O DESEJO DE LIBERTAÇÃO DA CLASSE OPRIMIDA NA CONTEMPORANEIDADE.[1] 

Anna Jéssica Barros Correia[2] 

 

RESUMO

Percebe-se, que desde os tempos mais antigos a diferenciação social faz-se presente, seja em relação a um índio explorado pelo colonizador, seja por um escravo dominadoem guerra. Nacontemporaneidade não é diferente, sendo tal diferenciação representada principalmente por classes sociais, das quais o poder aquisitivo é o essencial para dominar e oprimir as classes inferiores, sendo esta considerada por muitos como um segmento social insignificante, não possuindo seus valores e desejos pessoais reconhecidos e considerados pelos detentores do poder. Constata-se ainda, que tais diferenciações sociais possuem como contribuinte o sistema de normas aplicado na sociedade, os quais atribuem penas mais severas aos crimes cometidos principalmente pela classe oprimida, propiciando o desejo do grito de libertação desses dominados, visando reconhecimento pelos seus próprios valores, e não como simples seguidores de padrões já estipulados pela classe dominante.

 

PALAVRAS-CHAVE

Dominantes. Oprimidos. Diferenciações sociais. Libertação.

   INTRODUÇÃO

Com o descobrimento da América Latina pelos Europeus, houve a necessidade de exploração e dominação daquele novo continente que surgira. Desse modo, os índios que habitavam nesse novo continente foram o principal alvo de opressão, vindo o europeu a impor a religião cristã como única e exclusiva, possuindo assim, o dever de ser aceita como a verdadeira pelos ameríndios, iniciando a caracterização destes, como povos dominados. Com o passar dos anos, este processo de dominação foi se solidificando, propiciando assim uma divisão global entre países dotado de poderio econômico, os chamados dominantes, e países explorados ou oprimidos. Desse modo surge o desejo de libertação por parte desses povos dominados, nascendo assim à necessidade de libertar-se desta dominação que proporciona o impedimento da valoração dos ideais oprimidos.

1   A  DOMINAÇÃO DA CLASSE DETENTORA DO PODER

. Na contemporaneidade, percebe-se ainda a existência das relações de dominação entre países, propiciando que os dominantes influenciem com suas características o resto do mundo, se caracterizando assim, como um modelo a ser seguido para atingir o pleno desenvolvimento, vindo tal relação de dominação ser caracterizada principalmente pelo fator econômico. Contudo, internamente nos países oprimidos, é notória a presença de classes ou grupos de pessoas que exercem dominação sob outros por possuir mais alto poder aquisitivo, mesmo provenientes da periferia global, sendo caracterizados assim de classes dominantes e classes dominadas.

Assim como Enrique Dussel relata que os países do sul nada mais fazem do que repetir, a visão e o estabelecimento de um sistema imposto, pelos estudiosos dos países pertencentes ao norte, tornando-os meros repetidores dos conceitos e pensamentos próprios de quem não vive a realidade do alter, consubstanciada na nossa realidade, de pobres[3], as classes baixas, seja dos países desenvolvidos ou dos subdesenvolvidos, fazem a mesma coisa, repetem ou copiam as visões e as características impostas pela classe dominante, como se aquele exemplo fosse o correto a ser seguido, possibilitando assim uma auto- exclusão.   

A classe dominante impõe um modelo a ser seguido pelos oprimidos, fazendo com que estes copiem, muitas das vezes, não por livre vontade e sim porque são obrigados a adequar-se aos padrões impostos pelos dominantes. Desse modo, os oprimidos são constantemente ameaçados a seguir um certo comportamento já estabelecido na sociedade, caso contrário, o oprimido sofrerá discriminação e até rejeição por possuir um comportamento diferente da sociedade influente, propiciando a perda cada vez maior do seu espaço dentro do âmbito social e seu reconhecimento enquanto sujeito, acarretando a solidificação de sua caracterização como objetos de manipulação da classe dominante.

A globalização transmite certos padrões de vida que influenciam toda a população, com a diferença que a classe dominante possui todos os atributos necessários para suprir tal influência proveniente dos países dominantes, enquanto a classe dos oprimidos possui os mesmo desejos, mas não o consegue suprir. Constituindo como exemplos de tal explanação, têm-se roupas e acessórios de estilistas famosos, carros do ano, ou até mesmo lugares para lazer. A classe dominante possui condição financeira de suprir suas vontades, e assim, os oprimidos encontram outros meios de satisfazer os mesmos desejos, encontrando assim no mundo do crime uma possibilidade de equiparação com a classe influente. 

2 A CONTRIBUIÇÃO DO DIREITO PARA A PERMANÊNCIA DAS DIFERENCIAÇÕES SOCIAIS

A partir do momento que o crime proporciona um meio de satisfação dos desejos materiais, muitos oprimidos ingressam neste mundo visando sua inserção na sociedade, como sujeitos de valores e possuidores de bens materiais, tal qual a classe dominante. Contudo, o sistema de normas presente na coletividade, também é fruto da desigualdade social proveniente desde os tempos mais remotos, vindo a estabelecer punições severas aos crimes praticados principalmente pela classe oprimida, como os crimes de furtos e roubos, e penas ínfimas aos crimes cometidos principalmente pela classe dominante, os chamados “crimes de colarinho branco”, como os crimes de lavagem de dinheiro, desvio de verbas e corrupção, mesmo que estes causem males mais graves à sociedade. Desse modo, ao ingressar no mundo criminoso, o oprimido terá sua vida ameaçada pelo sentimento de vingança por não possuir os mesmos recursos que algumas pessoas, vindo à necessidade de sua manutenção deste mundo maléfico.

