O CREDO JUDEU-CRISTÃO - Geraldo Barboza de Carvalho
A fé cristã é a continuidade da fé judaica. Tudo que está na Lei, Profetas e Escritos, as três grandes divisões da Escritura Sagrada judaica, foi incorporado e aperfeiçoado pela revelação plena feita por Jesus. A Pessoa de Jesus em carne e osso é a revelação máxima Deus uno e trino: "Nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. Eu e o Pai somos um. Quem me vê, vê o Pai, que me enviou investido com o poder de Deus Mãe. O Pai o marcou com seu sinal". Depois da ascensão, a Palavra encarnada torna-se revelação escrita, Escritura, na continuidade ao AT: "Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não os vim revogar, mas dar-lhes pleno cumprimento. Tirarei do vosso peito o coração de pedra, porei nele um coração de carne, pra que cumprais meus preceitos, sereis meu povo e serei vosso Deus" Jo 6,27; Mt 5,17; Ez 36,25-31. Do Gênese ao Apocalipse, a Escritura Sagrada é uma só, num crescendo ininterrupto da revelação, culminando em Jesus Cristo, ápice da revelação judeu-cristã. Por isso, não há como eliminar algo das Escrituras, sem causar profundas lesões na fé de judeus e cristãos. O mais interessante, de incomparável
alcance ecumênico e conciliação é que judeus e cristãos compartilhamos 82% da Escritura
Sagrada, sendo os 18% do NT explicitações dos 82% do AT que nos são comuns. A fé de Jesus e discípulos é, pois, a mesma do povo judeu, tem o mesmo DNA da fé dos Patriarcas e Profetas: Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Débora, Judite, Ester, Ana, Davi, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, os profetas menores, sábios, historiadores, uma plêiade de mulheres e
homens amados, acolhidos, venerados, respeitados por judeus e cristãos. Paulo liga Jesus diretamente à linhagem da fé de Abraão, quando afirma que Cristo é a Descendência de Abraão, pois nele se realizou, vicariamente, a promessa de Javé ao Patriarca: "Em ti serão abençoadas todos os povos da Terra" Gn 12,3. Pela encarnação, Jesus assume a fragilidade humana e da criação, anula a letalidade do pecado do mundo, ressuscita a fragilidade da criação inteira, consumando tudo na paixão, morte de cruz e ressurreição, purificando toda a humanidade e a criação das suas culpas, pelo derramamento do Espírito de santidade do Pai e do Filho, Deus Mãe, sobre todas as criaturas, visíveis e invisíveis, sobre todos os
povos, nações, línguas, culturas diferentes, restituindo-lhes a dignidade destruída pelo pecado. A figura corporativa, o Goel de Jesus, ao assumir um corpo semelhante ao nosso corpo de pecado, fez-se maldição voluntária para destruir a maldição que pesava sobre os seres humanos, nos possibilitando ser abençoados com a bênção de Abraão, extensiva a todos os clãs da terra. Pela encarnação e pelo amor extremo com que nos amou, dando a vida por nós, em nosso favor na cruz da suprema humilhação, Jesus cumpre papel símile ao do bode expiatório da antiga aliança: levar sobre si a negatividade, miséria e fragilidade humana, elevando-a consigo na cruz para, em seu corpo santo feito maldição vicária, por nós, em nosso lugar, destruir a malignidade do pecado, gerador de morte, e restituir-nos a
vida nova. Na antiga aliança, o bode expiatório (de Azazel) era carregado ritualmente com os pecados do povo judeu no Dia da Expiação (Yomkipur) e levado para o Deserto da Judéia, uma vez ao ano, onde morria de sede e fome, destruindo consigo os pecados do povo. O Cordeiro de Deus, Jesus, também carrega sobre si e "tira o pecado do mundo", da
