Neste artigo, faremos uma reflexão acerca do Erro Sobre Elementos do Tipo Penal, art. 20, e das Descriminantes Putativas, §1º do art. 20, ambos do Código Penal brasileiro, quando arguidos pela defesa de um agente de estupro de vulnerável.

Como é cediço em nossa jurisprudência e em todo nosso ordenamento jurídico, haverá a incidência do Erro Sobre Elementos do Tipo Penal sempre que o agente delituoso desconhecer, equivocar-se ou enganar-se acerca de um dos componentes da descrição legal do crime (conduta, pessoa, coisa etc.). Passando resumidamente pelas hipóteses de existência de condutas abarcadas lato sensu pelo erro de tipo, temos, nos moldes previstos pelo Código Penal pátrio:

Art. 20 – O erro sobre elemento do tipo legal de crime exclui o dolo, mas   permite a punição por crime culposo, se previsto em Lei.

Aqui, temos a ocorrência da chamada falsa percepção da realidade, que é assemelhada à ignorância por parte do agente, vez que ele possuía – à época do fato - total desconhecimento sobre essa realidade.

Temos como exemplo clássico do Erro Sobre Elementos do Tipo Penal o caso do caçador que adentra uma mata densa e atira sobre um objeto nebuloso, pensando tratar-se de um animal, atingindo, com isso, uma outra pessoa que realizava um acampamento.

Conforme se depreende do exemplo acima, o caçador não possuia qualquer intenção de alvejar qualquer outra pessoa que ali estava, seja por desconhecer a existência dessa na mata, seja por não desejar causar-lhe nenhum tipo de lesão. Com isso, evidente que a falsa percepção da realidade do caçador incidiu sobre um elemento constitutivo do crime de homicídio (art. 121 do Código Penal), mais especificamente sobre a elementar Alguém. Vejamos:

Art. 121 – Matar alguém:

(...)

[grifo meu]

Dada a leitura do dispositivo legal, temos como certo que o agente do crime de homicídio tem a intenção de cometer o ilícito previsto no caput do art. 121, acima, o que não ocorre no exemplo dado.

Dessa forma, entendia o eminente jurista Julio Fabbrini Mirabete que:

O dolo deve abranger a consciência e a vontade a respeito dos elementos objetivos do tipo. Assim, estará ele excluído se o autor desconhece ou se engana a respeito de um dos componentes da descrição legal do crime (conduta, pessoa, coisa etc), seja ele descritivo ou normativo.[1]

Resta evidente que o caçador no exemplo acima não agiu com dolo, haja vista que não teve em momento algum o desejo de incorrer no tipo objetivo do art. 121 do Código Penal, ao contrário daquele que age com dolo, que pretende produzir a conduta jurídica tipificada como crime. Temos, com isso, o denominado erro de tipo, que, no caso do exemplo acima, seria a principal tese defensiva do caçador, buscando a aplicação do disposto no art. 121, §3 (homicídio culposo).

Vale destacar que o agende realizou a conduta típica objetiva, descrita no art. 121, porém não houve a tipicidade subjetiva, haja vista não estar presente o dolo.

Trazendo o erro de tipo para o crime de estupro, ele incidirá sempre em que o agente praticar a conduta descrita no art. 217-A, caput, do Código Penal por se enganar acerca da real idade da vítima.

Como exemplo, temos o agente que está no interior de uma casa noturna de frequência estrita de maiores de 18 anos, que, seduzido por uma garota de 13 anos, pratica, com ela, ato sexual.

Inconformado com tal situação, o pai da garota provoca o Ministério Público, que, por sua vez, oferece denúncia em desfavor do agente, narrando a exordial acusatória a existência de estupro contra vulnerável.

O agente, na instrução probatória, arrola como testemunhas amigos da vítima, que confirmam que ela aparenta possuir mais de 18 anos, bem como aponta como meio de prova a página de uma das redes sociais da vítima, que afirma que ela possui 19 anos. Outrossim, outra alegação factível do agente é de que ele conheceu a vítima no interior de uma boate frequentada exclusivamente por maiores de 18 anos.

Ora, diante do conjunto probatório acima descrito, é evidente que o agente possuía, no caso concreto, grandes chances de incorrer em erro de tipo, mais especificamente sobre a descriminante putativa (§1º, art. 20 do Código Penal). A descriminante putativa ocorrerá sempre em que o erro cometido pelo agente seja plenamente justificado pelas circunstâncias. Dessa forma, há a impressão de uma situação de fato que, se realmente existente na conduta preenchida, tornaria a ação legítima.

No caso em concreto, poderá o magistrado absolver sumariamente o réu, com fulcro no inciso II do artigo 397 do Código de Processo Penal, vez que estará diante de uma causa manifesta de excludente de culpabilidade do agente.

É notório que a situação induziu o agente a erro, não podendo ele ser apenado pela conduta descrita no artigo 217-A do Código Penal, haja vista não ter havido qualquer intenção da prática do ilícito. De outra monta, se a situação se colocasse com maior limpidez, sim, poderíamos enquadrá-lo como estuprador de vulnerável.

Nesses termos:

PROVA. JUDICIALIZACAO. PALAVRA DA OFENDIDA. NAO SE PODE LAVRAR SENTENCA CONDENATORIA, SE A OFENDIDA, EM JUÍZO, RETRATA-SE DE ACUSACAO FEITA NA FASE PRE-PROCESSUAL. FALTA A JUDICIALIZACAO NECESSARIA. ESTUPRO FICTO. DUVIDA QUANTO A IDADEDA OFENDIDA. A DUVIDA QUANTO A UM DOS ELEMENTOS DO TIPO - NO ESTUPRO FICTO, A IDADEDA OFENDIDA - DEVE LEVAR A ABSOLVICAO. (Apelação Crime Nº 683019384, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alaor Antônio Wiltgen Terra, Julgado em 23/06/1983)

APELACAO. ESTUPRO. CONDUTA LIBERADA DA OFENDIDA. PRESUNCAO DE VIOLENCIA RESULTANTE DA IDADE E "JURIS TANTUM".DUVIDA SOBRE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL APONTANDO A ABSOLVICAO. APELO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 689030518, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 28/06/1989)

APELAÇÃO. FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL. DECRETO ABSOLUTÓRIO. - No caso concreto, ainda que possível a promessa de pagamento pelo réu para que a vítima mantivesse relação sexual consigo, não há notícias de que a menor tenha sofrido atos de manipulação da vontade por terceiro para o exercício de prostituição ou exploração sexual, ou de que o acusado tenha se aproveitado dessa situação peculiar da ofendida para com ela praticar atos libidinosos. Além disso, há duvidasquanto ao conhecimento pelo acusado da idade da vítima. Apelo provido. (Apelação Crime Nº 70043929652, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 11/12/2013)

Certamente, o conjunto probatório apto a comprovar a existência da descriminante putativa deve ser rico, não cabendo meras ventilações acerca do desconhecimento, por parte do agente, da real idade da vítima.

Em conclusão, a falsa percepção do agente deve ser razoável, podendo ter levado qualquer outro indivíduo médio a incidir na mesma prática.



[1] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, 24ª Ed., São Paulo, Ed. Atlas S/A., 2008, 162 p.