O crime de aborto, suas exceções e os conflitos de princípios[1]

 

Karla Alessandra Salim Magluf Marques e

Rayssa Nayhara Souza Furtado[2]

Gabriel Ahid[3]

 

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Aborto e suas particularidades; 3 Aborto e o conflito de princípios (gestante x feto); 4 Exceção ao crime: aborto sentimental e anencéfalos; 5 Conclusão.

RESUMO

 

Dos tempos mais remotos até os tempos mais modernos, o aborto vem sendo um dos assunto mais polêmicos já visto nas sociedades do mundo. Diversos são os pontos de vista a respeito do que vem a ser a aborto, quais são os direitos envolvidos e quais devem prevalecer, além de ter-se um grande enfoque na legalidade ou não do ato de aborto. Das inúmeras discussões e debates vigentes é importante notar que a importância do feto e da gestante estão em constante conflito, tendo em certas circunstâncias a sobreposição de um pelo o outro. É importante que os indivíduos compreendam a realidade do ato de abortar e também entender os lados favoráveis e maléficos quanto a esse ato, mostrando assim que a justiça e igualdade deva prevalecer para todos.

 

Palavras-chave: Aborto – Direito Penal – Anencéfalos – Direito à vida – Dignidade da Pessoa Humana.

 

1 INTRODUÇÃO

 

O Direito penal trás em seu leque de atos ilícitos e de normas a serem seguidas, o que vem a ser aborto e a penalidade ao se concretizar o ato. Porém no decorrer do tempo, a evolução da sociedade, dos próprios costumes, modelos, culturas e dentre outros fatores externos, o que vem a ser aborto não tem a mesma característica, quando teve sua primeira definição em 1830 no Código Criminal do Império. Ou seja, a ideia inicial do que vem a ser aborto sofreu e ainda sofre grandes mudanças e interpretações diversas.

É importante que ao analisar um assunto jurídico, tenha-se em mente, que a própria sociedade é que faz o mundo jurídico, e que ao passo que a sociedade evolui, o direito na sua essência quanto organizador da sociedade, deve seguir lado a lado a evolução. O que permite concluir que para tratar de uma polêmica como é o aborto é preciso não apenas analisar o exposto no Código Penal atual, mas também os fatores contextuais e a realidade em que se vive.

Diante do seguinte paper ter-se-á como estopim o conflito existente no mundo jurídico do que vem a ser aborto, os conflitos existentes entre os direitos fundamentais tanto da mulher gestante quanto do próprio feto, além das possíveis exceções de abortos que não devem ser levados em consideração como crime. 

A essência do trabalho é buscar, diante do estudo sobre os assuntos explicitados acima, uma visão mais digna e justa sobre o que deve ser considerado crime como aborto e aqueles atos que por mais que caracterizem aborto, merecem um olhar mais crítico, mais hermenêutico, permitindo que se entenda que os fatores externos, os contextos e a realidade da gestante influenciam e devem ser levados em conta ao se considerar um aborto como crime ou não.

2 ABORTO E SUAS PARTICULARIDADES:

 

     Inicialmente para que possamos compreender a realidade do crime de aborto, precisa-se estudar de uma maneira geral como o aborto era visto anteriormente e o que mudou desde então até os dias atuais. É importante destacar que sendo o aborto, permitido ou não, pelo ordenamento jurídico, situação esta que agiu de maneira instável na história da humanidade, o mesmo se encontra no seio de todas as civilizações, desde do início da história humana até os tempos modernos.

Levando para o aspecto histórico, a palavra "aborto" tem origem em Latim, na palavra "Aborin" que tem como significado: separar do lugar adequado. Tem-se como um norte de início dos atos de abortos, a China. Existiram inúmeras civilizações que consideravam o ato de abortar como crime, como também existiram inúmeras que consideravam o ato de aborto como um ato sem necessidade de penalidade.