humanidade e da criação, não apenas os pecados do povo judeu, pagando com seu sangue a impagável dívida das criaturas com o Criador. Mas, a expiação realizada em Jesus não foi ritual, mas no seu próprio corpo: o Cordeiro de Deus, não o bode expiatório, é a vítima auto-ofertada ao Pai por nós, a única capaz de satisfazer a justiça divina. Jesus é, a um só
tempo, vítima vicária, sacerdote e sacrifício. Por isso, tornou-se o perdão por antonomásia da criação inteira, na afirmação lapidar de Paulo: "Jesus Cristo é nosso Perdão definitivo", uma vez por todas. Na antiga aliança, os rituais antecediam o perdão e eram repetidos anualmente. Na nova aliança, o perdão é a Pessoa de Jesus voluntariamente auto-ofertada, uma vez por todas, para resgatar a humanidade da maldição, reerguendo-a, ressuscitando-a para a vida nova livre de toda fragilidade. Jesus também autorizou rituais do seu sacrifício, mas como atualizações ratificadoras do sacrifício único e irrepetível da cruz, iniciado com a encarnação. Por vontade de Jesus, os rituais sacramentais, sinais eficazes, símbolos da realidade salvífica única e irrepetível operada nele, têm valor idêntico a ela, garantidos pela palavra autoritativa de Redentor. A eucaristia é o memorial do sacrifício de Jesus e tem absolutamente o mesmo valor teológico que ele. Ele mesmo o afirma: "O pão e vinho consagrados são meu corpo entregue e meu sangue derramado por vós". O memorial da vida, morte e ressurreição de Jesus é mais que um ritual, é símbolo, presentificação em forma de sinais da realidade salvífica definitiva operada por ele. A eucaristia é a presença
sacramental, isto é, em forma de sinais eficazes, simbológica de Jesus entre nós. O corpo sacramentado do Cordeiro imolado e de pé, ofertado por amor gratuito pelos pecadores, é novíssima shekiná da SS Trindade no meio do povo assinalado com o sangue do Cordeiro. "Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo e ele, Deus-com-eles (Emanuel) será o seu Deus; ele enxugará toda lágrima de seus olhos, pois nunca mais haverá morte, luto, nem clamor, nem dor haverá mais. Sim, as coisas antigas se foram"Ap 21,3-4. As coisas antigas são a letra morta da Lei e toda opressão geradora de dor e morte. Todas elas passaram, foram destruídas na cruz, símbolo do perdão absoluto de todo pecado, e substituídas pelas novíssimas coisas recriadas pela ressurreição de Jesus, penhor da nossa. Perdoando-nos uma vez por todas, ele eliminou no seu corpo a maldição da morte eterna que pesava sobre nós e tornou-nos aptos a receber a bênção do pai Abraão. Pela adesão de fé ao sacrifício único e definitivo de Jesus, incorporamos o perdão que ele nos conquistou e somos abençoados com a bênção de Abraão, com a vida nova a nós comunicada pela encarnação e ressurreição de Jesus. "Doravante não há mais condenação para os que estão (crêem) em Jesus Cristo", mas bênção sem fim. Jesus se fez maldição vicária para nos livrar da maldição real que nos ameaçava, capacitando-nos a receber a bênção de Abraão, incorporada pela fé em Jesus Cristo. "Todo aquele que crê em Jesus Cristo é abençoado com a bênção de Abraão", concretizada pelo sacrifício expiatório e a ressurreição do Cordeiro de Deus, definitivamente imolado (vítima de expiação) e de pé (ressuscitado pelo poder de Deus Mãe), como o sinal da recriação de todas as coisas. A fé em Jesus Cristo, explícita (confessional) ou implícita (vida ética), culturalmente expressa-se nas diferentes religiões e eticamente na prática da justiça por pessoas de boa vontade de qualquer credo ou sem credo algum. Judeus, cristãos, muçulmanos, homens, mulheres de boa vontade com ou sem credo, partilhamos da mesma fé no Deus único e