O desejo que transita na tríade professor-aluno-saber: um olhar psicanalítico

Eugenia Correia
Mara Nieckel da Costa

RESUMO
O presente artigo revela um estudo da relação professor-aluno, realizado numa escola da rede estadual de Porto Alegre.Os objetos de estudo foram os fenômenos psíquicos que permeiam a relação professor-aluno em sua diversidade e complexidade na fase inicial da vida escolar. Os sujeitos são alunos de seis anos e suas respectivas professoras. Com enfoque psicanalítco, procurou-se aprofundar teorias pertinentes ao desenvolvimento infantil. Também houve a necessidade de abordar os fenômenos da transferência e sublimação através de autores clássicos como Freud, Lacan e atuais como Kumpfer, Lajionquière. Os instrumentos que serviram à investigação qualitativa foram o desenho do par educativo e entrevista com o professor. Os resultados evidenciam que no ato de aprender e de ensinar estão implicados fenômenos relacionais podem ser facilitadores ou empecilhos para a aprendizagem.

Palavras-chave: relação professor-aluno, desejo, saber.

INTRODUÇÃO
A escola é um espaço que comporta uma multiplicidade de pessoas e fatores que embora divergentes e contraditórios, tem como objetivo colocar o sujeito frente sua cultura, seu meio social e ambiente em que pode ou não operar mudanças. Paín (1994) atribui à escola quatro funções interdependentes:
1) Função mantenedora: a educação garante a continuidade da espécie.
2) Função socializadora: sujeição das normas que o transforma em sujeito social.
3) Função repressora: impossibilita a mobilidade social, onde o sujeito aceita sua
condição, imposta pelas regras e normas dos aparelhos ideológicos que o sustentam.
4) Função transformadora: quando a educação produz contradições e instabilidades que promovem expressões revolucionárias.
Diante das funções atribuídas à educação, pode-se dizer que o ambiente escolar é um espaço onde se confrontam: o individual/coletivo, real/simbólico, norma/liberdade, sujeitos/subjetividades e identificações/modelos.
Ante a complexidade que a escola abriga os atores principais desse cenário são: professor-aluno. O professor, que, com suas vivências anteriores, subscreve em seus alunos seus próprios desejos, como também suas dificuldades. O aluno por sua vez, estabelece uma relação identificatória com a autoridade, já introjetada pela simbolização da figura paterna.
A figura do professor serve de modelo identificatório para o aluno, pois é através dessa identificação que ocorre não somente com a personificação do professor, mas pelo que ele representa: o saber. O professor e o saber fundem-se num só objeto, daí se constitui o desejo do aluno de apropriar-se do saber para ser ele mesmo o objeto de desejo do professor.
O presente estudo propõe-se à investigação da relação professor-aluno no ingresso à Escola. Como este início da escolaridade formal ocorre logo após a dissolução da conflitiva edípica, fase estruturante do indivíduo, é a latência o período propício e mais sólido para estabelecer relações transferenciais, logo, não é por acaso que se inicia o período da escolaridade.
A subjetividade dessa relação professor-aluno-saber se evidencia no aspecto transferencial em que o aluno se submete a Lei e reconhece em si uma falta. Por outro lado, em muitos casos há também, o professor que reconhece uma falta em si e a transfere, para o aluno, essa carência. Dependendo como o professor vivenciou suas experiências, pode ou não haver espaço para que o desejo do aluno circule livremente. Freud (1912/1995) ao ligar a atividade educativa à capacidade sublimatória, alerta para o risco de os educadores quererem modificar os alunos à sua imagem, tomando para si a função de modelo. Assim fica explícito que o professor corre o risco de moldar o aluno conforme seu desejo
Segundo Moraes e Oliveira (2005), a educação se dá através do afeto, todo vínculo educativo envolve aspectos afetivos como ingredientes essenciais. Pode-se inferir que a relação professor-aluno está permeada pelo desejo desses dois atores do processo ensino-aprendizagem.
O professor se inscreve no aluno como figura representativa das figuras parentais, aos quais se coloca como objeto de desejo e Ideal de Ego (pais e professor), determinantes para que se envolvam e sejam envolvidos pela dinâmica da aprendizagem.
Devido ao processo de canalização das pulsões primárias, e a dissolução da conflitiva edípica, o sujeito é capaz de sublimar seus impulsos (pré genitais), direcionando seu desejo a objetos carregados de afeto. A sublimação então atinge seu objetivo através da aprendizagem, personificada na figura do professor que se constitui nesse objeto de amor.
Sobre o deslocamento do alvo da pulsão sexual, Laplanche & Pontalis escrevem:

A pulsão sexual põe à disposição do trabalho cultural quantidades de força extraordinariamente grandes, e isto graças à particularidade, especialmente acentuada nela, de poder deslocar o seu alvo sem perder, quanto ao essencial, a sua intensidade. Chama-se a esta capacidade de trocar o alvo sexual originário por outro alvo, que já não é sexual, mas que psiquicamente se aparenta com ele, capacidade de sublimação. (Laplanche & Pontalis, 1996, p. 637).

O professor reconhecendo que representa para o aluno, figura identificatória, principalmente nos primeiros anos da vida escolar, deve então estar vigilante, às suas palavras, suas práticas a fim de não submeter o aluno em alvo de seu próprio gozo, pois se constitui numa atitude perversa que impossibilita a autonomia (enquanto sujeito social) e sublimação dos impulsos (enquanto sujeito psíquico).
Os fenômenos identificados nas relações educacionais são o norte do estudo que deram origem ao presente artigo. Buscou-se identificar as manifestações transferenciais na relação professor-aluno e suas implicações na aprendizagem, por meio de um estudo de autores que representam esse cenário, que faz parte da vida de todas as pessoas: a escola. Para que os resultados da pesquisa possam ser discutidos, serão apresentados previamente os conceitos essenciais para a compreensão dos dados.
Optou-se por uma metodologia qualitativa, servindo-se de dois instrumentos: entrevista semi-dirigida com a professora e o desenho do par educativo pelos alunos. Com estes instrumentos de pesquisa, viu-se a possibilidade de investigar a relação professor ? aluno, que tem seu início na latência.
O primeiro instrumento, a entrevista com o professor buscou desvendar as expectativas que esse tem dos alunos e se as expectativas estão associadas a sua história de vida. Procurou-se também abordar, se as atividades desenvolvidas pelos alunos, estão favorecem a simbolização e a sublimação. Já o desenho do par educativo, um teste projetivo, serviu para entender como o aluno vê o professor em seu papel de ensinante e que representações estariam associadas a essa figura. Constitui-se de um instrumento muito utilizado pela Psicopedagogia.
O presente estudo tem aporte teórico psicanalítico, embasado nos clássicos Freud e Lacan, e autores mais atuais, Lajunquière e Kupfer, dentre outros autores, que balizaram o referente tema. Inicialmente, procurou-se reportar sobre algumas fases do desenvolvimento psicossexual, conceitos de pulsão, sublimação, transferência, e Ideal de Ego, fazendo-se uso da metáfora de Pigmaleão para ilustrar o texto e para que este se torne prazeroso para a leitura.
No decorrer do relato da pesquisa, espera-se que o leitor identifique a importância que a relação professor-aluno teve para sua própria vida. Afinal... Quem não lembra de uma professora com um doce saudosismo?

