O DESACATO CONTRA POLICIAL MILITAR: HÁ LEGITIMIDADE DO DANO MORAL NO TEXTO DA LEI?¹.

 

Aylla Gleyssa Muara dos Santos Silva²

João Carlos da Cunha Moura*

 

Sumário: Introdução; 1. O crime de Desacato; 2. Noções sobre Dano Moral; 3.Legitimidade do Dano Moral no crime de Desacato;Conclusão; Referências.

 

RESUMO

 

Será realizado um estudo no que se refere à análise do Dano Moral, nos crimes de Desacato contra policial militar em serviço, haja vista que mais do que um cidadão comum, os policiais militares expõem-se constantemente a situações de conflito, restringindo liberdades e direitos individuais em prol do bem coletivo, onde neste contexto, ocorre uma corriqueira ofensa contra a sua dignidade, honra e imagem. Assim, verificando- se a possibilidade ou não de legitimidade do Dano Moral no crime de Desacato.

PALAVRAS-CHAVE:Dano Moral. Desacato. Legitimidade.

 

  1. 1.    INTRODUÇÃO

 

Sobre o crime de desacato, será analisado o crime de desacato, haja vista que algumas autoridades confundem uma reclamação, uma manifestação do pensamento com desacato, onde este, na maioria das vezes é associado de maneira errada, onde relaciona-se este crime somente à autoridade pública, sendo que pode ser praticado contra qualquer funcionário público, inclusive contra policial militar.

A questão das noções do Dano Moral, será explanado a responsabilidade civil e criminal, que independem entre si, na questão do dano moral e a sua liquidação, em que para a caracterização do dano moral originado em causa extracontratual (o que comumente ocorre envolvendo os militares do Estado), deve-se evidenciar a ação ou omissão praticada contra o policial militar, a culpa ou dolo do agente agressor e a relação de causalidade entre a conduta e o dano moral experimentado.

Por fim, trazer a ideia central deste item é trazer jurisprudências sobre casos de indenização por dano moral, para policiais militares, tanto os que foram concedidos quanto os que foram negados, se esse dano moral é de fato legítimo frente aos casos que serão mencionados.

  1. 2.    O CRIME DE DESACATO

 

O núcleo desacatar deve ser entendido no sentido de faltar com o devido respeito. Afrontar, menosprezar, menoscabar, desprezar, profanar. Conforme esclarece Hungria, “a ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário. É a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos. gritos agudos, etc, uma expressão grosseira, ainda que não contumeliosa, proferida em altos brados ou de modo a provocar escândalo, bastará para que se identifique o desacato".

Para que ocorra o delito de desacato é necessária a presença do funcionário público, não se exigindo, contudo, que a ofensa seja proferida face a face; bastando que, de alguma forma, possa escutá-la, presenciá-la, enfim, que seja por ele percebida. Hungria, com precisão, também esclarece que não é desacato a ofensa in litteris,ou por via telefônica, pela imprensa, ou seja, por qualquer modo, na ausência do funcionário. Em tais casos, poderão configurar-se os crimes de injúria, difamação, calúnia,ameaça, se ocorrerem os respectivos essentialia, e somente por qualquer deles responderá o agente.

Também é fundamental, para efeito de caracterização do delito de desacato, que as ofensas sejam proferidas contra o funcionário público no exercício da função (in offieio) ou em razão dela (proptcrofficium). A conduta de menosprezo deve, portanto, dizer respeito às funções exercidas pelo funcionário, que atingem, diretamente, a Administração Pública.

Qualquer altercação entre um extraneus e um funcionário público que diga respeito a problemas pessoais que não coloque em desprestígio as funções por este exercidas, pode se configurar em outra figura típica, mas não no desacato. O ato de proferir palavras desairosas aos policiais no momento da prisão do filho da própria e na delegacia configura o delito de desacato (art. 331 do Código Penal).

