O cortiço

1 ESCOLA LITERÁRIA



Naturalismo



Por volta de 1870, assistiu-se a saturação do Romantismo. O progresso definitivo das cidades, a industrialização, o avanço das ciências e o florescimento de novas correntes filosóficas criaram um ambiente hostil ao sentimento romântico. Os tempos exigiam uma arte responsável, que registrasse a observação objetiva da realidade.
Na segunda metade do século XIX, o contexto sociopolítico europeu mudou profundamente. Lutas sociais, tentativas de revolução, novas idéias políticas e científicas. A literatura não podia mais viver de idealizações como no Romantismo.
Em resposta a esta necessidade nascem quase ao mesmo tempo e se entrelaçam mutuamente: o Naturalismo, o Realismo e o Parnasianismo.


Naturalismo:

- Forte influência da literatura de Émile Zola (França);
- Romance experimental, apoiado na experimentação e observação científica;
- A investigação da sociedade e dos caracteres individuais ocorre "de fora para dentro", os personagens tendem a se simplificar, pois são vistos como joguetes, pacientes dos fatores biológicos, históricos e sociais que determinam suas ações, pensamentos e sentimento;
- Volta-se para a biologia e a patologia, centrando-se mais no social;
- As obras retratam as camadas inferiores, o proletariado, os marginalizados e, normalmente, os personagens são oriundos dessas classes sociais mais baixas;
- O tratamento dos temas com base em uma visão determinista conduz e direciona as conclusões do leitor e empobrece literariamente os textos.



Características do Naturalismo



- Determinismo biológico;
- Objetivismo científico;
- Temas de patologia social;
- Observação e análise da realidade;
- Ser humano descrito sob a ótica do animalesco e do sensual;
- Linguagem simples;
- Descrição e narrativa lentas;
- Impessoalidade;
- Preocupação com detalhes.



1.3 Diferenças entre o Naturalismo e o Realismo



É muito comum o emprego de termos Realismo e Naturalismo, associados. Algumas vezes aparecem como sinônimos e em outras aparecem como duas estéticas literárias muito próximas. Entretanto, é possível perceber a diferença entre a prosa realista e a prosa naturalista, apesar dos pontos comuns. Enquanto o Realismo procura ter uma visão global do narrado, explorando a vida psicológica de suas personagens, o Naturalismo atém-se à vida biológica das personagens, isto para comprovar as teorias determinista e darwinista que equiparam o homem, excluída sua capacidade de raciocínio, a um animal. Por este motivo, os romances naturalistas são classificados como "de tese". Outra diferença diz respeito ao espaço social e à classe enfocada. O escritor realista se volta preferencialmente para a descrição da vida burguesa, e para os problemas que este modo de viver produz ao indivíduo e ao corpo social, por isso a preocupação com o psicológico. O escritor naturalista, por sua vez, busca no espaço coletivo - como cortiços, casas de pensão, escolas - nas camadas pobres da população, a comprovação de suas teses.
Aluísio Azevedo, com a obra "O mulato", em 1881 marcou o início do Naturalismo no Brasil.
As diferenças entre o Naturalismo e o Realismo podem ser observadas: No realismo a investigação da sociedade e dos caracteres individuais é feita de "dentro para fora", isto é, por meio de uma análise psicológica, capaz de abranger toda a sua complexidade, utilizando entre outros recursos a ironia, que sugere e aponta, em vez de afirmar, dá ênfase nas relações entre os homens e a sociedade burguesa, atacando suas instituições e seus fundamentos ideológicos, faz um tratamento imparcial e objetivo dos temas e garante ao leitor um espaço de interpretação, de elaboração de suas próprias conclusões a respeito das obras.
Por outro lado, no Naturalismo observa-se o seguinte, a investigação da sociedade e dos caracteres individuais ocorre de fora para dentro, as personagens tendem a se simplificar, pois são vistas como vítimas dos fatores biológicos e sociais que determinam suas ações, pensamentos e sentimentos, há grande ênfase nas descrições de coletividades, dos tipos humanos, que encarnam os vícios, as taras, as patologias e as anormalidades reveladoras do parentesco entre o homem e o animal, o homem descendo a sua condição animalesca de mero produto das circunstâncias externas, como a hereditariedade, e o meio ambiente, o tratamento dos temas a partir de uma visão determinista conduz e direciona as conclusões do leitor.
Realismo:
- Forte influência da literatura de Gustave Flaubert (França);
- Romance documental, apoiado na observação e na análise;
- A investigação da sociedade e dos caracteres individuais é feita "de dentro para fora";
- Volta-se para a psicologia, centrando-se mais no indivíduo;
- As obras retratam e criticam as classes dominantes;
- O tratamento imparcial e objetivo dos temas garantem ao leitor um espaço de interpretação, de elaboração de suas próprias conclusões a respeito das obras.



1.4 O Naturalismo na obra O cortiço.



Dentro da obra O cortiço, podemos verificar os traços marcantes do Naturalismo como:
- Revelação da miséria urbana;
- Enfoque nas classes marginais;
- Determinismo do meio (tese dominante);
- Domínio do coletivo sobre o individual;
- Desagregação dos instintos.
Há vários trechos na obra em que podemos observar características naturalistas, onde indivíduo traz dentro de si instintos hereditários, que explodem repentinamente em manifestações de luxúria, tara, indignidade e crimes. Por mais que cada um desenvolva sua racionalidade, seu domínio sobre si próprio, ajustando-se à convivência social, nunca será suficientemente forte para domar as forças subterrâneas que vêm à tona, arrastando-o a um universo de anormalidades e vícios.
Em O Cortiço encontramos a seguinte passagem, que nos pode dar uma idéia da força do instinto:
"Amara-o a princípio por afinidade de temperamento, pela irresistível conexão do instinto luxurioso e canalha que predominava em ambos, depois continuou a estar com ele por hábito, por uma espécie de vício que amaldiçoamos sem poder largá-lo; mas desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranqüila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior."
Segundo Alfredo Bosi, na obra História Concisa da Literatura Brasileira (2006):

Só em O cortiço Aluisio Azevedo atinou de fato com a fórmula que se ajustava ao seu talento: desistindo de montar um enredo em função de pessoas: ateve-se a seqüência de descrições muito precisas, onde cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto, do cortiço a personagem mais convincente de nosso romance naturalista. Existe o quadro: dele derivam as figuras.








2 ELEMENTOS DA NARRATIVA



2.1 Enredo - Resumo da Obra: O cortiço



João Romão era um português que morava em Botafogo no Rio de Janeiro e trabalhava como empregado em uma venda que adquiriu posteriormente, quando seu patrão a deixou para ele em troca de honorários vencidos. Ele que já trabalhava duro, passou a trabalhar ainda mais e economizar muito, pois possuía um grande desejo de enriquecer. Nem sequer uma cama para dormir ele comprava, dormia no balcão da venda.A sua comida era feita por Bertoleza, escrava de um velho cego e esposa de um português, que trabalhava muito em uma quitanda e que pagava a seu dono e guardava dinheiro para comprar sua alforria.
O marido de Bertoleza morre trabalhando, e João Romão se aproxima dela, fazendo-se seu maior confidente e amigo, tanto que a escrava passa a confiar nele de tal maneira que ele passa a administrar toda a vida financeira dela, encarregando-se, inclusive de remeter ao seu dono os vinte mil réis que ela tinha que mandar-lhe mensalmente. João trazia consigo um caderno escrito: Ativo e Passivo de Bertoleza, onde ele fazia anotações e controlava o dinheiro da escrava.
Em pouco tempo, Bertoleza e João Romão estavam amigados e com as economias de Bertoleza ele compra um terreno ao lado da venda e levanta uma casa de duas portas, onde a parte da frente era a quitanda e atrás ficava um dormitório onde ele passou a viver com ela.
João Romão forja uma declaração de alforria que ele apresenta a Bertoleza como legítima, dizendo que ele havia entrado com o valor que faltava para ela obter a sua liberdade. Entretanto, o velho dono da escrava segue acreditando que Bertoleza havia fugido depois da morte do marido.
João Romão e Bertoleza trabalhavam muito e economizavam ao máximo, tanto que dentro de um ano, ele comprou outra parte do terreno e construiu três casinhas. As casas foram construídas por eles próprios e o material para a construção era roubado de construções vizinhas.
Estas três casas formaram apenas o ponto de partida para o cortiço São Romão, pois ele continuou comprando partes do terreno ao redor da venda e construindo casas de aluguel.
O português trabalhava, roubava e economizava, passava as mais diversas privações. Bertoleza também trabalhava excessivamente.
Em pouco tempo João Romão teve dinheiro para adquirir uma parte de uma pedreira que tinha ao fundo da venda e que já desejava possuir. E foi o que fez, comprou parte da pedreira e colocou alguns homens lá para trabalharem para ele.
João prosperou tanto e tão rapidamente que em um ano e meio, todo o espaço entre a pedreira e as três primeiras casas que construiu lhe pertencia.
Nesta época vendeu-se um sobrado à direita da venda, que foi comprado por um negociante português chamado Miranda, que se mudou logo para lá com a esposa Dona Estela e a filha Zulmira.
Miranda e Dona Estela viviam numa relação cheia de altos e baixos, tanto, que ele não tinha certeza sobre sua paternidade com relação à menina.
O sobrado que Miranda adquiriu não tinha quintal, então ele propõe à João Romão que lhe venda parte do terreno ao lado da venda ou parte dos fundos até a pedreira e como os dois portugueses não conseguem chegar a um acordo com relação ao terreno, trava-se entre eles um círculo de inveja mútua, disputas e confusões.
João Romão idealiza construir o maior cortiço de Botafogo, e continua construindo casas de aluguel por todo o terreno.
Neste período instalou-se naquela região uma fábrica de massas e outra de velas, os funcionários destas fábricas faziam suas refeições na quitanda de João, e este prosperava a olhos vistos, em breve aboliu a quitanda e aumentou a venda que a esta altura tornara-se um armazém, tamanha a variedade de produtos que ele vendia.
As casas continuavam sendo construídas no cortiço e eram alugadas rapidamente e Miranda estava ficando furioso, pois o cortiço crescia sob suas janelas, fez então, um muro que separou sua casa da estalagem.
Noventa e cinco casinhas foram construídas e João Romão providenciou uma tabuleta com os dizeres: "Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras".Logo o cortiço estava repleto de lavadeiras, algumas moradoras da estalagem, outras alugavam as tinas por dia, pois ali havia água em abundância e espaço de sobra para secar as roupas ao sol.


Durante dois anos o cortiço prosperou dia após dia, e isto alimentava o ódio do Miranda que não se conforma em ver o progresso do vizinho, tinha inveja dele, pois Miranda fez nome e fortuna ao se casar com Dona Estela, João ( pelo ponto de vista de Miranda) fazia fortuna com as próprias mãos.
Em meio a vários pensamentos sobre sua relação com a esposa que o desonrara e um enorme sentimento de inveja pelo vizinho, surgiu em Miranda um novo ideal, tornar-se-ia um barão, sabia que poderia pleitear o título em decorrência da linhagem familiar da esposa. E este ideal muda completamente o comportamento de Miranda, ele passa a dissimular seu ódio pelo vizinho, passa a agir e a se comportar como um nobre.
Nesta época o filho de um fazendeiro cliente de Miranda vem hospedar-se no sobrado, seu nome é Henrique, um rapaz de quinze anos muito delicado e com trejeitos femininos.O sobrado de Miranda comporta agora, ele próprio, a esposa, a filha, Henrique, o velho Botelho, um velho amargurado que morava com a família há algum tempo, e a criadagem que era composta por Isaura, Leonor, e Valentim (filho de uma escrava alforriada).
Em pouco tempo, contrariando a sua aparência delicada e feminina, Henrique envolve-se com Dona Estela e são surpreendidos por Botelho em meio a um encontro indiscreto. Entretanto, o velho já acostumado ao comportamento de Dona Estela, resolve nada revelar a Miranda e apenas alerta o casal para terem mais cautela no futuro.
No cortiço a vida segue seu curso e o vai e vem de lavadeiras em saias arriadas e vendedores de peixes e pães, também não pára, assim que o dia amanhecia já era possível ver a fila de lavadeiras trabalhando cada qual em uma tina, eram elas:
- Leandra, portuguesa feroz, a "machona", como era conhecida, tinha duas filhas, uma era moça ainda e se chamava Nenem, a outra era separada e vivia no cortiço, mas em outra casa e se chamava Ana das Dores, "das Dores", e um filho chamado Agostinho;
- Augusta Carne-Mole, brasileira, branca, mulher de Alexandre, soldado da polícia, tinham filhos pequenos e entre eles a pequena Juju, que vivia na cidade com a madrinha Léonie, uma cocote de origem francesa;
- Leocádia, mulher de um ferreiro chamado Bruno, e que tinha fama de leviana;
- Paula, cabocla, benzedeira, tinha dentes serrados e aparência estranha, era conhecida como "Bruxa".
- Marciana, uma mulata extremamente asseada, mãe de Florinda uma moça virgem que era assediada por João Romão e por outros homens;

