missões de contra-força, pois sua localização precisa é desconhecida. Desta forma, o contra-ataque nuclear russo está praticamente garantido. Podendo ser lançados por seus caminhões a partir de locais preparados como pátios e garagens em bases militares ou até mesmo a partir de localizações dentro de florestas, o que complica ainda mais a já difícil tarefa adversária de encontrá-los, tais mísseis podem ser disparados em poucos minutos. Com um alcance de 10.500 quilômetros e portando uma ogiva de 550 kt, tais mísseis possuem uma precisão de até 150 metros, segundo algumas fontes, o que o torna apto a atuar, com eficácia e eficiência, em missões de contra-força. Seus lançadores especiais são capazes de percorrer grandes distâncias, além de possuir equipamentos que permitem que estes executem a aquisição dos alvos. Além disto, os mesmos estão equipados com moderno sistema de navegação, o que garante que sua posição seja continuamente conhecida pelo comando nacional. Atualmente, os mísseis Topol são os mais numerosos em serviço nas Forças Estratégicas e devem permanecer em operação até meados da próxima década, quando serão completamente substituídos pelos modernos RT-2UTTh Topol-M. Os mísseis Topol-M, cujo alcance pode chegar a 11.000 quilômetros portando uma ogiva de 550 kt, são os mais modernos mísseis intercontinentais baseados em terra no globo. Com tal raio de ação, estes mísseis podem atacar qualquer alvo nos Estados Unidos. Podendo ser lançados tanto a partir de caminhões especiais semelhantes aos dos seus antecessores quanto de silos, este vetor constituirá o núcleo das Forças Estratégicas russas neste século. Os mísseis RT-2UTTh foram desenhados para perfurar os sistemas antimísseis existentes ou futuros neste século. Sua velocidade de ascensão superior à dos demais MBI garante que sistemas antimísseis inimigos instalados próximos às fronteiras russas ou no espaço tenham chances muito inferiores de interceptá-lo. Aliado a isto, as ogivas dos mísseis são preparadas para resistirem a emissões de Pulso Eletro-Magnético (PEM) e a explosões nucleares no Espaço, a menos que estas últimas ocorram com uma proximidade menor que 500 metros da ogiva. Os demais mísseis, tanto americanos quanto russos, podem ser danificados com a detonação espacial de uma ogiva nuclear a até dez quilômetros de distância. Além disto, os mísseis não seguem uma trajetória balística convencional e são capazes de realizar manobras evasivas na fase terminal do vôo, o que dificulta ainda mais a defesa inimiga. Os mísseis também carregam iscas térmicas e metálicas, o que pode confundir os radares inimigos e, por sua vez, também dificultar ainda mais a atuação dos contramísseis inimigos. Seu índice de precisão não foi divulgado oficialmente, porém acredita-se que seja capaz de torná-lo apto a atuar em missões de contra-força. Seu sistema de navegação inercial digital, auxiliado por dados enviados pelo sistema GLONASS, deve lhe conferir um índice de precisão que supera o dos seus antecessores. Atualmente a Federação Russa mantém em serviço 50 Topol-M instalados em silos subterrâneos e 15 montados nos já citados caminhões. Os russos estão trabalhando atualmente em uma versão do míssil a ser equipada com VMRI designada RS-24 que deve entrar em serviço em 2009. O RS-24 poderá portar até 10 ogivas com potência unitária que deve superar os 500 kt. Tal míssil será dotado de características de vôo, evasão e defesa similares às dos mísseis Topol-M. As Forças de Mísseis Estratégicos da Federação Russa são as mais poderosas forças de mísseis do globo, e deverão manter-se assim por pelo menos mais vinte anos.