Segundo Lélio Braga Calhau, para a configuração do delito se faz necessário o nexo causal, ou seja, que a ofensa seja proferida no exercício da função ou que seja perpetrada em razão dela. Esse nexo causal pode se apresentar de duas formas, aocasional ou causal. Será ocasional se a ofensa ocorre onde e quando estiver o funcionário a exercer funções de seu cargo ou de caráter causal,quando, embora presente, o ofendido não esteja a desempenhar ato de ofício, mas a ofensa se deu em razão do exercício de sua função pública; se a ofensa não for em razão da função pública, mas sim sobre a conduta particular do ofendido, a ação .penal será privada, pois não ocorrerá desacato, mas um crime contra a honra.É importante frisar, no entanto, que o exercício da função diz respeito à prática de qualquer ato a ela correspondente, independentemente do local onde é levado a efeito.

Noronha fala que não é preciso que o agente esteja no exercício da função para que se possa configurar o desacato, bastando que a conduta ofensiva seja praticada em razão dela. Quanto a classificação doutrinária, écrime comum no que diz respeito ao sujeito ativo e próprio quanto ao sujeito passivo; doloso; de' forma livre, comissivo (podendo, no entanto, ser praticado via omissão imprópria, nos termos do art. 13, § 2° , do Código Penal); instantâneo; monossubjetivo; unissubsistente ou plúrissubsistente (dependendo, no caso concreto, da possibilidade ou não de fracionamento do iter criminis); transeunte.

Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa. Qualquer do povo pode desacatar um funcionário público. A esse respeito, não há divergências. Doutrina e jurisprudência são unânimes em considerar como sujeito ativo de desacato qualquer do povo.

Sujeito passivo Segundo Damásio do crime de desacato é, primariamente, o Estado e, secundariamente, o funcionário público ofendido em sua honra profissional (funcional). “É o Estado, titular do bem jurídico protegido. Igualmente é o funcionário ofendido”e Regis Prado, igualmente, afirma que o sujeito passivo é o Estado, representado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Figura, também, como sujeito passivo o funcionário público ofendido.

Hungria, posiciona-se no sentido de que somente haveria desacato se o agente tivesse posição idêntica ou inferior à do funcionário público desacatado, afastando-se, outrossim. na hipótese em que a conduta de menoscabo partisse de um superior  contra um inferior hierárquico. Em sentido contrário, afirma Fragoso que sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, inclusive funcionário público, quer exerça, ou não. A mesma função do ofendido; tenha ou não, a mesma categoria dele.

Quando um funcionário desacata outro funcionário, ele, na verdade, despe-se dessa qualidade e atua como um particular. Simplesmente pelo fato de ser um superior hierárquico não pode ofender a Administração Pública, ali representada pelo seu funcionário, não imporrando o tipo de função que exerça, bem como a sua hierarquia, comparativamente ao agente. Assim, poderá um juizde direito responder pelo delito de desacato se, porventura, vier a proferir palavras de desprezo contra um oficial de justiça, no exercício desua função ou em razão dela.

Objeto material e bem juridicamente protegido A Administração Pública é o bem juridicamente protegido pelo tipo penal que prevê o delito de desacato. O objeto material do delito é o funcionário público desacatado no exercício de sua função ou em razão dela.

O delito se consuma no instante em que o agente pratica o comportamento que importe em desprezo, menoscabo, enfim, desprestígio para com a Administração Pública, ali representada através de seu funcionário, independentemente do fato de ter este último se sentido desacatado. Dependendo da forma como o delito é praticado, será possível o reconhecimento da tentativa. No entanto, na maioria das hipóteses, trata-se de crime monossubsistente, no qual não se pode fracionar o intercriminis, impossibilitando. assim, o raciocínio relativo ao conatus.

O dolo é o elemento subjetivo exigido pelo tipo penal que prevê o delito de desacato, não havendo previsão para a modalidade de natureza culposa. Não configurado o dolo de atingir a função pública, haja vista que o fato ocorreu em festa de carnaval, quando as pessoas, não havendo motivo para que o policial retirasse o réu do bloco, por não ter obedecido a ao pedido de retirar a camiseta do rosto.

Para a caracterização do delito de desacato, é necessário o elemento subjetivo do injusto (dolo específico), consistente na vontade de ultrajar e desprestigiar a função pública exercida pejo ofendido, nâo bastando para tanto a mera enunciação de palavras ofensivas resultantes de desabafo ou revolta efêmera do agente. Restando evidente a ausência de intenção de desrespeitar, ofender ou menosprezar funcionário público no exercício da função, falta justa causa para a ação em que a paciente é denunciada pela prática de desacato.