- Dona Isabel, velha portuguesa, viúva, o marido suicidou-se e ela se sacrificava ao máximo para educar a filha Pombinha. Pombinha era noiva de João da Costa, comerciante de futuro promissor, mas ainda não se casavam, pois a moça, apesar de seus dezoito anos, ainda não havia tido a primeira menstruação. Pombinha era admirada no cortiço, pois havia estudado, lia o jornal e escrevia cartas para alguns moradores quando lhe solicitavam. A mãe não deixava a moça lavar e engomar roupas;
- Albino, moço afeminado, era lavadeiro, fraco, magro, vivia entre as mulheres do cortiço e agia como elas, e elas o tratavam como sendo do mesmo sexo.
E entre todos os moradores do cortiço havia uma lavadeira que destacava-se por sua beleza e sensualidade, chamada Rita Baiana, que tinha fama de assanhada e que dizia não querer se casar com ninguém. O fato da baiana não se preocupar tanto com seu serviço quanto com seus casos amorosos, faziam dela alvo de fofocas e maldizeres das outras lavadeiras do cortiço, mas ela era muito querida por todos.Rita era amante de Firmo, um oficial ferreiro e capoeirista, que não morava no cortiço, mas que a visitava sempre.
João Romão prosperava ainda mais, os consumidores do armazém e da quitanda, eram em sua maioria, trabalhadores da pedreira e moradores do cortiço, ou seja, o dinheiro circulava em vários postos e retornava para ele e Bertoleza continuava trabalhando muito, e auxiliando-o o tempo todo.
Certo dia, chega para trabalhar na pedreira, um português chamado Jerônimo, que se instala no cortiço com sua esposa Piedade de Jesus, o casal tinha uma filha pequena que estudava em um internato.
Jerônimo era extremamente trabalhador e em pouco tempo inteirou-se do serviço na pedreira, tornando-se diretor do serviço, o que lhe rendeu grande prestígio entre os moradores do cortiço. Ele a esposa se enquadraram rapidamente ao cotidiano do cortiço, mas o som da guitarra portuguesa, tocada em algumas noites, fazia-o lamentar a sua vinda para o Brasil e as saudades de Portugal o corroíam por dentro.
Num domingo de abril, Rita Baiana, retorna ao cortiço depois de passar meses fora da estalagem. Ela é muito bem recebida por todos no cortiço e chega informando aos amigos que estava em Jacarepaguá com Firmo durante o tempo em que esteve fora.
A chegada de Rita é motivo de muita festa, até mesmo o velho judeu Libório, que já contava com oitenta anos, ficou extremamente feliz com o retorno da baiana. E festa era o que Rita mais gostava, tanto que nesta mesma noite ele organizou um jantar para receber Firmo e um amigo dele Porfírio.
Na casa da das Dores, também houve um jantar nesta noite, e a animação no cortiço foi grande até altas horas, pois vários moradores forma convidados para ambas as festas.
Miranda, do alto do sobrado, se incomodava com as festas e gritava e esbravejava pela janela para que parassem com o barulho. Todavia as festas não paravam, e o som da guitarra portuguesa só cessou para dar espaço a alegre música baiana, música esta que encantou Jerônimo, ao ver Rita Baiana dançando, pela qual ele se apaixonou imediatamente.
Logo depois Jerônimo fica doente e Rita presta-lhe cuidados, ensinando-o tomar café com parati, para curar a gripe, em detrimento ao chá português tradicionalmente usado por sua esposa para o mesmo fim.
Das janelas do sobrado do Miranda, Henrique assedia Leocádia, e em pouco tempo os dois são surpreendidos por Bruno num terreno vizinho a casa em situação constrangedora.Bruno expulsa Leocádia de casa, e esta vai viver com Rita Baiana.
Passado algum tempo percebe-se uma mudança em Jerônimo, ele estava "abrasileirado", o seu desejo por Rita Baiana, fazia com que ele modificasse culturalmente e ele passa a deixar costumes portugueses e adota costumes brasileiros.
Piedade sofria calada ao ver as mudanças de comportamento do marido. Mas o amante de Rita, Firmo, mesmo não morando na estalagem, dormia todas as noites com a Rita, e já havia percebido os olhares do português para sua amante, e demonstrava isso.
Na casa de número doze, Marciana descobre que Florinda está grávida de um caixeiro da venda de João Romão, que se recusa casar com a moça. João encarrega-se então de ficar com os honorários devidos ao seu funcionário e entregar o dinheiro a moça como forma de dote, entretanto após o caixeiro fugir no meio da noite João fica com o que lhe era devido, mas não repassa a Florinda ou a sua mãe.
Marciana bate em Florinda depois de não conseguir resolver a sua situação com o caixeiro levando o problema a João Romão, a moça então foge da estalagem.
Léonie chega ao cortiço trazendo a pequena Juju. Leónie, mesmo sendo cocote, era muito respeitada no cortiço por ser rica. Como era muito amiga de Pombinha, a cocote a convida e a sua mãe para jantarem em sua casa num outro dia.
No sobrado do Miranda prepara-se uma grande festa, pois ele receberá o título de Barão de Freixal. Esta notícia varre o cortiço rapidamente e João Romão sente inveja do vizinho e passa a se imaginar-se vivendo como ele, freqüentando a alta sociedade.


Até este momento João havia se privado de qualquer luxo, todas as suas economias eram convertidas em outras formas de ganhar dinheiro. Mantinha-se em um pequeno cômodo junto com Bertoleza, e jamais havia pensado em mudar ou melhorar suas dependências, suas roupas, nem mesmo sua alimentação, todo o dinheiro que ganhava guardava. João sabia como se comportar nos salões da alta sociedade, e o fato do vizinho tornar-se barão deixava-o muito nervoso.
Neste período ele despejou Marciana de sua casa, esta ficou ensandecida e havia começado beber depois da fuga da filha Florinda, já não pagava o aluguel em dia.
João Romão foi convidado para a festa de Miranda, e o convite, embora ele não fosse à festa, o deixara ainda mais perturbado. Nesta mesma noite no cortiço houve uma grande festa, e Jerônimo declara seu amor para Rita, e ela corresponde a seus galanteios. Isto dá inicio a uma briga violenta entre Jerônimo e Firmo, e que só termina quando Firmo dá uma navalhada em Jerônimo e foge.
A polícia chega ao cortiço, mas tanto João Romão, quanto os moradores não queriam deixar a policia entrar, e quando finalmente a polícia invade o cortiço e é recebida pela massa furiosa de moradores. O cortiço tinha suas próprias leis.
Neste meio tempo a Bruxa, por influência da loucura de Marciana, coloca fogo no cortiço, mas as chamas são contidas rapidamente.
A policia sai do cortiço sem levar ninguém preso e mesmo no dia seguinte na delegacia, onde vários moradores foram convocados a prestar esclarecimentos sobre o ocorrido nada se descobriu.
Rita Baiana cuida de Jerônimo no hospital e Piedade sente cada vez mais perto uma certeza que já lhe consumia a alma, perderia seu marido. Não para o ferimento que ele tinha sofrido pela navalha de Firmo, mas para aquela baiana inescrupulosa que o afagava ali mesmo na frente dela.
A vida segue seu curso no cortiço e pombinha não se sente nada bem no dia posterior ao jantar em que fora com sua mãe na casa de Léonie. A cocote havia instigado à moça na noite anterior e abusado dela sexualmente.
Após ter sido apresentada ao sexo de maneira tão vil, Pombinha sente uma extrema necessidade de ficar sozinha e sai para um passeio. Quando retorna ao cortiço, chega trazendo uma notícia muito esperada por sua mãe, Pombinha estava menstruada. Isso foi motivo de grande comemoração entre as lavadeiras do cortiço, pois todas sabiam que agora ela poderia se casar com o Costa.
Estando em meio aos preparativos para seu casamento, Pombinha é encarregada por Bruno à escrever uma carta para Leocádia, pedindo para que esta volte a viver com ele. Este fato faz Pombinha perceber-se mulher, passa a achar-se mais poderosa que os homens, ao ver esta atitude de Bruno, pois mesmo depois de traído e humilhado, ele humilha-se ainda mais agora ao pedir que a esposa volte para casa.
Logo Pombinha se casou e foi morar em outro lugar, juntamente com sua mãe.
Na mesma rua do cortiço São Romão, começou a surgir um outro cortiço, com o nome de "Cabeça-de-Gato", cujo dono também era um português. João Romão não gostou da concorrência e passou a instigar os moradores de seu cortiço, contra os moradores do cortiço vizinho.
Logo uma espécie de "guerra fria" surgiu entre as estalagens e João nomeia o seu cortiço de "Carapicus".
Firmo instala-se no cortiço Cabeça-de-Gato, por conta desta rivalidade entre as estalagens os seus encontros com Rita ficam cada vez mais difíceis.
Neste período João Romão já havia mudado bastante, desde que Miranda tornara-se barão, o vendeiro passou a se arrumar e se matriculou em um clube de dança, comprou um relógio e passou a freqüentar o Teatro e o Passeio Público.Quase não ficava na venda e quando lá estava não atendia o público, contratara mais caixeiros para fazerem seu serviço.Miranda o tratava agora de outro modo, e o convidou para a festa de aniversário de Dona Estela, mas João recusa educadamente o convite.
Bertoleza continuava levando a mesma vida de trabalho diário, e começou a ficar triste.
O velho Botelho, hóspede de Miranda, passou a conversar amigavelmente com João e certo dia lhe sugere que se casasse com Zulmira, sugestão esta que é aceita imediatamente por ele, pois vê na moça um passaporte para futuramente ter um título social, assim como o vizinho.
João e Botelho passam, então a planejar como farão para que ele se aproxime da moça e de seus pais a fim de concretizar seus planos de casar-se com ela. Para isto João pagava a Botelho para que este o auxiliasse.
A sociedade entre eles deu certo e em poucos dias João Romão, jantava na casa de Miranda e conhecia toda a família.
O jantar foi especialmente difícil para João, pois ele não estava acostumado a requintes e etiquetas, no entanto seus planos estavam dando certo.
A partir deste dia João passou a ponderar sobre o que iria fazer com Bertoleza, já que seu maior objetivo agora era casar-se com Zulmira.
Passaram-se dias e os encontros entre Rita e Firmo, já não eram os mesmos, ela já não era a mesma, estava apaixonada por Jerônimo.
Sem repousar de sua alta do hospital, Jerônimo combina com Zé Carlos e Pataca, moradores do cortiço, e os três criam um plano para matar Firmo.
A realização do plano não demora, e dias depois os três se encontram em um bar na beira do mar chamado Garnisé, onde viram Florinda trabalhando depois de ter abortado espontaneamente a sua gravidez, e deram-lhe a notícia de que sua mãe estava num hospício.
Jerônimo, Zé Carlos e Pataca, matam Firmo e o jogam ao mar.
Piedade passa a noite toda preocupada com Jerônimo e no dia seguinte todos no cortiço percebem o sumiço de Jerônimo e ficam sabendo da morte de Firmo.
Jerônimo volta à estalagem e se esconde na casa de Rita, onde os dois se entregam a paixão e planejam mudarem-se juntos. Logo ele aluga uma casa fora dali, e Rita começa arrumar suas coisa para acompanhá-lo.
Piedade suspeita dos planos da baiana e ao questioná-la sobre isso, inicia-se uma violenta briga entre elas.Em pouco tempo vários moradores do cortiço estavam envolvidos na briga, os portugueses defendia Piedade e os brasileiros defendiam Rita.
A briga ficava cada vez mais violenta.
Neste momento aproxima-se do cortiço vários moradores do cortiço Cabeça - de ?Gato, munidos de navalhas e paus em busca de vingar a morte de Firmo, pois ele havia se tornado influente no cortiço vizinho.
A atenção foi desviada da primeira briga e os moradores foram até suas casas armar-se para a guerra eminente.
Inicia-se uma guerra violenta, navalhadas, pauladas, chutes, socos. A confusão só cessou quando todos perceberam a fumaça que tomava o fundo do cortiço.A Bruxa havia incendiado a casa número oitenta e oito, e as labaredas se espalhavam rapidamente.
Começaram a jogar baldes de água nas chamas, e houve grande correria na expectativa dos moradores de tentarem salvar, todos os quais seus bens, antes que o fogo invadisse todas as casas.
A Bruxa acabou morrendo na mesma casa em que inicio o incêndio.
Os bombeiros chegaram e conseguiram abafar o incêndio, mas o fogo já havia feito muitos estragos e causado algumas mortes.
A Bruxa acabou morrendo na mesma casa em que iniciou o incêndio.
O velho Libório foi uma das vitimas do fogo, mas não sem antes ser vítima da ganância desmedida de João Romão, pois este ao ver o velho correr desesperado para sua casinha no momento do incêndio, o segue e descobre que Libório guardava dinheiro em garrafas, que o velho tentou defender com a própria vida, mas João tomou-lhe as garrafas das mãos, e as chamas implacáveis do incêndio fazem de Libório uma vítima fatal.
No dia posterior ao incêndio a polícia recolhe os cadáveres do cortiço. E o cortiço podia contar os prejuízos da confusão e do incêndio.
Rita havia desaparecido do cortiço durante a confusão; Piedade ficou doente; a Machona foi ferida; das Dores também se feriu no incêndio; o Bruno levou uma navalhada; dois trabalhadores da pedreira estavam muito feridos, e uma das filhinhas de Augusta Carne-Mole, morreu esmagada pelo povo durante a confusão. O enterro da menina foi pago por Léonie.
Naquela noite, depois de assegurar-se que Bertoleza dormia, João Romão abre as garrafas que roubou de Libório para contar o dinheiro, percebe que várias notas ali guardadas já não valiam mais nada e chateia-se com isto, sente-se prejudicado.
Dali a poucos dias toda a estalagem estava em obras para reconstruir o que foi perdido no incêndio e em poucos meses João Romão colocou tudo em ordem e começou a reformar a venda, prometendo construir um sobrado maior e melhor que o de Miranda.
O barão e Botelho estavam muito entusiasmados com a prosperidade do vizinho.
João Romão não parava mais na venda. Andava bem vestido, e freqüentava diversos ambientes sociais do Rio de Janeiro.
Todo o domingo João jantava na casa de Miranda, e a única questão que o preocupava era o que iria fazer com Bertoleza, já que nem mesmo o incêndio no cortiço tirou o seu sono, pois depois do primeiro incêndio, ele havia feito um seguro e acabou tendo lucros com a tragédia.
Bertoleza via as mudanças do amigo e não reclamava seus direitos de amante e concubina, pois ela sempre havia tido a si mesma como um animal de trabalho, por isto o fato do amigo estar querendo casar-se com uma moça da sociedade não soava tão estranho para ela. Entretanto, ela adorava João Romão, tinha por ele profunda admiração e respeito, e se sentia feliz quando este lhe dedicava alguma atenção, por isto não podia aceitar o fato de que o amigo já não a tratava como antes. Isto fez com que Bertoleza entrasse numa enorme apatia e tristeza profunda, mas mesmo assim ela continuava trabalhando arduamente dia após dia.
Jerônimo empregara-se em outra pedreira e morava agora com a Rita Baiana em outra estalagem. O português vivia feliz com a mulata.
Piedade habituara-se a beber, e passou a receber visitas de sua filha de nove anos aos domingos no cortiço.
A "lua de mel" de Jerônimo e Rita durou pouco e este logo se arrependeu de ter deixado a mulher e filha, e passou a beber também, embora estivesse resolvido a não voltar a viver com Piedade.
O cortiço já não parecia o mesmo, estava calçado, iluminado e arrumado. E ganhava nome de Avenida São Romão e o sobrado do vendeiro estava ficando pronto, ele providenciava móveis para a casa nova, todos de casal.
Os moradores continuavam suas vidas:
Piedade quase foi violentada por Pataca depois de beber muito em uma festa na casa da das Dores.
Agostinho, filho pequeno de Augusta sofre um acidente enquanto brincava com outros garotos na pedreira e morre.
João Romão se comoveu com a morte do pequeno, mas não pode deixar de imaginar que poderia ter sido Bertoleza ao invés do garoto.
Num outro dia, João e Botelho discutiam na venda sobre seu casamento com Zulmira, quando são surpreendidos por Bertoleza. Ela deixa bem claro que não aceitará ser despachada de casa, e pede ao vendeiro que espere pela sua morte para concretizar seus planos de casamento com Zulmira.
Os dois discutem e nada conseguem resolver, então João tem a idéia de mandá-la de volta para o seu primitivo dono e incumbe Botelho de encontrar o novo dono da escrava, já que o velho cego de quem João Romão a tirou já havia morrido e ela pertencia agora aos herdeiros dele.
O armazém prosperava a cada dia e a "Avenida São Romão", agora era freqüentada por gente de porte mais fino como alfaiates, operários e artistas. O cortiço estava aristocratizando-se.
Florinda volta a viver no cortiço, com um despachante da estrada de ferro, depois que sua mãe morre no hospício.
A machona consegue um pretendente para se casar com Neném.
Alexandre é promovido a sargento.
Pombinha, depois de dois anos casada, não suporta mais o marido e passa a o trair com outros homens no que é descoberta por ele que a abandona. Dona Isabel tenta persuadi-lo a voltar, em vão.
Pombinha desaparece por semanas, e Dona Isabel fica sabendo que ela está morando com Léonie num hotel no centro da cidade.Dona Isabel morre de desgosto em uma casa de saúde tempos depois de presenciar a vida desregrada que a filha estava levando, ao lado da cocote.
Piedade já não dava conta de seu trabalho, bebia demais, e vivia da ajuda de Pombinha que se encantara por "Senhorinha", a filha dela que passou a viver definitivamente com a mãe, depois que o pai não pagou mais o internato onde estudava. A menina já dava sinais de que seria a mais nova prostituta do lugar, pois crescia sem o amparo da mãe extremamente perturbada, e sem o olhar do pai que morava longe. Logo Piedade foi despejada e passou a morar no Cabeça-de-Gato.
O cortiço vizinho tornou-se refúgio certo para todos os moradores que por um motivo ou outro não podiam mais viver na estalagem de João Romão.
João Romão encontra-se dias depois com a família Miranda em uma confeitaria na Rua do Ouvidor, onde conversaram amigavelmente sobre os preparativos para o casamento.
Depois do encontro João Romão e Botelho ficaram conversando sobre o fim que se daria a Bertoleza, Botelho informa o outro que o dono da escrava iria buscá-la no mesmo dia, e que João deveria estar em casa para entregá-la.
Mais tarde o dono de Bertoleza apareceu no armazém para buscá-la, ela estava na cozinha, de cócoras , quando reconhece na porta o filho mais velho de seu dono acompanhado pela polícia, imediatamente, ela entende tudo o que fez João Romão, que não tendo coragem para matá-la resolveu entregá-la a seu antigo dono. Seu primeiro impulso é fugir, mas vendo-se encurralada Bertoleza desespera-se e em um único golpe firme e certeiro rasga seu próprio ventre com a mesma faca que limpava peixes minutos antes.
João Romão assisti a tudo.Nesse momento uma carruagem para na porta do armazém trazendo uma comissão de abolicionistas que vinham entregá-lo um título de sócio benemérito.Ele os conduz a sala de visitas.