misericordioso, que ama o ser humano, perdoa nossas falhas e nos comunica vida nova, mediante a fé. Por isso, os credos judeu e cristão são absolutamente compatíveis, pois remontam à linhagem da fé Abraão, assim como toda a revelação veterotestamentária é perfeitamente compatível com a revelação neotestamentária, ambas inspiradas por Deus Mãe. "Toda Escritura é inspirada por Deus. Nenhuma profecia da Escritura resulta de uma interpretação particular, pois que a profecia jamais veio por vontade humana, mas homens, impelidos pelo Espírito Santo, falaram da parte de Deus" 2 Tm 3, 16; 2 Pd 1,19-20. A partir da revelação histórica judeu-cristã, as comunidades do AT e NT se foram estruturando e formulando seus credos, resumo das verdades reveladas. O fato histórico fundante do Credo Judeu é a libertação do povo hebreu da escravidão dos faraós, o Êxodo; o fato histórico fundante do Credo Cristão é a ressurreição de Jesus, que configura a libertação da humanidade da escravidão do pecado desde a encarnação, consumada na morte vicária e efusão de Deus Mãe sobre toda a criação, início da nova genética do Espírito. O poder gerador do Pai e a fecundidade de Ruah geraram o Unigênito ab eterno, Jesus e a nova criação no ventre de Maria.
A trajetória do Primogênito na terra foi prefigurada pela trajetória do povo hebreu,
iniciada com a experiência de fé de Abraão. Este vivia confortavelmente na sua fazenda, em Ur da Caldéia, Mesopotâmia, com a esposa Sarai. Era um homem honesto, tinha fé implícita em Javé, vivia eticamente. Valores éticos são lugares teologais: quem os pratica
vive fé implícita e está comunhão com Deus. "Deus é amor: quem permanece no amor
permanece em Deus e Deus permanece nele" 1 Jo 4,16. O amor é o valor ético máximo, identificado com o Deus do direito e da justiça, ser ético por antonomásia. Parafraseando o discípulo amado, somos autorizados a dizer: Deus é direito e justiça: quem vive no direito e pratica a justiça está em Deus e Deus nele. "Abraão creu nesses valores e isto lhe foi contado como justiça" Gn 15,6. Conhecendo a retidão ética de Abraão, um dia Javé o desafiou a fazer uma opção radical: "Javé disse a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela, da casa do teu pai para a terra que eu te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome: sê uma benção. Eu abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Por ti serão benditos todos os clãs da terra. Abraão partiu como lhe disse Javé. Ele tinha 75 anos quando deixou Harã" Gn 12,1-4. A aventura de fé do pai Abraão culminou no Êxodo e foi consumada pela encarnação do Verbo na plenitude dos tempos. À semelhança do Patriarca, o Filho de Deus, "desconsiderando sua igualdade com Deus", deixou o conforto da casa do Pai e veio viver conosco, pra resgatar-nos da maldição do pecado e reconduzir-nos ao convívio amoroso com o seu e nosso Pai. O preço do desafio foi a encarnação num corpo semelhante ao corpo humano de pecado, para, vicariamente nele, destruir a maldição do pecado e presentear-nos com adoção filial, com direito a chamar de Pai o Pai de Jesus Cristo. A experiência de fé de Abraão e do povo hebreu é a origem do Credo judeu, assim como a experiência de Jesus encabeça o Credo cristão, que incorpora e aperfeiçoa o Credo judeu. Jesus revelou que Javé é o Deus único dos judeus e cristãos, mas ele se revela em Três Pessoas distintas, sem prejuízo de sua unicidade. Jesus é explícito: "Não penseis que eu vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para os abolir, mas para os cumprir" Mt 5,17. Como cristão, herdeiro da promessa de Abraão realizada em Jesus