O Desafio da Aplicação e Interpretação da Norma na Efetivação do Direito à Cidadania

Bianca Assunção Goulart dos Santos[1]

Bruna Alvarenga Rodrigues Pereira

Lorena Lemos Marega

Mônica Borges Franco

Rafael Barroso Ferreira

Resumo

Este artigo aborda o tema: “Cidadania, Direito e Realidade Social: Aplicação e Interpretação da norma jurídica na realidade social.” O objetivo estabelecido foi analisar a relevância da correta aplicação e interpretação da lei para o exercício da cidadania. Para que esta meta seja atendida, o projeto tentará verificar se há eficácia na aplicação da norma na realidade social, indicar a função dos direitos fundamentais no processo interpretativo da norma e demonstrar a importância do direito social à educação na realidade social. Estes objetivos visam responder a seguinte pergunta: Qual a importância da interpretação e aplicação da norma jurídica para uma cidadania efetiva? O projeto analisará a influência do direito à cidadania na aplicação e interpretação da norma, além de explicar como a eficácia social e jurídica da norma constitucional atuam na garantia de todos os direitos fundamentais presentes na Constituição. O tema será trabalhado através de pesquisa bibliográfica em obras de autores consagrados no meio jurídico, sendo que o método adotado é o hipotético-dedutivo. A aplicação e interpretação da norma visando a garantia dos direitos é fundamental para a efetivação da cidadania. A eficácia social e jurídica das normas é preceito básico para que os titulares das garantias fundamentais as tenham aplicadas à realidade social.

Palavras-chave: Norma Jurídica. Aplicação e Interpretação. Cidadania

  1. 1.                  Introdução

 

Ainda que haja uma Constituição fundada no princípio da dignidade humana, a realidade do Brasil é assolada pela desigualdade social e falta de infra estrutura básica. Temos uma Constituição em que todos os princípios e garantias são assegurados, mas que não são respeitados e seguidos corretamente, criando-se assim um conflito entre a prática social e as normas.

Diante dessa situação, cria-se a seguinte pergunta: “Qual a importância da interpretação e aplicação da norma jurídica para uma cidadania efetiva?”. Este artigo busca responder esta problemática, visto que, ainda que não respeitado, o direito a ter direitos é um dos princípios basilares da Constituição Federal. Buscará também, através de doutrinadores, esclarecer que o exercício da cidadania só será efetiva, através da aplicação e eficácia da norma.

O presente artigo tem como objetivo analisar a relevância da correta aplicação e interpretação da lei para o exercício da cidadania, verificar se há eficácia na aplicação da norma na realidade social, indicar a função dos direitos fundamentais no processo interpretativo da norma, demonstrar a importância do direito social à educação na realidade social.

Embasando-se na concepção de diversos autores e doutrinadores a respeito do assunto, a pesquisa foi qualitativa e bibliográfica, pois foi baseada em fontes relativas ao tema do artigo. O método científico adotado foi o hipotético-dedutivo, procurando confirmar os dados dessa pesquisa com base em uma hipótese para a solução do problema proposto. Possui caráter interdisciplinar, pois aborda as disciplinas de Direito Constitucional, Direito Penal, Direito Civil, Introdução ao Estudo do Direito, Sociologia Jurídica, entre outras.

  1. 2.                  Histórico dos Direitos Fundamentais

Os direitos humanos foram positivados pela primeira vez através da Declaração de Direitos do Estado de Virgínia, mas o documento considerado mais importante, relacionado a este assunto, foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, resultado da Revolução Francesa em 1789 e que influencia os ordenamentos jurídicos do mundo inteiro até o presente momento. A mais recente positivação dos direitos da pessoa humana é a Declaração Universal dos Direitos Humanos redigida pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 1948.

A Declaração dos Direitos Humanos, no primeiro artigo, expressa que: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com o espírito de fraternidade”. A partir deste artigo já é possível notar o lema da Revolução Francesa, qual seja: Igualdade, Liberdade e Fraternidade.

Como a maioria dos países do mundo, o Brasil também adotou a Declaração dos Direitos Humanos, que foi ratificada pela emenda constitucional nº 45, possuindo, assim, força de lei constitucional.

Os direitos fundamentais da pessoa humana são colocados resumidamente como Direitos Humanos, tendo como característica afirmar que, independente do local onde os seres humanos vivem, levando-se em consideração até mesmo a cultura de cada povo, nós somos iguais e livres.