De acordo com os estudos das civilizações ao longo do tempo, o ato de abortar teve grandes evoluções para garantir o bem não só do feto, mas também da gestante, como também existiram tempos históricos na evolução do ato de abortar que o mesmo desrespeitava não só o direito da gestante como também do feto. De acordo com a autora Caroline Witt:

"O aborto, através da história, era utilizado como forma de contracepção e mantido como prática reservada até o século XIX, estando sempre acompanhado por questões morais, éticas e religiosas, as quais perduram até os dias atuais. "

Das inúmeras civilizações existentes perante o planeta, destacar-se-á a respeito da civilização romana, focada no Direito Romano, a influência do Cristianismo de uma maneira geral com enfoque a respeito do seu ponto de vista sobre o ato de aborto e sua influência perante os ordenamentos jurídicos, e em último momento analisar-se-á, nos dias atuais as colocações mais frequentes perante a vida do feto e da gestante e o que vem a ser aborto.

Nos tempos mais remotos, a civilização romana considerava o aborto como algo relacionado ao caráter privado, ou seja, destinado ao poder da família que tinha o domínio de decidir a punição e a autorização do ato de abortar. Naquele tempo a figura paterna era o símbolo de poder e soberania, logo, tão somente o pai poderia punir a esposa pelo ato de aborto se a mesma não houvesse pedido autorização ao pai (marido), o chefe da família. Assim, nota-se que naquele tempo o aborto não era crime, desde que autorizado pelo marido. No direito Romano, a conduta só era crime apenas contra a mulher, de acordo com autor Ivanildo Alves, o feto por ainda viver em vida intrauterina, o mesmo fazia parte tão somente da mulher, sem que houvesse a premissa de que o feto fosse algo separado do corpo da gestante e que deveria ser considerado algo a parte.

A Bíblia também disserta sobre o aborto e através de uma interpretação faz-se uma comparação com o código de Hamurabi, o que nos leva crer que, naquele período as mulheres que sofriam de aborto, praticavam ou fossem levadas a passar pelo aborto tinham punições diversas. Sendo a base da punição, a causa do aborto, ou seja, de acordo com a lei mais conhecida do Código de Hamurabi: "Olho por olho, dente por dente." Conclui-se então que desde os primórdios a preocupação central quanto ao ato de aborto não era perante aqueles que sairiam prejudicados, gestante e o feto, mas sim a indenização que deveria ser cobrada.

“Se alguns homens renhirem, e um deles ferir mulher grávida, e for causa de que aborte, mas ficando ela com vida, será obrigado a ressarcir o dano segundo o que pedir o marido da mulher, e os árbitros julgarem. Mas, se o desfecho desta situação for à morte dela, dará vida por vida. Olho por olho, dente por dente, pé por pé. Queimadura por queimadura, ferida por ferida, pisadura por pisadura”.

Com o surgimento do Cristianismo, o mesmo por sua vez, abolia de todas as maneiras o ato de abortar, considerando a máxima de proibição e criminalização daqueles que praticassem aborto, auxiliassem ou tivessem alguma relação com o ato. Figuras como o Papa João Paulo I e Papa João Paulo II consideravam crimes de aborto, todo e qualquer tipo de aborto, inclusive os provenientes de estupro ou o denominado aborto terapêutico, que vem a ser quando o feto nascerá com alguma doença congênita. 

Além da ideia central do cristianismo na abolição total do aborto ainda surgiram diversos prismas a respeito do conceito de aborto e na crença que o homem tinha alma e que esta sim era imortal. Além das inúmeras discussões acerca do assunto, o que levara os filósofos daquele período a discussão fora a respeito do feto ter alma ou não. De acordo com a autora Eliana Pacheco, existe duas correntes a respeito dessa análise, sendo elas:

"A primeira afirmava que o feto só adquiria alma no momento em que se separasse completamente do corpo materno. A essa exigência acrescia-se que o nascente respirasse, pois a alma entraria em seu corpo, no exato momento. A Segunda corrente por sua vez, afirmavam que o nascituro recebia proteção divina desde o momento da concepção, sendo assim, contrárias as leis permissivas de abortamento."