Cristo, vivo, pois, pela fé relação íntima com Deus uno e trino, que habita no meu corpo, no mais íntimo do meu ser, no meu coração. Jesus é a shekiná, a morada da SS Trindade, juntamente com todos os que nos unimos a ele pela fé. Unido a Jesus Cristo pela fé, formando um só corpo com ele, também sou morada de Deus Trino. Meu corpo não me pertence, mas ao Deus vivo uno e trino. Por ser habitado pelo Espírito de santidade do Pai e do Filho, Deus Mãe, que me inspira os melhores sentimentos e ações justas, sei que Ela me revela detalhes da fé não explícitos no Credo judeu-cristão. Certo da justa inspiração de Ruah, ouso, sem hesitar, fazer reformulações não substanciais no Credo cristão, que em nada alteram seu conteúdo teológico nem diminuem minha fé nas Três Pessoas santas, que são a espinha dorsal do Símbolo Apostólico, tanto na versão nicena quanto na niceno-constatinopolitana. Todos os artigos do Credo Cristão apóiam-se na revelação judeu-cristã. Ele é, pois, a revelação em gotas, suficiente para alimentar a fé do povo de Deus. Basta-lhe acreditar nas verdades reveladas contidas no Credo, nas suas duas versões. Inferno, purgatório, limbo, alma não fazem parte do Credo cristão, portanto, não são matéria de fé. O Credo Cristão não fala em salvação da alma, mas em ressurreição da carne: a fragilidade da criação inteira, especialmente do ser humano, de carne e osso, com vida espiritual. Não se trata de salvar a alma, mas o ser humano, homem e mulher inteiros. Fala-se na salvação da alma por influência da gnose, filosofia platônica e neoplatônica, do
maniqueísmo, que dividem o ser humano em corpo e alma, identificando o corpo (matéria) com o mal e a alma (espírito) com o bem. Sendo assim, a salvação do ser humano consiste em desprezar o corpo e valorizar a alma, pois só ela restará depois da morte. Ora, esta doutrina é absolutamente contrária à ressurreição da carne, a verdade básica da fé cristã, que inclui corpo e alma, restaurados por Jesus. A carne é tão séria que Jesus a assumiu pra resgatar a fragilidade humana e da criação inteiro, não apenas salvar almas. Por isto, desde a encarnação, o Filho de Deus inaugurou a ressurreição da carne, da criação pecadora, do ser humano todo, corpo e alma. Para os filósofos dualistas, a alma é descartável do corpo e salva sem ele. Para a fé judeu-cristã, a alma significa o ser humano completo, destinado à eternidade, não apenas a ?psichê? oposta a ?sarx? (cadáver). Para os judeu-cristãos, alma é "nephesh", oposta a "bazar", carne. O ser humano inteiro é nephesh ou bazar, conforme viva pela fé a relação com Deus, ou em função do mundo, distante de Deus. Por ignorarem esta distinção de fundo, pregadores cristãos ensinam heresias ao povo de Deus, tornando a fé um pesado fardo. O Credo também não fala em limbo, purgatório, inferno, morte eterna, mas em vida eterna. Para salvar-se, ninguém precisa crer em alma sem corpo, purgatório, inferno, limbo. A fé cristã é no Pai, no Filho e em Deus Mãe, o Espírito santificador. Nada além disto. Nem em Maria precisamos acreditar para nos salvar. Seu papel é ser a Mãe do Jesus e nossa, sem qualquer poder salvífico pessoal: o único Salvador é Jesus. O poder salvífico da Mãe de Jesus e de qualquer pessoa de fé vem da nossa participação no poder salvífico único de Jesus. Sem dúvida, por ser a Mãe do Redentor, membro privilegiado do Corpo de Cristo, Maria tem poder intercessor especial. Mas, em Cristo, com Cristo e por Cristo, quem crê também tem poder intercessor pleno, a exemplo da querida Mãe. "Quem crê em mim faz tudo que eu faço, até mais, pois eu vivo junto do Pai de Deus Mãe".
