Com uma diferença de alguns dias, pouco mais de 200 km (duzentos quilômetros) de distancia, o mesmo drama, a mesma dor, o mesmo atestado de falência social. O contrato, aquele dos primórdios da humanidade, tacitamente aceito em prol da segurança, da justiça e da proteção do Estado, foi descumprido. Está rescindido por incompetência e desrespeito de ambas as partes: indivíduo e sociedade.

Em Brasília, num dia de semana, com sol à pino de meio dia, um pai de família deixou dois filhos, mulher, irmãos, primos, todos com a dor da perda no coração e a revolta em todo o corpo. Eli, assassinado por conta de um carro, porque era para correr e não correu. Melhor, porque sua sentença foi dada, ali, sem dó nem piedade, por mais um elemento que vive à margem social.

Em Goiânia, num dia de semana, após sair da aula, Natália jaz no chão atingida por um disparo de arma de fogo pelas costas. Do outro lado da arma, outra Natália, que também morreu com o tiro, mas que a sociedade quer a morte de fato como lição.

Fatos semelhantes. Motivos que os desencadearam, iguais.

Dos dois fatos, fica a sensação de que os homens estão perdidos, sem direção, buscando respostas prontas, chavões. Se mostram conhecedores do certo e do errado, fazem suas análises superficiais, julgam o que de fato poderia por fim a tanta violência, a tanta decepção, e quando lhes vem à mente, à boca, somente uma palavra é dita, repedida, à exaustão: POLÍCIA.

Será? Há séculos o Brasil, e o Mundo, sofrem com problemas que somente aumentam: a violência, a falta de segurança, a impunidade. E sempre que a coisa fica realmente feita as soluções encontradas são sempre as mesmas e ineficazes superficialidades: aumentar a polícia na rua; inchar ainda mais um Estado que não cumpre, nem nunca cumpriu e nem nunca cumprirá com seu papel porque esse papel, no fundo, nunca pertenceu ao Estado.

Isso mesmo, garantir segurança para você, seus filhos, seus amigos e pessoas queridas sempre foi e continuará sendo uma excelente promessa política para ser cumprida caso você vote, em mim, por exemplo. Se eu resolver essa questão no meu primeiro mandato, o que mais vou prometer no segundo?

Portanto, se realmente temos a intensão de diminuir, e porque não eliminar a violência do nosso meio social, que tal fazermos uma análise mais profunda das reais formas de se atingir esse objetivo? Só um conselho: se você estiver achando que alguma das reais possibilidades de resolver o problema será feito sem a sua própria, contínua e determinada participação, desista. E não comente mais, quando o próximo crime bárbaro virar notícia de televisão.

Querer colocar “nas costas” da polícia, do judiciário, das leis e até mesmo do direito penal, enquanto teoria, a obrigação de gerar paz social é o mesmo que querer que uma criança tome conta de uma jaula de leões e nada de ruim aconteça. É ridículo, para os alienados. E jogo muito sujo, para os que dizem ter conhecimento.

E sabe por que a ironia quanto aos crimes cometidos em frente às escolas? Porque é dentro destes locais que 80% (oitenta por cento) dos crimes poderiam ser evitados. Isso, claro, se as escolas fossem boas, educassem e fossem acessíveis a todos.

O Direito Penal, portanto a Justiça Criminal, o Ministério Público atuando na área criminal e a Polícia, não são a solução para a diminuição da criminalidade, da barbárie, da completa desvalorização da vida. Na realidade, corresponde a campo ínfimo, proporcionalmente irrisório, em relação às demais medidas que, estas sim, se adotadas, podem resolver por gerações o problema da violência.

Não pretendo aqui entrar no discurso, também comum e também estéril, de que é o meio que corrompe as pessoas. Que as desigualdades sociais são a causa da falta de segurança. Quem seria esse tal meio corrompedor de pessoas? Seria um ser astral, invisível, que, como uma onda de rádio, transmite o mal por onde passa? Não, o meio, culpado pela formação de pessoas ruins, é formado por eu, por você e por todos os demais seres humanos. Não é lógico colocarmos a culpa em algo do qual fazemos parte, seria como culparmos a nós mesmos. Seria retórico. Sem sentido.

A realidade mesmo é que estamos com um estilo de vida que além de difícil de mudar, nos torna reféns de nós mesmos. O caminhar do brasileiro, do ser humano em geral, está no sentido de seu próprio umbigo. O mundo das pessoas são formados por seus próprios problemas, sua necessidade de ser o melhor, o mais bem sucedido, ganhar dinheiro, ter, ter, ter e ter mais um pouco.

Nos tornamos acumuladores de coisas e vazios de sentimento. Vazios de vizinhança na vida. Estamos girando em torno de um sol particular para cada pessoa. E a banalização disto se torna notícia diária, nos jornais das 06h, das 10h, das 13h, das 20h e da meia noite. Notícia ruim não acabada. Notícia ruim não basta.

