O DESAFIO DE ENSINAR A CRIANÇAS DE PERIFERIA
*ROSINALVA APARECIDA MARTINS DE OLIVEIRA
O curso de especialização com foco em Ensino e Aprendizagem trouxe para nós a proposta de formação do professor como pesquisador de seu trabalho. Entendendo que esta é uma das possibilidades que nós temos de se voltar para a escola e construí-la como seu objeto de estudo, de aliar teoria e prática e promover mudanças na organização escolar e no processo pedagógico.
Quando em 2008, começamos lecionar na Escola Severino Ramos das Nóbrega, localizada no Bairro Limeira, um dos bairros periféricos mais violentos e "problemáticos" da cidade de Picuí, sabíamos que não seria fácil trabalhar com alunos que enfrentavam todo tipo de problema, desde problemas na aprendizagem até problemas mais graves como drogas e violência. Começamos trabalhar em uma proposta que levou cerca de dois anos e muitas reflexões, opções e conflitos para ser minimamente definida. Nesse trabalho temos por meta compreender, abordar e envolver escola e comunidade numa perspectiva de parceria, cumplicidade e compreensão da realidade e nela intervir.
Essa tarefa não é solitária, mas coletiva. O grupo tem sido fundamental tanto para a produção de conhecimento sobre a escola quanto para o fortalecimento da opção por enfrentar esse desafio.
O trabalho com crianças de periferia chama à atenção para uma problemática bem complexa e específica: Nessas escolas, o contexto social, econômico e político interferem no trabalho do professor e no processo de aprendizagem dos alunos. Nos professores, gera sentimentos de frustração, insatisfação e angústia, porque não conseguem desenvolver o que planejam, enfrentam situações imprevistas que desestabilizam o trabalho de sala de aula, entre outras coisas. Nos alunos, gera dificuldades para a sua vida escolar, pois desde cedo precisam trabalhar para ajudar no sustento da família (a criança apresenta desânimo, cansaço, apatia, dificuldades de atenção e concentração). A realidade dos alunos da Escola Severino Ramos da Nóbrega não é tão além da realidade de muitas crianças que convivem com situações de risco nas favelas dos grandes centros, conforme costumamos ver nos noticiários. Temos na nossa escola problemas com drogas, suicídios, assassinatos, etc..
O relato a seguir, de uma mãe de família da comunidade, elaborado por nós, apresenta alguns elementos desse contexto:
"... Estou tentando conseguir emprego, mas, até o momento nada. Estou tentando vender meus aparelhos domésticos (geladeira, televisor) para poder pagar a conta no mercado e assim garantir o alimento para mim e meus filhos, o pai deles, como vocês sabem não presta pra nada, vive foragido e ainda me deixou um processo por ter encontrado drogas em minha casa..."
Dentro dessa realidade, se não formos professores observadores será impossível entendermos o aluno que está todos os dias conosco, pois ele tem problemas que não são ditos, demonstrados e o professor necessita ter os sentidos aguçados para estar sempre alerta com o que acontece ao seu redor e além deste. Pelos registros do cotidiano escolar, podemos notar a existência de situações que se repetem no cotidiano escolar das diferentes escolas. Entretanto, apesar de todas as escolas serem institucionalmente organizadas da mesma forma (normas, currículos, hierarquias), existem entre elas peculiaridades. Assim, o que ocorre em uma escola é diferente do que ocorre em outra, porque cada cotidiano escolar é único e diferenciado, uma vez que cada sujeito que o compõe dota o seu espaço, as suas relações, as suas vivências de um sentido que lhe é próprio.
Segundo ARICÓ (Apud EZPELETA & ROCKWELL,1989, p. 11), "... a escola se realiza num mundo profundamente diverso e diferenciado".
Pode então o ensino dos saberes científicos tradicionais (do currículo clássico das disciplinas) colaborar para uma transformação da cultura em pro da melhoria da qualidade de vida das pessoas? Como?