Uma das verdades de fé irrefutáveis da Escritura judeu-cristã é que toda ação da Trindade imanente ou econômica é obra das Três Pessoas divinas, sempre atuando em conjunto, sem nenhuma delas se sobrepor às outras, ainda que cada Pessoa tenha o próprio papel na criação e na economia da salvação. Nenhuma Pessoa da SS Trindade tem mais poder que
as outras, ressalvada a especificidade de cada uma na criação e na salvação. Costuma-se, assim, atribuir a criação ao Pai, a salvação ao Filho, a santificação a Deus Mãe. Ora, cada Pessoa é Deus em igualdade de condições. Daí, a criação e a salvação não poderia ser obra de uma só Pessoa, mas das Três, consubstanciais, inseparáveis e harmônicas no pensar e no agir. A ação conjunta das Três Pessoas na criação é notada no Gênese. "No princípio Deus Pai criou o céu e a terra. A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus, Ruah, pairava sobre as águas. E Deus disse (Palavra, Filho de Deus): Faça-se...". Gn 1,1-3. Quando criou o homem e a mulher, "Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou" vv.26-27. Sendo a mulher e o homem imagem e semelhança do Criador, entende-se que o feminino e o masculino são parte da substância de Deus, o Original segundo o qual todas as coisas são criadas. O possessivo ?nossa? e o plural ?façamos? indicam ação conjunta das Três Pessoas na criação. Cada uma delas tem igual poder criador, nas três fases da criação: criação intratrinitária (a primeira), criação temporal (a segunda), a novíssima criação, regeneração de todas as coisas em Jesus Cristo
(terceira e definitiva criação). Portanto, não só o Pai é Criador, Deus Mãe e o Filho o são também, em iguais condições. O Filho é Criador: "O Filho amado existe antes de todas as coisas no princípio junto de Deus. Ele é a Imagem do Deus invisível, o resplendor de sua glória, a expressão do seu ser; o Primogênito de toda criação, no qual, com o qual, pelo qual o Pai criou os séculos; nele todas as coisas têm consistência e foram criadas, no céu e na terra, os seres invisíveis e os visíveis; tudo foi criado através dele e pra ele. Tudo foi feito por meio dele e sem Ele nada foi feito de tudo que existe. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens. Nele temos a vida, nos movemos e existimos" Jo 1,1-4; Hb1,2; Cl 1,13-17; At 17,28. Deus Mãe é Criadora: a versão niceno-constantinopolitano do Credo cristão diz: "Creio no Espírito Santo, Senhora que dá a vida (como a mãe). Senhor, como são numerosas tuas obras! Fizeste tudo com sabedoria, a terra está cheia das tuas criaturas. Se escondes teu rosto, desfalecem, se lhes tiras a respiração, morrem e voltam ao pó. Mas envias teu Espírito, são criadas, e renovas a face da terra" Sl 103 (104), 24. 29-30. Deus Mãe, a Senhora que dá vida a todas as coisas, na Trindade imanente e na econômica, "é consubstancial ao Pai e ao Filho, e com o Pai e o Filho é adorada e glorificada, Ela que falou pelos profetas". Natural, pois, que Deus Mãe seja criadora também.