O núcleo desacatar pressupõe um comportamento comissivo por parte do agente, podendo, no entanto. ser praticado via omissão imprópria.A pena cominada ao delito de desacatoé de detenção. de 6 (seis) meses a 2 (dois)anos. ou multa.A ação penal é de iniciativa pública'incondicionada.Compete. pelo menos inicialmente, aoJuizado Especial Criminal o processo ejulgamento do delito tipificado no art. 331do Código Penal.

Será possível a confecção de proposta desuspensão condicional do processo.O crime praticado contrajuiz eleitoral, órgãojurisdicional de cunho federal, evidencia ointeresse da União em preservar a própriaAdministração, porém a competência criminalda Justiça Eleitoral restringe-se ao processo ejulgamento dos crimes tipicamente eleitorais,não abrangendo o crime comum praticado contra aquele juiz (no caso, o desacato do art.331 do CP). Na hipótese, a competência da Justiça Federal,mas se esclareça que o crime em tela estáabrangido pelo conceito de menor potencialofensivo, a reclamar a competência do juizadoEspecial Federal.

No Código Penal Militar, Capítulo I, Título VII, Dos Crimes contra a Administração Militar, há três espécies de crime militar de desacato, previstas nos artigos 298 (desacato contra superior), 299 (desacato contra militar em serviço) e 300 (desacato contra assemelhado ou funcionário). Interessa-nos, no presente estudo, abordar as peculiaridades do artigo 299, que está relacionado diretamente ao desacato contra o policial militar em serviço.

Seguindo a teoria do expoente jurista castrense Jorge Alberto Romeiro10, trata-se o presente delito de crime impropriamente militar, posto que praticável por qualquer pessoa, inclusive outro militar, ainda que superior à vítima, ou funcionário público, conforme jurisprudência consolidada11, pois estes se despem da qualidade de agente estatal, equiparando-se ao particular, salvo no caso do crime militar de desacato contra superior, previsto no artigo 298 do CPM, quando necessariamente o sujeito ativo deve ser militar.

A pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos, se o fato não constitui outro crime, com a seguinte redação: “Desacatar militar no exercício de função de natureza militar ou em razão dela”. Como o CPM foi elaborado para aplicação às Forças Armadas, há a necessidade de se realizar algumas adaptações para aplicação às Polícias Militares Estaduais. No caso específico do desacato a militar de serviço, deve-se considerar o policiamento ostensivo realizado pelas Polícias Militares como “função de natureza militar”, tornando, assim, aplicável o dispositivo em tela nos casos de desacato aos militares estaduais.

No caso das Forças Armadas, o militar ou o civil que desacatarem o militar será processado e julgado pela Justiça Militar Federal; todavia, no caso das Polícias Militares, somente haverá o crime militar se o sujeito ativo for igualmente policial militar, pois o civil que desacatar policial não poderá ser processado e julgado pela Justiça Militar Estadual, posto que falta a esta Justiça Especializada competência para processar e julgar civis, conforme se extrai do § 4º do artigo 125 da Constituição Federal. Todavia, como há a previsão do crime de desacato no Código Penal, o civil responderá perante a justiça comum.

Cabe ressaltar, ainda, que também haverá o crime militar de desacato quando os sujeitos ativo e passivo forem policiais militares de Unidades da Federação distintas12. Caso um militar federal desacate um policial militar, o crime será comum, pois o militar federal é considerado civil pela Justiça castrense estadual13. Por outro lado, se um policial militar desacatar um militar federal, o crime será militar, pois, embora o militar estadual seja considerado civil para a Justiça Militar Federal, esta Côrte castrense possui competência para processar e julgar civis. Destaca-se que, no caso do artigo 299 do CPM, não haverá a possibilidade de liberdade provisória, conforme prescreve a letra “a” do parágrafo único do art. 270 do CPPM. Quanto à aplicação do sursis nos crimes militares de desacato, a legislação militar apresenta conflito de normas, pois o artigo 88 do CPM não veda a aplicação, enquanto o artigo 617, II, “a” do CPPM veda o benefício para este delito. Segundo a brilhante interpretação do Juiz da Primeira Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, RONALDO JOÃO ROTH, a regra substantiva deve prevalecer, pois a suspensão condicional da pena é tema de Direito Penal, aplicando-se, assim, o sursis para o crime de desacato14.

