Francielle da Conceição Drumond Figueiredo

RESUMO
O presente artigo analisará a necessidade de adequação do Inquérito Policial ao atual modelo de Estado Democrático Direito, alicerçado na Constituição Federal de 1988. Estudar-se-á as principais características do Inquérito Policial, bem como a atuação do Ministério Público nessa fase de persecução criminal.
Observar-se o Projeto de Lei n° 156/2009, que objetiva reformar o Código de Processo Penal existente, e principalmente a criação do Juiz das Garantias, que será o magistrado responsável por controlar a legalidade do Inquérito Policial e garantir o respeito aos direitos fundamentais do indiciado.

PALAVRAS-CHAVES: Inquérito Policial, Juiz das Garantias, Controle jurisdicional.

1 INTRODUÇÃO

O atual Código de Processo Penal data de 03 de outubro de 1941 e foi inserido no ordenamento jurídico na época da ditadura varguista, possuindo, por isso, características autoritárias.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ? CRFB/88 ? optou-se pelo Estado Democrático de Direito e os princípios garantistas passaram a ter fundamental importância na resolução de conflitos.
Nota-se o real descompasso existente entre o atual Código de Processo Penal e a evolução social e principalmente com os princípios reinantes na Constituição, concluindo, dessa maneira, a inviabilidade de uma solução adequada e condizente.
A teoria do Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli surge no ano de 1989 e visa resguardar a todos os sujeitos de direito a aplicação dos direitos fundamentais existentes, valorizando o que se denomina Direito Penal Mínimo, de modo a garantir ao máximo a liberdade do homem.
O Inquérito Policial, principal modelo de investigação preliminar no Brasil, está aos poucos perdendo a sua força no ordenamento jurídico brasileiro, por não ser resvalado em alguns princípios inerentes a CRFB/88 e pelo fato de o Ministério Público oferecer denúncia com base em elementos de informação, não precisando necessariamente de uma investigação por parte da polícia judiciária para dar início à persecução criminal.
O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 156/2009 traz a figura do "Juiz das Garantias", magistrado que irá realizar o controle de legalidade do Inquérito Policial, atuando apenas nessa fase preliminar.

2 O INQUÉRITO POLICIAL COMO JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL.

O direito faz parte da sociedade e possui a função de coordenar os interesses da vida social, garantindo o bem estar da população. No entanto, conflitos surgem devido aos interesses individuais acarretando, assim, a lide.
Em um primeiro momento tem-se a figura da polícia, termo originado do grego politéia e para Tourinho Filho "significou, a princípio, o ordenamento jurídico do Estado, governo da cidade e, até mesmo, a arte de governar". (FILHO, 2009, p. 67). Atualmente o papel primordial da polícia é defender a paz social bem como interferir em conflitos a fim de esclarecer, mediante investigação, as infrações que porventura ocorrerem.
De acordo com o artigo 144 da CRFB/88,

"A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares."

Estudar-se-á apenas a polícia judiciária, representada pela polícia federal e civil, responsáveis pela investigação. É através da polícia Judiciária que se inicia a persecução criminal e, em seguida o Ministério Público leva ao conhecimento do juiz a prática do fato criminoso através da denúncia. A persecução criminal compõe-se de duas fases: o Inquérito Policial e a fase processual. Analisar-se á primeiramente a atuação das polícias na fase preliminar. (RANGEL, 2007, p. 67).