É mister salientar que é através dos direitos fundamentais e da representação controlada que se é revelado os assuntos de interesse do povo, baseados no respeito à igualdade, a supremacia de vontade dos mesmos e o respeito à liberdade.

 

 

2.1.            Do Direito à Cidadania

A cidadania vai além dos direitos garantidos no papel, pois é a efetivação dessas garantias e a participação dos indivíduos como membros ativos de uma sociedade que fazem a mesma ter força. A cidadania expressa, segundo Dalmo de Abreu Dallari (2008, p. 14) “(...) um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. (...)”.

Os seres humanos nascem todos iguais, mas é evidente que a sociedade os tratam, desde o inicio de suas vidas, de forma diferente, privilegiando mais a uns do que a outros. Está ai a importância de conhecer o conceito do termo “cidadania”, pois se utiliza esta palavra várias vezes ao dia e não se sabe a sua essência. Gilberto DIMENSTEIN (1994) diz:

 

Há detalhes que parecem insignificantes, mas revelam estágios de cidadania: respeitar o sinal vermelho no trânsito, não jogar papel na rua, não destruir telefones públicos. Por trás deste comportamento está o respeito à coisa pública. O direito de ter direitos é uma conquista da humanidade. Da mesma forma que a anestesia, as vacinas, o computador, a máquina de lavar, a pasta de dente, o transplante do coração. (p. 20)

 

Apesar de tudo que já foi supracitado, a cidadania não é algo simples, visto que para que haja efetivação da mesma deve se enfrentar diversos problemas sociais, uma vez que mesmo que as pessoas nasçam iguais, não há razões para que elas não tenham os mesmos direitos. Nada justifica a diferença de oportunidade na hora de exercer de fato a sua cidadania.

 

2.2.            Cidadania e Realidade Social

O conceito “Cidadania” obteve força por meio da Constituição de 1988, com a redemocratização, ao colocar como mandatário da Carta Magna os direitos humanos. Portanto o exercício da cidadania é a prática dos direitos individuais, sociais e políticos.

Como supramencionado no tópico anterior, existe uma desigualdade efetiva até mesmo na hora de ser cidadão. Há diferença entre cidadãos e cidadãos ativos, uma vez que a própria sociedade estabelece uma desigualdade.

Para que haja a efetividade da cidadania é fundamental a aplicação correta das normas e a interpretação da lei em benefício de todos, mas a partir desta afirmação nos deparamos com um grande problema: apesar da democratização da Carta Magna e de todos os direitos por ela estabelecidos, fica claro, com base no que se vê diariamente, que certos direitos fundamentais permanecem apenas no papel.

A desigualdade gera desigualdade, criando assim um círculo tenebroso. Pessoas sem instruções possuem grandes dificuldades de defender melhor os seus direitos e saber quais são as suas obrigações. Dalmo de Abreu DALLARI (1998) afirma:

 

Assim, por exemplo, um menino que nasce numa favela é igual ao que nasce em uma família rica e vale o mesmo que este, mas dificilmente o favelado conseguirá boa alimentação e boas escolas e desde cedo será tratado como um marginal. Esta discriminação irá acompanhá-lo pela vida inteira. Fica bem evidente, portanto, que o menino nascido numa favela não tem o direito à igualdade de oportunidades, embora a própria lei diga que todos são iguais. (p. 33)

 

Não é necessária apenas a alegação de que todos são iguais por natureza, é necessário, para a busca de resultados aparentes, organizar uma maneira de que não exista pessoa superior ou inferior.

O texto constitucional instituciona a cidadania, mas pouco é feito por aqueles que possuem a obrigação de instaurá-la. É preciso que os políticos saibam que eles foram eleitos para garantir, efetivamente, a saúde, educação, igualdade, moradia, saneamento básico, vida digna.

 

  1. 3.                   Interpretação e Eficácia das normas

 

As normas existentes no ordenamento jurídico necessitam de profunda atenção e preocupação em seu correto processo interpretativo. Uma norma que não foi analisada de forma devida pelos aplicadores do Direito não será efetiva para o que ela se propõe a regular ou a garantir direitos para a sociedade.

Para que a interpretação normativa possua a capacidade de incidir sobre casos concretos, métodos são utilizados para revelar, da melhor forma, o conteúdo, o significado e o alcance que determinada norma apresenta. De modo especial, merecem destaque os métodos interpretativos das normas constitucionais.