A verdadeira solução para a violência está em um conjunto de conhecimentos, determinação, vontade, persistência e paciência, que sinceramente, não vejo sequer as pessoas comentarem, quanto mais, tentarem mudar. Sempre o que vejo, e nunca muda, é o Governador X ganhar as eleições porque prometeu acabar com a bandidagem. Presidente Y ir a televisão dizer que o governo anterior foi o culpado pela violência. E por ai vai. Ao ponto de chegarmos nos dias de hoje com a eloquente discussão em grupos de WhatsApp a respeito da nomeação de Comando da Polícia Militar de Goiás. Uns a favor, porque bandido bom é bandido morto. Outros contra, porque os direitos humanos são direitos tão nobres e superiores que só servem para quem é humano vivo, porque o que morreu já morreu mesmo, com um tiro nas costas, não está mais aqui para ter que ser protegido, como se fosse um bebê indefeso.

Ambas as opiniões estão erradas! Não se pode, numa sociedade em que realmente seja o povo o detentor do poder, se admitir que uma pessoa que esteja envolvida em grupos de extermínio seja o Comandante de qualquer polícia. Da mesma forma que não cabe aos defensores diuturnos dos direitos humanos fazê-lo somente depois que já existe, de um lado o bandido e, de outro, a vítima. Por que não fiscalizar a aplicação dos direitos humanos na formação de pessoas mais humanas e menos violentas? Por que os direitos humanos insistem em bater somente na porta das delegacias, mas nunca ou raramente são vistos no interior das escolas?

A verdade é que a segurança social só vai existir, de fato, se é que vai, quando eu, você e TODOS os demais tomarmos a consciência de que somos nós os responsáveis pela sua realização. Ninguém mais. Nem o meio, nem o Estado, nem o “povo”, nem a sociedade, nem nenhuma outra palavra que represente um monte de pessoas que engloba todo mundo, menos quem está falando, claro. O E.T., que vive em outro mundo. Isolado.

Segurança envolve áreas diversas da sociedade civil, do Estado, de cada um de nós. A família, a escola, os esportes, o trabalho, os cursos de capacitação, as oportunidades de crescimento e evolução, a caridade, a filantropia, o apoio psicológico, a paciência, o desarmamento completo e total da sociedade civil, o salário justo, a mudança de relacionamentos interpessoais, a ocupação de espaços públicos, e várias outras medidas que eu poderia ficar citando infinitamente, estas sim, são o caminho que deveríamos trilhar para termos segurança. Qualquer coisa que digam diferente disso, acaba por incorrer em tudo o que foi dito acima.

Família. Aqui compreendida a aglomeração de pessoas, ligadas por sangue ou afinidade, que se ajuda, se escuta, se respeita e principalmente, se transmite valores. Hoje o que vejo ser discutido sobre esse tema é se família é aquela formada por X e Y ou se por amor. Para a questão segurança, por método de observação, posso afirmar, é necessário o crescimento de famílias formadas pelos laços de amor entre seus membros.

São com os pais, sejam eles quem for, que a criança vai receber a base de sua personalidade. Isso não sou eu quem está dizendo, é a psicologia. Honestidade, respeito, paciência, altruísmo, todos são valores, sentimentos, conhecimentos que são passados de geração para geração. Mas hoje, são os filhos pequenos quem determinam o que querem fazer e ter e quando, são levados ao consumo cada vez maior e cada vez mais sem sentido, são “educados” por babás, vizinhas, irmãos e até sozinhas, na rua, aprendendo com outros tantos filhos largados por ai. O que se esperar de uma realidade assim? Um lugar tranquilo? Hoje um adolescente sequer se levanta para um idoso sentar no assento preferencial em um ônibus, e sabe por quê? Porque cresceram vendo seus pais também não se levantarem, simples assim. Criança repete, repete e repete até que aprende. Se nesse processo não houve intervenção e aprendeu errado, já era. Serão anos até que seu comportamento possa mudar e isso vai depender muito de um milagre em seus descendentes. É uma reação em cadeia.

Escola. Lugar de tornar a ignorância em conhecimento, as trevas em luz, o medo em sabedoria. Lugar onde se aprende a relacionar e respeitar o próximo, a ter disciplina, a criar, a aprender matemática, literatura, línguas, biologia, história e por ai vai. Lugar onde o mestre ensina a sermos cidadãos, local em que aos poucos vamos tomando conhecimento de nossas responsabilidades.

Além disto, é na escola que despertamos para a vida adulta. É de lá que iremos retirar o conhecimento necessário para termos a possibilidade de sonhar. Sonhar com um curso, uma profissão, uma carreira. Sonhar com o futuro, sem medo, com orientação. É na escola que nos sentimento de fato inseridos na sociedade e capazes de interagirmos com ela, portanto.