Como já afirmado, a Marinha da Federação Russa foi a que mais sofreu com o desmembramento da URSS. Os Submarinos Nucleares Laçadores de Mísseis Balísticos (SNLMB) da Marinha, como parte desta, também sofreram com o citado evento. Com a retirada de serviço ativo de quase todos os submarinos da classe Akula e de todos os seus mísseis R-39 devido ao alto custo operacional destas unidades, a Frota Estratégica da Rússia viu surgir uma lacuna no que diz respeito à capacidade de ataque pesado. Tal carência só começou a ser sanada recentemente, com a introdução dos mísseis modernizados R-29RMU Sineva. Os russos operam basicamente dois tipos de mísseis alocados em dois modelos de submarinos: os mísseis R-29R e R-29RM, respectivamente nos submarinos das classes Kalmar e Delfin. Todos os tipos de mísseis em serviço na frota podem ser lançados de posições submersas. Os mísseis R-29R, movidos a combustível líquido, possuem um alcance de 6.500 quilômetros e portam três VMRI, cada um possuindo uma potência de 200 kt e uma precisão de 900 metros. As ogivas possuem um sistema de orientação inercial auxiliado por um sistema de orientação estrelar, que utiliza a localização das estrelas para determinar posições. Com tais ogivas de tal precisão cada, os mísseis podem apenas ser utilizados em missões de contra-valor, ou seja, contra as cidades e centros populacionais do adversário. Estes vetores possuem o alcance necessário para atingir todo território dos Estados Unidos se lançados a partir de submarinos estacionados em águas territoriais russas, o que garante que as plataformas operem longe da ameaça representada pelas forças anti-submarinos do Ocidente. É importante citar que o míssil está equipado com iscas térmicas e metálicas, que atuam com a função de confundir radares, sistemas de detecção e interceptadores inimigos. Atualmente tais mísseis e suas plataformas de lançamento estão em processo de desativação, com a previsão de sua retirada total do serviço ativo já no começo da próxima década. Os russos operam 76 mísseis R-29R, que portam um total de 228 ogivas nucleares. Os mísseis movidos a combustível líquido R-29RM possuem um alcance de 8.300 quilômetros e portam, cada um, quatro VMRI de potência unitária de 100 kt. Assim como o seu antecessor, R-29R, estes mísseis podem, se disparados a partir de águas territoriais russas, atingir todo o território dos EUA. Se disparado de águas internacionais, os R-29RM podem potencialmente atingir todo e qualquer ponto no globo. Com uma precisão de até 500 metros e com as já citadas ogivas, os mísseis podem atuar perfeitamente em missões de contra-valor e em algumas missões de contra-força, não podendo, neste último caso, atuar efetivamente contra silos de mísseis adversários. Assim como os R-29R, os R-29RM também portam iscas térmicas e metálicas. A Marinha Russa opera atualmente 28 mísseis R-29RM que portam, juntos, 112 ogivas nucleares. Os russos estão modernizando os mísseis R-29RM e convertendo-os ao padrão R-29RMU Sineva, que servirão de núcleo da força de ataque da Frota Estratégica até a introdução dos novos mísseis Bulava, versão naval do já citado míssil Topol-M, e além, com previsão de permanecerem em operação até 2030. Os Sineva, como já afirmado, estão fechando a citada lacuna originada pela retirada de serviço ativo dos mísseis pesados R-39. Com capacidade para portar até dez VMRI com potência unitária de 100 kt e atacar alvos a mais de 11.500 quilômetros de distância, os R-29RMU conseguem perfeitamente substituir os inativos R-39. A precisão das ogivas, embora a maioria das fontes a cite como próxima de 400 metros, algumas chegam a referi-la como inferior a 100 metros graças à possibilidade de orientar o míssil por meio do sistema GLONASS. Com tal precisão, o projétil pode atuar tanto em missões de contra-força como contra-valor. Os russos operam atualmente 64 mísseis Sineva. Entretanto, é pouco provável que estes estejam operando com a capacidade máxima de carga, que é de dez ogivas. O programa dos novos mísseis Bulava, com introdução em serviço planejada para 2009, tem sofrido consideráveis atrasos, devido principalmente a sucessivas falhas no programa de testes. Inicialmente planejava-se operacionalizá-los a bordo dos novos submarinos da classe Borei, dos quais a primeira unidade deve em breve começar os testes no mar. Entretanto, segundo alguns especialistas, se o programa do Bulava continuar sofrendo atrasos e o submarino da classe Borei, Yuri Dolgoruky, estiver pronto para ser integrado à esquadra, este pode ser temporariamente equipado com os mísseis Sineva até que os Bulava estejam prontos. Com capacidade para portar até dez VMRI e com alcance de 10.500 quilômetros, o Bulava gozará de capacidades semelhantes às dos Topol-M, o que os permitirá burlar sistemas antimísseis existentes ou futuros, sendo, desta forma, o núcleo das forças nucleares estratégicas da Marinha neste século. Os submarinos nucleares lançadores de mísseis balísticos Kalmar, portadores dos mísseis R-29R, estão em processo de desativação pela marinha da Rússia, sendo a Frota do Pacífico a única que ainda opera o tipo. Operacionais desde o final da década de 1970, tais SNLMB foram os primeiros a entrar em serviço na Marinha soviética dotados da capacidade de disparar todos os seus mísseis em uma única salva. Com capacidade de disparar seus mísseis enquanto submerso, o submarino pode atingir velocidades de até 44 km/h e profundidades seguras de até 320 metros, sendo possível a execução de missões sob a calota polar. Os SNLMB da classe Delfin portam, cada um, 16 mísseis R-29RM ou R-29RMU, sendo capazes de dispará-los em qualquer direção quando navegando em trajetória circular. Assim como as unidades da classe Kalmar, estes podem disparar todos os seus mísseis em uma única salva. Seus sistemas de bordo permitem a navegação estrelar em profundidade de periscópio. Além disto, os exemplares da classe Delfin portam equipamentos que reduzem seu nível de ruído e sua assinatura magnética. Quatro unidades da classe passaram por modernizações recentemente, o que os dotou de equipamentos mais modernos e melhorou significativamente suas capacidades de combate. Outras duas unidades da classe deverão passar pelo mesmo processo em breve. Os submarinos Delfin podem atingir profundidades seguras e velocidades semelhantes aos da classe Kalmar. As unidades da classe devem permanecer em serviço até 2035 portando os novos mísseis Sineva. No total, a Marinha da Federação Russa opera 612 ogivas nucleares estratégicas, sendo a responsável pela garantia de um contra-ataque nuclear na eventualidade da neutralização dos MBI baseados em terra.