A Constituição pode ser interpretada através de métodos clássicos como o gramatical, que é a fase inicial do processo interpretativo, também conhecido como literal ou semântico; histórico, onde se busca o sentido da lei, o porquê de seu surgimento; lógico/sistemático, que analisa todo o sistema em que a norma está inserida por meio de uma visão estrutural; o método teleológico, que visa revelar o objetivo final de uma norma, o valor ou bem existente no ordenamento jurídico; e o método comparado, que admite a verificação da eficácia e aplicabilidade dos valores, direitos e garantias presentes na Constituição.

Existe, além dos métodos clássicos acima mencionados, o método em que se analisa uma norma através de um problema concreto, denominado tópico-problemático. Ao contrário desta forma de interpretação, o método hermenêutico- concretizador parte do texto constitucional para o problema concreto por meio de pressupostos subjetivos, objetivos e hermenêuticos. No pressuposto subjetivo, o intérprete utiliza suas compreensões iniciais sobre a temática normativa; no objetivo, ele atua como mediador entre a norma e a realidade; e o pressuposto hermenêutico é a relação existente entre o caráter subjetivo e objetivo para a melhor compreensão da norma.

A análise de uma norma constitucional deve ser feita valendo-se da realidade social em que ela será inserida, não apenas em sua literalidade. Através do método científico-espiritual, o aplicador do Direito confere dinamismo à interpretação e, consequentemente, efetiva a proposta da norma.

Outro meio interpretativo é o normativo-estruturante, onde se analisa o caráter literal na norma através de sua real concretização na realidade social, não só pela atuação do legislador, mas também pela atividade do Poder Judiciário, governo e administração. Estabelecendo uma comunicação entre as diversas Constituições, o método da comparação constitucional desenvolve-se a partir dos métodos gramatical, lógico, histórico e sistemático.

Pela devida interpretação normativa, haverá a aplicabilidade da norma nas relações sociais e certamente sua eficácia. Segundo José Afonso da Silva, as normas constitucionais podem apresentar eficácia plena, contida e limitada.

A eficácia plena de uma norma consiste em sua possibilidade de aplicação imediata logo em que entra em vigor e independência de norma integrativa infraconstitucional. Não se dispõe do mesmo caráter a norma de eficácia contida, que possui restrições em sua aplicabilidade e eficácia, como no caso de limitações por ordem pública      ou paz social.

 Já as normas constitucionais de eficácia limitada apresentam aplicabilidade mediata e reduzida, ou seja, quando uma Constituição é promulgada, a norma não tem o poder de produzir seus efeitos de maneira completa, necessitando de lei integrativa infraconstitucional.

As normas que definem direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata, como dispõe o artigo 5º, §1º da Constituição Federal de 1988. O texto constitucional, ao regular esses direitos apresenta meios de concretizar a produção de seus efeitos jurídicos.

 

  1. 4.                  A Importância da Aplicação e Interpretação da Norma Jurídica na efetivação da Cidadania na Realidade Social

 

Como visto anteriormente, o ordenamento jurídico se revestiu de formalidades para colocar em prática as normas nele estabelecidas. Através de métodos de interpretação da legislação é possível chegar a melhor compreensão da letra da lei e, então, aplicá-la de forma mais eficiente, visando o bem comum.

Entretanto, trazer eficácia à norma não é uma tarefa simples. Aplicar uma norma pressupõe dar a seus titulares o gozo de um direito. Com relação aos direitos fundamentais, esta tarefa se complica ainda mais, tendo em vista a importância intrínseca da garantia prevista neste direito.

O direito fundamental, como já frisado, tem este título devido à necessidade que o ser humano tem de exercê-lo. Por isso o direito à vida, à saúde, à cidadania, à educação, dentre outros muitos, serem taxados como fundamentais. Ou seja, sem ele exercer, o ser humano não é capaz de se desenvolver plenamente ou participar plenamente da vida em sociedade.

A interpretação dos direitos fundamentais exige flexibilidade por parte de Legislativo e do Judiciário, não fazendo parte deste processo qualquer ato de cunho positivista. Ao adotar os direitos humanos como base teórica, a Constituição obrigou o legislador e o juiz a não serem automáticos e superficiais. A realidade social tornou-se, então, preceito básico para a produção, interpretação e aplicação das leis. Estas devem estar em perfeita sincronia com as necessidades particulares e coletivas da população, atendendo às suas precisões fundamentais.

