O CRESCIMENTO DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA EM SOBRAL-CE: uma análise sociológica de sua arrecadação e investimento financeiro

Francisco Adrian Márcio de Souza[1]

 

RESUMO: O presente trabalho é um esboço que busca inicialmente descrever uma investigação sobre as mudanças no catolicismo na cidade de Sobral, localizada na Região Norte do Estado do Ceará com foco na Renovação Carismática Católica. A Renovação Carismática Católica (RCC) teve início em 1967 em Pittsburg, Pensiuvânia nos Estado Unidos. A chegada da RCC no Brasil se deu no ano 1969em São Paulo, com o padre Eduardo Dougherty que o teria transmitido para o padre Haroldo Rahm e logo receberia destaque nacional. A consolidação da RCC no Brasil é confirmada pela rápida expansão, onde em 1998 os renovados católicos já contavam com 8 milhões em todo o Brasil. Já no Ceará a RCC tem seu início na década de 1980, sendo que no dia 09 de julho de 1982, em Fortaleza é inaugurado o Centro Católico de Evangelização Shalom (plenitude de paz, em hebraico), com a presença do cardeal D. Aloísio Lorscheider, localizado numa lanchonete, com a finalidade de aproximar os jovens ouvirem a mensagem cristã diferentemente dos esquemas convencionais estabelecidos pela igreja Católica. Em Sobral, maior cidade da Região Norte do Estado do Ceará, a RCC deu seu passo mais importante com a criação da comunidade Rainha da Paz, fundada por uma funcionária pública, Taisa Montenegro e Antonio Carlos no ano de 1989. Assim, a hipótese básica que orienta esta investigação é a de que com o advento da RCC foi possível transformar e até mesmo substituir algumas formas de arrecadação utilizadas a séculos: quermesses, rixas, bingos, leilões, meios tradicionais de arrecadação financeira (apesar de ainda existirem), por técnicas mais eficientes com uso da racionalidade empresarial auxiliada pelo marketing e com investimentos estratégicos nos meios de comunicação eletrônica, na promoção de mega eventos que propagam curas e melhoria de vida como meio proselitista e contributivo.

Palavras-Chave: carismáticos, religião, Sobral-CE


O CRESCIMENTO DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA NA VISÃO DOS SOCIÓLOGOS

Estudar o desenrolar das novas formas de religiosidade, dentre elas a Renovação Carismática Católica (RCC) e sua relação com a igreja tradicional é um trabalho em que muitos sociólogos da Sociologia da Religião têm-se dedicado. Sendo a Igreja Católica uma das maiores fontes de estudos no campo religioso brasileiro, até mesmo por abrigar vários movimentos religiosos: Comunidades Eclesiais de Base orientada pela Teologia da Libertação; a Renovação Carismática Católica com ênfase nos dons espirituais e valorização individual possui vários outros seguimento com perspectivas teológicas geralmente divergente. Isso devido seu passado e sua existência atual de ser detentora de grande poder de influência cultural, política e econômica (PRANDI, 1998).

Devido à amplitude e complexidade devidamente expostos em relação ao tema focamos como objetivo principal a análise de estratégia de arrecadação financeira da RCC e o racional planejamento administrativo no uso desses recursos.

Segundo Pierucci (1998), a religião vem revestidas de novos matizes. Diz ele:

"[...] A atual visibilidade midiática da religião massivamente professada, casada com o marketing religioso propriamente dito, tende a tornar o fenômeno ainda mais impactante, mais impressionante, mais irrefutável à medida que se aproxima o ano 2000, fim de século que ainda por cima — e para compor melhor o cenário propício à logomaquia pretensamente pós-moderna dos velhos e novos celebrantes do sagrado recidivo — é fim de milênio "(PIERUCCI, 1998, p. 47).