A transferência

As primeiras relações objetais são determinantes para as posteriores relações, que se estabelecem em todas as fases da vida. A transferência, para Freud (1901/1995), é a reedição dos impulsos e fantasias despertadas, em que, substitui-se uma figura anterior para outra pessoa. Isto se torna uma constância nas diferentes relações estabelecidas no percurso da vida, e também na relação professor?aluno. O professor, é portanto, alvo das transferências do aluno, o que permite que se estabeleça uma nova relação para a criança, que ingressa na escola e dirige todo o seu afeto para essa nova figura. Na relação transferencial professor-aluno as figuras importantes da vida da criança e do professor são novamente são referenciadas. Freud (1914/1995), afirma que a criança aprende com seu professor, pela representação que sua figura é inscrita no sujeito. Em suas palavras: "[...] é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres" (p. 286). A transferência designa a reedição das vivências infantis, as quais repetimos nas relações posteriores. Porém é importante dizer que professor também teve uma vida infantil e assim repete suas vivências ulteriores.
Entretanto, para Kupfer (1995), a transferência se dá quando o desejo de saber do aluno aferra-se à figura do professor. O desejo inconsciente busca ?formas? para esvaziá-las e coloca aí um sentido que lhe interessa. Transferir é atribuir um sentido especial àquela figura a quem se endereça o desejo. A figura de posse desse desejo, no caso o professor, atribui-se particular importância, e é dessa importância que emana o poder. A palavra professor faz parte do inconsciente do aluno, é escutada com especial posição que ocupa no inconsciente do sujeito. Isso explica porque de alguma forma, alguns professores marcam o nosso percurso intelectual.
Embora a intencionalidade do professor seja positiva, outros aspectos influenciam no processo da aprendizagem. A análise dos resultados desvenda relações complexas que nem sempre representam aspectos positivos da figura do professor como facilitador, do vínculo, da sublimação das pulsões e do livre trânsito do desejo. Mesmo assim, ainda é o professor ator principal dessa relação. Assim fica explícito que para haver aprendizagem, o professor, é ator importante, o que exige capacidade empática de criar vínculos afetivos com os alunos e que o seu investimento não seja narcísico, isto é, que não projete no aluno a falta que reconhece em si. O Ego Ideal é herdeiro do narcisismo original, enquanto que o Ideal de Ego resulta dos ideais do próprio Ego Ideal da criança, altamente idealizado e projetado pelas figuras parentais. Estes ideais, por sua vez, se somam aos originais mandamentos provindos do Ego Ideal de cada um dos pais. Dessa forma, o sujeito fica submetido às aspirações dos pais como também do professor. O investimento narcísico, por parte do professor, cessa o desejo e o aluno, torna-se objeto de gozo para o Outro e não um sujeito capaz de evoluir de forma independente e criativa. A vontade de moldar o aluno segundo as necessidades do professor é uma relação perversa, continuidade de uma exigência não do aluno e sim um assinalamento do narcisismo ferido do professor. Segundo Cechinato (2007, p. 80): "toda identidade ao gozo fixo ou ao hábito tolhe o processo de sublimação, pois o desejo fica bloqueado, a criatividade segue comprometida, sem futuro, a ponto de apenas a repetição ter vez".
Portanto, seria importante que os professores conhecessem o conceito de transferência, para melhor entender a sua relação com o aluno. Pois ele pode ser um suporte dos investimentos de seu aluno, porque é objeto de uma transferência. Por isso, privilegiar a singularidade do aluno e reconhecer as diferentes relações que se estabelece com cada um, são sinalizações importantes tanto para o auto-conhecimento ou resoluções conflitivas que possam ocorrer na relação professor-aluno.

O destino das pulsões

Para que se aprofundem alguns aspectos que permitam uma análise da relação professor-aluno, considera-se que no desenvolvimento infantil, o destino das pulsões é primordial. Freud (1905/1995), em Três ensaios para uma teoria sexual, descreve as pulsões como os representantes psíquicos de uma fonte endossomática e o que as distingue e as dota de propriedades, são suas fontes somáticas e seus alvos. As pulsões inicialmente são direcionadas para o próprio corpo (fase oral e anal), mas com o desenvolvimento da genitalidade, a pulsão é dirigida não somente para seu corpo, como também para o objeto.
Segundo Kupfer (1995), o controle das pulsões permite que a criança abandone os aspectos perversos da sexualidade infantil, ou seja, as pulsões parciais, que são a pulsão de caráter oral (prazer pela sucção), a pulsão de caráter anal (prazer pela defecação) e escópica (interesse em olhar). Antes do advento da genitalidade, as pulsões parciais são vividas livremente pela criança, anterior ao despertar do interesse pela cópula. A mesma autora escreve que as pulsões parciais possuem um caráter errático e perverso. Dessa característica errática, podemos estabelecer relações entre os estudos de Freud e a Educação. Se a pulsão sexual não possui qualquer das fixações do instinto, se o objeto que satisfaz é indiferente e intercambiável, se o seu objetivo (prazer) pode ser atingido pelas diversas vias, a pulsão sexual é então capaz de enveredar por caminhos socialmente úteis. E é isso que interessa ao educador, procurar outras vias que abrandem, acalmem o corpo e despertem para um interesse que não seja dirigido a fins sexuais. São as pulsões passíveis de serem sublimadas.
A energia que empurra a pulsão continua sendo sexual (libido), enquanto que o objeto é "dessexualizado", pelo movimento errático que a pulsão assume em busca do objeto:
A observação da vida cotidiana das pessoas mostra-nos que a maioria conseguiu orientar uma boa parte das forças resultantes do instinto sexual para sua atividade profissional. O instinto sexual presta-se bem a isso, já que é dotado de uma capacidade de sublimação: isto é, tem a capacidade de substituir seu objetivo imediato por outros desprovidos de caráter sexual e que possam ser mais altamente valorizados. (FREUD, 1910/1995, p. 72).

Kupfer (1995) afirma que todas as produções: artísticas e científicas são impulsionadas pela libido. Embora o objeto visado não seja sexual, adquire um "colorido terno", apesar da antiga ânsia sexual se fazer presente, ainda que de maneira a proporcionar um prazer brando, de maneira que o indivíduo persista na atividade sublimada.
A mesma autora indaga: qual seria o papel do professor em relação ao destino das pulsões? Seria o de identificar a pulsão e ajudar o aluno a dirigir de forma mais proveitosa a energia que move essa pulsão. Por exemplo, a transformação da pulsão escópica em curiosidade intelectual de uma criança. A pulsão de caráter anal pode ser vivenciada pela simbolização do brincar, através dos representantes das próprias fezes: argila, tinta e massa de modelar.
Este estudo, portanto, se reporta ao professor tentando identificar se o mesmo tem presente o sentido das atividades que proporciona. Ou pode-se identificar a resistência do professor em realizar certos trabalhos com as crianças que podem estar estão associados às dificuldades de elaboração de fases da sua própria infância. Entende-se que o professor é também submetido aos apelos do consumismo que ao invés de oferecer argila ao aluno, opta pela massa de modelar, cheirosa e colorida. Os bonecos são cópias de fiéis de humanos, os personagens de história assumem papéis de totalmente maus ou totalmente bons. A criança então está à mercê da escolha e criação do adulto, que muitas vezes, não facilita a simbolização.
O controle das pulsões e seu devido direcionamento fazem despontar aspectos positivos, tais como habilidades artísticas e científicas. Freud (1910/1995) menciona Da Vinci e analisa o que este representou para a humanidade, pela sua inteligência e habilidade. Freud atribuiu sua expressiva produção ao controle excessivo das pulsões. Segundo ele, os afetos de Da Vinci se achavam perfeitamente domados e submetidos ao instinto da investigação, o que caracteriza a ação sublimatória.
A atividade investigativa da criança se inicia por questões práticas, inicialmente para entender a procedência dos bebês e posteriormente para saber sobre a diferenciação sexual. Freud escreve que a investigação sexual infantil denuncia o que ele conceitua de pulsão do saber e investigação:

Ao mesmo em que a vida sexual da criança chega a sua primeira florescência entre os três e os cinco anos, também se inicia nela a atividade que se inscreve na pulsão do saber ou de investigar. Essa pulsão não pode ser computada entre os componentes pulsionais elementares, nem exclusivamente subordinada à sexualidade. Sua atividade corresponde, de um lado, a uma forma sublimada de dominação e, de outro, trabalha com a energia escopofílica. (FREUD, 1905/1995, p. 183).