A injúria e o desacato são tipos penais que não se confundem. Traço diferenciador básico reside no fato de que, enquanto a injúria visa tutelar a honra subjetiva, ou seja, dignidade e decoro pessoal, o desacato busca tutelar o decoro do cargo público.

Desta feita, ainda que o militar do Estado não se sinta ofendido mas se verifique, objetivamente, que a conduta aviltou o prestígio da função pública, o crime de desacato resta configurado. A injúria, por sua vez, também pode ser perpetrada contra agente público no exercício de suas funções (injúria qualificada) só que, neste caso, apenas se o funcionário não estiver presente (por exemplo, através de carta); se estiver face a face com o ofensor, o crime em questão será sempre o desacato.

Ainda, a injúria (no Direito comum) é crime de ação penal privada (em regra), ou de ação penal pública condicionada a representação quando se referir a agente público no exercício de suas funções; já o desacato é crime de ação penal pública incondicionada.

  1. 3.    NOÇÕES SOBRE DANO MORAL

 

O dano material caracteriza-se pela diminuição patrimonial sofrida pela vítima (danos emergentes) e naquilo que ela razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes), nos termos do art. 402 do CC/02. Dano moral, por sua vez, deve ser entendido como “a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo a normalidade, interfira intensamente no psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar”(CAVALIERI, p. 78).

Desta feita, a fim de evitar abusos e excessos, não deve ser considerado dano moral, por exemplo, a “hipótese de mero aborrecimento que faz parte do quotidiano de qualquer cidadão de uma grande cidade”1. Anteriormente, acreditava-se que seria imoral dar valor monetário à dor, uma vez que essa seria imensurável. Atualmente, porém, o entendimento é de que a indenização por dano moral não representa a medida ou o preço da dor e sim, uma compensação pela tristeza e aflição causadas injustamente a outrem (GONÇALVES, 1995).

Teria, desta feita, precípuo caráter compensatório para vítima e, de natureza meramente reflexa, caráter punitivo para o ofensor. O dano moral, nestes termos, por não se confundir com o dano material, pode com ele ser cumulado, conforme preceitua a Súmula 37 do STJ.

A Constituição Federal tutela o direito a indenização por danos moraisnos art. 1º, III e art. 5º, inc. V e X, explicitando a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III) e declarando invioláveis o direito à honra e à imagem das pessoas (art. 5º, X).

O Código Civil de 1916, por sua vez, previa apenas algumas hipóteses específicas para a reparação do dano moral: ofensa à liberdade pessoal (art. 1.550), calúnia, injúria e difamação (art. 1.547) etc. Porém, com base no seu art. 159, genérico, que obrigava a reparação de qualquer dano causado sem diferenciação entre dano moral e material, tutelava-se também os direitos da personalidade. Com a Constituição Federal, que evidenciou o direito à indenização por danos morais, a celeuma deu-se por encerrada.

Para a caracterização do dano moral originado em causa extracontratual (o que comumente ocorre envolvendo os militares do Estado), deve-se evidenciar a ação ou omissão praticada contra o policial militar, a culpa ou dolo do agente agressor e a relação de causalidade entre a conduta e o dano moral experimentado.

Acerca da ação ou omissão, a responsabilidade pode derivar de ato própriodo ofensor ou de ato de terceiros. Em regra, a responsabilidade civil é individual; porém, alei pode determinar que o agente responda pessoalmente por ato de terceiro. É o que ocorre,por exemplo, com os patrões em relação aos atos ilícitos de seus empregados ou prepostospraticados no exercício do seu trabalho (art. 932, III do CC/02) e com os pais, em relaçãoaos seus filhos menores que estiverem sob sua autoridade e companhia (art. 932, I, doCC/02).

Nestes casos, patrões e pais responderão objetiva e solidariamente pelos danosmorais eventualmente causados em desfavor dos militares do Estado. Atual e recorrentequestão apresenta-se na vigência da Lei Estadual paulista nº 10.380/99, que outorgoudireito de transporte nos ônibus intermunicipais aos policiais militares devidamentefardados e identificados.