Basta entrarmos numa escola atual para verificarmos que ela reproduz o mesmo sistema da época dos nossos avós. A sociedade, a família e o mundo do trabalho mudaram, mas a maioria das escolas brasileiras continuam repetindo o mesmo modelo. São poucas escolas que buscaram inovações e um sistema educacional mais moderno, visando à qualidade de ensino. Em várias salas de aula nota-se a exigência constante de disciplina, o estabelecimento de uma relação autoritária entre o professor e seus alunos, o trabalho obrigatório e repetitivo. Há hora determinada para entrar, sair, para o recreio, a merenda, para tomar água, para ir ao banheiro, etc. de ficar sem recreio, de ser retirado após as aulas, além de outras ameaças de castigo.
O momento atual impõe ao profissional de educação desenvolver habilidades que possibilitem uma melhor adaptação às novas culturas e aos novos padrões de conduta social. Além disso, o acelerado processo de globalização em que se encontra o país insere o homem em um ambiente de alta competitividade e seletividade. Nesse contexto, a relação professor-aluno representa um esforço a mais na busca da praticidade, afetividade e eficiência no preparo do educando para a vida, numa redefinição do processo ensino aprendizagem. Não obstante, cada profissional deve ter claramente definido o seu papel nesse contexto social, onde esta relação aqui considerada passa a ser alvo de pesquisas, na busca do diálogo, do livre debate de idéias, da interação social e da diminuição da importância do trabalho individualizado.
Na nossa vida quotidiana necessitamos de um conjunto muito vasto de conhecimentos, relacionados com a forma como a realidade em que vivemos funciona: temos que saber como tratar as pessoas com as quais nos relacionamos, temos que saber como devemos nos comportar em cada uma das circunstâncias em que nos situamos no nosso dia-a-dia. Por isso surge à importância do conhecimento cientifico. Para desenvolver o pensamento científico é preciso saber solucionar problemas. Enxergar além dele, ter em vista um objetivo bem definido a ser alcançado.
formas com que a escola pode ajudar o aluno a desenvolver a sua linguagem em diferentes contextos.
É fundamental enfatizarmos a importância do professor literalmente "trazer a rua e a vida" para a sala de aula, fazendo com que seus alunos percebam os fundamentos da matéria que ensina na aplicação da realidade. Uma equipe, verdadeiramente empenhada e projetos pedagógicos bem preparados, podem facilmente se traduzir em inúmeros recursos que associam a escola ao fantástico mundo da ciência, o delicioso êxtase pelo mundo do saber.
Por meio da brincadeira, a criança se envolve no em diferentes atividades e sente a necessidade de partilhar com o outro, de dividir com o amigo. Esta relação expõe as potencialidades dos participantes, afeta as emoções e põe à prova as aptidões, testando limites e propondo desafios.
A leitura, as práticas e as competências leitoras têm ocupado espaço considerável na educação brasileira. O ensino da leitura e, particularmente, a importância da literatura na formação pessoal e intelectual do ser humano ainda nas séries iniciais, é algo primordial para a construção da cidadania e de um conhecimento profundo em todos os campos do saber.
Dessa forma, um leitor crítico não é apenas um decifrador de sinais, mas sim aquele que se coloca como co-enunciador, travando um diálogo com o escritor, sendo capaz de construir o universo textual e produtivo na medida em que refaz o percurso do autor, instituindo-se como sujeito do processo de ler. Ao permitir a interação entre os indivíduos, a leitura não pode ser compreendida apenas como a decodificação de símbolos gráficos, mas sim como a leitura do mundo, que deve ser constituída de sujeitos capazes de compreender o mundo e nele atuar como cidadãos.
*Professora de história da rede municipal dos municípios de Picuí e Cuité
Especialista em Atendimento Educacional Especializado pela UFSM/RS e pós graduanda em Educação pela UFCG/Cuité


Picuí, Maio de 2011