A aviação estratégica da Força Aérea da Rússia é a responsável pela operação dos bombardeiros de longo-alcance (na terminologia russa correspondendo às aeronaves a serem empregadas em missões de ataque convencional ou nuclear tático) e dos bombardeiros estratégicos (a serem empregados em missões de ataque nuclear estratégico). Ambos os tipos de bombardeiros estão sob a responsabilidade do 37º Exército Aéreo. Os primeiros são do formidável e inigualável modelo Tu-22M3, capazes de portar até 24 toneladas de armamentos convencionais ou nucleares e atingir velocidade de até 2.200 km/h. Suas asas de geometria variável permitem certa economia de combustível e, por sua vez, maior alcance, assim como melhor desempenho da aeronave tanto em vôo em baixa altitude a velocidade transônica quanto em elevada altitude a velocidade supersônica. Seu raio de ação, segundo dados oficiais russos, é de 2.200 km, considerando que estes estarão portando carga máxima e que parte do vôo ocorrerá em velocidade supersônica. Sendo assim, o vetor pode operar nos teatros de operações da Ásia e da Europa. As unidades, inclusive as da Aviação Naval, possuem autonomia para atuar em missões sobre o Mar do Norte e Atlântico Norte até a Islândia e cobrir, a partir do extremo leste, todo o Japão e o Mar da China Oriental até as proximidades do estreito de Formosa. É fundamental citar a possibilidade de tal vetor ser equipado com, cada um, três unidades do míssil Kh-22 ou dez unidades do míssil aerobalístico Kh-15. Os primeiros, com alcance de até 500 km e portando ogiva convencional de uma tonelada ou nuclear de até 350 kt, podem atingir velocidades de até 5.500 km/h em elevadas altitudes ou superiores a 1.400 km/h a baixa altitude. Podendo ser utilizados tanto em missões antinavio quanto contra alvos em terra, os Kh-22 podem ser orientados por radar ou datalink. Já os mísseis aerobalísticos Kh-15 possuem uma peculiar trajetória de vôo. Quando lançados, os mísseis iniciam uma trajetória balística modificada em direção ao alvo, para depois atingi-los, o que pode confundir as defesas inimigas. Os Kh-15 atuam com orientação ativa de radar na fase terminal de vôo. Podendo portar ogiva convencional perfurante de até 150 kg ou ogiva nuclear de até 350 kt, tais vetores possuem um alcance 150 km e podem atingir velocidades superiores a 6.000 km/h em elevadas altitudes ou de até 2.450 km/h em vôo a baixa altitude. Segundo fontes russas, os mísseis Kh-15 podem perfurar a proteção de quaisquer sistemas antimísseis existentes ou futuros, o que inclui o sistema naval americano AEGIS. Embora muitos analistas comparem os Tu-22M3 com os caças bombardeiros europeus Panavia Tornado seria mais plausível compará-los com os bombardeiros americanos Rockwell B-1B. Mesmo o alcance dos B-1B chegando a 5.500 km com carga padrão, os bombardeiros russos os superam, e muito, em velocidade. Entretanto, os B-1B levam apenas até 21,7 toneladas de bombas, o que é inferior às 24 toneladas de armamentos que podem ser transportadas pelos Tu-22M3. A VVS opera atualmente, segundo a agência oficial de notícias Ria Novosti, 124 exemplares dos bombardeiros Tu-22M3. Já os americanos, segundo dados da USAF, operam 65 unidades do modelo B-1B. Não existe, atualmente, similar modelo em nenhuma força aérea no planeta. Os bombardeiros estratégicos em operação na VVS são de dois modelos: os lendários Tu-95MS e os poderosos Tu-160. Os primeiros, desenhados na década de 1950, são basicamente plataformas lançadoras de mísseis de cruzeiro. Movidos por quatro poderosos turbohélices, a aeronave possui alcance de mais de 11.000 quilômetros. Capacitada para operar em ambientes de guerra nuclear e equipada com sistemas de navegação que permitem a operação autônoma em cenários com ausência de pontos de referência, a aeronave é vista com freqüência nos céus árticos próximos ao Alasca e ao mar do Norte. As duas versões do Tu-95MS em serviço, Tu-95MS-6 e Tu-95MS-16, podem transportar, respectivamente, seis e 16 mísseis de cruzeiro Kh-55SM. Os Tu-95MS-6, dotados do sistema de lançamento Sprut, foram todos fabricados depois de 1986, sendo, portanto, ao contrário da opinião comum, aeronaves relativamente novas. Estes estão armados com um lançador de mísseis rotativo interno MKU-6-5 semelhante ao tambor de um revólver, o que permite melhor e mais rápida operação durante o lançamento de mísseis. Já os Tu-95MS-16, fabricados a partir de 1982, estão equipados com o sistema de lançamento Osina. Além do lançador rotativo interno, estes últimos podem levar mais dez mísseis de cruzeiro sob as asas, o que, entretanto, diminui significativamente o alcance da aeronave. Os russos operam atualmente 32 exemplares de cada variante do Tu-95MS. É importante citar que ambas as variantes em serviço do Tu-95MS podem portar os já descritos Kh-15. Entretanto, sua arma principal são os mísseis de cruzeiro de carga