Jane Reis Gonçalves PEREIRA (2006) trata a temática da interpretação dos direitos fundamentais dizendo que esta tarefa cabe ao legislador e ao juiz, finalmente, conciliando as normas jurídicas com a realidade, solucionando problemas concretos.

Focando no direito à cidadania, entende-se ser ele o direito de exercer direitos, ou seja, a capacidade jurídica e social de ter ao seu alcance a possibilidade de participar ativamente da vida e das decisões do governo, bem como ter os seus direitos garantidos. Aquele que não tem cidadania está marginalizado e em posição inferior aos demais indivíduos da sociedade, não se concretizando, assim, um princípio básico do ordenamento jurídico brasileiro: A igualdade.

Desta forma, cria-se a problemática apresentada nesta pesquisa. Qual a importância que a aplicação e interpretação da norma possuem na efetivação da cidadania? A pergunta, superficialmente, é de simples resolução. A importância é total. Por meio da interpretação das normas, o Poder Judiciário encontra a melhor forma de aplica-las. Na letra da lei é encontrada a melhor maneira de proporcionar à população a satisfação de suas necessidades. A aplicação das normas, por sua vez, é requisito básico para a realização social destas. O desafio, entretanto, está em como aplicá-las. Qual a forma mais eficaz de oferecer à população o exercício de seus direitos.

Há, neste sentido, uma série de empecilhos econômicos e políticos, tanto na interpretação quanto na aplicação das leis na realidade social. O Estado alega que não há recursos suficientes para satisfazer todas as necessidades da população, fazendo apenas o que está ao alcance de seu orçamento. Não se pode negar que, de fato, não haveria erário o bastante para tudo que a população precisa, incluindo nisto remédios, escolas, creches, rodovias, moradia, entre outras precisões. Esta alegação baseia-se no princípio da reserva do possível.

O princípio da reserva do possível compreende no Estado realizar aos seus tutelados o que as suas possibilidades permitem, ou seja, não prestar serviços além do que o seu orçamento e tesouro aceitem. Infelizmente, este argumento está sendo largamente utilizado pelo Poder Público, em especial, para justificar a não oferta de medicamentos a quem necessita.

Ressalta-se que este instituto deve ser analisado com desconfiança e o argumento nele fundamentado deve ser provado, assim como explana o juiz George Marmelstein LIMA (2008):

Apesar de a reserva do possível ser uma limitação lógica à possibilidade de efetivação judicial dos direitos socioeconômicos, o que se observa é uma banalização no seu discurso por parte do Poder Público quando se defende em juízo, sem apresentar elementos concretos a respeito da impossibilidade material de se cumprir a decisão judicial. Por isso, as alegações de negativa de efetivação de um direito econômico, social e cultural com base no argumento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la.

Falar deste princípio em específico importa em demonstrar o qual dificultoso se torna a aplicação de direitos fundamentais na realidade brasileira. A Constituição é baseada fortemente em direitos humanos, contrapondo o período totalitário vivido anteriormente a 1988, entretanto, ainda não conseguiu estabelecer modos de garantí-los faticamente à sua população.

Ainda que seja plausível levar em consideração os recursos que o Estado dispõe para ações sociais, a realidade vista é de total descaso em algumas situações, ou de providências tomadas mediante decisões judiciais.

Em consequência deste descaso, cria-se uma realidade que vai totalmente de encontro ao que está no papel da Constituição. Observa-se no Brasil um cenário de desigualdade extrema, ainda que menor do que há trinta anos; uma distribuição de renda desigual e práticas políticas imediatistas que visam tão somente a manutenção de um governo paternalista.

É fato que estas ações governamentais são necesárias e úteis para uma parcela consideravel da população, garantindo-lhes alimentação, luz, água e outras precisões, mas também deve-se pensar em soluções a longo prazo, a começar pela melhoria na oferta da educação pública.

Gilberto DIMENSTEIN (1994) diz que “(...) a educação é um dos pilares da democracia. Quanto maior a politização, mais difícil será a vida dos demagogos.” Educar a população é proporcionar a ela a possibilidade de crescer economicamente, pensar criticamente, e conhecer seus direitos e deveres como cidadão. Ou seja, é torná-lo um ser ativo socialmente, efetivar sua cidadania.