2.2 Enredo - Elementos do enredo



Segundo a escritora Angélica Soares, na obra Gêneros Literários: "enredo é o resultado das ações das personagens e só existe através do discurso narrativo, do modo como se organizam os acontecimentos".
Na obra O cortiço, identificamos um romance aberto, pois não há limitações de "começo, meio e fim", ou seja, temos a impressão que o autor poderia ter acrescentado outros capítulos à história, e quando se finaliza a leitura, o leitor pode deduzir ou tentar adivinhar o destino de alguns personagens já que não se define literalmente um fim para a trama narrativa.
Verifica-se um narratário extradiegético, já que não é identificado na narrativa, apenas deduzido da voz do narrador. Em nenhum momento o narrador se reporta ao narratário.
O enredo é conduzido de forma tão realística que a impressão que o leitor pode ter, em algumas cenas, é a de estar "vendo" as ações dos personagens.



2.3 Enredo - Partes do enredo



Segue alguns trechos do enredo que consideramos significantes para a narrativa:
Trecho do capítulo I, em que o narrador conta como João Romão enganou a escrava Bertoleza, dizendo-lhe que tinha comprado sua carta de alforria.
Verifica-se, neste trecho como é a visão de Bertoleza com relação ao amigo , quando o julga superior a ela apenas por ele ser português, um remetente à situação social daquela época (século XIX) e uma visão baseada na teoria darwinista na qual se baseiam as obras naturalistas:
(...) E por tal forma foi o taverneiro ganhando confiança no espírito da mulher, que esta afinal nada mais resolvia só por si, e aceitava dele, cegamente, todo e qualquer arbítrio. Por último, se alguém precisava tratar com ela qualquer negócio, nem mais se dava ao trabalho de procurá-la, ia logo direito a João Romão. Quando deram fé estavam amigados.
Ele propôs lhe morarem juntos e ela concordou de braços abertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza não queria sujeitar se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua.
João Romão comprou então, com as economias da amiga, alguns palmos de terreno ao lado esquerdo da venda, e levantou uma casinha de duas portas, dividida ao meio paralelamente à rua, sendo a parte da frente destinada à quitanda e a do fundo para um dormitório que se arranjou com os cacarecos de Bertoleza. Havia, além da cama, uma cômoda de jacarandá muito velha com maçanetas de metal amarelas já mareadas, um oratório cheio de santos e forrado de papel de cor, um baú grande de couro cru tacheado, dois banquinhos de pau feitos de uma só peça e um formidável cabide de pregar na parede, com a sua competente coberta de retalhos de chita. O vendeiro nunca tivera tanta mobília.
? Agora, disse ele à crioula, as coisas vão correr melhores para você. Você vai ficar forra; eu entro com o que falta.
Nesse dia ele saiu muito à rua, e uma semana depois apareceu com uma folha de papel toda escrita, que leu em voz alta à companheira.
? Você agora não tem mais senhor! Declarou em seguida à leitura, que ela ouviu entre lágrimas agradecidas. Agora está livre. Doravante o que você fizer é só seu e mais de seus filhos, se os tiver. Acabou se o cativeiro de pagar os vinte mil réis à peste do cego!
? Coitado! A gente se queixa é da sorte! Ele, como meu senhor, exigia o jornal, exigia o que era seu!
? Seu ou não seu, acabou se! E vida nova!
Contra todo o costume, abriu se nesse dia uma garrafa de vinho do Porto, e os dois beberam na em honra ao grande acontecimento. Entretanto, a tal carta de liberdade era obra do próprio João Romão, e nem mesmo o selo, que ele entendeu de pespegar lhe em cima, para dar à burla maior formalidade, representava despesa porque o esperto aproveitara uma estampilha já servida. O senhor de Bertoleza não teve sequer conhecimento do fato; o que lhe constou, sim, foi que a sua escrava lhe havia fugido para a Bahia depois da morte do amigo (...).
Trecho do capítulo III, em que o narrador conta o amanhecer no cortiço.
Verifica-se neste trecho a personificação do cortiço feita por Aluísio Azevedo, além de citações de como era o cotidiano da vida das personagens:
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da ultima guitarra da noite antecedente, dissolvendo se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam se de janela para janela às primeiras palavras, os bons dias; reatavam se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantarem de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam se ruidosamente, espanejando se à luz nova do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via se lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.
O rumor crescia, condensando se; o zunzum de todos os dias acentuava se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam se discussões e resingas; ouviam se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava se. Sentia se naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra(...).
Trecho do capítulo IV, em que o narrador conta como João Romão levou o português Jerônimo para conhecer a sua pedreira.
Verifica-se neste trecho riqueza de detalhes em que são narrados os caminhos percorridos por João Romão e Jerônimo, além de aspectos relevantes do ambiente da história, como a descrição da pedreira:
(...)E os dois, em vez de procurarem à estrada, atravessaram o capim quente e escaldante.
Meio dia em ponto. O sol estava a pino; tudo reverberava a luz irreconciliável de dezembro, num dia sem nuvens. A pedreira, em que ela batia de chapa em cima, cegava olhada de frente. Era preciso martirizar a vista para descobrir as nuanças da pedra; nada mais que uma grande mancha branca e luminosa, terminando pela parte de baixo no chão coberto de cascalho miúdo, que ao longe produzia o efeito de um betume cinzento, e pela parte de cima na espessura compacta do arvoredo, onde se não distinguiam outros tons mais do que nódoas negras, bem negras, sobre o verde escuro.
À proporção que os dois se aproximavam da imponente pedreira, o terreno ia se tornando mais e mais cascalhudo; os sapatos enfarinhavam se de uma poeira clara. Mais adiante, por aqui e por ali, havia muitas carroças, algumas em movimento, puxadas a burro e cheias de calhaus partidos; outras já prontas para seguir, à espera do animal, e outras enfim com os braços para o ar, como se acabassem de ser despejadas naquele instante. Homens labutavam.
À esquerda, por cima de um vestígio de rio, que parecia ter sido bebido de um trago por aquele sol sedento, havia uma ponte de tábuas, onde três pequenos, quase nus, conversavam assentados, sem fazer sombra, iluminados a prumo pelo sol do meio dia. Para adiante, na mesma direção, corria um vasto telheiro, velho e sujo, firmado sobre colunas de pedra tosca; ai muitos portugueses trabalhavam de canteiro, ao barulho metálico do picão que feria o granito. Logo em seguida, surgia uma oficina de ferreiro, toda atravancada de destroços e objetos quebrados, entre os quais avultavam rodas de carro; em volta da bigorna dois homens, de corpo nu, banhados de suor e alumiados de vermelho como dois diabos, martelavam cadenciosamente sobre um pedaço de ferro em brasa; e ali mesmo, perto deles, a forja escancarava uma goela infernal, de onde saiam pequenas línguas de fogo, irrequietas e gulosas.
Trecho do capítulo VI, em que o narrador conta o retorno da mulata Rita Baiana ao cortiço. Verifica-se neste trecho a importância da personagem ao contexto do enredo, já que esta é figura marcante no cortiço. Rita, descrita nos mínimos detalhes por Aluísio Azevedo, representa a mulher brasileira:
(...) Dentro da taverna, os martelos de vinho branco, os copos de cerveja nacional e os dois vinténs de parati ou laranjinha sucediam se por cima do balcão, passando das mãos do Domingos e do Manuel para as mãos ávidas dos operários e dos trabalhadores, que os recebiam com estrondosas exclamações de pândega. A Isaura, que fora num pulo tomar o seu primeiro capilé, via se tonta com os apalpões que lhe davam. Leonor não tinha um instante de sossego, saltando de um lado para outro, com uma agilidade de mono, a fugir dos punhos calosos dos cavouqueiros que, entre risadas, tentavam agarrá-la; e insistia na sua ameaça do costume: "que se queixava ao juiz de orfe", mas não se ia embora, porque defronte da venda viera estacionar um homem que tocava cinco instrumentos ao mesmo tempo, com um acompanhamento desafinado de bombo, pratos e guizos.
Era apenas oito horas e já muita gente comia e palavreava na casa de pasto ao lado da venda. João Romão, de roupa mudada como os outros, mas sempre em mangas de camisa, aparecia de espaço em espaço, servindo os comensais; e a Bertoleza, sempre suja e tisnada, sempre sem domingo nem dia santo, lá estava ao fogão, mexendo as panelas e enchendo os pratos.
Um acontecimento, porém, veio revolucionar alegremente toda aquela confederação da estalagem. Foi a chegada da Rita Baiana, que voltava depois de uma ausência de meses, durante a qual só dera noticias suas nas ocasiões de pagar o aluguei do cômodo.
Vinha acompanhada por um moleque, que trazia na cabeça um enorme samburá carregado de compras feitas no mercado; um grande peixe espiava por entre folhas de alface com o seu olhar embaciado e triste, contrastando com as risonhas cores dos rabanetes, das cenouras e das talhadas de abóbora vermelha...
...Cercavam-na homens, mulheres e crianças; todos queriam novas dela. Não vinha em traje de domingo; trazia casaquinho branco, uma saia que lhe deixava ver o pé sem meia num chinelo de polimento com enfeites de marroquim de diversas cores. No seu farto cabelo, crespo e reluzente, puxado sobre a nuca, havia um molho de manjericão e um pedaço de baunilha espetado por um gancho. E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador.
Acudiu quase todo o cortiço para recebê-la. Choveram abraços e as chufas do bom acolhimento.
Por onde andara aquele diabo, que não aparecia para mais de três meses?(...)