nuclear Kh-55SM, com alcance de até 3.500 km e capacidade para portar uma ogiva de 200kt. O equipamento de orientação destes mísseis utiliza um sistema de correção de posicionamento que permite a comparação de imagens obtidas do alvo com anteriores armazenadas na memória do seu computador, assim como um acompanhador de terreno, que permite que o míssil siga trajetória de vôo muito baixo. Desta forma, não só a detecção do míssil por parte da defesa inimiga como também a destruição deste antes que o mesmo atinja o alvo é dificultada. Já está em andamento um programa de modernização que converterá os Tu-95MS-6 ao padrão Tu-95MSM, capazes de disparar os novos mísseis de cruzeiro de carga convencional Kh-555 e Kh-101 e o novo míssil de cruzeiro de carga nuclear Kh-102. Já os 32 Tu-95MS-16 deverão ser aposentados até 2015. O Kh-555 é a versão convencional dos já descritos Kh-55SM que, com alcance similar, são capazes de atingir alvos com grande precisão. Já os mísseis Kh-101 possuem um alcance que, segundo fontes russas, pode chegar a 5.500 km e são armados com ogiva convencional. Tal míssil difere dos demais de sua classe por ser construído com materiais que absorvem ondas de radar, não permitindo ou dificultando muito sua detecção. Os mísseis Kh-102 são a versão nuclear dos Kh-101, possuindo características de composição e alcance similares. Os novos Tu-95MSM, equipados com o sistema de lançamento de mísseis Sigma, devem estar totalmente operacionais até a próxima década, devendo continuar a ser, desta forma, uma visão comum nos céus árticos. Já os inigualáveis Tu-160, assim como o Tu-22M3, são dotados de asas de geometria variável, possuindo capacidade de executar com eficiência e eficácia vôos em baixa altitude a velocidade transônica ou em elevada altitude a velocidade supersônica, neste último caso, podendo superar os 2.200 km/h. Com um alcance de 17.600 km, os Tu-160 foram desenhados para penetração profunda armados com armas nucleares em teatros de guerra continental. Portam, para tanto, cada um dos 14 exemplares operacionais, 12 mísseis Kh-55SM ou 24 mísseis Kh-15. Todos os exemplares em serviço, assim como os novos modelos de fábrica, estão sendo modernizados e equipados com moderna aviônica digital e modernos sensores de ataque e defesa, o que os tornará aptos a portar e disparar, cada um, 12 mísseis Kh-555, Kh-101 ou Kh-102. É fundamental lembrar que, ao contrário dos Tu-95MS, os Tu-160 podem portar tanto bombas de queda livre quanto bombas inteligentes. Militares russos afirmaram em 2006 que aeronaves Tu-160 sobrevoaram o espaço aéreo dos Estados Unidos, no Alasca, sem serem detectados pelas forças de defesa aérea daquele país, o que leva a crer que os Tu-160 podem ter incorporado certa tecnologia de redução de assinatura de radar e assinatura infra-vermelha. Os russos estão, atualmente, incorporando uma média de uma nova aeronave Tu-160 a cada três anos com o objetivo de possuir em serviço ativo não menos que 21 exemplares. Embora em termos de desempenho muitos o comparem ao já citado bombardeiro americano B-1B, o Tu-160 possui alcance muito superior, assim como maior velocidade e capacidade de carga, que, no caso da aeronave russa, chega a 40 toneladas de armamentos. Sendo assim, em termos de capacidade de carga, o russo é comparável apenas ao bombardeiro americano Boeing B-52H. Desta forma, os Tu-160 deverão garantir a dissuasão tanto convencional quanto nuclear de Moscou por pelo menos até meados deste século. No total, o 37º Exército Aéreo dispõe de 856 mísseis de cruzeiro Kh-55SM armados com armas nucleares, a serem transportados por um total de 63 bombardeiros Tu-95MS e 14 Tu-160. É fundamental citar que em 2009 os russos planejam conduzir profunda modernização em todos os seus bombardeiros em serviço ativo, o que não apenas os dotará de novos e mais modernos e capazes sistemas de bordo e de defesa, mas também permitirá a ampliação de seus respectivos alcances. A aviação estratégica da Força Aérea da Rússia tem a sua disposição, ainda, 20 aeronaves de reabastecimento aéreo Il-78 que servem à Força Aérea. Desta forma, é possível que os Tu-95 e Tu-160 possuam, teoricamente, a capacidade de atacar qualquer ponto no globo. As aeronaves Il-78, ao contrário das suas contrapartes ocidentais, podem reabastecer até três caças ao mesmo tempo, ou um bombardeiro. Com capacidade para armazenar e transferir mais de cem toneladas de combustível, tais plataformas são uma das mais confiáveis, capazes e versáteis aeronaves de reabastecimento em serviço no mundo, podendo, inclusive, atuar em missões de reabastecimento de helicópteros. Entretanto, deve ser apontado que a quantidade de aeronaves em serviço na VVS ainda é pequena e que um eventual incremento no inventário de tal tipo certamente seria de grande valia para a Força, mesmo que a quantidade atual não represente limitação às capacidades desta.