A religião conseguiu se adaptar de tal forma a pós-modernidade inclusive nos países de terceiro mundo, causando mudanças sócio-culturais significativas na sociedade. Assim sendo, salientamos que RCC inserida neste processo vem a nuançar várias questões. Alguns dos cientistas sociais que se dedicam ao tema trazem nos resultados de seus trabalhos valiosas contribuições para o entendimento da nova situação vivida pela Igreja Católica brasileira. Prandi (1998) em seu trabalho sobre os carismáticos destaca uma nova forma de ser católico, demonstra como a RCC se comporta em relação às orientações da CNBB; como se organiza hierarquicamente; os conflitos existentes, tanto interno com as CEBs e externos, com os pentecostais os principais opositores; as camadas da sociedade que compõe o corpo da RCC; das pequenas reuniões até mega eventos que promovem a cura divina e principalmente o profissionalismo proselitista da RCC.      

Heraldo Maués (1999, p. 1), pondera, “tem a finalidade de fazer uma descrição uma análise (ainda preliminar) de algumas técnicas corporais observados em reuniões da Renovação Carismática Católica [...] sendo, pois, basicamente, um estudo etnográfico sobre um aspecto desse movimento”. Nesse sentido, ressaltamos que Machado (1996), também nos traz novos esclarecimentos em relação à RCC, mostrando o forte apego religioso ante à secularização, sobretudo o ingresso das mulheres nessa nova prática de fé no que diz respeito a vida privada. Outro aspecto interessante entre as mulheres pesquisadas pela autora se trata da temática da sexualidade e dos problemas conjugais frente à prática religiosa.

Os estudos de Carranza (2005), esclarecem o eficiente uso da comunicação de massa usado pelo Pe. Marcelo Rossi, que também é um membro do movimento carismático, sua contribuição também no sentido de compreender como as “iniciativas midiáticas que se sustentam na presença do jovem padre-carismático,escritor, cantor, empresário, ator” e principalmente como veio se transformar num fenômeno de audiência (CARRANZA, 2005, p. 529).

Os estudos desses autores vêm o encontro de nossos anseios, no sentido de mostrar a riqueza dos dados já levantados e a ensejar pesquisas específicas, principalmente sobre as formas de arrecadação e como e porque se constituiu novas formas de marketing elaborado pela RCC ou ainda como os recursos arrecadados são aplicados, haja vista, a tão festejada análise de vários cientistas sociais sobre Teologia da Prosperidade e o crescimento midiático, político e econômico dos neopentecostais.

Consideramos que as razões apontadas são pertinentes, de todo modo, pela riqueza das contribuições teóricas apresentadas, estas são as nossas referências. Além do mais, a natureza mesma da pesquisa impõe outra exigência: a necessidade de recorrer às análises do pentecostalismo, sobretudo as que abordem as especificidades no uso do marketing e das formas heterodoxas de arrecadação financeira nas igrejas cristãs brasileiras. Desse modo, o caminho escolhido nos parece o mais apropriado no intuito de contribuirmos na busca de preencher está lacuna.

RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA EM SOBRAL: uma análise sociológica de sua arrecadação e investimento financeiro

É imperativo o uso da teoria sociológica através de clássicos como Max Weber, bem como outros teóricos da sociologia da religião na busca de embasar melhor os futuros dados coletados, pois é nosso desejo perceber como se dar o processo de arrecada financeira dos grupos e comunidades carismáticas desta urbe. Mas para tanto faremos uma rápida discussão da temática que envolve valiosas informações a nível nacional.

Considerando que, na economia e na política as forças de dominação de determinados grupos contra outros se torna efetiva, no campo da religião também são verificadas a elaboração de estratégias no intuito de exercer o domínio de um grupo sobre as demais, além de propagar um conjunto de valores para nortear a conduta dos fieis. Weber (2004) viu no fenômeno religioso, principalmente no racionalismo protestante um fenômeno gerador de transformações sócio-econômicas.

Segundo Weber (2004), a “ética protestante” forneceu suporte para o desenvolvimento do capitalismo moderno, que logo sairia vitorioso e se emanciparia, não necessitando mais de tal suporte. Então, conclui Weber (2004, p. 64): “Aquele que em sua conduta de vida não se adaptar às condições do sucesso capitalista, ou afunda ou não sobe”. Todavia, apesar do econômico não ser o único influenciador, o pensador alemão considera que: “ação ou pensamento religioso ou ‘mágico’ não pode ser apartado, portanto, do círculo das ações cotidianas ligadas a um fim, uma vez que também seus próprios fins são, em sua grande maioria, de natureza econômica” (WEBER, 1994, p. 279).