Trecho do capítulo X, em que o narrador conta os preparativos para a festa do Miranda, vizinho do cortiço, que fora agraciado pelo governo português com o título de Barão de Freixal.
Neste trecho verifica-se a figura de Miranda representando o português bem sucedido, que alcançou além de riqueza, um título social no Brasil.
(...) No outro dia a casa do Miranda estava em preparos de festa. Lia se no "Jornal do Comércio" que Sua Excelência fora agraciada pelo governo português com o titulo de Barão do Freixal; e como os seus amigos se achassem prevenidos para ir cumprimentá-lo no domingo, o negociante dispunha se a recebê-los condignamente.
Do cortiço, onde esta novidade causou sensação, via se nas janelas do sobrado, abertas de par em par, surgir de vez em quando Leonor ou Isaura, a sacudirem tapetes e capachos, batendo lhes em cima com um pau, os olhos fechados, a cabeça torcida para dentro por causa da poeira que a cada pancada se levantava como fumaça de um tiro de peça. Chamaram se novos criados para aqueles dias. No salão da frente, pretos lavavam o soalho, e na cozinha havia rebuliço. Dona Estela, de penteador de cambraia enfeitado de laços cor de rosa, era lobrigada de relance, ora de um lado, ora de outro, a dar as suas ordens, abanando se com um grande leque; ou aparecia no patamar da escada do fundo, preocupada em soerguer as saias contra as águas sujas da lavagem, que escorriam para o quintal. Zulmira também ia e vinha com a sua palidez fria e úmida de menina sem sangue. Henrique, de paletó branco, ajudava o Botelho nos arranjos da casa e, de instante a instante, chegava à janela, para namoriscar Pombinha, que fingia não dar por isso, toda embebida na sua costura, à porta do número 15, numa cadeira de vime, uma perna dobrada sobre a outra, mostrando a meia de seda azul e um sapatinho preto de entrada baixa; só de longo em longo espaço, ela desviava os olhos do serviço e erguia os para o sobrado. Entretanto, a figura gorda e encanecida do novo Barão, sobre casacado, com o chapéu alto derreado para trás na cabeça e sem largar o guarda chuva, entrava da rua e atravessava a sala de jantar, seguia até a despensa, diligente esbaforido, indagando se já tinha vindo isto e mais aquilo, provando dos vinhos que chegavam em garrafões, examinando tudo, voltando se para a direita e para a esquerda, dando ordens, ralhando, exigindo atividade, e depois tornava a sair, sempre apressado, e metia se no carro que o esperava à porta da rua.
? Toca! Toca! Vamos ver se o fogueteiro aprontou os fogos!
E viam se chegar, quase sem intermitência, homens carregados de gigos de champanha, caixas de Porto e Bordéus, barricas de cerveja, cestos e cestos de mantimentos, latas e latas de conserva; e outros traziam perus e leitões, canastras d?ovos, quartos de carneiro e de porco. E as janelas do sobrado iam se enchendo de compoteiras de doce ainda quente, saído do fogo, e travessões, de barro e de ferro, com grandes peças de carne em vinha d?alhos, prontos para entrar no forno. À porta da cozinha penduraram pelo pescoço um cabrito esfolado, que tinha as pernas abertas, lembrando sinistramente uma criança a quem enforcasse depois de tirar lhe a pele (...)

Trecho do capítulo XIII, em que o narrador conta sobre o aparecimento de outro cortiço na mesma rua a fazer concorrência ao cortiço de João Romão. Este trecho demonstra como João Romão é capaz de influenciar os moradores de sua estalagem e estes passam a odiarem os moradores do cortiço vizinho.
(...) Agora, na mesma rua, germinava outro cortiço ali perto, o "Cabeça de Gato". Figurava como seu dono um português que também tinha venda, mas o legitimo proprietário era um abastado conselheiro, homem de gravata lavada, a quem não convinha, por decoro social, aparecer em semelhante gênero de especulações. E João Romão, estalando de raiva, viu que aquela nova república da miséria prometia ir adiante e ameaçava fazer lhe à sua, perigosa concorrência. Pôs se logo em campo, disposto à luta, e começou a perseguir o rival por todos os modos, peitando fiscais e guardas municipais, para que o não deixasse respirar um instante com multas e exigências vexatórias; enquanto pela sorrelfa plantava no espírito dos seus inquilinos um verdadeiro ódio de partido, que os incompatibilizava com a gente do "Cabeça de Gato". Aquele que não estivesse disposto a isso ia direitinho para a rua, "que ali se não admitiam meias medidas a tal respeito! Ali: ou bem peixe ou bem carne! Nada de embrulho!" É inútil dizer que a parte contrária lançou mão igualmente de todos os meios para guerrear o inimigo, não tardando que entre os moradores da duas estalagens rebentasse uma tremenda rivalidade, dia a dia agravada por pequenas brigas e rezingas, em que as lavadeiras se destacavam sempre com questões de freguesia de roupa. No fim de pouco tempo os dois partidos estavam já perfeitamente determinados; os habitantes do "Cabeça de Gato" tomaram por alcunha o titulo do seu cortiço, e os de "São Romão", tirando o nome do peixe que a Bertoleza mais vendia à porta da taverna, foram batizados por "Carapicus".

Quem se desse com um Carapicus não podia entreter a mais ligeira amizade com um Cabeça de gato; mudar se alguém de uma estalagem para outra era renegar idéias e princípios e ficava apontado a dedo; denunciar a um contrário o que se passava, fosse o que fosse, dentro do circulo oposto, era cometer traição tamanha, que os companheiros a puniam a pau. Um vendedor de peixe, que caiu na asneira de falar a um cabeça de gato a respeito de uma briga entre a Machona e sua filha, a das Dores, foi encontrado quase morto perto do cemitério de São João Batista. Alexandre, esse então não cochilava com os adversários: nas suas partes policiais figurava sempre o nome de um deles pelo menos, mas entre os próprios polícias havia adeptos de um e de outro partido; o urbano que entrava na venda do João Romão tinha escrúpulo de tomar qualquer coisa ao balcão da outra venda. Em meio do pátio do "Cabeça de Gato" arvorara se uma bandeira amarela; os Carapicus responderam logo levantando um pavilhão vermelho. E as duas cores olhavam se no ar como um desafio de guerra (...).
Outro trecho do capítulo XIII, em que o narrador conta o início da mudança de hábitos de João Romão e o início do seu desprezo pela negra Bertoleza. Verifica-se que em nenhum momento no trecho abaixo, ou em toda a narrativa, João Romão tivesse gratidão pela ajuda que Bertoleza lhe dera para alcançar sua riqueza, ou sentimento de remorso por tê-la enganado para ficar com suas economias, ou ainda culpa, por desejar a sua morte. O trecho demonstra que para João Romão, Bertoleza tornara-se, simplesmente, um "problema" que ele tinha que resolver.
(...) Depois do jantar apareceu uma família; conhecida, trazendo um rancho de moças; vieram também alguns rapazes; formaram se jogos de prendas, e João Romão, pela primeira vez em sua vida, viu se metido em tais funduras. Não se saiu mal, todavia.
O chá das dez e meia correu sem novidade; e, quando enfim o neófito se pilhou na rua, respirou com independência, remexendo o pescoço dentro do colarinho engomado e soprando com alívio. Uma alegria de vitória transbordava lhe do coração e fazia o feliz nesse momento. Bebeu o ar fresco da noite com uma volúpia nova para ele e, muito satisfeito consigo mesmo, entrou em casa e recolheu se, rejubilando com a idéia de que ia descalçar aquelas botas, desfazer se de toda aquela roupa e atirar se à cama, para pensar mais à vontade no seu futuro, cujos horizontes se rasgavam agora iluminados de esperança.
Mas a bolha do seu desvanecimento engelhou logo à vista de Bertoleza que, estendida na cama, roncava, de papo para o ar, com a boca aberta, a camisa soerguida sobre o ventre, deixando ver o negrume das pernas gordas e lustrosas.
E tinha de estirar se ali, ao lado daquela preta fedorenta a cozinha e bodum de peixe! Pois, tão cheiroso e radiante como se sentia, havia de pôr a cabeça naquele mesmo travesseiro sujo em que se enterrava a hedionda carapinha da crioula?...
? Ai! Ai! Gemeu o vendeiro, resignando se. E despiu se.
Uma vez deitado, sem animo de afastar se da beira da cama, para não se encostar com a amiga, surgiu lhe nítida ao espírito a compreensão do estorvo que o diabo daquela negra seria para o seu casamento.
E ele que até aí não pensara nisso!... Ora o demo!
Não pôde dormir; pôs se a malucar:
Ainda bem que não tinham filhos! Abençoadas drogas que a Bruxa dera à Bertoleza nas duas vezes em que esta se sentiu grávida! Mas, afinal, de que modo se veria livre daquele trambolho? E não se ter lembrado disso há mais tempo!... Parecia incrível!
João Romão, com efeito, tão ligado vivera com a crioula e tanto se habituara a vê-la ao seu lado, que nos seus devaneios de ambição pensou em tudo, menos nela.
E agora?
E malucou no caso até às duas da madrugada, sem achar furo. Só no dia seguinte, a contemplá-la de cócoras à porta da venda, abrindo e destripando peixe, foi que, por associação de idéias, lhe acudiu esta hipótese:
? E se ela morresse?...
Trecho do capítulo XIX, em que o narrador conta como Bertoleza percebeu o esforço de João Romão para ascender socialmente. Neste trecho verifica-se a posição que Bertoleza coloca-se com relação a João Romão, o modo como ela conduz a situação do casamento de João com Zulmira, sem exigir nada para si, apenas pedido ao amigo que espere a sua morte para concretizar seus planos, aceitando-se como inferior e incapaz de ser digna do amor de João Romão, simplesmente por ser negra. A escrava representa no enredo, e principalmente neste trecho, a figura do negro e a consciência social da época em que romance naturalista foi escrito, pois a consciência de ser minoritário que Bertoleza tinha de si mesma é reflexo da sociedade em que vivia.





(...) Agora, não se passava um domingo sem que o amigo de Bertoleza fosse jantar à casa do Miranda. Iam juntos ao teatro. João Romão dava o braço à Zulmira, e, procurando galanteá-la e mais ao resto da família, desfazia se em obséquios brutais e dispendiosos, com uma franqueza exagerada que não olhava gastos. Se tinham de tomar alguma coisa, ele fazia vir logo três, quatro garrafas ao mesmo tempo, pedindo sempre o triplo do necessário e acumulando compras inúteis de doces, flores e tudo o que aparecia. Nos leilões das festas de arraial era tão feroz a sua febre de obsequiar a gente do Miranda, que nunca voltava para casa sem um homem atrás, carregado com os mimos que o vendeiro arrematava.
E Bertoleza bem que compreendia tudo isso e bem que estranhava a transformação do amigo. Ele ultimamente mal se chegava para ela e, quando o fazia, era com tal repugnância, que antes não o fizesse. A desgraçada muita vez sentia lhe cheiro de outras mulheres, perfumes de cocotes estrangeiras e chorava em segredo, sem animo de reclamar os seus direitos. Na sua obscura condição de animal de trabalho, já não era amor o que a mísera desejava, era somente confiança no amparo da sua velhice quando de todo lhe faltassem as forças para ganhar a vida. E contentava se em suspirar no meio de grandes silêncios durante o serviço de todo o dia, covarde e resignada, como seus pais que a deixaram nascer e crescer no cativeiro. Escondia se de todos, mesmo da gentalha do frege e da estalagem, envergonhada de si própria, amaldiçoando se por ser quem era triste de sentir se a mancha negra, a indecorosa nódoa daquela prosperidade brilhante e clara.
E, no entanto, adorava o amigo, tinha por ele o fanatismo irracional das caboclas do Amazonas pelo branco a que se escravizam, dessas que morrem de ciúmes, mas que também são capazes de matar se para poupar ao seu ídolo a vergonha do seu amor. O que custava aquele homem consentir que ela, uma vez por outra, se chegasse para junto dele? Todo o dono, nos momentos de bom humor, afaga o seu cão... Mas qual!
O destino de Bertoleza fazia se cada vez mais estrito e mais sombrio; pouco a pouco deixara totalmente de ser a amante do vendeiro, para ficar sendo só uma sua escrava. Como sempre, era a primeira a erguer se e a ultima a deitar se; de manhã escamando peixe, à noite vendendo o à porta, para descansar da trabalheira grossa das horas de sol; sempre sem domingo nem dia santo, sem tempo para cuidar de si, feia, gasta, imunda, repugnante, com o coração eternamente emprenhado de desgostos que nunca vinham à luz. Afinal, convencendo se de que ela, sem ter ainda morrido, já não vivia para ninguém, nem tampouco para si, desabou num fundo entorpecimento apático, estagnado como um charco podre que causa nojo.
Fizera se áspera, desconfiada, sobrolho carrancudo, uma linha dura de um canto ao outro da boca. E durante dias inteiros, sem interromper o serviço, que ela fazia agora automaticamente, por um hábito de muitos anos, gesticulava e mexia com os lábios, monologando sem pronunciar as palavras. Parecia indiferente a tudo, a tudo que a cercava (...).
Trecho final do capítulo XXIII , onde o narrador conta como Bertoleza descobriu que fora enganada por João Romão, finalizando o enredo. Neste último trecho da obra, pode-se verificar no desfecho da história, o drama do suicídio de Bertoleza, quando ela rasga o próprio ventre com a mesma faca que limpava peixes para alimentar João Romão, exatamente da mesma forma como ele havia imaginado a morte da escrava como solução para poder se casar com a filha de Miranda.
Bertoleza mata-se para não tornar-se escrava novamente, entretanto, ela jamais percebeu que nunca deixou de ser, este fato e a chegada da comissão de abolicionistas para homenagear João Romão exatamente neste momento, demonstra de forma irônica, o que estava acontecendo na sociedade brasileira naquela época:
(...) Atravessaram o armazém, depois um pequeno corredor que dava para um pátio calçado, chegaram finalmente à cozinha. Bertoleza, que havia já feito subir o jantar dos caixeiros, estava de cócoras, no chão, escamando peixe, para a ceia do seu homem, quando viu parar defronte dela aquele grupo sinistro.
Reconheceu logo o filho mais velho do seu primitivo senhor, um calafrio lhe percorreu-lhe o corpo. Num relance de grande perigo compreendeu a situação; adivinhou tudo com a lucidez de quem se vê perdido para sempre: adivinhou que tinha sido enganada; que a sua carta de alforria era uma mentira, e que o seu amante, não tendo coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro.
Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, circunvagou os olhos em torno de si, procurando escapula, o senhor adiantou se dela e segurou lhe o ombro.
? É esta! disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a segui-los. ? Prendam na! É escrava minha!
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.
Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado.
E depois embarcou para frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.
João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha de casaca! trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito.
Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas.