O mesmo autor exemplificou, ainda, a importância da instrução:

A família é pobre. Mora numa casa onde não tem saneamento básico. O ambiente facilita a transmissão de doenças. As doenças enfraquecem o corpo, que fica desnutrido. A criança desnutrida não aprende direito o que é ensinado. E quem não estuda não consegue arrumar um bom emprego. (...) Um jeito de quebrar esse círculo tenebroso é a educação. Isto porque uma pessoa intruída pode defender melhor os seus direitos esabe quais as suas obrigações. (P. 139 e 140)

Deixa-se claro que esta pesquisa não defende a educação como a solução para todos os problemas sociais e estruturais vividos pelo brasileiro, mas é um dos caminhos para a solução. A instrução proporciona ao indíviduo melhor compreensão de si e do mundo ao seu redor. A educação, portanto, revoluciona, primeiramente, o ser social, que, por sua vez, mudará sua comunidade.

A educação é um direito social previsto constitucionalmente em artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”.

E também está no Artigo XXVI:

1.Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

A educação ganhou, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o título de direito fundamental, essencial à plenitude da vida, elementar para a compreensão da tolerância, amizade e manutenção da harmonia social.

Tendo em vista estes diplomas legais estabelecendo a educação direito fundamental, entende-se a garantia deste como propulsor inicial para a efetivação da cidadania. Resta, então, constituir maneiras eficazes de garantir este direito aos cidadãos. Ações governamentais que possibilitem, desde a criança até ao adulto, a chance de ingressar em uma escola de qualidade e gratuita.

O Brasil tem exemplo de ações positivas que objetivava diminuir a evasão escolar e aumentar o ingresso de alunos, em especial da classe baixa, através do programa “Bolsa Escola” implantado no ano de 2001 e incorporado posteriormente pelo programa Bolsa Família. Consistia no pagamento de uma quantia mensalmente à famílias que se enquadrassem nos requisitos pedidos pelo governo, se as crianças daquela comunidade familiar tivessem frequencia escolar.

A UNESCO, em pesquisa realizada no ano de 2010, comprovou que, embora o Brasil tenha registrado o maior número de matrículas no ensino primário da América Latina, o país também apresentou o maior número de repetências nesta etapa escolar, o que demonstra a baixa qualidade de ensino e um déficit na aprendizagem destes alunos.

Ou seja, de forma imediata, estes programas governamentais funcionam e estimulam pais que precisam da renda gerada pelas crianças para sustentar a família a colocá-las na escola. Mas sem melhorar significativamente a qualidade do ensino público, estas crianças ingressadas transformam-se apenas em números para estatísticas. Qualitativamente, nada muda.

A lei, portanto, apresenta-se no momento de estabelecer a cidadania, e os meios de chegar a exercê-la, ainda que apenas no papel. Interpretar as normas favorecendo os direitos fundamentais e aplicá-las à realidade do brasileiro são atividades que, mesmo após 23 anos da Constituição Cidadã ser promulgada, permanecem como desafios político e econômico para o Estado.

O que se vê são ações imediatistas, quantitativas, sem reais resultados futuros, que não favorecem um crescimento significativo do Brasil ou uma melhora de vida da população brasileira, que espera diminuir a desigualdade social, melhorar a distribuição de renda e ter acesso à direitos básicos, muitas vezes negada pelo Estado.

Efetivar a cidadania, portanto, vai além de normatizá-la na Constituição e em legislações esparsas, Luis Roberto BARROSO (1993) diz que:

 A efetividade significa (...) a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. (p. 79)

O Direito e o Estado devem trabalhar em conjunto para que os titulares dos direitos fundamentais possam exercê-los de fato. O pleno exercício da cidadania vem com a efetivação de seus direitos básicos e sem que haja, pelo menos, uma educação de qualidade para a população, ou medicamentos disponíveis quando preciso, não há que se falar em cidadania efetivada.

 

 

  1. 5.                  Conclusão

 

Este artigo buscou analisar a relevância da correta aplicação e interpretação da lei para o exercício pleno da cidadania e, pelas pesquisas realizadas, pode-se comprovar que interpretar a lei e aplica-la tal qual regulamentam as normas do ordenamento jurídico brasileiro é importante e vital, mas não é o bastante.

Legislar e administrar as leis não se mostrou o suficiente para que as garantias previstas sejam exercidas de fato pelos titulares dos direitos. É preciso que haja eficácia e, para tanto, necessita-se de políticas públicas que auxiliem neste trabalho de aplicar leis na realidade social.

Tais políticas devem ser ações afirmativas que visem diminuir a desigualdade social histórica existente no Brasil e implante maneiras de oferecer à população condições de viver dignamente, apresentando àqueles que não possuem provimentos financeiros suficientes, o básico, como moradia, alimentação, emprego, saúde e educação.

A educação, em especial, parece ter um papel relevante na efetivação da cidadania. DIMENSTEIN (1994) revela, em acordo com números do IBGE, que há maior índice de mortalidade infantil em família em que a mãe é analfabeta. Este índice diminui conforme a instrução aumenta. O que demonstra que o estudo oferece maior preparo até mesmo no momento do planejamento familiar e na manutenção da saúde dos próprios filhos.

Torna-se então, um problema público, de interesse estatal, oferecer à população condições para o ingresso na escola e universidades, bem como qualificar a educação pública.

Com já visto nesta pesquisa, os números de matriculados são maiores que há alguns anos, entretanto, o nível de aprendizado continua a desejar, mostrando que a educação proporcionada à população de classe mais baixa ainda é oferecido de forma parcial e sem qualidade.

Assim, mostra-se necessária a implantação de medidas mais eficientes neste sentido, tendo em vista que oferecer educação é possibilitar o crescimento pessoal dos indivíduos, e, por consequência, do país. O nível de instrução influencia, até mesmo, na riqueza material do Estado.

O Ministro Marco Aurélio DE MELO, em palestra proferida em 2001 sobre a igualdade e ações afirmativas, relaciona a importância destas na área educacional:

É preciso buscar-se a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou-se um fracasso. Há de se fomentar o acesso à educação; urge um programa voltado aos menos favorecidos, a abranger horário integral, de modo a tirar-se meninos e meninas da rua, dando-se-lhes condições que os levem a ombrear com as demais crianças. E o Poder Público, desde já, independentemente de qualquer diploma legal, deve dar à prestação de serviços por terceiros uma outra conotação, estabelecendo, em editais, quotas que visem a contemplar os que têm sido discriminados, mais especificamente de quotas de reserva no mercado de trabalho.

O Ministro, em sua explanação, cita a necessidade de intervenção estatal na garantia de educação à população e da importância que a mesma tem para, inclusive, retirar das ruas crianças que lá estão por falta de oportunidades e condições mínimas de infraestrutura familiar e social, devendo ser esta falhada corrigida, ou minimizada, pelo Estado.

O que verifica-se, portanto, é que em muitas situações, não há eficácia da norma jurídica, e, por vezes, por omissão estatal. A interpretação também fica prejudicada quando alegações, como as baseadas no princípio da reserva do possível, obstam a aplicação de decisões judiciais que auxiliariam no fornecimento de algumas garantias, como acontece com o fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde.

Resta ressaltar que o direito à cidadania está diretamente ligado ao princípio da igualdade e o exercício do primeiro só será garantido quando as desigualdades existentes entre classes sociais, raças, sexos e outras disparidades, forem minimizadas, assim como quando houver uma reforma profunda na estrutura social e política do país.

Não se pode falar em cidadania enquanto ainda houver regiões abandonados pelo poder público, a mercê de coronéis, ou enquanto houver crianças trabalhando por um prato de comida. Não é esta a realidade pretendida no artigo 5º da Constituição Federal ou mesma da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na qual a Lei Maior se apoia.

 

  1. 6.                  Referências Bibliográficas

 

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DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. 7º ed. São Paulo: Moderna, 1998.

DIMENSTEIN, G. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1994.

DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e Seus Efeitos.  São Paulo: Saraiva, 1989.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

DE MELO. Marco Aurélio. A igualdade e as ações afirmativas. Correio Braziliense. 2001, p.5 apud LIMA, Vanessa Batista Oliveira. Ações afirmativas como instrumento de efetivação do princípio da igualdade e do princípio da dignidade humana. Disponível em http://www.fa7.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic/v_encontro/acoesafirmativascomoinstrumentos.pdf. Acessado em 12 de novembro de 2011.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15º ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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SILVA, José Afonso de. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23º ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

SITE UNIC – RIO DE JANEIRO. UNESCO adianta números sobre a situação da educação brasileira na reunião no Rio de Janeiro. 2010. Disponível em http://unicrio.org.br/unesco-adianta-numeros-sobre-a-situacao-da-educacao-brasileira-na-reuniao-no-rio-de-janeiro/. Acesso em 15 de novembro de 2011.



[1] Alunos do 4º Período do curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara – Goiás.