Caso seja humilhado, ultrajado ou, de qualquer maneira, tenhamaculada sua honra ou dignidade, independentemente das repercussões penais imponíveisao caso concreto, inegável a responsabilização civil dos funcionários da empresatransportadora ou, mais convenientemente, da própria empresa de ônibus empregadora,responsável solidária e objetiva pelos danos causados (art. 933 do CC/02). Imprescindível, ainda, a demonstração de dolo ou culpa do ofensor.

Enquanto o dolo consiste na conduta lesiva de forma consciente e voluntária, a culpacaracteriza-se pela inobservância de cuidado objetivo, inerente ao comportamento do homomedius, desde que previsível o fato nas circunstâncias em que ocorreu.

O nexo entre a conduta comissiva ou omissiva e o dano moral, por sua

vez, também é necessário. Não existe a obrigação de indenizar, por exemplo, diante da ocorrência de excludentes da responsabilidade civil, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito e a força maior (art. 393 do CC/02).

O sujeito passivo, titular do bem jurídico ameaçado ou violado pela conduta delituosa, pode ser o ser humano – nos crimes contra a pessoa –, o Estado – nos crimes contra a Administração Pública, a coletividade – nos crimes contra a saúde pública – e até a pessoa jurídica – nos crimes contra o patrimônio17. O Estado sempre será sujeito passivo de crime, posto que é o responsável pela elaboração das normas incriminadoras.

Porém, há duas qualidades do sujeito passivo: primário ou imediato e secundário ou mediato. Neste sentido, aproveitam-se as sábias palavras de Cezar Roberto Bitencourt: “Sob o aspecto formal, o Estado é sempre o sujeito passivo do crime, que poderíamos chamar de sujeito passivo mediato; sob o aspecto material, sujeito passivo direto é o titular do bem jurídico lesado. Nada impede, no entanto, que o próprio Estado seja o sujeito passivo imediato, direto, como ocorre quando o Estado é o titular do interesse jurídico lesado, como, por exemplo, nos crimes contra a Administração Pública”18.

Situa-se, assim, a pessoa do policial militar como sujeito passivo secundário do desacato, vítima, por muitas vezes, de constrangimento e humilhação, danos morais estes que podem e devem ser ressarcidos ou indenizados pelo autor do delito, como forma de compensação pela lesão à sua honra.

O artigo 927 do Código Civil prescreve que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo; sendo o dano moral uma modalidade de dano e o desacato um ato ilícito, é perfeitamente cabível a indenização por parte do autor do desacato à vítima policial militar19.

Desta forma, o policial militar vítima de desacato, tanto no caso de crime militar quanto no caso de crime comum, caso tenha a sua honra abalada, poderá ingressar na Justiça Cível para obter a indenização pelo dano sofrido; por desconhecimento de seus direitos como pessoa humana, ou por omissão, na maior parte dos casos a reparação por dano moral não é buscada pelo policial militar vítima do desacato.

Esta indenização se torna, muitas vezes, a única penalidade que causa impacto no sujeito ativo do crime quando se tratar de autor civil, pois, conforme foi analisado acima, este se beneficia dos diversos institutos da Lei 9099/95, deixando em muitos casos uma sensação de impunidade, o que fomenta a ocorrência constante deste delito contra aqueles que representam a Autoridade do poder do Estado.

  1. 4.    LEGITIMIDADE DO DANO MORAL NO CRIME DE DESACATO

 

O policial militar, ainda que represente a Administração Pública no exercício de suas funções, também é sujeito passivo do crime de desacato (art. 331 do CP e art. 298 a 300 do CPM) Mais propriamente, impossível desvincular os reflexos pessoais sofridos na dignidade do agente quando aviltada a atividade que exerce. Nestes termos, tem legitimidade plena para pleitear reparação por danos morais sofridos no desempenho funcional. Algumas considerações, contudo, fazem-se necessárias.