Alessandro Baratta relata que os fatores propiciadores das penas ínfimas aos crimes de colarinho branco são ou de natureza social, decorrentes do prestígio dos autores das infrações, ou de natureza jurídico-formal, ou ainda de natureza econômica, decorrentes da possibilidade de recorrer a advogados de prestígios, ou de exercer pressões sobre os denunciantes[4]. Desse modo, constata-se que a desigualdade marca profundamente o sistema normativo vigente na sociedade, rompendo assim com o princípio da igualdade entre as pessoas, tão defendido pela ideologia da defesa social. Constata-se que outra consideração realizada pelo autor diz respeito à seletividade dos órgãos oficiais, e assim ele atribui responsabilidade á reação pública e alarme social, pois enquanto ocorre demasiada comoção popular para determinados tipos de crimes ocorridos na sociedade, para os crimes de colarinho branco tal comoção é escassa, e assim Baratta relata que tal situação ocorre pela limitada perseguição e as ínfimas sanções transpostas a tal tipo de criminalidade[5].

Para o Direito como ciência normativa, adequar-se ás características da Filosofia da Libertação, deve primeiramente possuir uma justiça real, impondo seus preceitos de forma igualitária a todos os cidadãos não apenas formalmente, devendo assim, atribuir medidas punitivas mais severas aos crimes de colarinho branco que tanto fere a sociedade e julgar os crimes de forma igualitária, não havendo distinção entre as pessoas, muito menos entre aquelas provenientes de diferentes classes sociais. Desse modo, havendo o cumprimento por parte do Direito, dos fundamentos desta Filosofia, ele abandona esta imagem de colaborador para as diferenças sociais e passa a contribuir para o desenvolvimento da igualdade plena entre as pessoas.

3   O ANSEIO DE LIBERTAÇÃO POR PARTE DOS OPRIMIDOS

Segundo Henrique Dussel, os oprimidos gritam clamando por justiça, e é a partir de tal grito desesperado em busca de justiça é que eles se revelam, propiciando o despertar da Totalidade para a existência desse outro, que é outro e não o mesmo[6], ou seja, é a partir de tal grito de liberdade que a Totalidade passa a reconhecer o outro por ele mesmo, por seus próprios valores e não como simples componente da sociedade.

Houve um cansaço por parte dos oprimidos, um cansaço por serem constantemente coisificados, tratados como meros objetos, vindo a partir daí a necessidade de compartilharem das mesmas conquistas que a Totalidade, surgindo assim o anseio de libertação, de aceitação e até mesmo de equiparação com a mesma. Contudo, nem sempre houve um entendimento a respeito desse desejo de liberdade proveniente da classe oprimida, pois Paulo Freire faz bastante referência ao medo da liberdade por parte dos dominados, os quais possuíam dúvidas se a tomada de consciência não viria a desestabilizar a ordem vigente, propiciando uma sensação de desmoronamento, desse modo o autor contrapõe tal visão oprimida relatando que a tomada de consciência viria, não a corromper a ordem social, e sim a afirmação dos oprimidos e sua inserção no processo histórico como sujeitos[7].

Os oprimidos são constantemente dominados pela classe dominante e mesmo que nunca mude tal situação de submissão, mesmo que nunca venha a concretizar a libertação dos pobres, sempre existirá por parte destes, o anseio, o desejo profundo de um dia todos se tratarem como iguais independentemente das diferenciações provenientes em cada um deles.

 

  CONCLUSÃO

Dessa forma, constata-se que a Filosofia da Libertação pretende uma justiça que leve em consideração o Outro, e para isso é necessário que ao ocupante da Periferia seja levado à consciência necessária para romper com aquela ordem da Totalidade, para assim estabelecer o seu Grito de Libertação, a fim de possuir seus valores e características próprias também reconhecidas, e não limitar-se em simplesmente obedecer à ordem já imposta por aquela Totalidade. Quanto à ordem normativa vigente na sociedade, esta pode adequar-se à Filosofia da Libertação, a partir do momento que estabeleça igualdade nos julgamentos e nas sanções, sem qualquer distinção entre classes sociais.

REFERÊNCIA

 

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3ed, Rio de Janeiro: Revan, 2002

DUSSEL, Henrique. Filosofia da Libertação: crítica da ideologia da exclusão. 3 ed. São Paulo: Paulus, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.



[1] Paper apresentado à disciplina de Filosofia do Direito, do curso de Direito Vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), para obtenção da segunda nota ministrada pelo prof. Antonio Brito.

[2] Aluna do 2° período do curso de Direito vespertino da UNDB, [email protected].

[3] DUSSEL, Henrique. Filosofia da Libertação: crítica da ideologia da exclusão. 3 ed. São Paulo: Paulus, 2005.

[4] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3ed, Rio de Janeiro: Revan, 2002.

[5] ________. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3 ed, Rio de Janeiro: Revan,2002.

[6]  DUSSEL, Henrique. Filosofia da Libertação: crítica da ideologia da exclusão. 3ed. São Paulo: Paulus, 2005.

[7] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.