11/02/2011



O Convite


Autor: Eduardo Silveira



Fora uma noite quente, cheia de sonhos e sobressaltos .
Pela manhã, Sonja abriu os olhos, ofuscados pelos raios de sol que invadiam o quarto e, lentamente, começou a organizar seus pensamentos. Olhou o relógio que estava sobre a mesinha de cabeceira, e viu que já eram onze e meia.
Nossa! - pensou ela. - Preciso me levantar para preparar o lanche do menino, tenho que preparar o almoço, tenho que cuidar do...- parou por um instante.
Não! - Disse a si mesma. - O que estou fazendo? - perguntou-se.
Não precisava mais fazer toda aquela rotina que por anos, haviam feito parte de seu cotidiano. No dia anterior, seu marido havia sido sepultado. Remexeu-se na cama, ajeitou-se melhor. Começou a refletir sobre os fatos que haviam antecedido aquele dia.
Lembrou-se da ida para o hospital, onde fora internar seu marido. Lembrou-se do momento em que percebera que ele, não mais respirava. Da emoção e desespero dela e da filha. Depois, lembrou-se dos outros filhos chegando, quando ela já estava em casa.
Eram quadros que, tal e qual a um filme, iam passeando pela sua mente, lentos e nitidamente. Virou o rosto para a janela e viu o espectro visível dos raios de sol, invadindo, iluminando e aquecendo suave e intensamente uma parte da colcha que a cobria. Sentiu o seu calor aconchegante sob as cobertas.
Novamente seus pensamentos voltaram-se para o dia anterior. Lembrou dos parentes, dos amigos, do bonito sermão do padre, e...seus olhos se umedeceram. Respirou profundamente, e sentiu-se agradecida pela delicadeza daquelas pessoas que haviam lhe proporcionado momentos de conforto com suas palavras de carinho, força e incentivo. Sentira-se amada.
E, continuando naquele devaneio, ficou relembrando outros fatos acontecidos.

De repente, deu-se conta que a casa estava muito silenciosa. A filha, provavelmente, aquela hora, já deveria ter tomado as providencias, referente as tarefas do almoço, e preparado tudo. Ela confiava nos filhos, e sabia que, o fato de ninguém ainda tê-la acordado ou feito algum barulho mais alto na casa, era a prova de que estavam querendo protegê-la e deixá-la descansar o máximo possível.
Durante os últimos cinco anos, Sonja cuidara diariamente do marido. Havia sido uma luta árdua, diária e contínua. A doença dele aos poucos, fora se agravando, terminalmente. Os filhos, longe, a visitavam sempre que possível, mas eles tinham as suas obrigações, precisavam trabalhar e cuidar das suas famílias, e não podiam ajudá-la naquela tarefa de cuidados diários.
Ela, nos últimos cinco anos, havia se desdobrado em ser mãe, avó, babá, esposa, mulher, administradora do lar, chefe de família, enfim, eram muitas as atribuições que sobre ela recaiam.
E ela ali, no comando, segurando o leme. Às vezes, sufocada pela avalanche de problemas que surgiam, mas também mantendo a segurança serena de um velho timoneiro, que vê o seu navio erguer-se aos píncaros de uma onda gigante, para em seguida mergulhar num abismo de profunda escuridão. E, depois de momentos de completa submersão, ressurgir, impávida e bravamente, por entre as águas turbulentas, como se a avisar ao mar... - Ainda estou na luta!
E assim havia sido a sua vida, até aquele momento.
Mas, e agora? - perguntou-se, e não soube responder.
Como vai ser daqui pra frente? - continuou se perguntando.
Certamente que essa resposta ela não teria de imediato. Mas precisava descobrir. E o ato de descobrir algo é, no mínimo, impactante! E se, este ato for de ordem pessoal, aí então, é deveras, intimidador. E sendo assim, a primeira coisa que ela tinha de fazer era levantar-se da cama. Tomar um bom e demorado banho. Vestir-se calmamente e, antes de abrir a porta do quarto, respirar fundo, encher-se de coragem e decidir que, a partir daquele momento, como ela havia cuidado com todo amor e carinho, do marido, dos filhos e dos netos, agora era a hora dela cuidar de uma pessoa que, por muito tempo, havia sido relegada a um segundo plano. Ela mesma.
E num ímpeto de ousadia, abriu a porta.
A felicidade sorriu, estendendo-lhe a mão e convidando-a para um novo recomeço.
Sonja retribuiu o sorriso, discretamente, e... aceitou o convite.


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