Já verificamos que o crime de desacato busca tutelar a dignidade do cargo público e que o delito se configura ainda que o agente não se sinta ofendido; neste caso, desconsiderada a ofensa pelo militar do Estado, descabida qualquer pretensão por dano moral. Essa, porém, não é a regra; o militar do Estado, quando desacatado, sente-se pessoalmente humilhado, desprestigiado e ofendido. Destarte, configura-se o quadro adequado para a pretensão reparatória por danos morais.

Com o advento da Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o pedido de indenização por danos morais ficou enormemente facilitado e célere, mesmo diante de algumas limitações. Nos Juizados Especiais Cíveis, por exemplo, o valor da causa não deve exceder a vinte salários mínimos, caso o autor não se faça representar por advogado (art. 9º, caput, da Lei 9099/95); assistido por um causídico, o interessado poderá pleitear reparação de até quarenta salários mínimos (art. 3º, I, c.c. art. 9º, caput, da Lei 9099/95).

A ação poderá ser interposta no domicílio do réu ou no local do ato ou fato (art. 4º, inc. III da Lei 9099/95). O pedido, por sua vez, poderá ser apresentado por escrito ou mesmo oralmente, na secretaria do Juizado, sempre de forma simples, expondo convenientemente a qualificação das partes, o objeto da demanda, os fatos e osfundamentos, bem como o valor da causa (art. 14 da Lei nº 9099/95). Deve-se, ainda, na petição inicial, apontar as testemunhas do autor (até três) e requerer-se ou não a intimação das mesmas para a audiência de instrução e julgamento (art. 34).

Preliminarmente tentar-seá, sempre que possível, a conciliação ou transação entre as partes, uma vez que o funcionamento dos Juizados Especiais baseia-se, dentre outros, nos princípios da simplicidade, informalidade e economia processual ( art. 2º c.c. art. 21 e seguintes da Lei 9099/95). Caso o valor dado à causa exceda a quarenta salários mínimos mas não ultrapasse sessenta, dever-se-á adotar o rito sumário, previsto no art. 275 e seguintes do Código de Processo Civil (com redação determinada pela Lei nº 10.444/02), desde que, ainda, a complexidade da controvérsia ou das provas a serem produzidas não exija a conversão do procedimento sumário em ordinário (art. 277 do CPC, § 4º e 5º). Nos demais casos, por exclusão, o rito ordinário deve ser adotado (art. 282 e seguintes do CPC).

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal Parte Geral, volume 1. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª Edição. Curitiba:

Editora positivo, 2004.

ROTH, Ronaldo João. O crime militar de desacato comporta o sursis? Revista A Força Policial, número 37. p. 41-

50.

NEVES, Cícero Robson Coimbra e outro. Apontamentos de Direito Penal Militar. Vol. I, São Paulo: Saraiva, 2005.

LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª Edição atualizada. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

MELLO, Rogério Luís Marques de. O militar do Estado vítima de dano moral.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6894. Acesso em 30OUT06.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal III. 17ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 14ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998.

 

 

'$9 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penai,v. 4, p. 319-320.

40 HUNGRIA. Nélson. Comentários ao código penal, v. IX, p. 425.

CALHAU, Lélio Braga. Desacato, p. 45.

4' FRAGOSO, Heleno Cláudio. Uções de direito penal, v. 2, p. 462.

 

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 10ª ed. Ed. Forense, Rio de Janeiro,1995.

ü  Este livro será utilizado como apoio de pesquisa para o assunto de Dano Moral.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. Ed. Saraiva, São Paulo, 1995.

ü  Este livro será utilizado no item de Noções de Dano Moral e sobre a possibilidade de legitimidade.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. v. 4. Niterói: Impetus, 2006.

ü  Este livro será utilizado para explanar sobre o crime de Desacato.

LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª Edição atualizada. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

ü  Este livro será utilizado como apoio de pesquisa para legitimidade e o crime de Desacato no Direito Penal Brasileiro .

NEVES, Cícero Robson Coimbra e outro. Apontamentos de Direito Penal Militar. Vol. I, São Paulo: Saraiva, 2005.

ü  Este livro será utilizado como apoio de pesquisa para alguns para os capítulos deste Paper.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal: Parte Especial. v. 4. São Paulo: Atlas, 2004.

ü  Este livro será utilizado para aprofundamento sobre o crime de Desacato.