O arsenal nuclear da Federação Russa, ao contrário da opinião comum, está assegurado por um eficiente e eficaz sistema conhecido como Conexão de Ação Permissiva (Permissive Action Link, PAL, em inglês). Este garante que os dispositivos nucleares não sejam detonados sem uma autorização a ser concedida apenas pelas autoridades competentes do alto escalão. Computadores equipados com modernos e seguros sistemas de comunicação estão instalados em três maletas, distribuídas unitariamente entre o Presidente da Federação Russa, o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. No caso de um ataque de decaptação, no qual autoridades do alto escalão seriam mortas por um primeiro ataque inimigo, outro detentor do sistema poderia autorizar um contra-ataque. Atualmente, estas maletas, conhecidas na Rússia como "Chegets", estão equipadas com um sistema de comando denominado Signal-M, que inclui o sistema de comunicação Kazbek. O sistema de comando Signal-M permite não apenas o envio das ordens e autorizações de ataque, mas também o recebimento de relatórios e o monitoramento individual de todos os mísseis operacionais, assim como a possibilidade de modificar prévios planos de ataque e adequá-los a qualquer eventualidade, além de re-definir os alvos. Desta forma, as autoridades políticas e militares do país possuem total controle e o comando sobre arsenal nuclear russo. Em 2008 foi anunciado pelo comandante das Forças Estratégicas Nikolai Solovtsov que os russos estão planejando a substituição do supracitado sistema Signal-M por um novo, mais moderno e capaz. Entretanto, informações adicionais não foram divulgadas. Existem relatos de que, caso haja falha nas comunicações durante a necessidade do envio das ordens de ataque, os russos poderiam fazer uso de um sistema denominado Perimetr-RT, que empregaria mísseis Topol já retirados do serviço ativo. Estes estariam modificados para, após o lançamento, sobrevoar as áreas onde estariam instalados os mísseis intercontinentais baseados em terra da Federação e transmitir, via rádio, as ordens de disparo. É também permitido o disparo de armas nucleares no caso de confirmação, por parte das Forças Estratégicas, de detonações nucleares no território russo - a ser feita por sensores sísmicos e radiológicos -, além da necessidade de confirmação da perda de contato com o comando central. Em tempos de crise, as autoridades russas poderiam se valer de uma grande e moderna instalação construída sob os Montes Urais, na montanha Kosvinsky, que garantiria sua sobrevivência em caso de ataque nuclear direto, mesmo que o vetor deste fosse uma ogiva penetrante.
A dissuasão estratégica da Rússia não repousa exclusivamente em seus dispositivos ofensivos. A defesa aeroespacial russa representa uma de suas mais efetivas ferramentas de dissuasão, já que esta é responsável não somente pela detecção antecipada de um ataque em andamento mas também pelos meios de neutralização deste. Neste ínterim, tal defesa é a responsável pela detecção e neutralização de mísseis táticos e estratégicos inimigos, bem como de aeronaves que porventura portem armas nucleares. Para a detecção dos citados mísseis os russos operam uma rede de radares baseados em terra, que são complementados por satélites em órbita do planeta. Os russos operam atualmente nove estações de radares de detecção de mísseis, das quais seis estão no território da Rússia, uma no território de Belarus, uma no do Azerbaijão e uma no do Cazaquistão. Desta forma, não apenas todo o território da Federação Russa é monitorado durante 24 horas por dia pelos citados radares. Também o é toda região do Ártico, o que inclui o extremo norte do Canadá e toda a Groenlândia, o mar do Japão, a Península Coreana, grande parte da China continental (com exceção do sudeste chinês), todo o subcontinente indiano, parte do golfo de Bengala, o mar da Arábia, todo o Oriente Médio, o chifre da África e todo o mar vermelho, boa parte do deserto do Saara, toda a Europa e grande parte do Atlântico Norte. Tais estações podem emitir, então, o alerta antecipado de ataque que permite que um contragolpe nuclear seja efetuado com eficiência e eficácia contra qualquer agressor. Os satélites de detecção de mísseis são de dois modelos, a saber, US-KS e US-KMO. Os satélites US-KS estão posicionados em órbitas inclinadas conhecidas como Molniya, que, no hemisfério sul terrestre, aproxima-se bastante da Terra e no hemisfério norte afasta-se muito do planeta. Assim, os satélites US-KS podem observar os lançamentos de mísseis contra o fundo negro do espaço e detectá-los pouco depois do lançamento, quando os mísseis saem da atmosfera. Desta forma, as chances de um alarme falso são bastante reduzidas. A desvantagem é que devido à inclinação da órbita, apenas uma área relativamente pequena pode ser monitorada, e durante apenas seis horas por dia por cada satélite. Os russos posicionaram seus satélites US-KS de forma que estes possam observar os silos de MBI americanos LGM-30G, os únicos baseados em terra em serviço nos EUA, e oferecer um alerta de ataque antecipado mais eficiente do que o dos radares baseados em terra. Entretanto, como apenas três satélites encontram-se operacionais, a vigilância ocorre durante apenas 18 horas por dia, havendo uma janela