O inquérito Policial foi devidamente incorporado pelo Processo Penal Brasileiro com o advento da Lei n° 2033 de 20/09/1871, regulamentada pelo Decreto-Lei 4.824 de 28/11/1871 e trata-se segundo Tourinho Filho de "um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária visando a elucidar as infrações penais e sua autoria" (FILHO, 2009, p. 108), tendo como finalidade precípua a investigação do crime e a descoberta do seu autor, com o fito de fornecer elementos para o titular da ação penal promovê-la em juízo, seja ele o Ministério Público ou o particular.
O Inquérito Policial é regido pelos seguintes princípios:
? Inquisitividade: o sistema inquisitório se caracteriza pela não observação e atendimento a certas garantias constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa.
? Dispensabilidade: o procedimento é despiciendo quando a ação penal pode ser proposta com base em documentos, que por si só já demonstrem indícios de autoria e materialidade da infração penal.
? Obrigatoriedade: a instauração do Inquérito Policial, pela autoridade policial, em crimes de Ação Penal Pública Incondicionada é obrigatória, desde que seja necessário a colheita de elementos para formação da opinio delicti.
? Escrito: o artigo 9º do CPP exige que a forma utilizada no procedimento seja a escrita.
? Indisponibilidade: uma vez instaurado o inquérito, a autoridade policial que o preside, não poderá arquivá-lo. Para tanto se faz necessária a solicitação do órgão do Ministério Público ao juiz, e o deferimento do magistrado.
? Sigilo: quando judicialmente decretado, uma vez que o Estatuto dos Advogados, Lei nº 8.906/94, em seu artigo 7º, III, permite que o advogado do indiciado tome conhecimento do conteúdo do inquérito.
? Oficialidade: o inquérito é presidido por uma autoridade policial, o delegado de polícia de carreira. Esta característica é excetuada quando o indiciado é um magistrado, membro do Ministério Público e também nas Comissões Parlamentares de Inquérito ? CPI´s.
Por derradeiro, tem-se a Polícia Judiciária como competente para presidir o inquérito policial, objetivando desvendar a autoria e materialidade de determinada infração, fornecer ás autoridades judiciárias as informações necessárias á instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências solicitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público.
Atualmente discute-se a respeito do papel do Ministério Público na realização de investigação. Esse fato causa uma celeuma no ordenamento jurídico brasileiro.
O artigo 127 da CRFB/88 define o Ministério Público como sendo "instituição permanente, essencial a função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Nos dizeres de Kildare Gonçalves Carvalho "o Ministério Público não promove a defesa dos interesses dos governantes, de quem se acha desvinculado, mas busca a realização dos interesses da sociedade." (CARVALHO, 2008, p. 1173).
Os defensores da tese de admissão da investigação pelo Ministério Público pautam-se no fato de que a própria CRFB/88 concedeu a referida instituição o dever de promover a Ação Penal Pública. Dessa forma, sustentam tal posicionamento na teria dos poderes implícitos, ou seja, no fato de que o Estado tem o dever de garantir o efetivo cumprimento da atribuição outorgada.
Em sentido avesso, tem-se os opositores que a investigação ministerial feriria o sistema acusatório adotado no país, já que não admite-se o exercício, pelo mesmo órgão, das funções de acusação e investigação. Não obstante, as leis infraconstitucionais não possibilitam ao Ministério Público, de forma expressa, a condução de investigações, bem como não há nos tribunais superiores decisões pacíficas a esse respeito.
Por fim, na visão do doutrinador Aury Lopes Jr. "há uma tendência de outorgar ao Ministério Público a direção da investigação preliminar, de modo a criar a figura do promotor investigado, que poderá obrar pessoalmente e/ou por meio da Polícia Judiciária (necessariamente subordinada a ele)." (LOPES, 2010, p. 235)
Há ainda que critique a própria existência do Inquérito Policial, justificando em se tratar de um instrumento obsoleto que não mais se coaduna com a CRFB/88 e nem com princípios garantistas já sedimentados em nosso ordenamento jurídico.
Conforme assevera Tourinho Filho "enquanto a Constituição proclama os direitos e garantias fundamentais do homem, é por meio do processo penal que as garantias tornam os direitos fundamentais realidade." (FILHO, 2009, p. 15)
Para Oliveira,

"em relação ao processo penal enquanto sistema jurídico de aplicação do Direito Penal, estruturado em sólidas bases constitucionais, pode-se adiantar a existência de alguns princípios absolutamente inafastáveis e, por isso, fundamentais destinados a cumprir a árdua missão de proteção e tutela dos direitos individuais." (OLIVEIRA. 2009. p. 24).

Os chamados princípios de processo penal se entrelaçam com as garantias constitucionais e visam a limitação do jus puniendi do Estado, a fim de que não haja arbitrariedades.
Conclui-se que o Inquérito Policial não garante aos acusados certos princípios constitucionais como o devido processo legal, que abrange o contraditório, ampla defesa e isonomia. Esses princípios são fundamentais para que o processo transcorra de forma justa e equitativa.
Tentando adequar o atual instrumento de investigação policial aos direitos e garantias fundamentais do acusado, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 156/2009 cria a figura do juiz das garantias, que terá como função primordial controlar a legalidade e garantir o respeito aos direitos fundamentais do indiciado.
A experiência tem mostrado que na fase das investigações, os magistrados atuam com ativismo excessivo, ao fazerem reuniões com policiais antes das operações, ao decretarem de ofício medidas assecuratórias e ao sugerir que se requeiram medidas cautelares. Não obstante, é necessário a figura de um juiz que atue ao lado dos policiais, a fim de garantir os direitos dos investigados, evitar abusos na fase das investigações preliminares, pois segundo Feldens e Schimidt, " o investigado é sujeito de direitos e não mero objeto de investigação". (FELDENS; SCHIMIDT, 2007, p.17)
Vê- se, portanto, que o juiz das garantias deteria competência apenas na fase pré-processual, relativamente as medidas investigatórias realizadas pela autoridade policial, sendo certo que a sua atuação cessaria com a propositura da ação penal. Dessa forma, o magistrado cumpriria com mais facilidade uma das principais funções que lhe é reputada: salvaguardar os direitos e garantias fundamentais no transcurso da investigação preliminar.
O juiz processual (aquele que atuará após a denúncia) teria ampla liberdade crítica em relação ao material colhido na investigação, uma vez que não teve participação alguma nessa fase, o que garantiria a total imparcialidade no processo, dessa forma não prejulgaria a demanda, nem interferiria na produção de provas. Segundo os ensinamentos de Eugênio Pacelli de Oliveira "Aliás, é bem de ver que um dos pilares do juiz natural, no que diz respeito a vedação do juiz ou tribunal de exceção, reside exatamente na tutela da imparcialidade da jurisdição" (OLIVEIRA, 2010, p. 458). Vê-se, portanto que o juiz das garantias visa precipuamente garantir que a jurisdição se torne imparcial, objetivando um Estado Democrático de Direito.
Essa mudança esbarraria, no entanto, com as dificuldades orçamentárias enfrentadas pelo Poder Judiciário, pois teria a criação de novos cargos de juízes, mas essa mudança não seria imediata, pois visaria inicialmente a aplicação nas grandes capitais e posteriormente nas pequenas e médias comarcas, mas os prejuízos que tem causado o sistema atual, são muito maiores, pois tem dado origem a vários abusos, gerando a nulidade dos processos e o desprestígio da própria justiça criminal.
Conclui-se, que a exigência da imparcialidade do juiz decorre do próprio Estado Democrático de Direito delineado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma vez que não se vislumbra que a função de julgar seja exercida de forma parcial. Por fim, deve-se lembrar o ensinamento de Silva Júnior que assevera: "Por mais repugnante e hediondo que seja o comportamento daquele que viola a norma penal, ainda assim, sua persecução quanto à aplicação da pena só poderá o Estado agir dentro dos parâmetros gizados desde a Lei Fundamental." (SILVA JÚNIOR, 2008, p. 287/288)

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista do que foi explanado, apurou-se que o Direito possui como função primordial, a de regular os interesses da vida social e proporcionar o bem estar geral da população.
Foi feito um estudo acerca do Inquérito Policial nos dias de hoje e a necessidade de adequá-lo aos ditames constitucionais, tendo em vista os princípios garantistas.
Em seguida, foi feito um estudo sobre a teoria do garantismo penal preconizada por Luigi Ferrajoli. A referida teoria visa a tutelar todos os direitos e garantias fundamentais elencados na lei maior de cada Estado, observando que este deverá cumprir com o dever de aplicar o direito de forma proporcional na solução dos conflitos existentes.
Observou-se, ainda, que a persecução criminal busca a chamada justa-causa para que haja a intentação da ação penal. Para que este estudo pudesse ser sobremaneira aprofundado, foi necessário adentrar nos sujeitos ativos da investigação criminal no Brasil e verificou-se que cabe à Polícia Judiciária, representada pela Polícia Civil e corporificada na imagem do delegado de polícia, nos casos estaduais.
Analisou vários pontos divergentes acerca da investigação ministerial e por fim foi abordado a eventual reforma do CPP com a finalidade de analisar se tais reformas estão adequadas aos ditames garantistas de Luigi Ferrajoli e se a figura do juiz das garantista, preconizado por tal reforma seria capaz de garantir os princípios elencados na Constituição da Republica Federativa do Brasil e se tornaria o processo mais célere.


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*Acadêmica da Universidade Estadual de Montes Claros