2.4 Enredo - Conflitos Principais



I) Ambição x inveja: a inveja e a ambição são sentimentos muito fortes fincados na alma de alguns personagens como João Romão, Miranda e Botelho e para eles tudo era possível em nome da satisfação desses dois sentimentos.
Ex.: "Tinha inveja do outro, daquele outro português que fizera fortuna, sem precisar roer nenhum chifre; daquele outro que, para ser mais rico três vezes do que ele, não teve de casar com a filha do patrão ou com a bastarda de algum fazendeiro freguês da casa!" ? Miranda inconformado com o progresso do cortiço;
"...aquele sovina que nunca saíra dos seus tamancos e da sua camisa de riscadinho de Angola; aquele animal que se alimentava pior que os cães, para pôr de parte de tudo, que ganhava ou extorquia; aquele ente atrofiado pela cobiça e que parecia ter abdicado dos seus privilégios e sentimentos de homem; aquele desgraçado, que nunca jamais amara senão o dinheiro, invejava agora o Miranda, invejava-o deveras, com dobrada amargura do que sofrera o marido de Dona Estela, quando, por sua vez, o invejara a ele." ? João Romão ao saber do título de Barão concedido ao Miranda;
"A virtude, a beleza, o talento, a mocidade, a força, a saúde, e principalmente a fortuna, eis o que ele não perdoava a ninguém, amaldiçoando todo aquele que conseguia o que ele não obtivera; que gozava o que ele não desfrutara; que sabia o que ele não aprendera." ? Descrição do personagem Botelho.

II) Dinheiro x boas maneiras: Miranda não podia se conformar com o progresso visível do cortiço e com ele a sucessiva ascensão de seu vizinho: "...custava-lhe a sofrer a escandalosa fortuna do vendeiro "aquele tipo! Um miserável, um sujo que não pusera nunca um paletó, e que vivia de cama e mesa com uma negra!";
"Sem nunca ter vestido um paletó, com vestiria uma casaca?... Com aqueles pés, deformados pelo diabo dos tamancos, criados à solta, sem meias, como calçaria sapatos de baile?... E suas mãos, calosas e maltratadas, duras como as de um cavouqueiro, como se ajeitariam com a luva?...Como deveria tratar as damas e cavalheiros, em meio de um grande salão cheio de espelhos e cadeiras douradas?... Como se arranjaria para conversar, sem dizer barbaridades?..." ? João Romão pensando em fazer parte da classe mais alta da sociedade.
III) Riqueza x Pobreza: esse é um drama que aflige apenas aqueles que um dia foram pobres e são capazes de esforços inimagináveis para manter a posição social adquirida. Ex.: "Prezava, acima de tudo, a sua posição social e tremia só com a idéia de ver-se novamente pobre, sem recursos e sem coragem para recomeçar a vida..." ? pensamento de Miranda ao lembrar-se das traições da esposa e imaginar-se separado sem o dinheiro do dote que ela trouxera.
IV) Novo x Velho: o feitiço vivido por Jerônimo ao se apaixonar por Rita Baiana sem se importar nunca mais com os atrativos de sua esposa e assim deixando de lado todos os hábitos e preferências antigos.
Ex.: "...envolvendo-a na sua coma de prata, a cujo refulgir os meneios da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher" ? o dia em que Jerônimo se apaixonou por Rita Baiana;
"e quando a infeliz se aproximou do marido, este, fora de costume, notou-lhe o cheiro azedo do corpo." ? e a partir do feitiço por Rita Baiana, Jerônimo nota na mulher coisas que até então passaram desapercebidas; "O português abrasileirou-se para sempre; fez-se preguiçoso, amigo das extravagâncias e dos abusos, luxurioso e ciumento; fora-se-lhe de vez o espírito da economia e da ordem..." ? Os novos hábitos e agora permanentes que Jerônimo passou a ter após a sua união com Rita Baiana.
V) Homens x Animais: a questão sexual é sempre levada ao nível do mundo animal fortalecendo a ênfase do desejo sobre a razão.


Ex.: "E viu o Firmo e o Jerônimo atassalharem-se, como dois cães que disputam uma cadela da rua; e viu o Miranda, lá defronte, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu o Domingos, que fora da venda, furtando horas ao sono, depois de um trabalho de burro, e perdendo o seu emprego e as economias juntadas com sacrifício, só para ter um instante de luxúria entre as pernas de uma desgraçadinha..."; "habituou-lhe a carne ao cheiro sensual daquele seu corpo de cobra...". Também aqui existe sempre uma relação entre homens e animais que exacerbam a influência do naturalismo na obra do autor. Ex.: "...o grosseiro rumor que vinha da estalagem numa exalação forte de animais cansados."



2.5 - Conflitos Secundários



I) Portugueses x Brasileiros: havia naquela época muitos portugueses vindo para o Brasil e estava sempre entre linhas um problema travado por conta das nacionalidades. Esse problema se evidencia e se expõe claramente durante a briga entre Piedade e Rita Baiana. Ex.: "Dois partidos todavia se formavam em torno das lutadoras; quase todos os brasileiros eram pela Rita e quase todos os portugueses pela outra."
II) Destino x Desgraça: o desenrolar da trama coloca o destino contra todos os valores morais e desgraça a vida das mulheres inocentes e puras com um fim triste e repugnante: "homens malvados abusavam dela, muitos de uma vez, aproveitando-se da quase completa inconstância da infeliz" ? descrição no fim do livro da situação em que ficou Piedade;
"...o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada..." ? intenção de Pombinha e Léonie em seduzirem a Senhorinha para seguir a vida como elas.
III) Menina x Mulher: Pombinha após a sua tão sonhada transformação em mulher se dá conta do poder sem limites de uma mulher sobre um homem. Ex.: "Como que naquele instante o mundo inteiro se despia à sua vista.....ela compreendeu e avaliou a fraqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras, mas que deixavam encabrestar e conduzir humildes pela soberana e delicada mão da fêmea."
2.6 Enredo ? Clímax



O clímax da história é marcado pela briga entre Piedade e Rita Baiana. Quando as duas brigam violentamente por causa de Jerônimo, marido de Piedade que está apaixonado por Rita, esta briga envolve todo o cortiço e a disputa entre brasileiros e portugueses fica evidente. No mesmo momento em que brasileiros e portugueses iniciam uma briga para defender as suas respectivas conterrâneas, o cortiço é invadido pelos moradores do cortiço vizinho, que chegam armados de paus e navalhas com a intenção de vingar a morte de Firmo. Uma outra briga, ainda mais violenta que a primeira se inicia e só termina quando todos os moradores se dão conta de que há um incêndio no cortiço. E é após este evento que toda a estrutura do cortiço é melhorada por João Romão, pois com o dinheiro do seguro que ele fez na ocasião do primeiro incêndio, ele reforma as casas destruídas pelo fogo e também melhora as outras casas do cortiço colocando passeio e iluminação, a partir daí o cortiço aristocratiza-se pois João começa a receber moradores de classe social emergente como alfaiates e artistas.
Esta passagem tem a participação de uma amplitude de personagens e pode ser observada na transcrição de trechos abaixo:
" (...)E pegaram-se logo a unhas e dentes(...)"

"(...) Por algum tempo lutaram de pé, engalfinhadas, no meio de grande algazarra dos circunstantes. João Romão acudiu e quis separá-las; todos protestaram. A família do Miranda assomou à janela, tomando ainda o café de depois do jantar, indiferente, já habituada àquelas cenas. Dois partidos todavia se formavam em torno das lutadoras; quase todos os brasileiros eram pela Rita e quase todos os portugueses pela outra.(...).
"(...)E as palavras "galego" e "cabra" cruzaram-se de todos os pontos, como bofetadas. (...)E o rolo a ferver lá fora, cada vez mais inflamado com um terrível sopro de rivalidade nacional. Ouviam-se, num clamor de pragas e gemidos, vivas a Portugal e vivas ao Brasil. De vez em quando, o povaréu, que continuava a crescer, afastava-se em massa, rugindo de medo, mas tornava logo, como a onda no refluxo dos mares. A polícia apareceu e não se achou com animo de entrar, antes de vir um reforço de praças, que um permanente fora buscar a galope.
E o rolo fervia.
Mas, no melhor da lata, ouvia-se na rua um coro de vozes que se aproximavam das bandas do "Cabeça-de-Gato". Era o canto de guerra dos capoeiras do outro cortiço, que vinham dar batalha aos carapicus, pra vingar com sangue a morte de Firmo, seu chefe de malta.(...)
(...)Um só impulso os impelia a todos; já não havia ali brasileiros e portugueses, havia um só partido que ia ser atacado pelo partido contrário; os que se batiam ainda há pouco emprestavam armas uns aos outros, limpando com as costas das mãos o sangue das feridas. Os cabeças-de-gato assomaram afinal ao portão. Uns cem homens, em que se não via a arma que traziam. (...)
(...)As navalhas traziam-nas abertas e escondidas na palma da mão. (...)
(...)Os carapicus enchiam a metade do cortiço. (...)
(...)E a batalha principiou(...) Desferiram-se navalhas contra navalhas, jogaram-se as cabeçadas e os voa-pés.(...). De parte a parte esperavam que o cansaço desequilibrasse as forças, abrindo furo à vitória; mas um fato veio neutralizar inda uma vez a campanha: imenso rebentão de fogo esgargalhava-se de uma das casas do fundo, o número 88. E agora o incêndio era a valer. (...)

(...)A Bruxa conseguira afinal realizar o seu sonho de louca: o cortiço ia arder; não haveria meio de reprimir aquele cruento devorar de labaredas. Os cabeças-de-gato, leais nas suas justas de partido, abandonaram o campo, sem voltar o rosto, desdenhosos de aceitar o auxilio de um sinistro, e dispostos até a socorrer o inimigo, se assim fosse preciso. E nenhum dos carapicus os feriu pelas costas. A luta ficava para outra ocasião. E a cena transformou-se num relance; os mesmos que barateavam tão facilmente a vida apressavam-se agora a salvar os miseráveis bens que possuíam sobre a terra. (...)
(...) Os sinos da vizinhança começaram a badalar. (...)



2.7 Enredo ? Desfecho



O cortiço original se transforma em habitação para gente de melhor classe social, João Romão conquista a confiança de Miranda para casar-se com Zulmira e Bertoleza vendo-se traída duas vezes por João Romão se suicida na cena final do livro.

2.8 Personagens

Definição de personagem, segundo Massaud Moisés:

Designa, no interior da prosa literária (conto, novela ou romance) e do teatro, os seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são "pessoas" imaginárias, se os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros se movem no espaço arquitetado pela fantasia do prosado! (Dicionário de Termos Literários - Massaud Moisés - Ed. Cultural 2000).

Observação: As transcrições de números de páginas a frente da denominação das personagens, referem-se a qual página do livro pode-se verificar a apresentação da personagem. O livro utilizado nesta transcrição é O cortiço de Aluísio Azevedo, da série Bom Livro, edição número trinta e seis, décima impressão, da editora Ática, 2006.

Segue classificação das personagens da obra:

1) O cortiço
Participação: Protagonista. Personagem redonda porque era o principal responsável por tudo o que acontecia naquele espaço.
Características: O Cortiço como protagonista é um exemplo de personificação de algo que é inanimado e abstrato. Caracteriza-se assim por haver referências no texto como: "Durante dois anos o cortiço prosperou de dia para dia..."; "Eram cinco da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.". E dessa maneira fica evidente o quanto o meio era o delimitador e orientador das ações humanas. O cortiço era o principal e único responsável por todas as circunstâncias nele existentes referente aos hábitos e atitudes de seus moradores.

2) João Romão
Participação: Protagonista. Personagem redonda porque influencia na vida de Bertoleza e porque é ele o mentor e construtor do cortiço.

Características: Representa o português que veio para o Brasil e enriqueceu. É extremamente trabalhador. É amigado com Bertoleza e junto com ela constroem a sua fortuna. É movido por inveja e uma ambição sem limites que o torna capaz de trapaças, pequenos e médios furtos. Visto que os seus princípios são baseados em valores materiais, foi capaz de trair àquela que se dedicou a vida inteira por ele. Porém mesmo sendo um homem de origens simples é capaz de reconhecer que o refinamento é algo importante e muitas vezes também parte do negócio para enriquecer mais.

3) Miranda
Participação: Antagonista. Personagem redonda porque provoca inveja em João Romão que se move a partir disso para se tornar um nobre também.
Características: Miranda é português e igualmente invejoso e ambicioso como o seu vizinho João Romão. Tem um casamento infeliz e não pode suportar a felicidade alheia. Em nome da sua inveja traça objetivos para se tornar "melhor" do que João Romão e a prosperidade de seu cortiço. Mantém-se em seu casamento apenas pela questão financeira.

4) Bertoleza
Participação: Secundária. Plana.
Características: Representa os escravos. Crioula trintona, escrava. Trabalhadora, companheira e totalmente submissa ao seu amasio (João Romão). Apesar de nunca ter sido alforriada e acreditando que assim o era, viveu toda a sua vida fielmente ao lado de João Romão e sempre se comportou como escrava na dedicação ao trabalho. Trabalhava de domingo a domingo. Nunca se queixava e nunca parava com os seus afazeres. Confiou cegamente em João Romão e não podendo contar que a trairia, se mata na cena final do livro. A importância da Bertoleza para a obra talvez esteja refletida na importância da mulher ao lado de seu marido, pois ela é um exemplo de fidelidade e companherismo.

5) Dona Estela: Secundária. Redonda porque se envolve com outros homens. Mulher do Miranda. Esposa infiel e nada preocupada com a reputação do marido nesse sentido.

6) Zulmira: Secundária. Plana. Filha do Miranda e Dona Estela que deverá se casar com João Romão. O pai tem dúvidas quanto a sua paternidade.

7) Botelho: Secundária. Redonda porque ajuda João Romão a arquitetar um plano para se livrar de Bertoleza. Trabalhou com Miranda e depois por necessidade foi morar em sua casa. Ícone de pessoa amargurada. Representa todos os infelizes e invejosos que existem.

8) Jerônimo "Hércules": Principal. Redonda porque se envolve com Rita Baiana e se separa de Piedade. Representa o Português que veio ao Brasil e se igualou ao malandro carioca. Português de quarenta e cinco anos, alto, espadaúdo, barbas ásperas, cabelos pretos e maltratados, pescoço de touro e cara de Hércules, olhos humildes; cavouqueiro; marido de Piedade. Homem de hábitos regrados, muito trabalhador e muito econômico. Vivia muito bem com sua esposa. Se tornou funcionário de confiança de João Romão. E entregando-se aos encantos de Rita Baiana, nunca mais recuperou seus originais princípios. Apesar de não ter má índole se perdeu com os valores e com eles as medidas dos limites e por causa de seu novo amor foi capaz de matar Firmo e de abandonar sua esposa e suas responsabilidades. Termina infeliz e pobre ao lado daquela que já era tão encantadora como antes.

9) Piedade de Jesus: Secundária. Redonda porque compromete o futuro da filha. Mulher de Jerônimo com trinta anos, boa estatura, carne ampla e rija, cabelos fortes de um castanho fulvo, dentes pouco alvos, cara cheia, fisionomia aberta. Lavadeira, dedicada ao marido e aos seus trabalhos. Após ser abandonada pelo marido perde o rumo das coisas e passa a beber e a ter relações sexuais de maneira promíscua.

10) Rita Baiana: Secundária. Redonda porque se envolve com Jerônimo. Mulata de cabelo crespo e reluzente, odor sensual de trevos, quadril atrevido e rijo, dentes claros e brilhantes. Tinha um caso com Firmo e às vezes saía também com outros homens. Se envolve com Jerônimo e depois de ele largar a esposa vão morar juntos num outro estaleiro. Mulher extremamente sensual, desembaraçada e que gostava muito de dançar.

11) Leocádia: Secundária. Redonda porque após se envolver com Henrique provoca fúria no marido e eles se separam. Mulher de Bruno. Esposa infiel.

12) Bruno: Secundária. Redonda porque expulsa Leocádia de casa. Marido de Leocádia que trabalhava como ferreiro na pedreira de João Romão. Suportava as traições da mulher por uma questão de comodidade até que um dia se revoltou e a expulsou de casa. Não agüentando ficar sem ela, no final da história pede para que ela volte.

13) Augusta "carne mole": Secundária. Plana. Mulher de Alexandre. Branca. Fiel ao marido e voltada para a vida conjugal. Passa a vida tendo filhos.

14) Alexandre: Secundária. Plana. Policial. Marido de Augusta. Mulato de quarenta anos, soldado de polícia, pernóstico, de grande bigode preto.

15) Domingos: Secundária. Redonda porque engravidou Florinda. Caixeiro da venda de João Romão.

16) Agostinho: Secundária. Plana. Criança infernal sempre aos berros com a mãe. Filho de Leandra.

17) Albino: Secundária. Plana. Homossexual. Sujeito afeminado, fraco, cor de espargo cozido com cabelinho castanho, deslavado e pobre. Aconselhava as mulheres do cortiço e sempre se responsabilizava por reatar os casais brigados.

18) Amante da Das Dores: Secundária. Plana. Homem do Comércio, português - página 61.

19) Andréa: Secundária. Plana. Representa o vendedor ambulante italiano no Brasil.

20) Baleiro: Secundária. Plana. Freguês do cortiço.

21) Caixeiro novo: Secundária. Plana. Lista os pratos para os fregueses na venda de João Romão - página 43.

22) Cavouqueiro: Secundária. Plana. Dita a carta para Pombinha - página 61.

23) Comendador: Secundária. Plana.Agostinho regava sua horta por dois mil réis por mês.

24) Companheiro do amante da Das Dores: Secundária. Plana - página 63.

25) Das Dores: Secundária. Plana. Filha divorciada de Leandra.

26) Delporto: Secundária. Plana. Mascate italiano.

27) Dois trabalhadores: Secundárias. Planas - página 144.

28) Dona Isabel: Secundária. Redonda porque arranja o casamento de Pombinha e determina quando ele deve acontecer. Mãe de Pombinha.

29) Ferreiro: trabalhava junto com Bruno - página 48.

30) Firmo: Secundária. Redonda porque esfaqueia Jerônimo. Amante de Rita Baiana. Mulato, delgado, bigodinho crespo, grande cabeleira encaracolada negra. Muito gastador e gostava de festas com mulheres.

31) Florinda: Secundária. Redonda porque após engravidar de Domingo, discute com a mãe e vai embora do cortiço, provocando a insanidade de Marciana. Tinha quinze anos, pele de um moreno quente, beiços sensuais, bonitos dentes, olhos luxuriosos de macaca. Filha de Marciana. Engravida de Domingos e após discussão com a mãe, vai embora do cortiço.

32) Francesco: Secundária. Plana. Mascate italiano.

33) Freitas de Melo: Secundária. Plana. Dono da Bertoleza; velho cego.

34) Grupo de homens: "grupo de homens comendo de cócoras" - página 50.

35) Henrique: Secundária. Redonda porque se envolve com Dona Estela e com Leocádia. Filho do melhor freguês do Miranda que veio morar em sua casa para terminar os estudos. Vivia sempre atrás das mulheres, incluindo a Dona Estela.

36) Homem das Sardinhas: Secundária. Plana - página 37.

37) Homem que fazia charutos: Secundária. Plana. Morou na casa 35 - página 52.

38) Homem que tocava cinco instrumentos: Secundária. Plana. Na frente da venda - página 57.

39) Isaura: Secundária. Plana. Criada da família do Miranda.

40) João da Costa: Secundária. Plana. Noivo de Pombinha e posteriormente seu marido, porém seu casamento não prosperou.

41) Jornaleiros de baixo salário: Secundária. Plana - página 67.

42) Juju: Secundária. Plana. Filha de Augusta e Alexandre criada pela madrinha Léonie.

43) Leandra "a machona": Secundária. Redonda. Portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo. Lavadeira que tinha três filhos que não se pareciam uns com os outros, ninguém sabia se era viúva ou separada.

44) Léonie: Secundária. Redonda porque assedia sexualmente Pombinha. Madrinha de Juju. Prostituta de origem francesa.

45) Leonor: Secundária. Plana. Criada da família do Miranda

46) Libânia: Secundária. Plana - página 61.

47) Libório: Secundário. Plana. Judeu octogenário, miserável que escondia dinheiro embaixo do colchão.

48) Luís: Secundária. Plana. Irmão da esposa do cavouqueiro - página 61.

49) Macaqueiros: Secundárias. Planas. Fazedores de paralelepípedos na pedreira de João Romão - página 49.

50) Machucas: Secundária. Redonda porque indicou Jerônimo para João Romão.

51) Mãe da Rita Baiana: Secundária. Plana - página 63.

52) Manduca da Praia: Secundária. Plana - página 63.

53) Manuel: Secundária. Plana. Caixeiro da venda de João Romão.

54) Marciana: Secundária. Redonda porque bate em Florinda fazendo ela fugir do cortiço, enlouquece por causa disso. Mãe de Florinda. Mulata velha muito séria com mania de limpeza.

55) Marianita "Senhorinha": Secundária. Plana. Filha de Jerônimo e Piedade. Ocupa o antigo lugar de Pombinha no cortiço e provavelmente será quando adulta prostituta.

56) Maricas do Farjão: Secundária. Plana. Morreu na casa 35 - página 52.

57) Melhor funcionário da pedreira de João Romão: morreu após um desastre - página 45.

58) Moleque que acompanhava Rita Baiana: Secundária. Plana. Carregava as compras dela - página 57.

59) Moradores do cortiço: página 67.

60) Mulher do cavouqueiro para quem iria a carta escrita por Pombinha: página 61.

a. 58. Nenem: Secundária. Plana. Filha de Leandra. Espigada, franzina e forte.

61) Nhá Dunga: Secundária. Plana. Moradora do cortiço - página 36.

62) O Padeiro: Secundária. Plana - página 36.

63) Operários das fábricas: Secundárias. Planas. "Chegavam na venda para o almoço" - página 43.

64) Ourives: Secundária. Plana. "Aquele outro que trabalhava de ourives" - página 52.

65) Pataca: Secundária. Redonda porque ajuda Jerônimo a matar Firmo e se envolve com Piedade - página 140.

66) Patrão de Jerônimo da pedreira de São Diogo: Secundária. Plana - página 54.

67) Paula "bruxa": Secundária. Redonda porque incendeia o cortiço. Cabocla velha, extremamente feia, grossa, triste, com olhos desvairados, dentes cortados à navalha, cabelos lisos e ainda retintos. Respeitada pelos "benzimentos". Após a expulsão de Marciana do cortiço, desenvolve comportamento psicótico e por duas vezes tentou incendiar o cortiço conseguindo apenas na segunda. Após ser atingida pelo fogo, morre.

68) Pombinha: Secundária. Redonda porque se separa do marido e se torna prostituta. Filha de Dona Isabel; flor do cortiço. Sempre se comportou de maneira muito discreta e educada até que depois de se casar com João da Costa e incentivada por uma experiência homossexual passada com Léonie resolve também virar prostituta.

69) Pompeo: Secundária. Plana.Mascate italiano.

70) Porfiro: Secundária. Plana. Cabelo encarapinhado, não dispensava gravata com laço frouxo, fazia questão da bengala com cabeça de prata e piteira de âmbar e espuma. Amigo de Firmo.

71) Português amigado com Bertoleza: Secundária. Plana. Morre no começo do livro.

72) Português dono do Cabeça-de-Gato: Secundária. Plana - página 131.

73) Rapazito de Paletó: Secundária. Plana - página 41.

74) Rapazitos: Secundárias. Planas."Tratando do jantar dos pais" - página 50.

75) Roberto Papa-Defuntos: Secundária. Plana - página 160.

76) Seu Bento: Secundária. Plana - página 147.

77) Sucessores do patrão de Jerônimo da pedreira de São Diogo: Secundárias. Redondas porque fizeram uma reforma na pedreira que desgostou Jerônimo ? página 54.

78) Um empregado de João Romão: Secundária. Plana - página 202.

79) Um mulatinho: Secundária. Plana - página 139.

80) Um urbano: Secundária. Plana - página 132.

81) Um vendedor de peixe: Secundária. Plana - página 132.

82) Uns cem homens: Secundárias. Redondas porque vinham brigar com os moradores do cortiço de São Romão - página 165.

83) Valentim: Secundária. Plana. Filho de uma escrava que foi de Dona Estela. Mora em sua casa.

84) Vendeiro: Secundária. Plana.

85) Zé Carlos: Secundária. Redonda porque ajuda Jerônimo no assassinato de Firmo.

Secundárias e planas:

86) "... As mães dos outros dois...": página 192.

87) "...a criada...": página 118.

88) "...a uma companheira...": página 97.

89) "...abastado conselheiro...": página 131.

90) "...advogados...": página 198.

91) "...ajudado pela mulher...": página 199.

92) "...alfaiate...": página 199.

93) "...artista dramático...": página 200.

94) "...artistas...": página 198.

95) "...caixa...": página 198.

96) "...caixeiros de botequim...": página 183.

97) "...cambistas...": página 198.

98) "...capatazes...": página 198.

99) "...capitalistas...": página 198.

100) "...cheia de visitas...": página 108.

101) "...cinco filhas solteiras...": página 131.

102) "...cocheiro de calção...": página 168.

103) "...comissão de abolicionistas...": página 207.

104) "...condutores de bondes...": página 183.

105) "...contínuos de repartição...": página 182.

106) "...corretores de praça...": página 198.

107) "...criados...": página 203.

108) "...despachante de estrada de ferro...": página 199.

109) "...despachante...": página 198.

110) "...dois rapazitos...": página 192.

111) "...duas praças...": página 206.

112) "...e mais três operárias...": página 199.

113) "...empregados das secretarias...": página 203.

114) "...empregados públicos...": página 198.

115) "...empresários de teatro...": página 198.

116) "...estudantes...": página 198.

117) "...filhinha da Augusta...": página 168.

118) "...fundadores de jornais...": página 198.

119) "...gente miúda do povo...": página 198.

120) "...gordos fazendeiros de café...": página 201.

121) "...grupo de curiosos...": página 192.

122) "...grupo de moços do comércio...": página 199.

123) "...grupo dos jornalistas...": página 203.

124) "...grupos de senhoras...": página 202.

125) "...guarda-livros...": página 198.

126) "...italianos...": página 183.

127) "...levando um outro filho ao colo...": página 144.

128) "...mãe viúva...": página 131.

129) "...mais três caixeiros": página 133.

130) "...mais uma amiga...": página 110.

131) "...moças e meninas...": página 108.

132) "...o médico...": página 116.

133) "...ó pequeno...": página 148.

134) "...o sargento...": página 114.

135) "...o vendeiro da esquina...": página 147.

136) "...os companaheiros...": página 133.

137) "...os quatro primeiros urbanos...": página 114.

138) "...os que entravam de fora...": página 113.

139) "...pequenas famílias de operários...": página 198.

140) "...portuguesinho da espelunca...": página 140.

141) "...praticantes de secretaria...": página 198.

142) "...primeiros, segundos e terceiros caixeiros...": página 198.

143) "...quatro filhas e dois filhos...": página 199.

144) "...rapazola magro, de lunetas, bigode louro...": página 70.

145) "...relojoeiro calvo...": página 199.

146) "...repórteres...": página 203.

147) "...serventes...": página 202.

148) "...subdelegado...": página 115.

149) "...sujeito barbado, careca e comido de bexigas...": página 70.

150) "...trabalhadores da pedreira...": página 111.

151) "...um alafaiate...": página 106.

152) "...um boêmio de talento...": página 200.

153) "...um caixeiro...": página 108.

154) "...um caixeiro...": página 193.

155) "...um caixeiro...": página 205.

156) "...um cigarreiro...": página 199.

157) "...um criado...": página 203.

158) "...um empregado do correio...": página 182.

159) "...um oficial...": página 203.

160) "...um pequeno descalço": página 161.

161) "...um pintor de tetos...": página 199.

162) "...um portador...": página 125.

163) "...um portuguesinho...": página 195.

164) "...um sargento...": página 203.

165) "...um senhor...": página 206.

166) "...um velho solteiro...": página 147.

167) "...um velhote fazendeiro...": página 137.

168) "...uma criancinha...": página 182.

169) "...uma família conhecida...": página 137.

170) "...uma velha quase cega...": página 147.

171) "...velhos conselheiros desfibrados...": página 201.

172) "...vendedores de bilhetes...": página 183.

173) "...zangões...": página 198.

174) "Havia uns vinte": página 114.

175) "Um chim, que entrara...": página 82.

176) "Um irmão do santíssimo...": página 83.

177) "A filharada" : página 182.

178) " Os policiais".página 207.


Todas as personagens secundárias e planas relacionadas acima só constam nesse texto para exemplificar ao leitor o quanto a obra é complexa e recheada de personagens.



2.9 Tempo



Aluísio Azevedo expõe suas personagens ao leitor com grande carga de elementos subjacentes, caracterizando os costumes, a moda e interdições da época. Dito, de outro modo, no Autor de O cortiço encontramos na linguagem, no vigor de suas palavras ou na expressividade de descrições com valor pictórico, o predomínio de observações das instituições culturais humanas vigentes na ocasião. O romance é escrito em uma época em que o Realismo e o Naturalismo no Brasil estavam iniciando, em 1881. O país estava marcado pelo fim da guerra do Paraguai, e surge uma atração por idéias positivistas e republicanas, anti-escravocratas, anti-monárquicas , anti-clerical, e anti-românticas.
O cortiço pode ser considerado um romance é atemporal, pois trata de questões ainda cotidianas. É de grande importância para entendermos o que a sociedade estava enfrentando na época em que foi escrito e para que possamos refletir obre a atual situação degradante em que muitas pessoas ainda vivem e nem sequer percebem, pois permanecem alienadas. Trata de questões ainda cotidianas, como por exemplo, conflitos sociais descritos na obra que ainda acontecem no Brasil, como o domínio dos mais ricos sobre os mais pobres.

O escritor usava temas como conflitos humanos vistos sob a luz dos princípios do naturalismo (o ser humano como produto do meio, da educação, do ambiente), entretanto, mesmo sendo um retrato de conjuntos humanos e tipos sociais de sua época, ele trata o próprio cortiço como personagem principal.
Um exemplo do reflexo do pensamento da sociedade da época em que foi criada a obra é descrito nos trechos abaixo:
(...)"Agora, na mesma rua, germinava outro cortiço ali perto, o "Cabeça de Gato". Figurava como seu dono um português que também tinha venda, mas o legítimo proprietário era um abastado conselheiro, homem de gravata lavada, a quem não convinha, por decoro social, aparecer em semelhante gênero de especulações"(...).
(...) "Ele propôs lhe morarem juntos e ela concordou de braços abertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza não queria sujeitar se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua" (...).


Há algumas passagens temporais em flashback, mas não são descritas como lembranças das personagens, o narrador narra um fato que aconteceu no passado da diegese atual, ou seja, o narrador expressa algo importante para o entendimento do que está narrando no momento, segue exemplos abaixo:
"João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna (...)" Nesse trecho, o narrador descreve como João Romão iniciou a sua riqueza.
"(...) Odiavam-se. Cada qual sentia pelo outro um profundo desprezo, que pouco a pouco se foi transformando em repugnância completa. O nascimento de Zulmira veio agravar ainda mais esta situação (...)". Nesse outro trecho, o narrador descreve como o nascimento da filha de Miranda (anos antes da diegese atual da narrativa), influenciou a vida das personagens Miranda e Dona Estela.







2.10 Tempo cronológico e psicológico.



O tempo cronológico é determinado na obra O cortiço pela sucessão dos acontecimentos narrados.
Um exemplo, no trecho: "(...) Daí em diante, João Romão tornou-se o caixa, o procurador e o conselheiro da crioula; No fim de pouco tempo era ele quem tomava conta de tudo que ela produzia.".
O fator tempo é extremamente importante na obra. A narrativa se desenrola em detalhes obsessivos de frações de tempo: "As onze para o meio-dia era tal o seu constrangimento (...), ao meio-dia em ponto, ou seja, Um sino, ao longe, batia alegres as doze badaladas do meio-dia." - momento em que se deu o abandono da puberdade de Pombinha e a sua transformação em mulher se realizou.

O enredo se desenvolve com descrições de transposições de tempo que leva o leitor a identificar a duração dos conflitos, por exemplo:
"(...) Mas, daí a um mês, o pobre homem acometido de um novo acesso de luxúria, voltou ao quarto da mulher."
O tempo psicológico, ou seja, um tempo subjetivo vivido ou sentido pelas personagens, fluindo em consonância com seu estado de espírito é observado na obra no seguinte trecho:
"Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, fosse os mais simples, visavam um interesse pecuniário."
O tempo mítico é fora do tempo e do espaço e do espaço dos homens e por ser O cortiço, uma obra extremamente voltada para a realidade cotidiana da época em que foi escrito, não apresenta este tipo de decorrência de tempo.







2.11 Ambiente



O ambiente físico é determinado pelo cenário, o conjunto de elementos da paisagem exterior, ou seja, localidade onde se dá à narrativa. No caso da obra O cortiço é o ambiente principal e é determinante para os acontecimentos.
O romance denuncia a exploração e as péssimas condições de vida das estalagens e cortiços cariocas do final do século XIX. Toda a narrativa é desenvolvida no mesmo ambiente e a degradação das personagens é caracterizada como conseqüência deste meio.
Em alguns trechos do livro é possível verificar o ambiente em que está acontecendo à cena descrita:
(...) "Naquele dia, porém, o estudante apareceu à janela, trazendo nos braços um coelhinho todo branco, que ele na véspera arrematara num leilão de festa. Leocádia cobiçou o bichinho e correndo para o depósito de garrafas vazias, que ficava por debaixo do sobrado, pediu com muito empenho ao Henrique que lho desse. Esse, sempre com seus sistemas de conversar mímico, declarou com um gesto qual era a condição da dádiva.".
O cortiço é localizado no bairro Botafogo na cidade do Rio de Janeiro.
Ambiente interior é o espaço psicológico onde se situam as ações das personagens em determinado momento. Um exemplo dá-se no trecho seguinte onde à personagem João Romão imagina-se freqüentando a alta sociedade carioca como seu adversário Miranda fazia: (...) "No entanto, começou a imaginar como seria no caso em que estivesse prevenido de roupa e aceitasse o convite: figurou-se bem vestido, de pano fino, com uma bela cadeia de relógio, uma gravata com alfinete de brilhantes, e viu-se lá em cima, no meio da sala, a sorrir para os lados (...)".
O ambiente social representa a situação sócio-econômica das personagens e suas condições de vida.
Ficam evidentes em O cortiço os dois diferentes ambientes sociais que convivem lado a lado. Por um lado o cortiço com seus amontoados de casinhas e seus habitantes pobres e do outro o sobrado de Miranda com seus moradores ricos e tradicionalistas. Há ainda um terceiro ambiente social, que embora conviva com o primeiro é diferente deste, é o caso de João Romão, que segue grande parte do enredo convivendo no cortiço que construiu mesmo sendo rico e que no desfecho do romance transforma a sua casa em moradia de luxo.
Alguns trechos do livro demonstram a ambientação social: (...) "E toda a gentalha daquelas redondezas ia cair lá, ou então ali na casa de pasto, onde os operários das fábricas e os trabalhadores da pedreira se reuniam depois do serviço e ficavam bebendo (...)".



2.12 Narrador



O narrador na obra O cortiço é onisciente. Aluisio Azevedo conduz a narração, penetrando no íntimo das personagens, conhece tudo o que diz respeito às personagens e aos acontecimentos.
Um exemplo: "(...) Nenem dezessete. Espigada, franzina e forte, com uma pontinha de orgulho da sua virgindade, escapando como enguia por entre os dedos dos rapazes que a queriam para casa.(...)".
O narrador é heterodiegético, pois a narração é feita em terceira pessoa e o narrador não é um personagem da narrativa. Ele não participa e nem interfere na história.
Um exemplo é o primeiro parágrafo do livro: "João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna (...)".
Quanto à focalização o romance apresenta visão por trás, o narrador conhece tudo sobre as personagens e a história, contempla as personagens e traça sua análise do exterior para o interior (expressão facial, por exemplo, revela o estado de espírito da personagem, o silêncio revela algum sentimento). Pode-se verificar a focalização interna das personagens, embora não haja análise psicológica, como no trecho a seguir:
(...) "Bruno retirou-se com a carta.Pombinha pousou os cotovelos na mesa e tulipou as mãos contra o rosto, a cismar nos homens. Que estranho poder era esse que a mulher exercia sobre eles, a tal ponto, que o infelizes, carregados de desonra e de ludíbrio, ainda vinham covardes e suplicantes mendigar-lhe o perdão pelo mal que elas lhe fizera?
E surgiu então uma idéia bem clara da sua própria força e do seu próprio valor.
Sorriu. E no seu sorriso já havia garras (...)".


3 TEMA


3.1 Tema Central



O tema central do livro O cortiço é o determinismo. O meio social define os destinos das pessoas.
Meio social x Destino, um exemplo são os diferentes destinos de João Romão e Jerônimo:
De um lado há João Romão, português, que determinado a enriquecer a qualquer custo, trabalha, economiza , aproveita-se de outras pessoas e rouba. Consegue atingir seu objetivo tornando-se dono do cortiço e posteriormente aproximando-se de Zulmira a fim de casar-se com ela para adquirir um título de nobreza. Do outro temos a figura de outro português, Jerônimo, trabalhador, determinado a melhorar de vida, mas que ao mudar-se para o cortiço e posteriormente se apaixonar por Rita Baiana, sucumbe as influências do meio ("calor" ) e transforma-se, muda seus hábitos, "abrasileirando-se", como é citado na obra. Desiste de suas aspirações de riqueza, abandona a esposa e a filha e vai morar em outro cortiço.














4 ASSUNTO


4.1 Assunto principal



A obra o Cortiço propõe-se a resgatar a cena urbana de um cortiço do século XIX, onde moram os mais variados tipos: brancos, negros, mulatas, lavadeiras, malandros, assassinos, vadios, benzedeiras, prostitutas, homossexuais, estudantes.
O texto aborda fatos do cotidiano dos moradores do cortiço, e faz paralelismo com o cotidiano dos moradores do sobrado ao lado, onde mora a família de Miranda, que são pessoas ricas e nobres.





















5 MENSAGEM


5.1 Mensagem transmitida pela obra O cortiço


A ambição desmedida pode levar o ser humano a ultrapassar limites aceitáveis para a sociedade, mas mesmo assim, alcançam-se seus objetivos.


























6 TIPO DE DISCURSO


6.1 Discurso Predominante



Em O cortiço verifica-se a presença de dois tipos de discurso: Discurso Indireto Livre, e Discurso Direto.
No discurso indireto livre pode-se verificar a ausência dos verbos de dizer que anunciam a fala, ou a partícula introdutória.
Verifica-se no texto da obra a presença de Discurso Indireto Livre em diversos trechos onde a fala das personagens se confunde com a do narrador e onde estão conservadas expressões imperativas, perguntas, ordens, além de exclamações e interjeições, além de vários elementos expressivos, como se pode verificar nos trechos transcritos abaixo:
? "Toca! Toca! Vamos ver se o fogueteiro aprontou os fogos!"
(No contexto em que está inserida, esta fala é confundia entre a personagem Miranda e o narrador, já que não está interligada a nenhum diálogo, e é proferida quando o narrador está descrevendo os preparativos para a festa de Miranda, apenas podemos deduzir que se trata de uma fala da personagem pelo uso do travessão).
"Foi um alarma no pátio quando ele chegou".
"Cruzes! Que desgraça!"
(Nestas outras falas, verifica-se que não há o travessão e, portanto trata de um pensamento do narrador transmitindo sentimentos, falas ou ações de suas personagens).
"Fazer rolo aquela hora, que imprudência!"
( Fala do narrador em meio a briga entre brasileiros e portugueses a respeito da posição de João Romão no fato, não fica evidente se a fala é do narrador ou do próprio João Romão).
Entretanto, há vários trechos onde se verifica o Discurso Direto, onde o narrador descreve que o personagem está falando ou pensando, e onde há o registro integral da fala da personagem, sendo esta apenas introduzida pelo narrador, como pode-se observar nos trechos transcritos abaixo:
_ "Dar-te um banho de fumaça, galego ordinário! Respondeu Firmo."
? "Você agora não tem mais senhor! Declarou em seguida à leitura, que ela ouviu entre lágrimas agradecidas. Agora está livre. Doravante o que você fizer é só seu e mais de seus filhos, se os tiver. Acabou se o cativeiro de pagar os vinte mil réis à peste do cego!". Doravante o que você fizer é só seu e mais de seus filhos, se os tiver. Acabou se o cativeiro de pagar os vinte mil réis à peste do cego.





