É importante ressaltar que nem sempre a Igreja foi contra ao aborto, tendo em suas passagens, momentos que consideravam o aborto legal, de acordo com São Thomas de Aquino e sua tese, o mesmo afirmou que: "baseado em conceitos biológicos da época, a animação se dava para o homem em apenas quarenta dias após a concepção, e para a mulher em oitenta dias”. Sendo assim o aborto só seria considerado crime, após esse período.

Autores com Aristóteles e Platão pregavam a utilidade do aborto para o controle populacional, método esse que podemos ver sua utilização na China nos dias atuais, dado sua superlotação populacional, que considera o aborto como um ato constitucional e obrigatório perante aquelas famílias que passam da cota de filhos possíveis. De acordo com Luis Dufaur no blog Pesadelo Chinês e o site Acidigital em sua reportagem “Aborto: Política do filho único na China é ‘verdadeira guerra contra as mulheres’”, expõem-se as inúmeras barbaridades que ocorrem na China e em especial contra as mulheres grávidas, além de destacar os métodos desumanos para a prática do aborto, deixando claro que a importância da mulher e do feto são inexistentes. Diante disso, pode-se notar que mesmo com a evolução da sociedade, dos estudos, dos conhecimentos das ciências de uma maneira geral, medicina e do próprio Direito, percebe-se a existência ainda de atos que ferem de uma maneira exorbitante a dignidade da pessoa humana, não só no caso concreto da gestante como também do feto.

Além das particularidades do aborto na antiguidade, deve-se observar a realidade do assunto na atualidade. No Brasil a primeira aparição legal a respeito do aborto, foi no Código Criminal do Império de 1830, que alegava no capítulo referente aos "Crimes contra a segurança da pessoa e da vida, no artigo 199: “Ocasionar aborto, por qualquer meio empregado, interior ou exteriormente, com consentimento da mulher pejada. Sendo a pena com trabalho podendo variar de um a cinco anos, para os cúmplices de três a quatro meses vinculada com trabalho e ainda em caso de consentimento da gestante e a pratica do ato por médicos, cirurgião ou praticante a pena dobraria” de acordo com legislador. Valendo ressaltar que nesse período o auto aborto não era considerado crime, por ter uma grande carga dos costumes e o estilo de vida das pessoas, sendo a punibilidade aplicada tão somente aqueles que atrapalhassem contra a necessidade de evolução da população em nível nacional.

A partir de 1940 entra em vigor o Código Penal brasileiro que vai ter reflexos do Código Penal Italiano quanto ao assunto aborto. Nesse novo código, a conduta abortiva vai ter caráter de crime em todas as hipóteses, afastando tão somente a punibilidade nos casos necessários que visam proteger a vida da gestante sem que haja outro meio menos gravoso e em casos de estupro com o consentimento da gestante ou se for incapaz do seu representante legal. Tendo a legislação exposto claramente:

Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos

Aborto provocado por terceiro

Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos

Parágrafo único: Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Forma qualificada

Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I. se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II. se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Diante de tantas óticas sobre o aborto, é possível notar que o assunto aborto, sua legalidade, sua ilegalidade versam sobre um universo imenso de discussões e de debates, e que ao longo do tempo foram sofrendo mudanças quanto a visão para com o ato abortivo, mas em muitos casos um retrocesso a respeito do direito à vida do feto e o próprio direito de liberdade da gestante. Grandes são os conflitos a respeito desse assunto, dos direitos fundamentais em questão e quais são os direitos que devem prevalecer. Será visto no capítulo seguinte exatamente isso, a análise desses conflitos.