de ataque de seis horas. Para compensar tal deficiência, os russos desenvolveram o sistema US-KMO, que é capaz de detectar lançamentos se observados contra a própria atmosfera terrestre, o que garante não só maior área de cobertura como também monitoramento contínuo. Os dois satélites operacionais estão posicionados de forma a serem capazes de observar todo o Atlântico Norte ocidental, o centro e o norte da África, toda a Europa, toda a Ásia e a porção oriental do Pacífico Norte. É possível concluir que os componentes do sistema US-KMO estão atuando como complemento aos radares baseados em terra, possibilitando a detecção de mísseis em direção ao território da Rússia com maior antecedência, em especial aqueles lançados de submarinos, já que as principais regiões de patrulha dos submarinos nucleares porta-mísseis balísticos das marinhas britânica, francesa, americana e chinesa estão na área de monitoramento dos satélites. É esperado já para 2009 o início dos testes dos satélites do novo sistema de detecção espacial de mísseis EKS, que substituirá os existentes. Informações adicionais detalhadas sobre este não foram divulgadas. As informações obtidas tanto da rede de satélites quanto da de radares são transmitidas em tempo real ao comando de defesa aeroespacial da Rússia. A última linha de defesa ante a aniquilação nuclear de Moscou é o sistema antimísseis A-135, o único totalmente operacional no mundo com capacidade de abater mísseis balísticos intercontinentais. O sistema, composto de 100 contra-mísseis e um radar piramidal, está instalado nas cercanias da capital russa e é operado pelo 3º Exército de defesa espacial. O radar do sistema, denominado Don-2NP, com alcance de 6.000 km, está integrado aos demais radares em terra e é responsável por controlar os contramísseis e guiá-los durante uma interceptação. Dos contramísseis citados, 68 são do modelo 53T6, de curto alcance, e 32 são do modelo 51T6, de longo alcance. Desta maneira, os russos montaram um sistema de duas linhas de defesa, sendo a primeira linha responsável pela neutralização de ameaças fora da atmosfera e a segunda dentro da atmosfera. Assim, se os mísseis inimigos ou as ogivas destes passarem pelos mísseis de longo alcance, os mísseis 53T6 ainda podem interceptá-los. Os contramísseis 53T6 possuem um alcance de 80 km e portam ogiva convencional. São armazenados em silos - o que permitiria que sobrevivessem a uma tentativa inimiga de neutralizá-los ? e possuem aceleradores que os permitem atingir velocidades hipersônicas em poucos segundos, podendo atingir as rápidas ogivas inimigas dentro da atmosfera. Os mísseis 53T6 possuem um histórico de testes bem sucedidos, sendo o último destes em 2007, o que leva a crer que conseguiriam limitar os danos de um eventual ataque a Moscou. Estimativas ocidentais apontam que a quantidade total de contramísseis 53T6 fabricada pode chegar a 3.000, estando o adicional em estoque. Já os contramísseis de longo alcance 51T6 possuem um alcance de 350 km e são mais lentos que os 53T6, já que foram desenhados para interceptação exoatmosférica, havendo mais tempo para a reação. Estes também são armazenados em silos e possuem ogivas convencionais. É fundamental citar que ambos os contramísseis estão preparados para atuar em ambiente de guerra nuclear, já que este parece ser o mais provável quando da sua utilização em períodos de conflito. A quantidade total de contramísseis em serviço no sistema A-135 é limitada a cem devido a tratados assinados entre os EUA e a então URSS. Entretanto, uma quantidade adicional de doze contramísseis 53T6 está posicionada próxima ao radar Don-2NP para defendê-lo na eventualidade de um ataque direto. Embora a maioria dos especialistas ocidentais subestime as capacidades do supracitado sistema, é provável que as capacidades deste conservem-se fenomenais, já que os russos estão inclusive modernizando seus componentes eletrônicos, o que o tornaria mais capaz. De fato, com apenas cem contramísseis, não seria possível salvar Moscou na eventualidade de um confronto nuclear total com os EUA, mas na eventualidade de um ataque nuclear chinês, francês ou britânico, seria perfeitamente plausível assumir a possibilidade de que Moscou não seja destruída. Uma projeção americana feita em 1989 assumia que para neutralizar o sistema A-135 seriam necessárias no mínimo 210 ogivas nucleares com potência unitária de 335 kt, o que representa, em números atuais, aproximadamente 15 % da força de MBI baseados em terra dos Estados Unidos. A cidade de Moscou é imune aos ataques nucleares chineses, já que a República Popular da China dispõe de não mais que 50 ogivas capazes de atingir Moscou. Nem franceses nem britânicos possuem a quantidade de ogivas necessárias para neutralizar totalmente o sistema A-135 e, no caso destes três países, existem chances de que os contramísseis 53T6 e 51T6, em conjunto com os mísseis S-400 e S-300PMU2, a serem descritos mais adiante, consigam frustrar totalmente um ataque em massa. Militares russos afirmam que o sistema A-135 é capaz de proteger uma área de centenas, se não milhares de quilômetros ao redor da capital russa, o que incluiria as principais zonas econômicas e industriais do país, além de bases de mísseis intercontinentais próximas.
