MARIA LUCIA MONTEIRO DA SILVA ELIAS

O CONTRADITÓRIO NA HISTÓRIA 

SÃO PAULO/2013

MARIA LUCIA MONTEIRO DA SILVA ELIAS 

O CONTRADITÓRIO NA HISTÓRIA 

Direito Constitucional/Direito Penal/Direito Processual Penal

São Paulo/2013 

Resumo

O presente trabalho tem por objeto a consecução da garantia de efetividade da aplicação do princípio do contraditório no Inquérito Policial.

Dispõe o artigo 5º, inciso LV, que, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Dessa forma, pode-se afirmar que, mesmo no curso de um inquérito policial deve-se falar em litigantes, tendo em vista evidente conflito de interesse entre defesa e acusação.

Dessa forma, há que se indagar sobre até que ponto o devido processo legal (due processo of law) está sendo respeitado, na medida em que envolve os conceitos de ampla defesa e contraditório.

Palavras-chave: Inquérito Policial, Constituição Federal, Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, Processo Administrativo, Processo Judicial. 

 Abstract

The present work aims at the achievement of guaranteed effectiveness of the principle of contradiction in the police inquiry.

To article 5, paragraph LV, those litigants in judicial or administrative proceedings, and defendants in general are ensured of the contradictory and full defense, with the means (não sei se é assim mesmo) and resources inherent to it. This way, it can be stated that even in the course of a police investigation we can speak of litigants in order obvious conflict of interest between defense and prosecution.

Thus it is necessary to inquire into the extent to which due process (due process of law) is being respected, insofar as it involves the concepts of legal defense and contradictory.

The problem has effects on pre-trial that turns out to be accomplished during a criminal investigation, especially when the issue of the final report, which shows evidence of authorship and materiality.

This implies in demonstrating disservice resulting from huge backlog of complaints and prosecutions under the responsibility of a judge who, if there was an efficient filter for complaints that becomes action, could be judging with quality (the) really serious processes , (the processes that are really serious)contributing to increase the delays processing that Brazil is facing.

Keywords: Police Investigation, Constitution, principles of Adversarial and Wide Defense, Administrative Procedure, Judicial Process.

  1. 1.    Surgimento do Contraditório na História

         Inicialmente, cumpre resgatar as alterações históricas do processo, fundamentalmente, no que tange o contraditório e a ampla defesa. Tais princípios, antes de mais nada, representam conquistas históricas, agregando garantias e direitos fundamentais. 

        

1.1   O CONTRADITÓRIO NO BRASIL E NO MUNDO

No Brasil, a evolução de tais princípios percorreu os diferentes regimes e formas de Estado, ganhando relevos diferenciados nas distintas Constituições.

Da carta de 1824 à de 1967, incluindo a emenda de 1969, o direito à defesa esteve associado, sobretudo ao processo judicial penal e sempre inserido no rol dos direitos e garantias individuais, com a exceção, introduzida a contar da Constituição de 1934, do processo administrativo disciplinar, que figurava no capítulo dedicado à funcionários públicos. Mesmo quando não intitulado como, exsurgia sua configuração de “direito subjetivo constitucional de defesa”, na expressão cunhada por PONTES DE MIRANDA.[1]

A carta básica do império, embora não se referisse literalmente ao direito à defesa, impunha ao juiz que fizesse constar ao réu ‘o motivo da prisão, o nome de seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as’ [...] O sentido da orientação estava, por óbvio, em possibilitar o exercício da defesa ao acusado de ato infracional penal. A partir da primeira constituição republicana, o direito à defesa vai moldando nomem juris próprio na terminologia do constitucionalismo pátrio: em 1891, com a redação da emenda de 1926, ‘plena defesa’ (art. 72, § 16); em 1934, ‘ampla defesa’ (art 113, § 24); em 1937, ‘necessárias garantias de defesa’ (art 122, 11); em 1946 ‘plena defesa’ (art  141, § 25); em 1967, ‘ampla defesa’ (art 150, §15) [...]. [2]

As declarações de direitos dos Estados Unidos da América do Norte e da Revolução Francesa expressam a essência do direito à defesa, determinando que em todos os processos criminais, o indivíduo acusado teria o direito de questionar a causa da acusação que lhe foi imputada, além do direito à acareação com seus acusadores e com as testemunhas, podendo arrolar aquelas que julgar necessário e apresentar outros meios de prova a seu favor, entre outras disposições.

A Constituição Federal de 1988 levou em conta o passado cinzento que envolveu ditaduras e representa um estágio avançado da evolução histórica do direito à defesa.

Segundo Carlos Roberto De Siqueira Castro,

o princípio do devido processo legal, em que radica a moderna concepção de legalidade, pode ser considerado um dos mais antigos e veneráveis institutos da ciência jurídica, cuja trajetória perpassou os séculos desde o medievo e garantiu sua presença no direito contemporâneo com renovado vigor. Ao despontar na Idade Média, através da magna carta conquistada pelos barões feudais saxônicos junto ao Rei João Sem Terra, no limiar do Século XIII, e embora inicialmente concebido como simples limitação às ações reais, estava esse instituto fadado a tornar-se a suprema garantia das liberdades fundamentais do indivíduo e da coletividade em face do Poder Público. A bem dizer, ao lado da ‘igualdade perante a lei’ (equal protection of the law), a cláusula due processo of law [devido processo legal] erigiu-se no postulado maior da organização social e política dos povos cultos na era moderna. Sua inclusão no direito medieval inglês simboliza o desfecho das refregas entre o trono e a nobreza a propósito dos privilégios feudais... Por sua galharda resistência à tormentosa evolução do estado moderno, especialmente frente às transformações de fundo do Estado liberal para o Estado dito Social ocorridas no presente século, a garantia do devido processo legal acabou por transformar-se em axioma permanente da comunidade política, investindo-se no papel do verdadeiro termômetro da validade dos atos estatais nas nervosas relações entre “Estado-indivíduo” e “Estado-sociedade...”[3]

A cláusula que faz alusão ao devido processo legal surgiu desde o primeiro momento nas colônias inglesas na América do Norte, de forma que se consagraria definitiva como due processo of law, mais tarde incorporado na Constituição Americana. Dessa forma, o direito norte-americano aprimorou as diretrizes do devido processo legal.

Pode-se, assim, considerar o due processo of law como o antecendente lógico universal do direito à defesa, ao lado da garantia de sua implementação que se traduz na via do processo, seja ele administrativo ou judicial. Assim, o direito de defesa está atrelado ao direito de ação.

A Constituição do Império continha declarações de direitos e garantias, o que foi repetido e atualizado nas Cartas seguintes. Os textos constitucionais trouxeram à tona tais direitos e garantias como princípios informadores, que são válidos na medida em que essa mesma ordem jurídica está preparada para torná-las efetivas, de forma que variam de acordo com o pensamento político ou filosófico informador de cada Estado.

Para exemplificar, examinando a primeira Constituição portuguesa, após a chamada Revolução dos Cravos, instituída pela Lei Constitucional nº 1/82 de Portugal. Observa-se uma forte preocupação com a garantia de direitos individuais, especialmente em face ao Estado.  No artigo 20 da referida Lei está assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, nos seguintes termos:

Todos têm direito à informação e à proteção jurídica, nos termos da lei. A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa de seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios econômicos.

Na constituição Chinesa, de 1982, são garantidas as liberdades de palavra, de correspondência, de imprensa, de associação, as liberdades individuais e o habeas corpus. Tais direitos, ressalta-se, estavam inseridos em uma ordem política na qual coexistem o centralismo e a democracia, a disciplina e a liberdade, a fim de favorecer a consolidação da liderança do partido e a ditadura do proletariado. Antes do fim da segunda guerra mundial, figuram com grandes contradições históricas, pois diversos modelos políticos divergiam na instituição de direitos e garantias individuais. Ao lado de países nos quais esses direitos estavam mais consolidados, existiam países que os suprimiam, tais como na China, e principalmente na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler.

Após a segunda Guerra Mundial, foi reiterada e atualizada a noção de princípios pela carta das Nações Unidas, a qual demonstra uma séria preocupação pela proteção de direitos e liberdades fundamentais do homem, reconsagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 1948. Evidente que tal Declaração buscava superar as demonstrações de barbárie generalizada durante a 2ª Guerra.

A preocupação a respeito do tema é atual, tendo em vista que na Secretaria Geral da ONU há proposta de Declaração Universal dos Direitos Processuais do Homem. Porém, dadas as peculiaridades de cada país, é difícil uma uniformização nesse sentido.

1.2.        Princípio do Contraditório na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 manteve a tradição das outras cartas e em capítulo apartado inclui os direitos e garantias fundamentais, mais especificamente no artigo 5º, em seu capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Título II, denominado Dos Direitos e Garantias Individuais.  Assim, instituiu-se uma hierarquia entre as normas legais, de forma que esses direitos e garantias estão sobrepostos à legislação ordinária e à administração pública.

As normas e princípios do artigo 5º da Constituição Federal, rol não exaustivo de direito, são de aplicação imediata, podendo depender de regulamentação em outro nível legislativo, quando normas de eficácia limitada. Todavia, ainda assim não podem ser desrespeitadas.

Entre as normas e princípios fundamentais do referido artigo, consideram-se “garantias instrumentais ou processuais aquelas que visam assegurar a efetividade dos direitos materiais e das garantias normais”¹, entre as quais figuram o contraditório e a ampla defesa. Nesse sentido, os direitos, os meios de sua instrumentalização e sua garantia de eficiência devem sempre ser considerados conjuntamente.

As chamadas cláusulas pétreas, também instituídas constitucionalmente, são aquelas que não podem ser objeto de Emendas Constitucionais, conforme o artigo 60, parágrafo 4º da referida Constituição. Esta qualidade, porém, não quer dizer que as normas do artigo 5º não possam ser aperfeiçoadas.  O entendimento é no sentido de que a proibição pretende que não sejam de maneira alguma abolidos quaisquer direitos ou garantias individuais. Frisa-se que não está obstada a possibilidade de aperfeiçoamento ou modernização desde que sejam respeitados os princípios previstos no Título I da Constituição Federal.

Do ponto de vista da filosofia jurídica de Hans Kelsen, a ordem jurídica pode ser concebida como uma pirâmide na qual as normas de hierarquia superior justificam as de hierarquia inferior. Assim, no topo da pirâmide do ordenamento brasileiro encontraríamos a norma fundamental, ou seja, as cláusulas pétreas.

Importa, neste ponto, salientar a importância da vedação dos tribunais de exceção. Os juízes e tribunais de exceção referem-se à criação de órgãos específicos para a decisão civil ou penal de casos determinados, fora da estrutura convencional do poder Judiciário e, evidentemente, sem as garantias de investidura e de exercício de defesa. Os tribunais de exceção, normalmente instituídos em períodos de ditadura para o julgamento de fatos ditos políticos estão afastados pelo texto constitucional. Além disso, os tribunais de exceção violam o princípio do juiz natural, pois não tem a competência definida para todos aqueles casos que ocorrerem nas mesmas condições na circunscrição de uma atuação determinada.

Um tipo de tribunal de exceção igualmente proibido é o foro privilegiado, no qual a competência para conhecimento e julgamento seria definida por razões personalíssimas como raça, religião ou riqueza. Tal juízo é discriminatório e incompatível com o sistema constitucional brasileiro.

A partir das considerações realizadas, importa introduzir o sentido constitucional do devido processo legal, em razão do que indispensável a conceituação do contraditório e da ampla defesa.

O artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal determina que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. O processo é indispensável à aplicação de qualquer tipo de pena, sendo que o devido processo legal significa que deve ser assegurada a igualdade entre as partes, o contraditório e a ampla defesa. Em seguida, o inciso LV garante aos litigantes e aos acusados em geral, tanto no processo judicial como no administrativo, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, como o claro conhecimento da imputação, o poder para apresentar alegações contra a acusação, assim como para acompanhar provas, apresentá-las e ter a possibilidade de produzir contraprova; bem como o direito à defesa técnica e aos recursos de decisões desfavoráveis.

O contraditório, por sua vez,

é a técnica processual e procedimental que impõe a bilateralidade do processo. Todos os atos do processo devem ser realizados de modo que a parte contrária possa deles participar ou, pelo menos, possa impugná-los em contramanifestação. A Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das partes, como há atos privativos do juiz, sem a participação das partes. Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de a eles se contrapor por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática. Assim, por exemplo, é válida a prova pericial realizada na fase de inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita. O contraditório, que é o instrumento técnico da ampla defesa, deve estar presente em todo o processo e não somete na instrução criminal, conforme dava a entender a redação defeituosa do texto constitucional anterior.[4]

De forma geral, o contraditório pode ser definido como

meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa, e consiste praticamente em: poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção de provas, fazendo, no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos processuais aos quais deve estar presente; e recorrer quando inconformado.[5]

 Porém, nada impede que o réu deixe voluntariamente de exercer as providências de sua defesa quando entender desnecessário

No que tange ao direito e ao processo penal, a Constituição da República demonstrou maior preocupação com as garantias a eles relacionadas. Talvez em virtude da origem histórica das garantias individuais, estabelecidas como proteção contra o arbítrio penal, e pelo fato de estar diretamente envolvido o processo penal com a liberdade pessoal, principal elemento que norteia os princípios fundamentais da Constituição, estes princípios estes se colocam como condição fundamental da correta aplicação da lei penal.

Nesse sentido, a garantia mais importante que permite a evolução e o correto desenvolvimento do processo penal é a da ampla defesa e do contraditório. Nestes estão contidas as possibilidades de o acusado utilizar soluções técnicas dentro do processo que tornam a garantia efetiva, como a própria instrução contraditória.

Finalmente importa consignar que o direito processual encontra sua fonte primeira no direito constitucional, que consagra seus princípios básicos, define a estrutura fundamental do poder judiciário e garante, como direito individual, o direito à ação e ao processo, no referido art. 5º, XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.”

Além disso, os direitos processuais consagrados na Constituição Federal têm repercussão internacional em razão da magnitude que possuem. Vale ressaltar o artigo 14, I, do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque: 

1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.

No mesmo sentido, o artigo 8º do Pacto de San Jose da Costa Rica, sobre as garantias judiciais:

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;

b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presente no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.

g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e

h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, estendeu ao processo administrativo inominado e aos acusados em geral o direito à ampla defesa que as precedentes constituições, desde a Imperial, de 1824, circunscreviam ao processo judicial penal e ao processo administrativo disciplinar, este, a partir de 1934.

A aplicação do direito à ampla defesa em processos administrativos abre novos horizontes, ao passo que o instituto da ampla defesa poderá produzir efeitos favoráveis ao aperfeiçoamento da ordem jurídico-constitucional que se almeja norteadora do Estado Democrático de Direito.

Uma das novidades trazidas pela nova constituição, portanto, foi no seu artigo 5º, ao determinar que o direito à defesa não mais se limita ao processo judicial penal e ao administrativo disciplinar, dispensando-se a doutrina e a jurisprudência referentes ao tema, “na qual se empenhavam antes da promulgação de 1988, em prol de levar a garantia para outros processos administrativos.”[6]

Acompanhe, nesse sentido, as considerações:

No regime anterior, fazia-se outra ideia quanto ao contraditório e a ampla defesa, de forma que eram relacionados apenas ao processo judicial. Atualmente, a garantia em relação à ampla defesa e ao contraditório se faz a todos os acusados em geral, o que “parece alcançar os inquéritos disciplinares instaurados no âmbito de entidades privadas.”[7]

  1. 2.         O DIREITO AO CONTRADITÓRIO

A Constituição Federal, embora garanta ampla defesa em processo administrativo, não o define claramente. Seriam conciliáveis o direito à ampla defesa no processo administrativo, a autoexecutoriedade do ato administrativo e a Súmula 473 [8] do STF?  Assim surgem questionamentos de toda ordem: Anular os próprios atos quando eivados de ilegalidade e o dever, de que se extrai do poder da autotutela da Administração Pública somente seria exercitável apenas após a audiência do interessado, com a eventual preterição do direito de defesa? A ampla defesa assegurada aos acusados em geral poderia ser interpretada como abrangente de procedimentos que guardam natureza administrativa?

Em razão da estipulação genérica inscrita na Constituição Federal de 1988 e das diferenças ideológicas que envolvem a discussão, a doutrina diverge quanto à extensão da garantia de defesa e de contraditório nos processos e procedimentos litigiosos administrativos.

Para Pinto Falcão[9], a plena defesa não estará satisfeita apenas com o que ocorre durante o processo; para ser possível a plena defesa, deve haver condições objetivas e antecedentes ao processo, que sejam eficientes para evitar que involuntariamente um cidadão seja envolvido num processo por ignorar que determinado procedimento poderia vir a ser tido como punível.

  1. 3.         CONCLUSÃO

Há um mínimo ao qual o conceito de ampla defesa deve se basear, qual seja, a inadmissibilidade de “processos secretos, inquisitoriais, as devassas, a queixa ou o depoimento do inimigo capital, o julgamento de crimes inafiançáveis na ausência do acusado...”.[10]

No mesmo sentido, Pontes de Miranda afirma que esse mínimo,

aquém do qual não mais existe a defesa, [e que] independe de lei que o descrimine, resumindo-se na inadmissibilidade de procedimentos secretos e no julgamento sem a audiência do acusado, desconsideradas ou cerceadas as provas que entenda de produzir ou oferecer. Ou seja, o mínimo é o teor irredutível do direito à defesa: a publicidade(...) e a dilação probatória.[11]

Com efeito, quem tutela o direito à defesa é o Estado, e esse direito não deve ser interpretado restritivamente, sendo oponível à autoridade estatal, diante da qual o cidadão se veja constrangido por qualquer tipo de acusação.

Para ADA PELLEGRINI GRINOVER, o devido processo legal indica o conjunto de garantias processuais a serem asseguradas à parte para a tutela de situações que acabam legitimando o próprio processo.  Continua, frisando que

em virtude da referência à nota de culpa e à instrução criminal, só o processo criminal gozaria da garantia explícita da Constituição.  Mas uma segunda conclusão lhe surge, retirada desses textos pelos constitucionalistas brasileiros. Assim, não só é aplicável a todo e qualquer procedimento em que haja uma acusação e a possibilidade de aplicação de pena, ainda que não se trate da sanção estritamente penal. Consequentemente, entende-se aplicável a garantia do § 15 do artigo 153 da Constituição aos procedimentos disciplinares administrativos ou procedimentos administrativos fiscais, quando haja possibilidade de aplicação de sanção.[12]

No mesmo sentido,

o direito de defesa, anverso do direito de ação, emana da personalidade, decorre da dignidade da pessoa humana, e há de ter o seu exercício garantido sempre e imediatamente. (...) o direito à defesa encontra no processo judicial ou administrativo uma “garantia constitucional especial”, que, nos termos de Jose Afonso da Silva se explica: “Garantias constitucionais em conjunto caracterizam-se como imposições, positivas ou negativas, aos órgãos do Poder Público, limitativas de sua conduta, para assegurar a observância ou, no caso de violação, a reintegração dos direitos fundamentais. As garantias constitucionais especiais são normas constitucionais que conferem, aos titulares dos direitos fundamentais, maios, técnicas, instrumentos ou procedimentos para impor o respeito e a exigibilidade de seus direitos. Nesse sentido, essas garantias não são um fim em si mesmas, mas instrumentos para a tutela de um direito principal. (...) São instrumentais porque servem de meio de obtenção das vantagens e benefícios decorrentes  dos direitos que visam garantir(...) Então podemos afirmar que as garantias constitucionais especiais – e não os direitos fundamentais – é que são os autênticos direitos públicos subjetivos, no sentido da doutrina clássica, porque, efetivamente, são concedidas pelas normas jurídicas constitucionais aos particulares para exigir o respeito, a observância, o cumprimento dos direitos fundamentais em concreto, importando, aí sim, imposições ao poder público de atuações ou vedações destinadas a fazer valer os diretos garantidos” [13]

Para José Afonso da Silva, “A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades e instaurar um regime democrático que realize a justiça social”. Assim,

nada mais desigual do que a correlação de forças entre o poder público e o cidadão, impondo-se a restauração do equilíbrio, almejado em sistema jurídico democrático, pela proclamação dos direitos fundamentais do indivíduo e pela adoção dos instrumentos que lhe garantam a fiel observância. [14]

 Faz-se necessário, no estado democrático de direito, desonerar os entes públicos da responsabilidade exclusiva pela instituição da ordem democrática. O direito à defesa é peça essencial para o desenvolvimento da capacidade democrática, por isso é indispensável em todas as relações de poder.

  1. 4.         REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Falcão, Alcino Pinto. Constituição Anotada, volume II. Rio de  Janeiro, Editora José Konfino, 1957, página 194.

Filho, Vicente Greco. Manual de processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2012.

Pereira Júnior, Jessé Torres. O direito à defesa na Constituição de 1988: O processo administrativo e os acusados em geral. Rio de Janeiro. Renovar, 1991.

 



[1] JUNIOR, J.T.P. O Direito à Defesa na Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Renovar, 1991, página 07

[2] IDEM, página 08

[3] [3] JUNIOR, J.T.P. O Direito à Defesa na Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Renovar, 1991, página 10

[4] Filho, Vicente Greco. Manual de processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2012, página 70

[5] IDEM,  página 77

[6] JUNIOR, J.T.P. O Direito à Defesa na Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Renovar, 1991, página 24.

[7] IDEM, página 40.

[8] Administração Pública - Anulação ou Revogação dos Seus Próprios Atos

    A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

[9] Falcão, Alcino Pinto. Constituição Anotada, volume II. Rio de  Janeiro, Editora José Konfino, 1957, página 194

[10] Pereira Júnior, Jessé Torres. O direito à defesa na Constituição de 1988: O processo administrativo e os acusados em geral. Rio de Janeiro. Renovar, 1991, página 13

[11] IDEM, página 29.

[12] IDEM, página 18

[13] Pereira Júnior, Jessé Torres. O direito à defesa na Constituição de 1988: O processo administrativo e os acusados em geral. Rio de Janeiro. Renovar, 1991, página páginas 25/26

[14] JUNIOR, J.T.P. O Direito à Defesa na Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Renovar, 1991, página 26