A ação conjunta das Três Pessoas da SS Trindade fica patente também na encarnação do Filho Unigênito no ventre de Maria, ponto de partida da nova criação. A encanação da Palavra de Deus representa a restauração, a recriação, a reconciliação de toda a criação em Cristo Jesus. Para tanto, o Pai envia seu Filho único no poder de Deus Mãe. "Nele foram criadas todas as coisas, no céu e na terra, os seres visíveis e os invisíveis. Nele aprouve a Deus reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue de sua cruz" Cl 2,19-20. É natural, portanto, que a recriação, como o são a criação intratrinitária e temporal, seja também obra das Três Pessoas divinas agindo em harmonia, conforme vemos em Lc 1,30-35: "Então o anjo disse a Maria: Não tenhas medo. Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus, porque libertará o povo de seus pecados. Ele será grande; será chamado Filho do Altíssimo. Maria, então, perguntou ao anjo: Como acontecerá isto, já que não convivo com um homem. O anjo lhe respondeu: O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo (Pai) te cobrirá com sua sombra; por isso o Santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus". Na encarnação do Filho atuam nitidamente as Três Pessoas divinas. Quando a Escritura fala de Deus, o Altíssimo, o Onipotente refere-se ao Pai, jamais a Deus Mãe ou ao Filho. Quando se refere à Segunda Pessoa, expressamente fala do Filho. Quando se refere a Deus Mãe, fala expressamente de Espírito Santo. A encarnação do Filho tem, pois, a participação de Deus Pai e Deus Mãe, o Feminino da SS Trindade. No diálogo intratrinitário, quando as Três Pessoas decidiram que o Filho se encarnaria, ele disse ao Pai: "Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Porém, me formaste um corpo. Por isso, eu digo: eis-me aqui, eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade. E graças a esta vontade é que são santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas", desde a encarnação Hb 10,5.7. Há, pois, uma lacuna teológica quando o Credo cristão afirma que "o Filho foi concebido pelo poder do Espírito Santo", ignorando a participação do Pai na geração do Primogênito no ventre de Maria. Ora, Jesus tomou corpo humano no útero de Maria, simultaneamente pelo o poder gerador do Pai e a fecundidade de Deus Mãe, segundo o mesmo processo da geração eterna. Até a encarnação, a geração do Filho acontecia na Trindade imanente; na encarnação a eterna geração do Filho ocorre na Trindade econômica, em ação salvífico-criacional na história. Mas, tanto na eternidade como na história, Deus Mãe e o Pai sempre geraram e continuam gerando o Unigênito, o Primogênito de toda a criação, em virtude da sua encarnação e da ressurreição dentre os mortos. Por isso, o Credo cristão deveria dizer: "Jesus foi concebido pelo poder do Pai e de Deus Mãe, conforme a Escritura judeu-cristã, e não apenas pelo poder do Espírito Santo". Todo filho é gerado por um pai e uma mãe. Jesus também.
Há uma tendência de teólogos mal informados e preconceituosos em frisar a virgindade de Maria, em prejuízo de sua maternidade. Ora, no AT virgindade é maldição, comparável à esterilidade, pela impossibilidade de gerar filhos. O sonho de toda mulher judia é ser mãe, gerar vida, não permanecer virgem. O de Maria certamente também. Por isso, em vez do Credo dizer que Jesus nasceu da Virgem Maria, deveria dizer que ele nasceu da Mãe Maria. Pois, quando a mulher pare o filho ela não é mais virgem, mas mãe. O maior título de Maria é ser Mãe de Deus (Theotócos), não Virgem Maria. Os evangelhos a chamam de mãe de Jesus, não virgem Maria. Ademais, virgindade na Escritura judeu-cristã é categoria teologal, não biológica. Virgem é quem tem o coração santificado pela fé absoluta em Javé, segundo o primeiro artigo do Decálogo: "Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, toda a tua alma, todas as tuas forças" Dt 6,4-5. Eis a virgindade verdadeira. A virgindade de Maria é pois, teologal, não biológica. Por isso, poderia ter tido outros filhos com José, sem em nada desmerecer a maternidade divina e permanecer virgem. Virgem é quem crê no Deus único, casado ou não, quem não divide o coração com deuses estranhos, como fazem esposos e esposas adúlteros. A idolatria é a prostituição. O casamento é instituição divina infralapsária, não virgindade. Ao criar o homem e a mulher, Deus abençoou a fecundidade biológica.