Conclui-se então que o assunto aborto, os conceitos e interpretações sofrem constantemente mudanças, e sua análise deve ter aprofundamento não só nos aspectos formais, ou seja, apenas nos ordenamentos jurídicos, mas também deve-se levar ao aspecto histórico da sociedade, a cultura, o estado econômico, os direitos da gestante e em destaque daqueles que não possuem voz, que nem se quer nasceram, os fetos.

3 ABORTO E O CONFLITO DE PRINCÍPIOS (GESTANTE X FETO):

 

Os direitos fundamentais, são direitos reservados à todos os seres humanos, ou seja, são direitos de todos os homens, que existem para garantir uma vida digna a todos e dentre esses direitos, encontra-se o direito à vida e à liberdade que são direitos fundamentais bastante discutidos em relação ao aborto. O feto tendo seu direito à vida tirado de si, quando o aborto se concretiza e a gestante tendo o seu direito à liberdade retido, sendo obrigada a dar continuidade a gestação em nome da lei.

Como visto no capítulo anterior, a definição de aborto, segundo Fernando Capez, é a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do produto da concepção, ou seja, o aborto acontece quando a vida intrauterina é eliminada. O aborto é um tema muito delicado para discutir, pois além de tratar-se da vida de um ser que não tem capacidade para se defender em relação aos atos do outro, também trata-se de conflito entre princípios, a dignidade do feto x dignidade da gestante.

Para Robert Alexy, nenhum direito fundamental é absoluto, ou seja, nenhum princípio tem força absoluta, o que se pode concluir é, para que não se tire conclusões precipitadas precisa-se analisar o caso concreto e optar pelo direito fundamental que menos ferir o direito do outro, usando assim o princípio da proporcionalidade.

Esse princípio é de extrema importância, não só para o Direito Penal, mas, para o Direito em si, pois ele funciona tanto como uma ferramenta de preservação dos direitos fundamentais em relação à ação limitativa do Estado, quanto, atua como critério para solucionar conflitos entre esses direitos. Segundo Moraes (1999, p. 75-83):

Uma das aplicações mais proveitosas contidas no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca tal solução conciliatória para o qual o princípio é indubitavelmente apropriado [...].

Quando colocamos a dignidade da gestante e a futura dignidade do feto em uma “balança”, tem-se fortes argumentos para a defesa de ambos, pois aqui, tem-se um conflito entre o direito à vida daquele que já a possui de forma concreta e a expectativa de vida do feto. A mãe nesse caso, já tem sua vida concreta e já possui o direito à vida, já rompeu a fase intrauterina, enquanto o feto, teoricamente ainda não tem vida, pois não passou da fase intra para a extrauterina e dessa forma, ainda não se concretizou.

Há argumentos que expliquem a vantagem da proteção do direito à vida da mãe, sobre o direito do feto. A gestante como dito acima, já concretizou a sua existência, já ultrapassou os limites da vida intrauterina e não deve ter os seus direitos negados por causa dos direitos do nascituro, que visto sob os olhos do direito, não há bem jurídico a ser protegido, tendo em vista que, a vida e a pessoa, só se consumam com o nascimento.

No entanto, os direitos do feto não devem ser deixados de lado, considerando que haveria meios de ter sido evitado. Fala-se aqui de uma vida que nesse momento não tem nenhuma possibilidade de se defender de qualquer ato realizado pela gestante e que não deve ser privado de sua vida por um erro ou descuido de sua geradora, a vida da mãe não é mais valiosa do que a vida do feto, dessa forma, os argumentos de que só é levado em consideração a vida da gestante, são fracos.

Usando a teoria de Alexy, onde deve-se escolher o direito que menos causar dano ao outro, chega-se à conclusão que o direito a ser escolhido, é sem dúvida alguma, o direito à vida do feto, pois, além da gestante ter tido a oportunidade de evitar a gravidez indesejada, fala-se aqui de uma vida indefesa e garantido a vida dessa criança há outras formas de compensar a “perda” da mãe.

O aborto não é proibido terminantemente como ver-se-á no capítulo seguinte, nos casos onde a mãe não pôde evitar, como os casos de estupros, o aborto é permitido, para os casos de anencefalia, também há essa permissão. Portanto, quando a vida da gestante realmente está em perigo, ou em casos extremos, o Estado não tira dela o direito à vida ou a liberdade, compensando assim, sua “perda” na colisão dos princípios.

Porém quando se fala em aborto pelo simples fato da gestante ter engravidado acidentalmente e não querer arcar com suas responsabilidades, tendo assim praticado aborto, estamos diante de um crime, visto que nos dias atuais existem inúmeros métodos que evitam a gravidez, não justificando tão logo, tal ato. Dessa forma, é imprescindível que o Estado juntamente com o poder judiciário garanta o Direito do Feto, perante a esses tipos de casos e mantendo assim não só o direito da gestante, mas daquele que não possuí voz para garantir seus direitos.

4 EXCEÇÃO AO CRIME: ABORTO SENTIMENTAL E ANENCÉFALOS

 

No Brasil, o aborto é considerado um crime contra a vida e está previsto no Código Penal, nos artigos 124 à 128. Esse tema é sempre alvo de muitas discussões, pois não é uma questão fácil de se tratar, tento em vista que envolve vários fatores, fala-se aqui de vidas, de crenças, de princípios, de direitos, entre outros fatores de relevante valor social.

É de extrema importância a proibição dessa prática, porque existem diversos outros meios de evitar uma gravidez indesejada e não se justifica pôr fim a vida de um ser inocente e sem capacidade de se defender, apenas porque a mãe ou pai da criança não planejaram ou não estão preparados para encarar as responsabilidades. Ainda assim, encontra-se pessoas que defendem a descriminalização total dessa conduta e os que lutam pela sua proibição absoluta, e é exatamente essas divergências de concepções que fazem do aborto um dos temas mais controversos e polêmicos da sociedade.

Uma pesquisa feita no ano de 2010 pelo instituto Vox Populi, mostrou que a maioria dos brasileiros são conservadores quando as na mudanças legislação dizem respeito ao aborto, cerca de 82% do entrevistados são contra o aborto, o que demonstra que além dos argumentos sobre a não legalização do aborto, tem-se também o apoio da população brasileira que é de extrema importância.

Como toda regra tem sua exceção, a ilegalidade do aborto não é absoluta. Há os casos que vão além da vontade da mãe, que são os casos onde o aborto é permitido, como em casos de estupros, e casos onde a gravidez apresenta risco à gestante e a única forma de salvá-la é através da interrupção da gestação, os casos de bebês anencéfalos são a mais nova aprovação do Supremo Tribunal Federal em relação ao aborto.

Em casos de estupro, o Código Penal descriminaliza a conduta em seu artigo 128, inciso II. Esse tipo de conduta, mesmo violando todos os outros princípios citados em capítulos anteriores, deve ser visto de outra forma, nesses casos, a vítima/gestante não tem nenhuma outra opção a não ser aceitar a violência cometida contra ela, ou seja, a gravidez não ocorreu como consequência de uma irresponsabilidade, mas sim, como uma consequência de um acontecimento que a mesma não teria como se defender.

Além das justificativas de impossibilidade de ação da vítima em relação aos atos do autor em casos de estupros, há quem defenda que não é humano, obrigar que uma mulher carregue em seu ventre um ser que não foi gerado pelo amor e que sempre lhe lembrará os momentos de medo e angustia que passara, o que poderia gerar à mulher diversos problemas, como por exemplo, problemas psicológicos. Manzini vê o aborto em casos de estupro, também chamado de aborto sentimental, um estado de necessidade pois “as consequências danosas do estupro constituem a permanência da causa criadora do perigo atual de um grave dano à pessoa”.

Os argumentos contra essa descriminalização do aborto sentimental, baseiam-se basicamente no direito à vida do feto, na dignidade da pessoa humana e que caso a mãe não conseguisse conviver com a criança após o nascimento, a mesma poderia ser criada pelo Estado e posteriormente ser adotada. No entanto, o legislador optou por deixar essa escolha a critério da mãe, legalizando assim, o aborto nesses casos.

A exceção à regra acontece também, quando não houver outro meio para salvar a vida ou preservar a saúde da gestante (art. 128, I, CP), aqui pode-se englobar os casos de fetos anencéfalos, tendo em vista que a gestante de fetos anencéfalos pode sofrer um acúmulo de líquido amniótico dentro do útero, porque o feto não consegue degluti-lo, fazendo com que a gestante perca a capacidade de contração logo após o parto, resultando em hemorragias e dessa forma, pondo a vida e a saúde das mesmas em risco. Por conta da má formação craniana, fetos anencéfalos podem assumir posições atípicas durante o parto, o que dificulta o processo.

Após oito anos de tramitação do processo, em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende a inexistência de crime quando o aborto tem como alvo feto anencéfalo. O ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação, afirmou que:

“Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. [...] O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida”

Há ainda quem seja contra a descriminalização nesse caso, assim como nos casos de estupro, porém deve-se levar em consideração a vida da gestante também, em casos de anencefalia a vida em perigo não é apenas do feto que em cem por cento das vezes, segundo o médico Thomaz Gollop chega a óbito, alguns podem demorar mais que outros, mas todos morrem. Portando, em casos como esses o aborto é sim necessário, mas claro, que só acontecerá com o consentimento da mãe, pois também existe risco à vida da gestante.

 

5 CONCLUSÃO

 

            Ao buscar um conhecimento sobre o que vem a ser aborto, suas particularidades é interessante saber que a existência de conflitos de doutrinas, opiniões, leis são diversas quando comparadas com os diversos ordenamentos jurídicos, diversas sociedades. O grande conflito existente a respeito do crime de aborto tem um caráter axiológico no que diz respeito ao contexto histórico daquela determinada cidade, região, país. Leva-se em conta que, para compreender a importância da legalidade ou não do aborto perante um determinado grupo de pessoas tem como influência esses fatores externos, economia, costumes, estilo de vida e o contexto histórico.       

            A existência de ordenamentos jurídicos que alegam a existência da criminalização do aborto e em certos casos a descriminalização são diversos, porém poucos são aqueles que se preocupam com a real questão do assunto em vista. A essência de tantas opiniões diversas, discussões e debates está relacionada com os direitos envolvidos entre a gestante e o nascituro que por ainda viver em vida intrauterina não possui voz para garantir seus direitos.

            Para que possa existir uma compreensão justa e igualitária para todos os envolvidos quanto o ato de aborto, é preciso levar em conta exatamente esses fatores, o direito do feto, que por sua vez não possuí capacidade plena para exigir seus direitos, o direito da gestante quanto a ter a possibilidade de ter ou não um filho, que em muitos casos podem advir de um estupro ou podem durante a gravidez sofrer de doenças letais, como também dispor de políticas públicas e sociais que ajudem as mulheres nas prevenções para que não haja uma gravidez indesejada, além de divulgar informações a respeito dos perigos existentes quanto a pratica do aborto nas clínicas clandestinas espalhadas pelo mundo.

              Por fim, pode-se concluir que o aborto por se tratar de um assunto de grande escala mundial e por versar sobre inúmeros problemas existentes, deve ser tratado de uma maneira especial, não deixando apenas o poder judiciário exercer sua atividade quanto a criminalização ou não do ato de acordo com a conduta, mas também que exista um conjunto de agentes tanto o poder judiciário, legislativo e o administrativo para que possam buscar maneiras mais eficazes para que haja a diminuição do número de abortos e também para que seja garantido os direitos de todos os envolvidos, desde o nascituro até a gestante.

 

 

 

 

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[1] Paper apresentado à disciplina Direito Penal Especial I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do 4º Período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor, orientador.