O 3º Exército de defesa espacial da Federação Russa também opera uma divisão de vigilância espacial para monitorar objetos na órbita do planeta. Para tal função, os russos utilizam, além dos radares de detecção de mísseis já descritos, o sistema de radar Krona, instalado no norte do Cáucaso, e o sistema de vigilância ótica Okno, instalado em Nurek, no Tadjiquistão. O primeiro utiliza um poderoso radar para detectar e determinar parâmetros e características de objetos espaciais em órbita, o que permite à Rússia monitorar satélites estrangeiros. Desenhado para atuar na detecção de alvos para mísseis antisatélite, o sistema Krona garante a contínua observação de objetos espaciais próximos ao território da Federação. Já o sistema de vigilância ótica Okno constitui-se de uma estação de monitoramento totalmente automatizada que é capaz de rastrear objetos de até dez centímetros em órbitas a até 40.000 km de distância do Planeta. Assim sendo, é possível afirmar com precisão que os russos possuem a capacidade de rastrear todo e qualquer satélite, além de veículos espaciais estrangeiros e sondas, que estejam na órbita da Terra em qualquer tempo e a qualquer hora.
A defesa antiaérea estratégica russa está basicamente a cargo de dois tipos de mísseis: os S-300PMU2 e os S-400. Os mísseis antiaéreos/antimísseis S-300PMU2 Favorit, com alcance de até 200 km, possuem capacidade de abater não somente aeronaves, incluindo as não-tripuladas, e mísseis de cruzeiro, mas também aeronaves stealth, munições de precisão e mísseis balísticos com alcance de até 3.500 km. Estes formidáveis mísseis e sua variante naval, S-300FM, são capazes de neutralizar ameaças dos citados tipos, sejam de modelos atuais ou futuros, inclusive em ambiente de severa interferência eletrônica e a qualquer altitude. Entretanto, especialistas russos afirmam que tais mísseis poderiam neutralizar também ogivas de mísseis de alcance maior quando estas entrarem na atmosfera, sendo considerados, junto com os mísseis antiaéreos/antimísseis S-400, os mais avançados e capazes no mundo. Instalados em plataformas móveis em grupos de quatro, os S-300PMU2 são capazes de lidar com as mais poderosas ameaças aéreas deste século. Como os mísseis são lançados na posição vertical por meio de um sistema de gases ejetores, é possível uma cobertura de 360° a partir da plataforma lançadora. Tais mísseis estão desdobrados próximos às principais cidades, pólos industriais e econômicos e bases militares russas. É de digno de nota o fato de que o espaço aéreo de Moscou, protegido por inúmeras baterias de mísseis S-300PMU2 e algumas baterias de mísseis S-400, é considerado o mais bem defendido do planeta, assim como o restante do espaço aéreo da Rússia. Se considerada a defesa apenas pelos citados mísseis, um ataque com menos de 400 aeronaves e/ou mísseis de cruzeiro contra Moscou seria neutralizado pelos defensores russos. Os S-300PMU2 possuem uma taxa de acerto de 98 % contra mísseis e de 93 % contra aeronaves. Trata-se de um armamento em estado-de-arte. Os mísseis S-400, uma versão muito aperfeiçoada dos S-300PMU2, possuem um alcance de 400 km e devem substituir estes últimos na próxima década. Existem informações de que ao menos duas baterias de mísseis S-400 já estão operacionais nas proximidades de Moscou. As principais melhorias incluem capacidade de resistir a contramedidas eletrônicas mais intensas e também capacidade de engajar mais alvos, além de atuar melhor contra alvos stealth. O sistema S-400 inclui três mísseis que atuam em três linhas de interceptação de aeronaves: mísseis do sistema S-300PMU2 melhorados, com alcance semelhante, mísseis de alcance inferior, podendo engajar alvos a até 120 km de distância, e os mísseis 40N6, com alcance de 400 km. Desta forma, é possível uma defesa completa, precisa, eficaz e eficiente contra as mais letais ameaças deste século. É fundamental citar que os radares dos supracitados sistemas são capazes de detectar aeronaves e mísseis de cruzeiro dotados de tecnologia stealth. Além dos radares de defesa aérea instalados na Rússia, que fornecem dados não apenas para os mísseis antiaéreos mas também para os caças MiG-29, MiG-31 e Su-27, o Comando de Defesa Aérea russo conta com informações enviadas pelos radares instalados nos países membros da Comunidade dos Estados Independentes (CEI). Desta forma, toda periferia da Federação Russa é continuamente monitorada, permitindo um alerta antecipado das ameaças aéreas antes que estas cheguem ao território russo.