Coaduna-se com essa reflexão Pace (1997), que segundo ele o espírito capitalista tornou-se um espírito mundial. “Já não tem alternativas diante de si. As religiões, às vezes, tentam se opor a ele; outras vezes, sem preconceitos em demasia, terminam seus humores mais puros e fortes para lançar-se com impulsiva determinação ao livre mercado das ‘fés’” (PACE, 1997, p. 39).

No Brasil, a concorrência religiosa tem pontuado várias pesquisas sociais que buscam explicar o atual cenário religioso brasileiro desde o início do declino do catolicismo, podendo ser verificado nos dados do Censo do IBGE desde 1940, em que contava com 95,2%, na década de 1980 o declínio se confirma com 89,2%, em 2000, com 73,8%. Diante disso, o catolicismo é forçado a assumir novos direcionamentos para se manter como religião hegemônica, vendo na RCC um dos direcionamentos estratégicos para frear a migração do rebanho católico para outros apriscos (PIERUCCI, 2004, p. 19-21).

A RCC por manifestar uma dinâmica atuação e por estar presente em todas as regiões do Brasil, não será possível discorrer sobre os diversos meios de arrecadação, porém, discorreremos sobre alguns que representam os mais visíveis e utilizados nacionalmente que possibilitaram a RCC fazer investimento em áreas estratégicas, como os meios de comunicação e envio de missionários para diversas regiões do país e do exterior. O dízimo, a venda de produtos (CDs, DVDs, livro, terços), as contribuições mensais dos membros, as promoções de viagens e a racionalidade empresarial no planejamento administrativo vinculado ao marketing acabam deixando para trás os tradicionais meios de arrecadação, tais como leilões, quermesses, rixas, bingos, bazares, que apesar de ainda existirem, são pouco rentáveis.  

Em relação ao dízimo, veja o que diz um texto da RCC utilizada pela Pastoral do Dízimo:

"Um homem resolveu construir um muro. Depois que o muro ficou pronto sobrou um monte de entulho. O homem convidou um menino de uns 10 anos para remover aquele resto de obra. Combinou pagar pelos serviços a quantia de R$ 10,00. [...] o serviço foi concluído em menos de 3 horas e o pagamento foi feito. Recebeu o pequeno trabalhador uma nota de R$ 5,00 e cinco moedas de R$ 1,00. Mostrando alegria por ter recebido o seu pagamento, o menino colocou nos bolsos da frente da velha bermuda que usava, a nota e quatro moedas, no bolso de trás colocou a outra moeda. Curioso com o fato, o homem perguntou ao menino porque havia separado aquela moeda. Mostrando muita consciência e segurança, respondeu o pequeno trabalhador: “-O padre de minha Igreja leu na Bíblia que de tudo que a gente recebe, 10% é de Deus[...]. Esta moeda é parte de Deus que vou levar para a minha Igreja.” (VALENTIM, 2003, p. 20, destaque nosso).

A RCC trouxe uma mensagem emocional voltada para todos os públicos, além de eficientes mecanismos de arrecadação dos dízimos, pois podem escolher sua forma de pagamento, podendo ser: no carnê do dizimista; pagamento em banco, por ser mais prático e podendo ser creditado automaticamente na conta da comunidade; e também a cobrança na casa (TATTO, 1983, p. 34).

É nosso interesse entender se a forma de arrecadação em outros locais do país se processa em Sobral de forma parecida: com a mesma sistemática e com a mesma maneira de administra os recursos arrecadados.