Mas qual é de fato a realidade das escolas de hoje? As públicas, sucateadas, com professores no limite do estresse, com alunos, já mal educados em casa, agredindo os mestres e lhes apontando arma para garantir o dez no boletim. A garota que é vítima de violência sexual no banheiro. Os grupos que matam aula para irem às festas regadas a música funk, drogas (principalmente álcool) e sexo precoce. Tudo com a impotência da escola e dos pais, a primeira por já não se prestar ao papel que deveria, os segundos porque ou não querem, ou não podem, ou porque pactuam.

E as escolas particulares? Um pouco mais seguras, talvez, ou apenas aparentemente mais tranquilas. Com alunos que não sabem respeitar os colegas fazendo listinhas do mais feio, do mais gordo, do mais isso e aquilo, a fim de que, inferiorizando os outros, possam se sentir superiores a todos. Ou, por outro lado, alunos tratados como números: os aprovados no vestibular. Levados ao limite do estresse, do pânico, para que sejam aprovados em medicina, ou engenharia, ou direito, ou qualquer outra coisa que lhes garanta uma vida cheia de dinheiro amanhã, mas sem a garantia de qualquer segurança.

Mais saídas para conter a violência? Oportunizar a prática de esportes por crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Seja com a construção, pelo governo, de um centro olímpico, ou seja pela criação de um time de futebol entre os moradores de uma quadra, de um time de vôlei pelas crianças da 7ª B, ou o garoto, filho da sua empregada, que você chamou para ir ao clube com os seus filhos no fim de semana para tomar banho de piscina, o que for. Esporte libera endorfina e outros neurotransmissores ligados ao prazer, à sensação de paz, de tranquilidade. Uma substância gratuita, produzida pelo próprio corpo e responsável por pessoas menos violentas e menos deprimidas, sensações bastante ligadas ao cometimento de crimes, principalmente os inexplicáveis.

Trabalho e salário justo. Oportunidade de ser útil, de aprender, de criar, de desenvolver. A sensação que isto traz? Quase nada, apenas: independência, confiança, tranquilidade, felicidade, dentre outros. Consequências? A pessoa que se esforça e percebe o retorno de seu esforço dificilmente sentirá necessidade de cometer crimes contra o patrimônio, principalmente. Assim como, geralmente, quem trabalha e ocupa seu tempo com atividades ou pensamentos úteis, dificilmente será incapaz de controlar seus sentimentos ruins e evitar o cometimento de crimes passionais.

Ocupação de espaços públicos. Nossa casa tem que ser o Mundo. Se realmente quisermos que as coisas mudem, precisamos estar juntos, atentos e unidos. Juntos nos momentos de diversão, de adquirir conhecimento, de agir em prol de uma cidade mais bonita, mais organizada. Ocupação de praças, realização de eventos culturais, sem a participação do Estado ou da dependência dele, mas sim organizado pelas pessoas, por nós. Aulas de dança em parques, workshops em praças, centros de convenções, festividades nas ruas, folclore, visitas guiadas a monumentos arquitetônicos, históricos, etc.

Em outro viés, a respeito da ocupação dos espações públicos, está a presença quase que diária e em diversos horários, de pessoas de bem nas ruas. Mas no que isso poderia ser favorável se quando ocorre algum crime não quero testemunhar porque estou com medo? Ou ainda porque conheço a pessoa que cometeu o crime e não quero prejudica-lo? Do que adianta a rua cheia de pessoas, se quando um estiver sendo assaltado os demais ficarem apenas olhando, agradecendo que não foi com eles? A verdade é que somos, cada vez mais, individualistas, covardes, mentirosos e dissimulados. Estamos caminhando na direção do agir somente por interesse ou se for para ganhar algo em troca. É triste. Mas é a realidade. Sequer temos a boa vontade de ligar para a polícia se for a casa do vizinho, e não a sua, que estiver sendo assaltada. Sequer ouvimos uma pessoa pedir por socorro, porque estamos muitos envolvidos em saber quem curtiu nosso post na rede social do momento. Só vamos aos Correios entregar algo se for sem valor, como documentos, mas se for um Iphone ultima geração que foi encontrado, por mais fácil que seja encontrar o dono, não nos movemos uma palha para que isso aconteça. E por ai vai.

A Polícia. A Polícia, meus caros, esta é apenas uma parte do enorme corpo que pertence ao Estado. É reflexo de todo ele. É como um órgão falido, devido a falência múltipla dos demais órgãos.

Se você, que tem apenas a você mesmo para gerir e agir não consegue fazer nada para sequer diminuir a violência que, cedo ou tarde, irá atingir você, será mesmo a polícia que irá fazê-lo? Ou ainda, será mesmo possível passar pela cabeça inocente das pessoas em geral que, se nada das outras medidas sociais foram cumpridas, será a polícia a salvadora da pátria? A que tudo vê, tudo sabe, tudo elimina?

Se sua resposta for sim, sugiro que compre gansos para vigiar seu quintal. Eles são animais agressivos, que mordem, atacam. São conhecidos por sua habilidade em proteger seu território. Compre os gansos que tudo estará resolvido.