O programa espacial russo, herdeiro do conduzido na Era Soviética, é atualmente um dos mais avançados do mundo, sendo comparado apenas ao mantido pelos Estados Unidos. Devido à recuperação dos níveis adequados de investimento no setor, a presente década viu ressurgir a indústria espacial russa. Os russos mantém atualmente o único sistema não-americano de navegação por satélite operacional no mundo, o GLONASS, utilizado tanto para fins civis quanto militares. Embora ainda incompleto, o que não permite o envio de dados a todo o planeta, o sistema é capaz de oferecer informações para uma navegação precisa em mais da metade do globo. Atualmente contando com 19 satélites, o sistema necessita de no mínimo 18 satélites para cobrir todo o território russo e de no mínimo 24 para enviar dados para todo o planeta. Entretanto, já estão programados para 2009 o lançamento de dois grupos de três satélites do sistema, elevando o total destes para 25, o que permitirá cobertura global. Como o sistema é capaz de indicar localizações exatas com margem de erro mínima, é de grande utilidade tanto para fins civis quanto militares. Seus análogos em desenvolvimento na União Européia e China, respectivamente Galileo e BeiDou, ainda estão na fase inicial de desenvolvimento e esta tem sofrido consideráveis atrasos em ambos os casos. Os russos possuem ainda os únicos meios confiáveis de envio de tripulantes e cargas à Estação Espacial Internacional (EEI), respectivamente as naves Soyuz e Progress-M1. As Soyuz serão substituídas na próxima década por uma espécie de ônibus espacial, o Kliper. Este não apenas poderá levar até seis tripulantes à Estação, mas também estará apto a conduzir missões em direção a outros planetas. Os russos também estão planejando lançar em outubro de 2009 sua primeira missão interplanetária em mais de dez anos, a Phobos-Grunt, que estudará o planeta Marte e uma de suas luas, Phobos. Em tal missão, os russos planejam aterrissar uma sonda na citada lua, coletar amostras de solo e retorná-las à Terra. Juntamente com esta, os russos já reiniciaram o programa Venera, originado na Era Soviética, que objetiva a exploração do planeta Vênus. Neste ínterim, é planejado o envio de uma sonda e de um veículo de aterrissagem ao planeta em 2013. Observando-se os progressos obtidos nesta década, é possível concluir que o programa espacial russo consolidará sua posição como um dos mais avançados do mundo, ao lado do seu análogo americano.
O conflito originado em agosto de 2008 pela invasão georgiana ao território da região separatista da Ossétia do Sul deflagrou a primeira ação militar russa no exterior desde a intervenção no Afeganistão na década de 1980. Demonstrando rapidez de ação, a Força Aérea da Rússia foi capaz de reagir à agressão em poucas horas e o Exército russo entrou no território da Ossétia do Sul menos de três horas depois do início da agressão georgiana. Entretanto, a despeito dos fatos da guerra, amplamente noticiados pela mídia dos dois lados, os russos acabaram por cometer alguns erros de estratégia que se fazem dignos de nota. Primeiramente, mesmo dispondo de modernos mísseis anti-radar que permitiriam a destruição das estações de radar georgianas a partir do território russo, a VVS não os utilizou, expondo suas aeronaves ao fogo inimigo, o que resultou na perda de quatro aparelhos. Os russos também parecem ter hesitado em reagir com a força adequada, já que a intensidade dos bombardeios pela realizados Força Aérea e o espaçamento entre estes concedeu espaço para certa recuperação georgiana. Além disto, os alvos primários da VVS foram aqueles de caráter ofensivo e não defensivo, ou seja, ao invés de primeiro destruir as defesas aéreas da Geórgia, os russos simplesmente atacaram diretamente as bases aéreas e instalações militares daquele país. As forças de helicópteros da Rússia também tiveram limitada participação no conflito, em especial aquelas de helicópteros de ataque, o que pode ter concedido uma sobrevida aos blindados georgianos. Entretanto, a atuação da Marinha russa foi notável. Além de impor bloqueio naval e aéreo à região litorânea da Geórgia, esta enviou forças da Infantaria Naval para atuar no caso de ser necessário um desembarque anfíbio. A despeito dos erros cometidos, a atuação russa foi digna de orgulho para as Forças Armadas, já que se tratava de um país que até pouco tempo muitos julgavam fraco e cujas citadas forças encontravam-se a beira do colapso.
A Federação Russa, embora não mais detenha o título de superpotência, é atualmente o único país do mundo, além dos Estados Unidos, com capacidades plenas de projeção global. É também o único Estado capaz de contrabalaçar a influência dos EUA no planeta. A recuperação econômica e social do país garante que este possa não apenas atravessar momentos de crise com mais segurança, mas também continuar os progressos iniciados nesta década. Sua aproximação com o Ocidente deve se basear em uma relação de respeito mútuo, para que assim uma parceria verdadeira e de longo prazo possa se consolidar. O urso, agora que despertou, deve agir de forma a assegurar que sua posição no globo seja não apenas considerada, mas também respeitada. A Estrela Vermelha, símbolo do poder russo, agora que reascendeu à arena global, voltará a reluzir e impor respeito perante todos.