O velho Jericó nunca cometeu sequer um erro durante toda sua vida, viveu na retidão das leis e no temor às profecias do livro sagrado, seu lugar no céu estava garantido, conforme, é claro, seu próprio julgamento.

Sob as leis de Moises, regeu as vidas da esposa e dos filhos. Nenhuma decisão tomou sem consultar os mandamentos sagrados, além de acochambrar tantas outras regras que lhe pareciam óbvias: nada de escola para os filhos, pois o fim do mundo estava próximo e os eleitos de deus não precisavam aprender nada do que não estava na bíblia, nada de dinheiro, pois os verdadeiros salvos só necessitavam do que deus lhes punha nas mãos. E tantas outras regras, conforme fossem surgindo ocasiões de inventá-las.

Pensar? Nem pensar!! A bíblia já dizia tudo!

Conseguiu conquistar a antipatia dos vizinhos, dos parentes, e até dos correligionários, pois sabia como ninguém encontrar nos livros sacros todas as justificativas para seus despautérios.

Os filhos cresceram num ambiente pavoroso de torturas físicas e morais e adentraram na vida adulta sem a menor estrutura psicossocial.

Se existe mesmo um Deus, este deu remédio aos crimes pelos quais esta família foi submetida e com o passar do tempo, apesar dos caminhos tortos, estes filhos das repressões bíblicas encontraram referencias que os aproximaram da realidade, aprenderam a raciocinar, a construir melhores julgamentos sobre a vida e a sociedade, a escola, apesar da demora para entrar em suas vidas, teve papel fundamental neste processo.

Até conseguiram superar quase todo ódio e revolta, adquiridos naquele tempo em que a confiança nos adultos é quase instintiva.

O velho crente, crendo ter perdido para Lúcifer toda a sua família, isolou-se do mundo. Já bem idoso foi internado num asilo onde, nada mais do que a velha bíblia, lhe tinha importância.

Lia e relia incansavelmente aquelas leis absurdas e profecias horripilantes, tentando descobrir onde errara. Sem perder o velho habito de inventar justificativas, rezava para deus e dizia: - Senhor, fiz a minha parte, minha família se perdeu, mas não foi culpa minha, não mereço o inferno... - mal se dava conta que passou a vida inteira no inferno que ele mesmo construiu e administrou com tanta dedicação.




Manoel Brandão Nobilli