Por: Renato Guimarães

No Egito, apenas nesta onda de agressão, são milhares de mortes cometidas pelo Exército. Existiu o golpe de Estado contra o presidente Mursi e, para dominar descontentes e opositores decretaram-se Estado de Emergência e toque de recolher em vários lugares do país. Contudo, como ainda teve resistência, o governo liberou o uso de força letal contra a população chefiada pela Irmandade Islâmica. O Terrorismo de Estado buscou legalidade nas ações de violência mortal e por isso ainda questionou ao apoio estadunidense (que não funcionou). Assim, o Egito promove democídio, além de institucionalizar a violência.

Para resguardar um manter um grupo de militares no poder – sob a alegação de proteger bens lícitos –, o Estado age para extinguir ofensas a esses direitos pretensamente protegidos. Há semelhanças com Saddam Hussein perseguindo e suprimindo os curdos. Também por isso, neste conjunto, bem, trata-se do melhor ajuste possível para se diferenciar um Estado de Exceção. À altercação com o passado da Alemanha nazista é que não há genocídio, porque não se arrasa uma condição ou atributo global do povo (como uma raça), nem sequer se busca a eliminação de todo o povo (como no recurso final do Holocausto). No democídio ocorre o assassinato de uma quantia da população civil, sob a argumentação de que se está em guerra. Abate-se, portanto, uma parcela do povo muito calhada a uma categoria política, ideológica ou religiosa.

Há uma relação essencial entre os componentes políticos e a fórmula religiosa. No Egito, designadamente, falhou a construção do Estado Laico nos dois lados do poder. Pois, luta-se a favor ou contra a religião (o Islã) nos dois sentidos do poder. O Estado domina claramente para conter os grupos políticos considerados ameaçadores, lesivos. No caso egípcio, atualmente, há outra diferença em relação à Teoria Política convencional: a alteração de governo pode (deverá) sugerir em modificação radical da Razão de Estado. Daí os contínuos golpes e contragolpes. Uma vez que, em valor deste ou daquele governo, haverá ou Estado Laico ou Teocracia.

No democídio, o adversário político é aéreo à condição de oponente do Estado, o que aprovaria sua eliminação. Porque assim, sob o comprovante de estar em guerra, procura-se uma forma de se legitimar a chacina e o homicídio como política sistemática. Afirma-se que uma parte da sociedade ameaça o contrato social, mas se esquece de dizer que os contratualistas aceitavam o direito de resistência ao arbítrio.

Aliás, os dois lados afirmaram haver condições para jurar o direito à revolução: a) fatos condicionantes do direito de revolução: trata-se da ilegalidade e da ilegitimidade de uma circunstância jurídica anterior; b) Titularidade: tem-se por titular adequada a coletividade; e por titular atual, os líderes da facção dominadora (cabeça ou fração de classe); c) Conjunção dinâmica: é a energia que acopla o Direito material à revolução, (faculdade de agir) à consciência política da obrigação de agir (subjetividade que lidera o anseio da transformação mais profunda); d) Vias e expedientes revolucionários: pergunta-se: sucessivamente será luta armada? Articula que, historicamente, sim, mas que de acordo com a teoria, não. Deve-se notar que, sob a perspectiva jurídica, apenas depois de consumidas todas as etapas de resistência, é que será talhada em ação a revolução. Como forma característica de se legitimar, entretanto, o Estado autocrático faz o “avanço da punibilidade”, punindo-se o alvo de ser opositor e assim se trama uma juridicidade diante da teoria política repressora e prospectiva. Aplica-se a atenção e a punição na configuração de “crime de pessoa”, para que todos que se alcancem em certos esquemas político-ideológicos sejam castigados.

O resultado é a abolição sem ter qualquer tipo de ação política que chegasse a ser tipificada como grave crime contra a Razão de Estado. À contestação do passado, agora basta que se semelhe, ou seja, estereotipado como inimigo do Estado. A conclusão total revela que a onda de terror é colonizada pelo Estado. O democídio, então, é decorrência do Terrorismo de Estado, mas, contraditoriamente, acaba se manifestando em primeiro lugar.