7 BIOGRAFIA DO AUTOR


7.1 Quem foi Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo


No século XIX, São Luís do Maranhão tornou-se um grande centro de convergência de capital e de mão-de-obra escrava, graças à economia do algodão. A cidade transformou-se, então, num pólo de prosperidade econômica e cultural. Gonçalves Dias, Odorico Mendes, Graça Aranha, Coelho Neto, Sousândrade, Raimundo Correia e os irmãos Azevedo: Artur, o teatrólogo, e Aluísio, o romancista, nasceram na cidade.
A mãe de Aluísio de Azevedo, Emília Amália Pinto de Magalhães, foi obrigada a se casar, aos 17 anos, por imposição familiar, com um comerciante português de temperamento violento e intransigente. Inconformada, abandonou o lar e refugiou-se na casa de amigos, tornando-se uma mulher desprezada pelos moradores da cidade. Conheceu, então, o vice-cônsul do governo português, o viúvo David Gonçalves de Azevedo, e passou a viver com ele sem se casar, o que causou um grande escândalo na clerical e conservadora cidade de São Luís.
Dessa união, nasceram cinco filhos, entre eles Artur e Aluísio Azevedo. Aluísio nasceu em 1857, no mesmo ano da publicação de O Guarani, de José de Alencar, uma das obras máximas do romantismo brasileiro, e um ano depois de Gustave Flaubert publicar, na França, Madame Bovary, considerada a primeira obra realista da literatura.
Em 1876, com 19 anos, Aluísio transferiu-se para a Corte, onde já se encontrava seu irmão Artur, pensado em seguir o curso de Pintura na Imperial Academia de Belas-Artes. Acabou ingressando na imprensa como desenhista de charge. Na ocasião, o Rio de Janeiro era o centro das idéias liberais do Brasil, onde se discutiam o abolicionismo e a causa republicana a cada esquina. Aluísio conviveu nesse ambiente por dois anos.
Em 1878, porém, viu-se obrigado a retornar o São Luís para cuidar do inventário do pai, que falecera. Ao chegar à cidade, escandalizou a sociedade local com suas idéias liberais. Publicou, então, o seu primeiro romance: Uma Lágrima de Mulher (1880), obra de inspirações românticas elogiadas por seus conterrâneos. O Pensador, em cujas páginas encontram-se provocações como "Pensar é o contrario de crer". O contato com obras de Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875) e O Primo Basílio (1876), foi decisivo para o escritor.
Em 1881, publicou O Mulato, o primeiro romance naturalista da literatura brasileira. A obra gerou um escândalo tão grande quanto o provocado por sua mãe anos antes. A indignação foi tanta por parte da sociedade e da crítica que uma revista da época, porta-voz do clero conservador, mandou o escritor abandonar a literatura e dedicar-se à agricultura: "À lavoura, meu estúpido! À lavoura! Precisamos de braços e não de prosas em romance! Isto sim é real. A agricultura felicita os indivíduos e enriquece os povos! À foice! E à enxada!".
Nesse mesmo ano, com o dinheiro obtido da venda de dois mil exemplares de O Mulato, Aluísio deixou São Luís para se instalar novamente na Corte. Foi o primeiro escritor brasileiro a viver exclusivamente de seu ofício, até ingressar no serviço público nos últimos anos do século XIX. Para isso, produziu romances de folhetim ao gosto romântico, obras que considerava "comercial", e romances naturalistas, obras que considerava "artística".
Em 1890, publica O Cortiço,considerado pela crítica, sua melhor obra.
Desgostoso com a profissão de escritor Aluísio de Azevedo decidiu mudar o rumo de sua vida. Prestou concurso para a carreira diplomática e, em1896, partiu para o exterior em sua nova função, abandonando definitivamente a literatura, após vários anos de intensa atividade literária. Em 1897, ao ser fundada a Academia Brasileira de Letras, Aluísio Azevedo foi escolhido para ocupar uma das cadeiras da entidade. O escritor morreu em 1913, aos 55 anos, na cidade de Buenos Aires, Argentina, ao lado de Pastora Lurquez, argentina com quem viveu seus últimos dez anos.















8 OPINIÃO CRÍTICA


8.1 Opinião Crítica de Mariana Ferreira Picchi


O Cortiço é uma obra bastante densa, com muitos personagens e com uma narrativa bastante detalhista com relação a esses personagens.
É uma história muito pesada, muito voltada para aspectos não exemplares do ser humano e trata a mulher de forma bastante degradante.
Por ser escrita no período do naturalismo, são marcantes as relações estabelecidas com características animais como descrição dos corpos, dos olhares, dos gemidos, da sensualidade, etc.
É um livro que exige muito do leitor no que diz respeito aos personagens e à trama, pois expõem de maneira não agradável talvez os sentimentos que mais queiramos evitar como inveja e desonestidade.
Não poderia me posicionar contra ou a favor, porque a atmosfera do livro é para mim muito desagradável e exige demais da minha generosidade para tomar algum partido e sendo isso necessário diria que não o leria novamente.
Adoto essa postura por não querer exarcebar aquilo que temos (seres humanos) de pior e sim o que temos de melhor e genial. Admito sua importância, porém não faço parte do grupo que o considera boa leitura.



8.2 Opinião Crítica de Laíz Priesnitz



Após a leitura do livro, pude notar a semelhança entre a história da sociedade naquela época e a nossa sociedade atual, ao abordar temas como desigualdade social, a ganância, mentiras, roubos, fazer o que for preciso para conseguir o que se deseja.

Parece que o autor já tinha consciência de como seria o mundo que vivemos hoje.
Acho que o livro contém descrições muito precisas, que nos mostra perfeitamente o romance naturalista no Brasil.
Além de retratar nada mais nada menos que o capitalismo, injusto e cruel que vivemos até hoje, em que os ricos aspiram mais e mais riquezas, enquanto algumas pessoas pobres, mal podem se alimentar.



8.3 Opinião Crítica de João José Ferreira Junior



O Cortiço como uma visão clara e libertária.
Aluísio Azevedo apresenta no livro ?O Cortiço uma fase de transição e ao mesmo tempo conjunção do realismo/naturalismo, transição devido ás mudanças e as características de destruição de barreiras e hipocrisia que a época apresentava a conjunção devido às estas reformas tanto sociais como comportamentais já eram desejadas na fase do realismo, na verdade não se existe uma data concisa e precisa dessa fusão, porém o livro vem em uma de revoltas antimonárquicas, anti-clericais, etc., a meu ver extremamente revolucionário e libertário, ou seja, o ser humano visto sem máscaras, e buscando mudanças.
O romance é escrito em 1890, fase em que o escritor deixa esta liberdade do ser humano operar em vários sentidos, João Romão é o "mão de vaca", Rita Baiana se aproveita de sua sensualidade para conseguir o que queria com os homens. Pombinha uma escritora de cartas que visualiza as fraquezas dos homens e acaba por definhar o seu destino "prostituta," e Bertoleza, aquela que acredita na alforria de João Romão, é direcionada pelo preconceito por si mesma por ser negra, mas que ao fim de tudo certificamos a alforria de um egoísta e egocêntrico, construtor de riquezas á base de uma escravidão não declarada, porém com bases claras e fundadas, nas quais vemos e enxergamos que tudo era meticulosamente montado para a sobrevivência de sua taverna e a dependência dos moradores de seu cortiço.
Um livro simples e fantástico, claro e objetivo, a meu ver o autor é imparcial, mostra os defeitos do branco, do negro, do rico e do pobre, mas mesmo assim não se neutraliza, ele deixa seu sentimento no silêncio e na indignação, presente em alguns trechos do livro.


8.4 Opinião Crítica de Simone Fiorito



Se tivesse que definir o livro O cortiço em uma palavra seria: impressionante, em duas seriam impressionante e picante, em três seriam impressionante, picante e real!
A forma como o leitor é conduzido ao interior dos fatos, os detalhes e descrições de cheiros, falas, e contrações corporais são tão realísticos que se tem a impressão de estar visualizando os fatos narrados.
O que mais impressiona é a arte literária na obra, mais do que a narração em si, pois em alguns trechos, devido ao contexto, ela se torna meio monótona como no trecho em que João Romão começa ampliar o cortiço. A precisão e a qualidade com que Aluísio Azevedo descreve os lugares, as pessoas, e principalmente, as cenas são de uma maestria incontestável.
Certamente, o romance não fala de coisas bonitas, não é uma história de final feliz, mas descreve com sobriedade e realidade fatos cotidianos da época em que foi escrito e transcende o tempo, pois encontramos semelhanças entre o romance e a vida atual de nossa sociedade, sobretudo nos grandes redutos humanos como as grandes cidades do Brasil.
Como o autor demonstra apenas um ponto de vista da sociedade em que vivia, cabe ao leitor questionar se corresponde à vida real ou não. Ele deixa a análise para o leitor. Ele não critica os fatos, nem se posiciona literalmente sobre eles, ele apenas os apresenta.
Quanto à composição das personagens, o autor cria tipos humanos tão diversos e ao mesmo tempo cheio de particularidades, como é o caso das personagens Pombinha e Bertoleza, duas mulheres que vivem na mesma época e têm visões de mundo completamente diversas, a primeira é inserida na história como sendo uma exceção às mulheres do cortiço, ajudada pela mãe, ela estudou e não trabalhava como lavadeira, estava prometida para se casar com um bem sucedido comerciante, entretanto no decorrer dos fatos percebemos que o destino de Pombinha se torna outro e ela acaba sucumbindo as mazelas do mundo como tantos outros personagens da trama. Já Bertoleza, embora trabalhadora e honesta nunca sai de sua condição de escrava e já nem pensa sobre isto, aceita a sua condição resignada, somente no desfecho da história é que toma uma atitude e a única forma que encontra para isto é tirar a própria vida.
A morte de Bertoleza representa o fim da esperança de qualquer mudança, significa que o mal, a cobiça, a ganância, a falsidade e a dissimulação, venceram. Pois em detrimento a morte dela, João Romão ainda fora homenageado por uma comissão de abolicionistas, que, com certeza não deveriam ter conhecimento da situação de Bertoleza naquela casa. Quando ela rasga o próprio ventre com a faca que limpava o peixe que iria alimentar João Romão, Bertoleza demonstra que a sua fé acabou.
O cortiço é uma obra extremamente rica e absorvente, suas cenas são muito marcantes. O leitor tem em alguns momentos a sensação de que está sendo "desrespeitado", por várias passagens o leitor pode sentir constrangimento, repulsa, asco e até ódio. Entretanto, pela qualidade da obra, o leitor é conduzido a um rito masoquista de ler cada vez mais e quando se depara com o desfecho, a sua indignação é maior ainda.



8.5 Opinião Crítica de Juliana M. Oliveira



O livro O Cortiço, para mim, é um dos melhores livros entre os que já pude ler, uma narrativa composta de comportamentos humanos, que relatam o cotidiano de uma sociedade que até então era ignorada pela literatura. Trata-se de um livro muito diversificado e emocionante!
A história fala sobre a vida dos habitantes de um cortiço, relata também as suas ambições, suas invejas, seus desejos sexuais e sua própria moral, mostrar que a sociedade pode corromper uma pessoa, e que o clima pode influir na moral de um cidadão. E que a ambição é o pior mal do ser humano. Uma obra que tem veracidade através do tempo.
É incrível como Aluísio de Azevedo consegue descrever tão bem uma mera menstruação como a de Pombinha e os sentimentos mais obscuros que passam na cabeça de João Romão, porém o que me deixa mais intrigada é que nem uma mulher tem um final feliz, numa visão da sociedade da época. Acredito que realmente este pensamento preconceituoso seja um relato vivido da sociedade da época.
Este livro faz o leitor refletir o que levou Bertoleza a continuar sendo escravizada por João Romão, para mim a escravidão e o preconceito que está cravado dentro de cada pessoa seja ela branca ou negra, a escravidão para Bertoleza era uma forma de vida a única que ela conhecia.










8.6 Opinião Crítica de Alexandre Barros Miranda



Sabendo-se que O Cortiço é uma obra naturalista, marcada por um processo de industrialização, podemos observar que o personagem João Romão sintetiza a própria visão para explicação do comportamento social, se submetendo aos diversos sacrifícios para acumular mais capital, explorando seus funcionários sendo impiedoso com seus inquilinos até se tornar um rico burguês. Na realidade a sociedade critica esse tipo de comportamento humano, mas, ao mesmo tempo, muitos que agem assim acumulam capital.
No meu ponto de vista devemos evoluir sim, mas sempre pensado no próximo, pois cada um deve conquistar seus objetivos.






















CONCLUSÃO


A obra O cortiço de Aluisio Azevedo, é um dos principais marcos do Naturalismo no Brasil, escola literária do final do século XIX.
Uma das principais características do Naturalismo é tratar o ser como fruto do meio em que está inserido. Na obra O cortiço esta característica fica evidente, tanto que o próprio meio (o cortiço), é a principal personagem, tamanha a sua importância nos destinos das outras personagens.
Tratando de diversos conflitos e de uma grande quantidade de personagens a narração é sobre as vidas de moradores de um cortiço no Rio de Janeiro e as relações que se desenvolvem entre eles, e sobre a trajetória de vida do proprietário do cortiço e sua relação com seu vizinho que mora em um sobrado ao lado do cortiço.
A obra é extremamente complexa e mostra detalhes de descrições de cenas, personagens e ambientes.
O livro traz uma grande quantidade de personagens e histórias de vidas que se misturam, pois a maior parte deles convive no mesmo ambiente.
O Cortiço vai além das linhas do livro, os fatos narrados e as mazelas de suas personagens fazem com que o leitor reflita sobre a sua condição humana, sobre como o homem pode se animalizar e passar por cima de tudo e todos para conseguir o que deseja. A ambição desmedida, a ganância, a inveja, são sentimentos abordados de forma explicita que levam o leitor a questionar-se sobre até que ponto o ser humano pode sucumbir ao desejo de enriquecer e ser nobre.
Embora escrita anos atrás, podemos verificar muitas pessoas que têm as mesmas condições de vida como as descritas no livro em nossa sociedade brasileira atual.
O cortiço: uma obra rica e extremamente complexa!








REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



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AZEVEDO, Aluísio.O cortiço.1 ed.São Paulo: Editora Klick,2000.

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TRIGALI, Dante. Escolas Literárias. 1. ed. São Paulo: Editora Musa. 2002.

SOARES, Angélica. Gêneros Literários.6.ed.São Paulo: Editora Ática,2006.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura. 3 ed.São Paulo: Editora Cultrix, 2006.

FIORIN, José Luiz; AVIOLI, Platão Francisco. Para Entender o Texto. 1 ed. São Paulo.Editora Ática,2007.

MOREIRA, Vasco; PIMENTA, Hilário. Em Português.3 ed. Rio de Janeiro.Editora Porto,2003.

MASSAUD, Moisés. Dicionário de Termos Literários. São Paulo. Editora Cultural, 2007.

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GANCHO, Vilares Cândida; Como Analisar Narrativas. Série Princípios.10 ed.São Paulo. Editora Ática,2007.



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RESUMO DE LIVROS, O cortiço. Disponível em www.resumodelivro.com.br/a/aluisio-de-azevedo/ocortiço. Acesso em 06/03/2008.

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