A Igreja Católica tende a considerar-se a única Igreja, contrariando o espírito ecumênico de Jesus. Mesmo após o aggiornamento do Concílio Vaticano II, a Igreja Católica continua autoritária, discriminando outras igrejas cristãs e dificultando o diálogo com religiões cujo credo difere do judeu-cristianismo. A encarnação do Filho Unigênito do Pai e Deus Mãe, o
Primogênito de toda a criação, visível e invisível, no ventre de Maria, sua vida peregrina entre nós, culminada com a entrega por amor no Calvário pelos que não o amavam, todos os atos e palavras de Jesus tiveram e têm alcance ecumênico, visam todos os povos, raça e línguas, sem exceção. O sacrifício encarnatório vicário do Filho de Deus, consumado na cruz, congregou em sua Pessoa todos os povos e toda a criação (Ef, Cl). A união de todos os povos na Pessoa de Jesus, pela fé, configura o novo povo de Deus, que, com a criação inteira, formam o Corpo Místico de Cristo, a Igreja de Deus. As Igrejas católica, ortodoxa, evangélicas são denominações diversas das diferentes vivências da mesma fé em Jesus Cristo, Senhor de todos e de tudo. É a fé em Jesus Cristo que unifica todos os povos, não ser católico ou evangélico. É o sentido de "que todos sejam um". A união pela fé, explícita ou implícita, de todos os povos perdoados pelo Cordeiro é que forma a Igreja de Deus. A Igreja é, pois, a reunião de todas as pessoas que aderem a Jesus Cristo pela fé explícita (confessional) ou implícita (fé antropológica), sejam elas judias, cristãs, muçulmana, ou homens e mulheres de boa vontade, segundo o espírito ecumênico de Jesus e do Concílio Vaticano II. Os que lavaram as vestes no sangue do Cordeiro são povos de todas as raças, línguas e nações, até os que nunca ouviam falar de Jesus, mas, movidos pelo Espírito de Deus, que sopra onde quer, praticaram boas obras (Ap 7,9-14; Mt 25,31-46). A multidão dos povos, nações salvos pela fé no Cordeiro imolado é que constitui a verdadeira Igreja de Deus, não só a Igreja Católica. Graças a Deus! Por isso o Credo deveria dizer "Creio na Igreja de Deus", não "Creio na Igreja Católica", para evitar o fechamento desta sobre si mesma, desprezando outras Igrejas, credos e ideologias, que vivem a Boa Nova praticando valores éticos, como os ateus sinceros, homens e mulheres de boa vontade de qualquer credo, ideologia, cultura. Antes de ser católico, quem crê é cristão, pois sua fé é Cristo.
Sugerimos, portanto, as seguintes formulações evolutivas do Credo Judeu-Cristão:
1) O Credo histórico Judeu: Shema Israel
"Ouve, ó Israel: Javé nosso Deus é o único Javé (salvador). Portanto, amarás Javé teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas a tua força. E dirás diante de Javé teu Deus: meu pai (Abraão) era um arameu errante; ele desceu ao Egito e ali residiu com poucas pessoas; depois tornou-se uma nação grande, forte e numerosa. Mas os egípcios nos maltrataram e humilharam, impondo-nos dura escravidão. Gritamos, então, a Javé, Deus de nossos pais, e Ele ouviu nossa voz: viu nossa miséria, nosso sofrimento, nossa opressão. Javé nos fez sair do Egito com mão forte e braço estendido, em meio a grande terror, com sinais e prodígios, e nos trouxe a este lugar, nos deu esta terra, onde mana leite e mel. Agora, eis que trazemos as primícias dos frutos do solo que tu nos deste, Javé" Dt 6,4; 26,5-10.

2) Credo Cristão (Versão Nicena: formulado em Nicéia em 345 dC)
"Creio em Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Pai e do Espírito Santo, Deus Mãe; nasceu da Mãe Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na santa Igreja de Deus, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém".

3) Credo Cristão (Versão Niceno-constantinopolitana: Constantinopla, 735 dC)
"Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai; por ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus; e se encarnou pelo poder do Pai e de Deus Mãe no seio da Mãe Maria e se fez homem.Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras, e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai, e de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, Deus Mãe, Senhora que dá a vida e procede do Pai e do Filho; consubstancial ao Pai e ao Filho, com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: ele que falou pelos profetas. Creio na Igreja de Deus, una, santa, apostólica. Professo um só batismo para a remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém.