O CONTRATO DE ADESÃO E SUAS PECULIARIDADES NA SOCIEDADE MODERNA

 

Ana Luisa Xavier Vasconcelos

 

 

  1. 1.    INTRODUÇÃO:

A atual dinâmica nas relações comerciais e contratuais, assim como o advento das transações digitais, exigiu que o nosso direito contratual evoluísse junto com elas, dessa maneira se buscou uma maneira de se dar maior celeridade às contratações de serviços e compras e vendas, mitigando cada vez mais as negociações existentes entre o fornecedor e o consumidor, na medida em que se estabeleceu a figura de um “contrato pronto”, um instrumento que só abre espaço para a adesão ou a recusa.  

Estão cada vez mais presentes em nossas vidas, portanto, os contratos de adesão, ou seja, contratos unilaterais elaborados, geralmente, pelo fornecedor no qual o consumidor apenas “aceita ou recusa”, possuindo a mesma vinculação contratual existente nas demais modalidades.

Encontramos em nosso cotidiano inúmeros exemplos dessa modalidade contratual a exemplo de contratos de seguros, celebrados com cessionárias de serviços públicos, contratos de consórcio e até mesmo os presentes no nosso “mundo digital”, a exemplo dos existentes em programas, sites e redes sociais, nos quais você terá de concordar com os termos de serviços dos mesmos, ainda que gratuitos, para ter acesso aos seus benefícios.

Dessa maneira, surgindo inicialmente como uma exceção aos contratos paritários (sendo esses aqueles em que há uma livre discussão acerca das cláusulas e disposições contratuais, tendo em vista que os mesmos se encontram em situação de igualdade), o contrato de adesão pode ser até considerado tendencioso, pois a unilateralidade decorre geralmente da posição privilegiada em que se encontra o elaborador do contrato.

Surge então a lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelecendo meios para limitar a posição de superioridade contratual dada ao fornecedor em decorrência da unilateralidade, especialmente em virtude da hipossuficiência do consumidor frente às grandes empresas.

O presente artigo tem por escopo, portanto, analisar as peculiaridades da unilateralidade inerente a essa espécie contratual, em especial naquilo em que o CDC e a doutrina pensam acerca disso.

  1. 2.    CONTRATOS DE ADESÃO - CONCEITO E GENERALIDADES:

Partindo da premissa de que contrato seria um acordo de vontades que visa criar, modificar ou extinguir direitos; nota-se desde logo que o mesmo é negócio jurídico bilateral ou plurilateral, ou seja, para a sua existência e validade, dependerá do acordo existente entre duas ou mais pessoas.

Ressalte-se que os negócios jurídicos bilaterais se caracterizam por haver mútuo consenso entre as partes, ou seja, há uma composição de interesses. Normalmente o contrato se divide em duas manifestações de vontade: uma proposta e uma aceitação, de maneira que ambas necessariamente devem existir parta que o próprio tenha validade.

Doutrinadores como Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 739) defendem a existência de uma fase anterior à proposta, que são as negociações preliminares, que, embora não traga nenhuma vinculação obrigacional ao contrato, traz a possibilidade de os contratantes vislumbrarem as possibilidades do negócio jurídico a que estarão se submetendo, assim também como discutir acerca das generalidades e pormenores inerentes ao mesmo.

Nota-se inicialmente que há uma grande relação de tal fase com o princípio contratual da autonomia da vontade na medida em que o mesmo dá às partes a liberdade para decidir mediante acordo de vontades.

Surge então a primeira diferença entre o contrato de adesão e o paritário: não há no primeiro tal fase, tendo em vista que a proposta é feita por um dos contratantes, não cabendo ao outro a possibilidade de modificar as cláusulas contratuais.   

O CDC nos traz uma simples definição do que seria o contrato de adesão em seu art. 54:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Embora pareça imediatamente algo injusto, incorreto e especialmente tendencioso, temos de ter em mente que qualquer compra que venhamos a fazer em estabelecimentos comerciais, qualquer contrato bancário que venhamos a aderir, inconscientemente estamos aderindo a um contrato de adesão.

Vejamos um exemplo bem simples: um indivíduo vai a uma grande loja de informática de sua cidade em busca de adquirir um computador de determinada marca. Veja bem, o próprio poderá adquirir o modelo de sua escolha, na medida de suas necessidades, porém não terá a liberdade de negociar o preço, quais as peças que o mesmo conterá, qual será o valor de pagamento, pois os mesmos já estarão pré-estabelecidos pelo fornecedor.

É basicamente a tendência da atualidade, pois o fornecedor estabelecerá as características do contrato em virtude da sua posição de “superioridade” na relação de consumo, tudo em virtude da celeridade e das estratégias de mercado.

Segundo José Hernandes de Sousa Amaro, em seu artigo sobre a interpretação dos contratos de adesão:

O primeiro ponto a ser tocado é diferenciação existente entre o contrato de adesão e os contratos comuns. Nos comuns encontram-se presente a autonomia da vontade, conhecido também como “pacta sunt servanda”, ou seja, há a possibilidade de os contratantes negociarem minuciosamente todas as cláusulas que serão inseridas em um determinado instrumento contratual.

Já nos contratos de adesão é uma contradição falar no “pacta sunt servanda” haja vista que nessa modalidade não existe um acerto prévio entre as partes, ou seja, conforme explicitado no artigo 54, já transcrito, as cláusulas do contrato de adesão devem ter sido estipuladas pela autoridade competente ou unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços.

Em sua obra, Rizzato Nunes (2012, p. 683) traz uma bela contextualização do contrato de adesão na atualidade:

Relembre-se que, logo no início do texto, mostramos que a característica básica da sociedade do século XX é ser de massa e de consumo, com produção planejada e executada de forma estandartizada e em série: o resultado desse modelo é a oferta de produtos e serviços “de massa”, típicos de consumo.

Dissemos, também, que o direito acompanhou tal movimento industrial e criou modelo próprio de contratação, adequado ao processo industrial que surgia. Passou-se a criar fórmulas padronizadas, autênticas cláusulas contratuais em série, verdadeiros contratos de consumo. Dentre as características desses contratos a mais marcante é sua estipulação unilateral pelos fornecedores, que, adotando modelo prévio, estudado e decidido por conta própria, os impõem a todos os consumidores que quiserem — ou precisarem — adquirir seus produtos e serviços.

O produto e/ou serviço são oferecidos acompanhados do contrato. Com isso, o consumidor, para estabelecer a relação jurídica com o fornecedor, tem de assiná-lo, aderindo a seu conteúdo. Daí se falar em “contrato de adesão”.      

Veja então que não há que se falar em arbitrariedade do mesmo na atualidade, visto que é essencial para a vida moderna da qual dispomos hoje.

  1. 3.    EXCEÇÕES AO CONTRATO DE ADESÃO:

Apesar do que dispõe o art. 54 do CDC, o próprio legislador traz “limitações” ao contrato de adesão. Vejamos por exemplo a presente no §1º desse artigo, na medida em que a característica de adesão não seria perdida com a adesão de cláusula pactuada entre os mesmos.

Surge então a possibilidade de uma mitigação dessa unilateralidade com a inserção de cláusulas pactuadas entre as partes. Note-se que é uma tendência que cresce a cada dia, especialmente no setor de serviços financeiros, no qual a “personalização” atrai cada vez mais clientes em virtudes de vantagens e possibilidades de negociação de dívidas. É válido ainda ressaltar que tal cláusula contratual poderá ou não decorrer de negociações entre as duas partes.

O §2º do referido artigo traz uma regra interessante, na medida em que traz a possibilidade de resilição no contrato apenas para o consumidor, já que o próprio art. 51, XI estabelece que:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

    Vejamos que há uma certa distorção de sentidos, pois o art. 51, XI, estabelece a possibilidade de resilição por parte do fornecedor, desde que tal possibilidade seja dada também a outra parte contratante. Porém o art. 54, §2º estabelece que apenas o consumidor terá direito a essa esta escolha:

§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

Já o art. 54, §4º do CDC traz referência ao princípio da transparência, na medida em que exige que estejam em destaque as cláusulas do contrato que ensejem limitações aos direitos do consumidor, de modo que o mesmo possa detectá-las e compreender, para que o mesmo não seja constrangido posteriormente por ter pactuado com a cláusula sem sequer saber o que estava fazendo.

Tal princípio (Transparência) está estabelecido no próprio CDC, em seu art. 46, na medida em que torna inválidas as obrigações caso uma das partes contratantes não tivesse a oportunidade de saber sobre o que negociava e quais as suas conseqüências. Vejamos a redação integral de tal artigo:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Corroborando com tal idéia podemos perceber o art. 4° “caput” do CDC, na medida em que:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (grifo nosso)

Veja bem, atualmente é quase impossível, em decorrência da “vida agitada” da sociedade moderna, se encontrar tempo para se ler ou acompanhar todas as cláusulas contratuais. Assim, o CDC acaba por estabelecer que o consumidor, na medida do possível, seja informado sobre todos so aspectos do contrato a que está se obrigando. 

Obviamente tal princípio decorre do estabelecido no art. 422 do Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/02), ou seja, o da Boa Fé e da Probidade, segundo o qual:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Ainda sobre o Princípio da Boa Fé, explica que André Soares Hentz (2007, p. 98):

Somente com advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, é que a boa-fé objetiva foi consagrada no Brasil. Legislação derivada de ditames constitucionais, a boa-fé passou a ser utilizada tanto para a interpretação de cláusulas contratuais como também para a integração das obrigações pactuadas, revelando ser fundamental que as partes se comportem com correção e lealdade até o cumprimento de suas prestações.

Cláudia Lima Marques explica que a adoção da boa-fé objetiva pelo Código de Defesa do Consumidor contribuiu sobremaneira na exegese das relações contratuais no Brasil como linha teleológica de interpretação (art. 4º, III), e como cláusula geral (art. 51, IV), positivando em todo o seu corpo de normas a existência de uma série de deveres anexos às relações contratuais, como dever de informação dos fornecedores e prestadores de serviços (art.31) e a vinculação à publicidade divulgada, (arts. 30 e 35) dentre outros.

Dessa maneira surge a exigência de que as partes se comportem e hajam de maneira correta e sem interesses exclusos tanto na concepção do contrato, como também no cumprimento do mesmo.

Ainda no próprio CC/02 os artigos 423 e 424 trazem interessantes peculiaridades sobre o contrato de adesão, sendo verdadeiras proteções dadas ao consumidor em virtude de sua hipossuficiência:

O art. 423 traz a garantia de em caso de dúvida, se dar ao consumidor que aderiu ao contrato a interpretação mais favorável. Já o art. 424 torna nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada de direito resultante da matéria do negócio, por parte do aderente.

  1. 4.    CONCLUSÃO:

 

Conforme o que foi exposto, a própria celeridade da vida atual, assim como a própria necessidade dos fornecedores de agilizar e facilitar as vendas de seus produtos e/ou serviços acabou por resultar na criação de uma nova espécie contratual, que se diferencia pela própria ausência do “pacta sunt servanda”.

Mas essa praticidade tem um preço caro, ou seja, a própria ausência da fase negocial, aparentemente dando um enorme poder para o fornecedor em comparação ao já hipossuficiente consumidor.

Frente a tais desvantagens surge o Código de Defesa do Consumidor trazendo a previsão do tal contrato e apresentando garantias ao consumidor de que tais cláusulas não possam ser muito onerosas ao consumidor, já que o mesmo só teve a oportunidade de aderir ou recusar os termos do fornecedor.

O que resta a nós, porém é tomar cuidado com o que estamos aderindo, especialmente no que se refere aos produtos eletrônicos como softwares que trazem as mais diversas cláusulas e que a grande maioria das pessoas, até mesmo por comodidade, acaba por aderir sem sequer conhecer os termos aos quais está se submetendo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

AMARO, José Hernandes de Sousa. Os Contratos de Adesão e sua Interpretação. Acessado dia 21 de agosto de 2014 às 12:46hs em: http://jus.com.br/artigos/23623/os-contratos-de-adesao-e-sua-interpretacao#ixzz3Aee4rgr1

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil esquematizado, Volume I. São Paulo: Saraiva, 2011.

HENTZ, André Soares. Ética nas Relações Contratuais à Luz do Código Civil 2002. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2007.

NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

SCARAVAGLIONI, Eduardo. O Código de Defesa do Consumidor e os contratos de adesão. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 43, jul. 2000.