Segundo Freud (1910-1995), a pulsão pode ter três destinos:
a) A investigação comparte a sorte da sexualidade e é reprimida juntamente com esta última. Desta forma a investigação e o desejo de saber ficam limitados.
b) O desenvolvimento intelectual é suficientemente forte para resistir à repressão sexual que atua sobre ele. A investigação sexual reprimida retorna desde o inconsciente e age sob a forma de obsessão investigativa, disfarçada e limitada, porém, bastante fortes para sexualizar os pensamentos revivendo as experiências primitivas infantis de fracasso na busca do saber.
c) A repressão sexual também atua, mas não transfere para o inconsciente todo o desejo sexual. Uma parte da libido escapa à repressão, sublimando-se em ânsia do saber e estimulando o desejo pela busca do conhecimento. Também aqui a busca é obsessiva e substitui a atividade sexual. O que a diferencia da segunda é a sua constituição: o modo anterior, a pulsão do saber retorna do inconsciente enquanto que nesta a libido é sublimada; podendo a pulsão atuar livremente a serviço do interesse intelectual, atendendo à repressão sexual evitando todos os temas dessa ordem.
Logo, o educador deverá estar atento aos aspectos que dizem respeito às pulsões não reprimidas, esta catexia libidinal será o pressuposto básico para a aprendizagem, transformando em desejo pelo saber. Por outro lado, a castração já elaborada pela criança na idade escolar, facilita maior controle das pulsões, e aprendizagem, entretanto, pode-se pensar que os resquícios das mesmas, se não forem sublimadas através das condições que as práticas pedagógicas podem oferecer, esta terá uma conotação de falta ou privação. As pulsões não reprimidas ou sublimadas podem se tornar um sintoma ou sinal: agressividade ou mesmo, na tentativa excessiva de reprimir toda pulsão, pode-se atribuir uma das causas da inibição da aprendizagem.
A energia escopofílica tem sua origem da cena primária. A vida escolar é então marcada pela apresentação de algo que faz parte de um poder do adulto: as letras, os números... O professor é o representante que vai ajudar a desvendar algo do mundo adulto. Não poderá privar o aluno das verdades, do conhecimento e da construção de novos conceitos. Esse é o poder que emana da posição que o professor ocupa: o saber.
Para Lacan (1949/1998), o Estádio de Espelho é determinante para promover a estruturação do "Eu". Pontua três tempos que estruturam a conquista progressiva da imagem do seu corpo. Inicialmente a criança tem uma noção de corpo esfacelado. Logo a função da dialética do espelho tem por função, neutralizar a dispersão angustiante do corpo, favorecendo sua unidade.
O Estádio de Espelho é vivido pela criança em três etapas primordiais: no primeiro momento a criança vive em confusão entre si e o outro, confirmação comprovada pela relação estereotipada que a criança tem com seus semelhantes. É, sobretudo, no outro, que ela se vivencia e se orienta. O segundo momento constitui o processo identificatório. O outro do espelho não é uma figura real, mas uma imagem. Não há mais preocupação em se apoderar da imagem. Ela sabe de agora em diante, deve distinguir a imagem do outro da realidade do outro. O terceiro momento, dialetiza entre as etapas precedentes, pois a criança está segura que o reflexo do espelho é uma imagem e que é dela. Reconhece-se através dessa imagem, recuperando assim a dispersão do corpo esfacelado em um corpo com uma totalidade e unidade. A imagem do corpo é então estruturante para identidade do sujeito, que através dela realiza assim sua identificação primordial.
Segundo o mesmo autor, o sair da fase identificatória do Estádio do Espelho, se esboça como um sujeito, mas nem por isso, deixa de estar numa relação de indistinção quase fusional com a mãe. Identifica-se com o que supõe ser o objeto de seu desejo. Essa identificação, pela qual o desejo da criança se faz desejo da sua mãe, é amplamente facilitada pelos cuidados que a mesma dispensa à criança e satisfação das suas necessidades. A proximidade dessas trocas coloca a criança em situação de se fazer o objeto que falta à mãe. Esse objeto suposto é o falo, preenchendo a falta do outro. Desta forma, sente o desejo de permanecer assujeitado ao desejo da mãe.
A Conflitiva Edípica, para Lacan (1958/1999), se dá na dialetização, de ser ou não ser o falo, à medida que se dá a castração mediada pelo pai. Mesmo considerada estranha à relação mãe-criança, é a própria identificação fálica da criança nessa relação que a pressupõe. A identificação com o objeto fálico que alude à mediação da castração e a criança oscila na dialética entre o ser e não ser o falo. No segundo momento do Édipo, a mediação paterna tem um papel preponderante na relação mãe-criança-falo, intervindo sob a forma de privação. A importância da presença paterna é pelo que ele interdite, em primeiro lugar, a satisfação do impulso. Em outras palavras, o pai frustra a criança da mãe. O terceiro momento do Édipo, para Lacan, é o processo do jogo das identificações. A criança se inscreverá diferentemente na lógica identificatória mobilizada pelo jogo fálico. Em Dor (1989), encontra-se a seguinte interpretação de Lacan a respeito das identificações do menino e da menina:

O menino, que renuncia a ser o falo materno, engaja-se na dialética do ter, identificando-se com o pai que supostamente tem o falo. A menina pode igualmente subtrair-se à posição de objeto do desejo da mãe e deparar-se com a dialética do ter sob a forma do não ter. Ela encontra, assim, a identificação possível na mãe; pois, como ela, "ela sabe onde está, ela sabe onde deve ir buscá-lo, do lado do pai, junto àquele que o tem".(DOR, 1989, p. 88).

Para Aberastury (1992), o encontro do pai, pela criança, não só significa separar-se da mãe, como também encontrar uma fonte de identificação masculina tanto para a menina, quanto para o menino, a condição bissexual do ser humano exige a existência do pai e mãe, para que se alcance um desenvolvimento harmônico da personalidade. Logo uma boa maternidade e uma boa paternidade garantem a superação de grandes dificuldades inerentes ao desenvolvimento.
O professor pode-se aludir que também cumpre o papel de separação da relação fusional com a mãe. Logo o sentimento que permeia a relação professor - aluno pode ser de ambivalência: ódio por privar a criança da mãe, amor por estabelecer o desejo de ser o falo. A oscilação desse afeto diminui quando o aluno descobre que o saber ou a aprendizagem é artifício para ser objeto de amor do professor. Segundo Laplanche e Pontalis (2001) a ambivalência consiste na "presença simultânea, na relação com um mesmo objeto, de tendências, de atitudes e de sentimentos opostos, fundamentalmente o amor e o ódio". (p. 17). Pode-se inferir que as crianças aprendem depois de estabelecer vínculos afetivos baseados em avaliações positivas e expectativas que o professor investe na criança. O investimento afetivo por parte do professor, cumpre o papel também de figura continente, capaz de estar disponível, principalmente no início da escolaridade, em que estão implicadas muitas mudanças e um certo desamparo, pois a criança é "posta", num espaço desconhecido, com pessoas estranhas até então, esses fatores, podem ser geradores de intensa ansiedade.

A fase de Latência
As crianças que fizeram parte do estudo estão no período de latência (6-12 anos de idade) que tem sua origem na dissolução do Complexo de Édipo. Sobre a latência Freud escreve:
Ainda não se tornou claro, contudo, o que é que ocasiona sua destruição. As análises parecem demonstrar que é a experiência de desapontamentos penosos... Mesmo não ocorrendo nenhum acontecimento especial tal como os que mencionamos como exemplos, a ausência da satisfação esperada, a negação continuada do bebê desejado, devem, ao final, levar o pequeno amante a voltar as costas ao seu anseio sem esperança. Assim, o complexo de Édipo se encaminharia para a destruição por sua falta de sucesso, pelos efeitos de sua impossibilidade interna. Outra visão é a de que o complexo de Édipo deve ruir porque chegou a hora para sua desintegração, tal como os dentes de leite caem quando os permanentes começam a crescer. (FREUD, 1924/1995. p. 218).
Segundo Kaplan & Sadock (2007), mesmo que a latência constitua uma pausa no desenvolvimento da sexualidade, não significa que a criança não tenha nenhum interesse sexual até chegar à puberdade, mas principalmente que se desenvolverá nesse período, uma nova organização da sexualidade. Os sentimentos de pudor e repugnância, identificação com os pais, a intensificação das repressões e o desenvolvimento de sublimações são características do período de latência. Esse período é marcado pelo maior controle dos impulsos.
A energia libidinal é direcionada aos objetos e ao ambiente, em que se estabelece maior capacidade de sublimação e direcionar a energia para descobertas através de brincadeiras e interações sociais intensas.
Os mesmos autores afirmam que se consolidam identificações pós-edípicas, caracterizada pela autonomia e independência.
Observa-se que as crianças nessa idade escolhem suas brincadeiras conforme a identificação de seu gênero. Todo assunto referente à sexualidade é rechaçado resultante da repressão atribuída à elaboração do conflitivo edípico. Para Paín, a latência é um período de trégua dos impulsos:

Sob o amparo desta trégua chamada latência, reassegurado por um superego (speryo) definitivamente incorporado e, portanto, sem risco de ser perdido, e defendido em sua virtude pelo nojo e pelo pudor, a criança de cinco anos sepulta o fauno perverso de sua primeira infância na escuridão da amnésia. O pensamento associativo permite então resolver a pressão dos impulsos ao oferecer às demandas pulsionais vias que levam a satisfação substitutivas, permitindo além disto, interpolar, entre necessiadade e o desejo, o adiamento que supõe o trabalho mental.(PAÍN, 1992, P. 18-19).

Para Aberastury (1992) nesse período, os meninos entretêm-se com brincadeiras de conquista, mistérios e de ação. São comuns os interesses por pistolas, revólveres, espingardas, roupas de super-heróis e fantasias de bandidos. Já as meninas, preferem um brinquedo mais tranqüilo como bonecas, prepara comida, serve o chá, finge relações sociais, entra na aprendizagem das características femininas, com as quais procura identificar-se com sua mãe. A mesma autora escreve que, na escola, a criança por volta dos 6 anos, modifica profundamente seu brinquedo. As letras e os números convertem-se em brinquedos. A curiosidade pelo mundo é a continuidade da sua curiosidade que circundou até então. A aprendizagem proporciona novos jogos de aptidões intelectuais e interações sociais.

O efeito Pigmaleão na relação professor - aluno

A propósito das expectativas que o professor coloca nos alunos Lee-Manoel (2002), relata a pesquisa de dois americanos, Jacobson e Rosenthal, que analisaram o que denominaram de "Efeito Pigmaleão" ou "Efeito Rosenthal" isto é, as profecias que professores fazem e que acabam por se realizar pelas condições que eles próprios criam. A pesquisa consistiu em agrupar os alunos aleatoriamente, (sem prévia avaliação) em turmas que os identificavam como: ?bons, médios e ruins?, sem que os professores soubessem que esta escolha fora aleatória. A pesquisa demonstrou que a expectativa do professor se antecipou ao resultado do empenho dos alunos. As turmas obtiveram um desempenho igual ao que já haviam sido ?rotuladas?. O resultado da pesquisa explicita que o Desejo do professor é um dos fatores determinantes para a aprendizagem, bem como as expectativas e investimentos que faz no aluno. As relações estabelecidas, as expectativas criadas são alguns fatores determinantes para o sucesso ou insucesso dos alunos.
Buscamos na mitologia o que caracteriza o mito. O mito de Pigmaleão, escrito por Ovídeo em "Metamorfoses" analisado por Vieira (1999). Utilizou-se aqui, para abordar o Ideal de Ego do professor e seu investimento narcísico no aluno. O poema relacionado trata do escultor Pigmaleão e a estátua Galetéa. O escultor molda uma estátua e quer dar vida a ela para satisfazer uma falta. O mito pode estar associado a muitas formas e circunstâncias da vida o qual tenta-se ?moldar? (mesmo de forma idealizada) o Outro segundo o próprio Desejo, sem identificar qualquer Desejo no Outro. Estabelece-se então uma relação servil. Um único desejo é circulante, enquanto que nas relações muitos desejos devem transitar: o nosso, do Outro e outros. As expectativas e percepção da realidade se dão conforme se relaciona com as mesmas. É como se realinhássemos a realidade de acordo com as nossas expectativas em relação a ela.
A relação acima descrita nos remete a Freud (1915-1917/1995), escrevendo que o objeto de amor é tratado como o próprio ego do sujeito. No enamoramento, o sujeito passa para o objeto uma parte considerável da libido narcisista e chega, inclusive, a evidenciar-se que o objeto serve para substituir um ideal próprio e não alcançado pelo ego. Freud faz alusão ao deslocamento da libido para o objeto, embora numa relação narcísica.

O professor representante da Lei

Na criança, como no adulto, segundo Lajonquière (2004), a falta do objeto pode se manifestar sob três formas: frustração, privação e castração. A frustração é o âmbito da reivindicação, porém, sem que haja possibilidade de satisfação. A falta é um dano imaginário. Por outro lado, o objeto da frustração é real. O pênis é o protótipo desse objeto. Logo, a criança vive a ausência do pênis na mãe como uma frustração. A privação é a falta do que é real. Esta falta do objeto é como um buraco real. Contudo, o objeto de privação é um objeto simbólico. A castração, a falta que pressupõe é uma falta simbólica, na medida, que remete à interdição do incesto, que é referência simbólica por excelência. A função paterna é operatória, determinante para o acesso ao simbólico. A falta significada pela castração é antes de tudo, uma dívida simbólica. Logo, o pai é apresentado como aquele que priva a criança do objeto real, a mãe, um objeto fálico que a criança supõe rivalizar. O que está em jogo nesta rivalidade imaginária é o deslocamento do objeto fálico que conduz a criança a encontrar a Lei do Pai.
A importância da função paterna é muito sublinhada pela corrente lacaniana, já que opera a castração que lança o sujeito no mundo simbólico a na relação objetal. Essa função passa pela mãe necessariamente, pela aceitação que ela tem da lei imposta pelo pai (tabu do incesto). Esse corte da função do pai não necessariamente virá de uma figura masculina paterna, mas de tudo aquilo que separa o desejo da mãe daquela criança. Este movimento libera a criança como ser desejante ou como sujeito psíquico, considerando que novos arranjos familiares se constituem na contemporaneidade. O trabalho da mãe, o ingresso precoce à creche e escolas, bem como outras configurações sociais que privam a criança da mãe, cumprem o papel do corte simbiótico.
Lajonquière (2004) acrescenta ainda que a própria organização da escola é um contingente de grandes frustrações, contra o que de natural a criança viveu até a sua entrada. Agora é submetida a normas e regras, que têm função de defesa contra a ansiedade, desejando a falência das pulsões, dando oportunidade ao professor de exercer o seu poder. Por outro lado, favorece as questões transferenciais e de identificação da rede de relacionamentos e papéis.
A função simbólica do professor na vida da criança é a linha divisória que permite o entendimento para a criança que existe o outro, Outro e mais outros, um mundo que não pertence somente a ela. Experiencia no cotidiano escolar a submissão às regras inerentes a um grupo, é uma segunda castração que permite a sua aceitação e sentimento de pertença. É o que podemos conferir a um segundo Édipo pelo contingente de nãos, que sustentam a instituição escolar, daí pode-se dizer que emana a Lei do professor, substituindo a Lei do Pai, revivido pela figura identificatória edípica que faz o corte.

Apresentando os atores e metodologia para o estudo

Como ocorrem as manifestações transferenciais na relação professor - aluno e sua implicação na aprendizagem? Como o aluno vê sua professora? Qual o perfil de aluno idealizado pelo professor? Quais as manifestações do Ideal de Ego na situação de ensino-aprendizagem? Como se dá a canalização das pulsões e quais as possíveis formas de sublimação através das atividades escolares? Com a intenção de desvendar a complexidade que envolve a relação professor-aluno que convido acompanhar o presente estudo, caracterizado por uma pesquisa qualitativa e exploratória, a qual Gil confere seu objetivo:
[...] esclarecer e modificar os conceitos e idéias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudo de casos. (GIL, 1999, p. 43).

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos numa escola da rede estadual de Porto Alegre. A amostra constituiu-se de quatro crianças e seus respectivos professores. Os critérios para a escolha dos professores foram: ter iniciado o ano letivo com a criança da amostra, ter perspectiva de finalizar o ano letivo com a turma que faz parte o aluno, enfim, ser a professora titular da turma.
Já os critérios para escolha dos alunos, foram estar na faixa etária entre seis e sete anos, possuir freqüência superior a 80% das aulas, ter os pais como cuidadores, sendo que dentre esses critérios, a escolha foi aleatória: duas crianças do sexo feminino e duas do sexo masculino.
Um dos instrumentos para a pesquisa se constituiu da entrevista semi-dirigida com o professor. Esse instrumento permite ao pesquisador observar desde a postura do entrevistado e também a emoções que expressa. Segundo Goldemberg (2000), ainda possibilita uma maior profundidade e flexibilidade das respostas e estabelece um melhor vínculo e confiança do entrevistado.
Os tópicos que balizaram a entrevista com o professor foram aspectos das relações familiares e escolares durante a infância: os conceitos de ensinar, de "bom professor e bom aluno"; motivação para a escolha da profissão; vida familiar atual e finalmente, sua prática pedagógica.
Outro instrumento utilizado na pesquisa foi o desenho do par educativo, realizado pelos alunos, tem caráter projetivo, é comumente utilizado nas avaliações psicopedagógicas a fim de investigar a relação professor-aluno, enfim, interpreta as situações escolares. Para Chamat (2004), o desenho do par educativo trata-se de um recurso gráfico em que, se solicita ao sujeito que desenhe uma pessoa que aprende e outra que ensine. Em seguida, realiza-se o inquérito para que a criança explique o seu desenho. Para Gola (1999), esse instrumento esclarece sobre o vínculo do aluno com o professor, bem como o que esse representa para ele na situação da aprendizagem. O que se espera que estejam presentes as figuras representativas importantes no processo da aprendizagem: o professor e o aluno.
A interpretação dos desenhos realizou-se através de critérios comuns aos quatro sujeitos. Os aspectos que dizem respeito às figuras foram: cores predominantes, relação de tamanho, movimento ou rigidez, excessos e omissões. Já na totalidade do desenho observou-se: ambiente da cena e detalhes adicionais.
As informações a seguir atendem ao critério do sigilo constante no Livre Consentimento, apresentado previamente aos sujeitos da pesquisa ou responsáveis pelos mesmos, esclarecendo que as suas identidades foram preservadas.
Nos resultados da pesquisa as duplas, professor-aluno serão mencionadas da seguinte forma: letra inicial para aluno (negrito) ? e sua professora.

Aproximando os atores - resultados da pesquisa

Os resultados da pesquisa procuraram evidenciar aspectos relevantes da interpretação do desenho do par educativo realizado pelo aluno e aspectos peculiares da entrevista com o professor.
Para a análise do desenho do par educativo, utilizou-se a interpretação segundo Campos (2005), que considera o desenho infantil a expressão do modo como a criança percebe e compreende o mundo. Esta nova posição na análise dos testes dos desenhos valoriza todas relações que se determinam entre totalidade psíquica, emocional e intelectual, seu processo de maturação, seu meio social e cultural, envolvendo a educação sistemática a que se submeteu. Neste estudo elegeu-se alguns tópicos relevantes para análise, comuns para todos os desenhos.
1 Localização das figuras.
2 Cores predominantes no desenho.
3 Relação de tamanho entre as figuras.
4 Movimento ou rigidez das figuras.
5 Excessos e omissões no desenho.
6 Ambiente do desenho.
7 Detalhes adicionais ao desenho, além das figuras de ensinante e aprendete.
A entrevista com o professor foi direcionada a fim responder aos seguintes dados e conceitos:
1 Relações familiares durante a infância.
2 Vida Escolar.
3 Conceito de ensinar.
4 Perfil do "bom professor" e "bom aluno".
5 Motivação para escolha da profissão.
6 Vida familiar atualmente.
7 Práticas pedagógicas.

1ª Dupla: L e sua professora
L , está no primeiro ano do ensino fundamental, é sua primeira experiência escolar.
No desenho do par educativo realizado por L fez-se observações, relatadas a seguir segundo o protocolo anteriormente relacionado.
A localização do desenho fora do centro da página, pode indicar uma criança dependente, com uma certa insegurança.
As cores que se diferenciam são da sua própria figura e da mãe que vão do amarelo claro (mãe) ao amarelo escuro (sua figura), o que podemos inferir que ainda há uma certa fusão com a figura da mãe em destaque. Sua figura, porém está se mesclando com outras cores, indicando novas relações sociais.
A localização do desenho fora do centro da página pode indicar uma criança dependente, com uma certa insegurança.
As cores que se diferenciam são da sua própria figura e da mãe que vão do amarelo claro (mãe) ao amarelo escuro (sua figura), o que podemos inferir que ainda há uma certa fusão com a figura da mãe em destaque. Sua figura, porém está se mesclando com outras cores mais escuras, o que pode denotar uma abertura para outras relações.
O tamanho das figuras denota que não há uma hierarquia de valorização, e sim o que as diferenciam são as cores e sua proximidade.
O desenho denota muita rigidez nas figuras. No entanto, os braços estendidos indicam uma abertura para relações afetivas.
A omissão das mãos é falta de percepção do esquema corporal, próprio da idade.
O ambiente do desenho remete a um espaço aberto, pouco condizente com o ambiente escolar. Esta característica diz respeito à criança que ainda não está bem adaptada ao complexo mundo de normas da escola.
Quanto aos detalhes adicionais: nuvens em pontas, cuja interpretação é de agressividade; enquanto que o sol entre nuvens sugere uma autoridade, alguém capaz de conter os seus instintos agressivos pelo que representa. O desenho da família, além da figura do professor, pode-se inferir que há uma competição de papéis. Ao professor é atribuído o papel de cuidador, sem que esse represente para a criança um novo modelo no papel de ensinante.
A professora de L tem 47 anos, ingressou no magistério há 28 anos, é casada, tem três filhos.
Através da entrevista com professor, percebeu-se que, durante sua infância, foi superprotegida pelos pais, talvez por ser filha única, o que pode ter determinado uma relação de dependência nas relações afetivas. Em seu papel de mãe, diz não querer repetir a ações dos seus pais com seus filhos, tentando dar maior liberdade a eles. Pareceu ser um de seus conflitos, por entender que não é capaz de fazê-lo. Foi muito tolhida em seus desejos e ações. Ao falar da sua professora, lembra de uma pessoa que a frustrou, ao falar dos seus pais, também fala de alguém que lhe tirou algo. Idealiza um irmão, um pensamento infantilizado como dos príncipes de conto de fadas, que a salvaria daquela relação de dependência.
Ao casar e ter filhos cedo passou repentinamente da condição de cuidada para cuidadora, o que pode ter sido determinante na escolha da profissão. Diz ter sido uma criança quietinha, tímida e observadora. Hoje vislumbra a condição das crianças serem o que não foi, ou teve ao relatar as façanhas do seu filho: "[...] eu me assusto com essa facilidade que eles tem de fazer certas coisas que no meu tempo nem se sonhava em faze". Essa fala traduz o quanto projeta nas crianças o anseio da liberdade. Não é traduzido como um desejo, mas sim uma falta.
Quando um adulto possui uma falta, esse possui maior dificuldade em oferecer conteúdo para uma criança, pois a criança necessita de uma superfície para construir o seu próprio conteúdo. O que pode ilustrar melhor a falta é quando se refere à professora de música, que era alegre, mas que nunca a colocou no coral, a frustração excessiva pode resultar nessa falta, tanto que diz não cantar com os alunos, mas durante a entrevista conseguiu fazer essa associação. É uma pessoa com uma concepção de aceitação de diferenças e tem uma atenção especial à individualidade do aluno.

Dinâmica da dupla

A análise do desenho da criança e entrevista com a professora permitiu pensar que a criança percebe a professora como uma pessoa que a protege, muito mais do que uma pessoa que a ensina. Uma cuidadora com a mesma disponibilidade de sua família. Entretanto, não vê a possibilidade de se inserir num contexto social mais amplo que sua família.
A infância da professora, marcada pela dependência reproduz para essa criança o mesmo nível de dependência e pouco vínculo afetivo. Alguém que diz o que deve ou não desejar ou incapaz de traduzir uma sistematização do conhecimento. O professor, não é visto como o sujeito dotado de poder (saber), mas como cuidadora e protetora. Outra questão relevante que pode estar implicada na confusão quanto ao papel da professora pode estar relacionado fato de ter um filho com idade próxima das crianças da série. O que pode ter interferido no desenho de L, é que foi realizado ainda no período de adaptação (primeiro mês do ano letivo) às regras da escola e mesmo de interação afetiva com a professora. Observou-se que o fazer pedagógico da professora, embora percebendo os gostos das crianças, as atividades que serviriam para a canalização das pulsões das crianças atendem necessidades suas, retratando uma dificuldade em relação a uma privação vivida na sua infância.

2ª Dupla: M e sua professora:
M, uma menina da Educação Infantil.

Observou-se, que a localização do desenho principal está no centro da página, o que se infere, tratar-se de uma criança ajustada, com facilidade de adaptação. Segundo Campos: "Crianças que desenham no centro da página mostram-se mais auto-dirigidas e centradas". (2005, p. 38). O desenho, segundo a aluna, está dividido em duas partes: a parte central é o caminho que faz até à escola, com suas amigas; depois, logo abaixo, o ambiente escolar.
As cores vermelha e amarela, combinadas indicam uma certa tensão. A professora, desenhada em amarelo, somente com pescoço e cabeça, pode-se inferir que esta significa para M. o superego. A cor vermelha de sua própria figura indica que possui pouco controle sobre seus impulsos.
O desenho da professora, omitindo o tronco, segundo Campos (2005), é normal em crianças pequenas. Porém pode-se interpretar que a cabeça como centro do poder intelectual, social e do controle dos impulsos, evidencia o que representa a professora para essa aluna, o desenho pode estar associado a pouca disponibilidade física ou afetiva que a professora apresenta.
As figuras estão em movimento, o que denota flexibilidade, abertura para novas relações.
O ambiente nos remete a um espaço lúdico onde estão presentes várias situações do espaço da escola, incluindo colegas e amigos. O que pode caracterizar uma criança, com facilidade de estabelecer vínculos, com colegas e professora. Para essa criança, o ambiente escolar é muito alegre, aberto, e com muita diversidade.
Os detalhes do desenho como o sol, significa a identificação com uma autoridade masculina, o que pode estar confuso, pois M pinta de azul o sol, como pinta também algumas nuvens, e uma única nuvem de amarela a cor condizente ao sol. Posteriormente, quando representa o ambiente escolar, pinta nuvens e sol de amarelo, o que sugere que a professora está identificada como uma autoridade.
As flores no caminho para a escola denotam ambição e desejo de conquista. Pode estar associado ao humor alegre, à criatividade e uma criança que deseja agradar o outro, colocar-se no desejo do Outro.
A professora de M, tem 67 anos, está no magistério a 26 anos, sempre trabalhou com turmas da Educação Infantil .
Na entrevista, relata que sua mãe era muito rígida, seu pai era mais ?suave?, pois só voltava à noite, e a mãe era responsável pela educação dos filhos. A escolha da profissão, segundo ela, foi influência da mãe, pois naquele tempo, o magistério era uma das poucas profissões associadas ao feminino: ?As mulheres não eram tão emancipadas, éramos educadas, não para trabalhar, mas para casar?.
Durante a vida escolar, se conceitua como ?boa aluna?, complementa dizendo que não tinha como ser diferente: ?não te deixavam ser má aluna?. É a mais velha de três irmãs, ajudou cuidar de seu irmão, com quem tem mais afinidade. Tem um casal de filhos que já saíram de casa. Atualmente mora somente com o marido, e ?a casa ficou grande demais pra nós dois, tem lugares da casa que não entro a meses?.
Teve muitos amigos na infância. Uma de suas amigas lembra com especial carinho e sente ter perdido o contato. Quando eram adolescentes prometeram colocar o mesmo nome em seus filhos o que cumpriram.
Lembra de uma de suas professoras, "foi ela que me motivou a inclinação à arte. Ela fazia pinturas maravilhosas, bordados então... nunca vou esquecer dela". A professora relata que faz aula de pintura a óleo até hoje.
Desde as séries iniciais, diz que não gostava de Matemática. Fez faculdade de Nutrição e lembra que se surpreendeu que no curso exigia Matemática: ?Foi muito difícil pra mim?. Relata também que não gostava de atividades físicas. Adorava matérias que exigisse ?decorar?. Além do curso de Nutrição, fez curso específico para trabalhar com pré-escola. O conceito de bom professor está ligado ao conceito de bom aluno: ?para a criança, tem que impor limites, limites, limites... ter uma boa dose de afeto, não tem como dar errado se a gente se interessa pelo aluno?. O que as crianças mais gostam de realizar é pintura, jogos e música. Não gostam de recortar, procurar palavras. Segundo ela: "...talvez eles não gostem porque eu não exijo muito e aceito qualquer coisa, de certa forma eles gostam de exigências, mas como é pré-escola, o recorte de palavras é só para eles se familiarizarem com as letras, não sabem onde começa ou termina a palavra".

Dinâmica da dupla

A história de vida da professora é marcada pela rigidez de sua educação, tanto formal quanto de sua família. Para a sala de aula que determina a sua prática é sua forte atenção aos limites. Apesar de entender que o afeto é importante, a imposição das regras é o maior determinante para a educação do aluno. Assim como era na sua infância: "não te deixavam ser má aluna". Essa rigidez às regras é representada pela criança como se a professora tivesse a função de superego. No desenho é representada como uma figura com muito poder, intelectualidade, mas pouco afeto. Como em sua infância a educação era responsabilidade da mãe, austera e rígida e o pai, associado à figura suave, mas que não educava. No seu papel de professora, ser suave significa não educar.
Outra questão marcante é sua ligação com atividades artísticas, o que lhe confere sensibilidade e capacidade de sublimação, compensando sua rigidez.
Nas atividades escolares, os jogos e pintura, são as preferências dos alunos. O gosto pelos jogos pode estar associado ao rol de imposições e exigências que por si, se constituem. O gosto pela pintura, obviamente, é o gosto também da professora e por ser uma forma de expressão primitiva favorecendo a expansão.
A professora refere a atividade de recorte de palavras, como algo que os alunos não gostam de realizar. Da mesma forma, diz não exigir muito, os alunos sentem-se seguros em suas realizações quando são dirigidos, pode-se inferir que as atividades para as crianças devem ser através de regras claras e definidas pela professora.
Relata que ajudou cuidar de seu irmão, o que pode ter influenciado a escolha da pré-escola que além do desenvolvimento das habilidades, está associada a maternagem. Sua escolha também pode ser a necessidade de flexibilidade, onde as exigências são mais ?suaves?.
No desenho de M, percebeu-se a representação de outras crianças, além da professora, o que pode ser entendido que no ambiente escolar a professora favorece as relações interpessoais associada a sua infância que segundo ela, teve muitos amigos e que alguns vínculos perpassaram a sua infância. A valorização dos vínculos de amizade entre os alunos, relatada pela professora, também é representada no desenho de M, o que pode indicar que essa criança aprende muito mais através da interação com as outras crianças do propriamente com a professora. Essa inferência é resultado da observação específica dessa dupla, onde constatou-se que as crianças são orientadas a agir com autonomia, buscando seu próprio material, organizando os brinquedos, ocupando um espaço delimitado pela professora para brincar. A professora de M é então vista sem corpo, pois fica permanente, atrás da sua mesa, repleta de materiais a sua frente, o que permite que as crianças vejam somente parte do seu corpo e ouçam sua voz de comando.

3ª dupla: N e sua professora
N, um menino que freqüenta o 1º ano do Ensino Fundamental.
O desenho das figuras principais, acima do eixo vertical, indica que N está lutando e reagindo ao ambiente, tentando refugiar-se na fantasia. O que indica essa reação é a inclinação da sua figura contrária à porta da sala de aula.


As cores que predominam são o azul, que é sinal de uma criança policiada e controlada, enquanto que o laranja, permite inferir que trata de uma criança com desejo de contato, repressão da agressividade, simpatia forçada, mais fantasia do que ação. A ausência de cores nas figuras principais pode indicar retraimento.
O tamanho das figuras percebeu-se uma sutil diferença. A professora é uma figura um pouco maior, porém possui a cabeça grande em relação ao corpo. Somente a professora tem mãos e dedos. O que sugere que a figura é representada pela capacidade intelectual (cabeça) e pela capacidade de realização (mãos). Enquanto que a cabeça diminuta e ausência das mãos nas figuras dos alunos, diz respeito ao sentimento de menos valia e dificuldade de contato afetivo.
As figuras estão flutuando, não sugerindo nenhum movimento. Podendo indicar rigidez e excessiva fantasia.
N representa a escola como um lugar onde pensa brincar, se divertir, mas parece que as regras impostas pela escola estejam causando frustração ante o que idealizou, pois nos brinquedos, não há nenhuma criança brincando; embora caminhos que conduzem até à escola, são escuros, tristes, mas ao se aproximar ficam claras e menos sinuosos. A escola é idealizada e investida como um lugar melhor do que até então viveu.
A bandeira pode estar representando o sentimento de pertencer. A fumaça que sai da chaminé da escola, sugere os conflitos que podem existir dentro dela, por isso a resistência de estar dentro da sala de aula. N diz que a professora tem uma chave na mão, pode-se pensar que N atribui à professora a capacidade de abrir essa porta e incluí-lo, pois a mesma está representada de braços abertos, mas suas mãos têm dedos que espetam e podem machucar (grifo meu).
A professora de N tem 48 anos, duas filhas, é divorciada. Interrompeu a faculdade quando engravidou. Reingressou ao curso de Letras recentemente. Relata que não teve dificuldades em aprender. Estudava numa escola de freiras, onde os colegas tinham um poder aquisitivo melhor que o seu. Lembra que quando chamavam sua mãe para ir à escola, os professores diziam que era preguiçosa, mas muito inteligente. Sempre teve muita liberdade na infância, mas a escolha da profissão foi imposição da mãe e porque não tinha outra opção. A professora especial que lembra era uma pessoa ?esquisita?, com aparência estranha, conservadora, professora tradicional, mas com muita paciência.
Lembra que não gostava de realizar produção textual, que gostava muito de resolver problemas e desenhar.
Os alunos demonstram gostar é de leitura, recorte e pintura. As atividades que resistem em fazer são as para treino da escrita, coisas que são monótonas e repetitivas. O gosto pela leitura por parte dos alunos pode estar ligado ao estímulo da professora para essa atividade, já que mencionou a produção textual como uma das suas dificuldades.
Para esta professora, o ?bom aluno? é aquele que apresenta desafios, que instiga: diz não suportar crianças que são apáticas e não reagem a estímulos. "O ?bom professor é aquele que tem o domínio da situação, que busca diferentes formas de ensinar porque cada aluno aprende de maneira diferente".
Diz que a profissão às vezes lhe causa frustração, pelo baixo salário e condições de trabalho. Suas palavras: "Às vezes me sinto frustrada pelo que a gente ganha, porque não oferecem o mínimo para que as crianças aprendam e por algumas horas tenho vontade de largar tudo, mas quando entro em sala de aula, vejo aquelas carinhas... aí a situação exige que eu seja uma boa professora".
O conceito de ensinar para a professora de N, é mostrar caminhos para que o aluno aprenda do seu jeito e descubra como é a melhor maneira para ele. Aprender para a professora de N: "é trocar, dialogar, recriar em cima do que já se sabe".

Dinâmica da dupla

A professora pareceu não reconhecer algumas dificuldades durante sua aprendizagem, pois diz que os professores a chamavam de preguiçosa, mas inteligente.
Talvez tenha tido dificuldade de adaptar-se na escola onde seus colegas tinham condições financeiras melhores que a sua. O que se percebeu através do desenho de N é que se esforça para ser aceito, sente necessidade de contato e de pertencer. Assim como a professora, N tem a escola como algo idealizado, um espaço capaz de proporcionar modificações em sua vida. Parece que o desenho de N coloca na mão professora a chave para as descobertas, colocando-a numa relação de poder e de que possui um segredo, o saber, que está para ser desvendado. Com essas palavras, demonstra que concede muita liberdade para os alunos, embora diz que precisa manter o controle da situação, o que se entendeu não ser em relação aos alunos, mas sim sobre si.
Quando a professora relata sobre a professora que mais marcou, ressalta uma pessoa muito paciente, mas esquisita, conservadora, uma contra identificação, pois mostrou-se com idéias pouco conservadoras. A liberdade concedida pelos seus pais na infância talvez tenha sido exagerada e precisou de uma nova figura que a controlasse.
O desenho de N representa também a escola como um lugar de poder, mas não consegue interagir dentro dela. O espaço não é seu, assim como a escola da professora não era um lugar em que se sentia diferente e provocava um sentimento de inadequação e menos valia. A menos valia hoje, está presente nas palavras do professor ao queixar-se do salário e condições de trabalho.
O que chamou a atenção na entrevista com a professora são as contradições, embora tivesse liberdade, a mãe escolheu sua profissão, embora fosse boa aluna, era rotulada de preguiçosa; não gostava de produção textual, hoje faz Faculdade de Letras. Parece dissimular uma realidade que seu narcisismo não deixa reconhecer, uma compensação da sua baixa estima.
No desenho da criança, pode-se inferir que N, percebe o ambiente da sala de aula como algo conflituoso, pois desenhou as figura do par educativo do lado de fora da sala, o que pode estar associado aos impulsos que deverá conter. Hesita em saber se a professora será capaz de contê-los.
O desenho de N com caminhos que vão ficando menos sinuosas e menos escuros, pode-se inferir, que a professora, percebe a educação como forma de consolidação de status social e econômico, assim como foi para ela, pois diz que teve uma infância privada de recursos. Faz uma observação entre uma fala e outra: ?Não gosto quando as crianças são tratadas como coitadinhas, aqui é lugar de aprender e todas tem as mesmas possibilidades?. A professora de N, mostra-se muito mais atenta às possibilidades do aluno em aprender do que nas dificuldades que possam estar presentes na situação social e econômica das crianças.

4ª dupla: P e sua professora
P, uma menina que freqüenta o 1º ano do Ensino Fundamental
A localização do desenho de P no centro da página é uma indicação de uma criança ajustada e centrada.
As cores utilizadas: verde indicando capacidade de produção, criação. O amarelo é símbolo da energia, euforia e estabilidade A cor púrpura, pode ser associada à ansiedade.

As figuras principais estão pintadas com uma cor muito fraca, ?cor-de-pele?, pouco aparente.
A figura da professora se diferencia da figura dos alunos, pelo tamanho, denotando a autoridade que exerce.
Sua figura está muito próxima da professora, mas em tamanho diminuto em relação às outras figuras, o que pode estar relacionado ao sentimento de que a professora dispensa mais atenção aos outros do que para si. As figuras são todas femininas um indicativo da latência em que as crianças tendem a rechaçar o sexo oposto. As figuras levam consigo a ferramenta de trabalho, lápis, caderno, é o que confere sua identidade no grupo.
Os detalhes adicionais, como o apagador e o giz em púrpura, logo acima da cabeça da professora, sugere que a aluna sente muita preocupação em realizar todas as atividades, pois a professora pode apagar o quadro (grifo meu), o que lhe causa ansiedade. O quadro na extensão do desenho também é indicativo dessa preocupação.
As figuras apresentam os braços abertos, o que caracteriza o ambiente de afeto na sala de aula, apesar da rigidez que as figuras apresentam.
A professora de P tem 47 anos, dois filhos. Sua formação é Técnica em Laboratório, fez três anos de Ciências Biológicas, mas não concluiu o curso, atualmente faz Faculdade de Letras. Para ingressar no Magistério fez complementação de estudos. Foi adotada aos 4 anos, é a sétima irmã de oito irmãos, mas teve pouco contato com os mesmos. Relata que sua mãe adotiva foi professora, o que influenciou a sua escolha da profissão. Também diz que quando sua filha tinha uns três anos já sabia ler e na primeira série: 'estava cansada de fazer coisas que já sabia, então comecei ensinar em casa e acabei gostando da idéia de ser professora?.
Descreve sua mãe como uma pessoa firme, exigente, mas muito carinhosa, também era professora. Com seus filhos diz proceder da mesma forma e que jamais recorreu a algum tipo de castigo com seus filhos. A professora que mais marcou sua vida escolar, diz ter sido uma estagiária, na primeira série, pois era muito afetiva. Diz ter tido muitas amigas, pois era uma boa colega. A matéria que mais teve dificuldades foi matemática, sempre questionava a razão de ter que entender ?aquilo?. Sentia muito prazer nas aulas de Artes, Português e Ciências.
A professora de P, diz ser difícil conceituar o ?bom aluno?, pois são sempre os ?piores? que chamam mais sua atenção. ?Mas acho que ?bom aluno? é aquele que respeita seus colegas que tenta superar suas dificuldades, que tem vontade de aprender?. O conceito de ?bom professor? é aquele que busca sempre uma forma de ajudar a todos, mudando suas estratégias e é interessado pelas dificuldades do aluno.
Os alunos sentem prazer em realizar atividades e jogos que envolvam números, segundo a professora, sabem mais do que o esperado para a idade deles. Diz que essa constatação lhe dá um alívio por que os alunos não vão precisar passar por tudo o que passou para entender Matemática. Relata que gostam de ouvir Histórias, mas chega na hora de desenhar o que ouviram, desenham coisas completamente fora do contexto. Não gostam muito de ler ou copiar, apesar de considerar essa última atividade desnecessária principalmente no primeiro ano.

Dinâmica da dupla

A história de vida da professora de P tem um fato relevante que foi a adoção. Resguarda a figura de sua mãe adotiva, descrevendo-a como uma pessoa firme, mas muito carinhosa. Com essa descrição pode-se inferir que a professora de P, tem capacidade de discernir firmeza de atenção e afeto.
Através do desenho de P percebe-se que a professora tem uma forma tradicional de ensinar, pois o ambiente escolar, não remete ao lúdico ou fantasia da criança e que suas práticas pedagógicas estão muito mais ligadas ao conteúdo do que propriamente no desenvolvimento integral da criança. Revela também o fato marcante de sua vida que é a adoção, que resultou no distanciamento dos irmãos e o desejo de permanecer unido. P desenhou seis figuras, além da figura do ensinante, o que gerou um questionamento: Não seriam os seis irmãos da professora que antecederam o seu nascimento? Entretanto, pode-se atribuir a uma mera coincidência.
As atividades que as crianças gostam de realizar são jogos matemáticos, uma superação sua, da matéria que mais sentia dificuldade. Os jogos matemáticos são atividades que remetem ao controle obsessivo e rigidez às regras.
Para a professora de P, foi difícil conceituar ?bom aluno?, pois diz estar mais centrada nos piores alunos, pois esses o solicitam mais.
O fato de ter despertado o interesse pelo Magistério, enquanto ensinava sua filha que não teve dificuldades em aprender, parece ter idealizado alunos com a mesma prontidão, talvez por isso, os alunos com problemas de aprendizagem chamem mais sua atenção.
O fato de ter realizado diferentes cursos e não ter focado em nenhum deles são indicativos de uma pessoa com pouca estabilidade e indecisão. Embora, sempre buscou formação e sua vida sempre foi estudar. Sua mãe adotiva também era professora, uma identificação com essa figura muito presente. O que podemos inferir que mesmo na idade adulta foi influenciada pelo Ideal de Ego da figura materna, que para essa professora teve uma especial importância, pareceu que a escolha é como um agradecimento pela adoção.

Considerações Finais

O estudo mostrou que na relação professor - aluno, estão implícitas as dificuldades e gostos inscritos na sua vida escolar do professor, suas vivências relacionadas com autoridade: seus pais e professores, bem como os conceitos sobre seus alunos, aspectos que influenciam sua visão de homem e aluno idealizado. Mostrou também que as crianças são capazes de decifrar o desejo e expectativas que o professor tem a seu respeito e os afetos implicados nessa relação.
As práticas pedagógicas que facilitam a aprendizagem, muitas vezes denunciam uma necessidade do professor ou mesmo uma dificuldade da sua aprendizagem, no entanto ele reverte para um ganho ao aluno, pois o professor, focado nessa dificuldade, compensa seu empenho para que não seja refletido na aprendizagem do aluno. As limitações que percebem (talvez por intuição) em si, são enfatizadas de forma positiva aos alunos. Os exemplos estão contidos na pesquisa; a professora de L que diz ter tido pouca liberdade, se caracteriza como protetora. A professora de M, com uma educação rígida e pouca disponibilidade física e de afeto, estimula para que as crianças interajam entre elas. A professora de N que teve uma infância privada de recursos revela aos alunos a escola como espaço para mudança social e econômica. A professora de P, apesar de ter tido muita dificuldade em Matemática, percebe que os alunos gostam de jogos que envolvem números.
A escolha da profissão das professoras presentes no estudo, é atribuída à falta de opção de outro curso profissionalizante, por estar associada ao feminino no papel da maternagem e também pelo Ideal de Ego da principal cuidadora.
Os professores mostraram-se conscientes das suas dificuldades isso reflete porque estão mais focados nas dificuldades dos alunos, do que propriamente nas possibilidades que estes tem de aprender.
Já com relação à figura do aluno, considera-se que vê o mundo conforme suas vivências. O professor é parte integrante dessa experiência, pois é nele que estão projetadas todas expectativas: possibilidades e impossibilidades de aprender. O aluno faz de seu professor um espelho que reflete seu próprio eu e dele vai retirando conteúdos para construir-se. Logo, para o professor é importante identificar os processos transferenciais para que reconheça suas principais defesas e se disponha a reconhecê-las quando surgem.
O pressente estudo deu suporte para pontuar os seguintes resultados:
Ø As dificuldades na infância ou na vida escolar dos professores desse estudo reverteram-se em práticas pedagógicas adequadas.
Ø O aluno é capaz de decifrar o desejo que o professor remete a ele.
Ø Os professores identificam o que as crianças mais gostam de realizar, com isso, uma pulsão a ser sublimada.
Ø É importante o professor reconhecer as manifestações transferenciais dos alunos para identificar o que é do aluno e o que representa suas experiências vivenciadas.
Ø Os professores não possuem um perfil de aluno idealizado, mas a disponibilidade é maior quando o aluno apresenta dificuldades.
Ø O seu Ideal de Ego inscreve-se no aluno, pois ao reconhecer as dificuldades na infância, os professores desejam resultados positivos e menos frustrantes para seus alunos.

















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