Os centros carismáticos também merecem destaque, não possuem suntuosidade como as igrejas tradicionais, ou seja, geralmente os centros carismáticos funcionam em casas alugadas ou doadas pelos próprios membros, eles também dispõem de jovens que antes estavam à mercê das vontades mundanas e hoje agem como multiplicadores e contribuidores. Com isso os mesmos conseguem baixar o custo financeiro com a manutenção dos centros. A localização geográfica dos grupos é outro indicativo de eficiência administrativa, pois se localizam em lugares estratégicos de fácil acesso para seus membros. Além disso, os carismáticos possuem um conselho nacional e várias coordenações regionais que avaliam os trabalhos desenvolvidos (PRANDI, 1998, p. 35).

A aplicação empresarial racionalizada já em avançado estágio na administração eclesiástica católica, se deve ao acelerado crescimento da concorrência religiosa. O publicitário carismático Kater Filho[2] “[...] critica a letargia, a baixa eficiência comunicacional, o racionalismo e o amadorismo dos padres e dirigentes católicos e, como forma de a Igreja superar tais problemas, defende a adoção de técnicas e estratégias de marketing”. Kater Filho propõe ainda que a “[...] confissão é uma ótima pesquisa qualitativa. Ela permite conhecer o pensamento das pessoas. Na confissão o fiel se revela ao padre, expõe seus medos, suas fraquezas”[3]. Assim, poderia desenvolver para o consumidor religioso um produto adequado aos seus anseios e retomar o crescimento. (FILHO apud MARIANO, 2001, p. 218, 219).

Em relação ao crescimento da RCC no Brasil, Mariz (2004) destaca que o período de maior crescimento aconteceu na

"[...] segunda metade da década de 1990. Nesta época, ganha também uma grande visibilidade nos meios de comunicação social, tanto por criar os seus próprios canais de rádio e TV, com programas religiosos, quanto por constituírem notícia: grandes eventos de massa em espaços públicos" (MARIZ, 2004, p. 172).

Souza (2005), reforça esse pensamento afirmando que a igreja obteve um considerável crescimento de seminaristas, crescimento este devido à atuação de padres cantores, em especial a do Pe. Mercelo Rossi, pois na Diocese de Santo Amaro foi registrado um aumento de 375% entre os anos de 1995 a2004. O autor esclarece ainda que houve um claro estreitamento entre a mídia e o marketing como forma de expansão do catolicismo carismático para conter o declínio católico.

A expansão da RCC está vinculada a uma adaptação do que as lideranças eclesiásticas e os leigos efetivamente fazem para concorrer, manter e expandir o número de fiéis e grupos de orações em relação a outros segmentos religiosos, desde uma organização institucional com uma racionalidade empresarial, uma mensagem emocional, do oferecimento de serviços e bens religiosos até a eficácia das técnicas de arrecadação e de investimentos substanciais em setores estratégicos.

Outra questão interessante a se coletar dados será compreender as nuances das estratégias de arrecadação, bem como saber onde são gastos os recursos arrecadados nos vários eventos, e nas contribuições recebidas em seus centros, ou seja, como a comunidade Shalom aqui em Sobral arrecada e investe o que é arrecadado? As outras comunidades de menor tamanho também seguem o mesmo padrão de arrecadação? Gastam ou investem da mesma forma?

Como exemplo, temos a comunidade Shalom, a maior do país, presente em 20 estados da federação e em vários paises. A Shalom administra 03 emissoras de rádio, uma escola, uma universidade e um hospital, uma editora que leva o seu nome e publica livros, cartões e CDs religiosos. A RCC se destaca também com seu festival na cidade de Fortaleza realizado em “julho, mês do carnaval fora de época (em Fortaleza é o Fortal), acontece o Halleluya, o maior festival católico de música do País”[4]. Já a comunidade Canção Nova se tornou um fenômeno de comunicação e de arrecadação. Possui 27 rádios, 354 retransmissoras de tevê, tem 500 mil sócios, consta na lista dos pontos de peregrinação do Brasil, além de arrecadar aproximadamente R$ 110 milhões ao ano. Os carismáticos são ainda, considerados por Della Cava (1991, p. 88) os que “[...] lançaram o mais ambicioso projeto de telecomunicações da história moderna da Igreja”.

A RCC lançou-se com afinco no mundo da propaganda eletrônica, com uma linguagem dinâmica visando atrair não só as massas, mas também consumidores de luxo[5]. Num mercado que exige adaptação e inovação, deixaram para trás antigas promoções tradicionalistas que exigem tempo, pessoal e são de baixa rentabilidade por meios mais rentáveis na busca de seu crescimento.

A liderança diocesana ao longo dos anos tem se mostrado, pelo menos aparentemente em harmonia com a RCC. No entanto, cabe perguntar: de que forma se dá essa relação? A própria diocese contribui financeiramente para renovados católicos? São os renovados que enviam recursos financeiros para a diocese? O seminário de Sobral sofreu algum impacto com o aparecimento da RCC na cidade? São estas algumas indagações iniciais a serem feitas, onde algumas através da pesquisa poderão ser clareadas.

Marcel Mauss (1974), em seu trabalho intitulado “Ensaio sobre a dádiva”, irá oferecer a construção de “fenômeno social total” através das dádivas oferecidas de uma tribo a outra, de um homem ao outro, de uma família a outra e das oferendas dos homens oferecidas aos deuses. Iremos verificar a noção de simbolismo[6] nesta análise da prática social que irá se estender para além dos estudos lingüísticos. Mauss (1974) irá mostrar que tudo o que ocorre e circula na vida social possui um caráter simbólico: as palavras, as saudações, os presentes, etc. Desta forma, a sociedade é um “fenômeno social total”, pois todas as coisas se articulam numa rede de significação única, não havendo portanto, oposição entre indivíduo e sociedade. Os vínculos sociais têm maior importância do que os objetos ou indivíduos considerados isoladamente. Visto isso, ele conclui que em todas as sociedades existem regras básicas. Receita da tríade: “dar, receber e retribuir”. É através dessas regras que é possível se pensar no seguimento do conjunto das instituições sociais.

Compreender que o caráter livre e gratuito dos atos de dar, receber e retribuir é um ato voluntário e, ao mesmo tempo, obrigatório e interessado e reconhece o fundamento de toda uma ordem moral e de toda uma economia através da qual, os vínculos entre os sujeitos são construídos e reafirmandos por meio de objetos simbolicamente representados. 

Lanna (2000) compreende que a tese principal defendida por Mauss consiste em:

"[...] nele se postula um entendimento da constituição da vida social por um constante dar-e-receber. Mostra ainda como, universalmente, dar e retribuir são obrigações, mas organizadas de modo particular em cada caso. Daí a importância de entendermos como as trocas são concebidas e praticadas nos diferentes tempos e lugares, de fato que elas podem tomar formas variadas [...]" (LANNA, 2000, p. 175).

O dar e receber também se constitui na relação da própria RCC com seu fiel mantendo sua peculiaridade, isto é, mostrando a RCC na busca de maximizar sua arrecadação financeira através dos serviços e bens espirituais que oferece no intuito de consolidar sua estratégia expansionista. Destarte, não esquecendo que apesar de ser um seguimento religioso, possui suas formas de auferir vantagens financeiras. Todavia, a postura do fiel deve ser entendida de outra maneira, haja visto, que o mesmo através de sua crença, sua fé, principal motivador de sua contribuições financeiras para a RCC se dá em um outro plano, pois os fieis contribuem para a “obra de Deus”, oferecem dádivas para Deus. Entretanto, a RCC é representante da obra de Deus no plano temporal e terreno, é ela que administra essas dádivas. A relação do fiel com Deus não consiste numa relação de busca de lucro, apesar de haver em alguns casos o interesse por bênçãos financeiras, no entanto, o fiel doa para a RCC, mas espera receber de Deus a retribuição.

Para Mauss (1974) isso se configura da seguinte forma:

"Com efeito, são eles os verdadeiros proprietários e dos bens do mundo. Era com eles que era mais necessário trocar e mais perigoso não trocar. Inversamente, porém, era com eles era mais fácil e mais seguro trocar. A destruição sacrificial tem precisamente por fim ser uma doação que seja necessariamente retribuída "(MAUSS, 1974, p. 63).

Percebe-se que a própria igreja como representante de Deus não pode garantir a retribuição das doações realizadas, levando os fieis a conceberem o contrato somente com Deus, [...] pois os deuses que dão e retribuem estão ali para dar uma grande coisa no lugar de uma pequena coisa retribuída (MAUSS, 1974, p. 65). Assim, existe uma relação simbólica entre o fiel e Deus. Eles doam e contribuem para Deus e em troca recebem curas divinas, prosperidades, um casamento feliz e diversas outras formas de retribuição conforme o desejado pelos doadores. A retribuição é realizada por Deus e não pela a instituição que lhe representa, garantindo assim uma dádiva como retribuição das dádivas anteriormente oferecidas.

A RCC age também conforme a “vontade divina”, em suma, fazem a obra de Deus, mas queremos explicitar que os mesmos fazem isso usando a cartilha do mercado e a organização empresarial existente.  Por mais que haja todo um universo simbólico onde o sobrenatural norteia suas condutas de vida, percebemos que há também racionalidade mercadológica, em que o resultado financeiro é muitos vezes o sentido de prosperidade da comunidade.

Como se vê a própria Renovação Carismática sempre cria novos produtos a serem ofertados para atender uma determinada demanda de consumidores de bens simbólicos. A oferta desses bens é mais claramente visível através dos canais de comunicação de massa em atuação, mas de forma mais detida veremos o ordem econômica ser privilegiada nesse processo.

Sabemos também que os meios de comunicação são regidos pelo mercado moderno capitalista, com isso, os pressupostos contábeis e ideológicos da esfera de produção dos meios de comunicação direcionam a produção e a oferta de bens simbólicos, gerando com isso a submissão da cultura as regras da economia mercantil, permanecendo a postura dos consumidores, sejam eles consumidores de bens simbólicos ou não, na mesma situação diante do mercado.

A RCC por se tratar de uma segmentos religioso não se encontra fora deste contexto, pois ao produzirem seus cantores, CD’s, livros e mega eventos, além de várias empresas especializadas em cada ramo de produção, inseridas na regras de mercado onde os produtos são ofertados como qualquer outro produto, acabam transformando seus membros em um consumidor como qualquer outro.

Certamente isso não acontece por acaso, a complexa estrutura exigida para por em funcionamento os meios de comunicação de massa, onde são usados recursos tecnológicos, humanos e insumos de toda espécie custam muito dinheiro e, por isso, seus mantenedores tem contas a pagar, submetendo os produtos e consumidores aos imperativos do capital.

Ressaltamos que há necessidade de um aporte teórico mais adequado para este aspecto, mas, as ilações posteriores serão realizadas com suporte teórico, bem como através dos dados coletados numa futura pesquisa.


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[1] Graduado em Pedagogia pela Universidade Regional do Cariri – URCA; Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Graduado em Direito pela Faculdade Luciano – FLF; Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Federal do Ceará – UFC.

[2] É vice-presidente do Instituto Brasileiro de Marketing Católico, além de “consultor de marketing de colégios, igrejas e organizações católicas e conselheiro de D. Cláudio Hummes”, é um dos maiores defensores da expansão dos grupos da Renovação Carismáticaem São Paulo (MARIANO, p. 219, 220).

[3]Revista Veja, 09.06.1999

[4]Revista Carta Capital, 23.06.2004

[5]A RCC oferece produtos que vão desde pequenos objetos de baixo valor até colares de pérolas e ouro com a imagem de Nossa Senhora envoltos em brilhantes. Revista Veja, 08.04.1998

[6] “O que é próprio de Mauss, que estende o emprego da noção de símbolo para muito além dos signos lingüísticos ou pictóricos exclusivamente, é o fato de radicalizar esse conceito da natureza simbólica da relação social, e de tirar daí todas as implicações, negativas e positivas. ‘As palavras, as saudações, os presentes, solenemente trocados e recebidos, e obrigatoriamente retribuídos sob risco de guerra, o que são, senão símbolos?’” (CAILLÉ, 1998, p.30).