A resenha baseia-se no artigo Sazonalidade e Trabalho Temporário na Empresa Cafeeira (Oeste Paulista, 1890-1915). Este artigo foi publicado na Revista História Econômica & História de Empresa no segundo semestre de 2011. Para tal estudo, será abordado o contexto sócio-econômico do período de transição do Império para a República (1880-1930), através da perspectiva de vários autores, e da maneira como se sucederam os fatos que culminaram em uma economia moderna e dinâmica. Dessa forma, o artigo será objeto de uma análise crítica, sendo apontadas suas convergências e divergências com o conteúdo estudado na matéria de Formação Econômica do Brasil.

 Palavras-chave: Trabalho Temporário. Expansão Cafeeira. Formação Econômica Brasileira. Resenha. Abolição da Escravidão. Oeste Paulista.

O artigo estuda o trabalho temporário, intensamente utilizado no período pós-Abolição, na transição entre a rigidez do trabalho escravo e a flexibilização admitida pelo trabalho volante a partir de 1960. Segundo Tessari (2011), o arranjo colonato + trabalho temporário sazonal foi um sistema de trabalho específico que possibilitou que a empresa cafeeira contornasse o problema da rigidez da mão de obra frente à sazonalidade da agricultura. Utilizando-se de jornais de dois municípios (Piracicaba e Itu), Tessari (2011) analisa a participação efetiva do trabalhador temporário no Oeste Velho paulista, região caracterizada pela policultura, alta densidade populacional, menor produtividade dos cafeeiros, menor capacidade de atração dos imigrantes e propícia à utilização de mão- de obra não colona.

            De acordo com Silva citado por Tessari (2011), no final do século XIX e início do século XX ainda não existiam as inovações químicas e genéticas que alterariam de certa forma o ciclo de cultivo e a demanda por trabalho, sendo a produção agrícola no Brasil extremamente dependente das determinações naturais. Esta dependência provocava uma alta sazonalidade na demanda por mão de obra, condicionando momentos de mais trabalho, menos trabalho e vacância na agricultura brasileira.

            O trabalho na agricultura é marcado por alta instabilidade e incerteza, sendo que ao longo do ano agrícola ou de um ano para outro, a demanda por trabalho tem grandes oscilações. Segundo Tessari (2011), no período de abril a setembro, nomeada estação fria ou seca, a demanda por trabalho era intensa, tendo em vista que coincidiam as fases de colheita, plantação e o preparo do solo dos principais produtos cultivados (café e cana-de-açúcar), além da castração de animais, do beneficiamento e transporte dos produtos colhidos e dos consertos e construções das instalações das propriedades, das estradas e dos caminhos. Na estação quente ou das águas (outubro a março), a demanda por mão de obra atingia seus níveis mais baixos, em especial nos meses de novembro, dezembro e janeiro, em virtude do calor intenso e das chuvas que inviabilizam os trabalhos.

            Tessari (2011) destaca que, além da sazonalidade dos ciclos das plantas, a inconstância da necessidade de mão-de obra também era determinada pela incerteza das colheitas, visto que essas podiam variar de um ano para outro e eram agravadas pelas chuvas irregulares do clima de São Paulo. Desta forma, a lavoura cafeeira mantinha diferenças significativas quanto às exigências de trabalho ao longo do ano agrícola, necessitando, assim, de mão de obra permanente para o trabalho regular de capina dos cafezais e de mão de obra temporária para as diversas tarefas da fazenda.

            Na visão de Tessari (2011), a inconstância da demanda por trabalho e a dificuldade de se estimar o número de trabalhadores necessários para colheita, determinaram as diferentes relações de trabalho no Brasil. Na época da escravidão, as características especiais do trabalho agrícola levaram à autossuficiência das fazendas, onde a mão-de-obra era mantida ocupada durante todo o ano.  Na transição da escravidão para o trabalho livre, as lavouras comerciais utilizavam-se do colonato associado ao trabalho temporário sazonal.

Durante a escravidão, Tessari (2011) salienta que o caráter incerto e sazonal da agricultura acentuava a baixa capacidade de variação do quantum de mão de obra diante das variações nas necessidades de trabalho exigidas pela produção, acentuando, assim a “lei da rigidez da mão de obra escrava”. Na visão de Gorender citado por Tessari (2011) a quantidade de braços de um plantel não se altera a despeito das variações da quantidade de trabalho, uma vez que o senhor está atado ao escravo tanto nas altas ou nas baixas dos preços, pois a aquisição de escravos não poderia ser flexivelmente adaptada à demanda do mercado mundial ou pelo caráter sazonal da produção agrícola. Neste mesmo sentido, Furtado (1980) aponta que a força de trabalho da economia brasileira na metade do século XIX era constituída fundamentalmente por escravos, sendo certo que qualquer empreendimento pretendido esbarraria na inelasticidade da oferta de trabalho.

Na ótica de Tessari (2011) a escravidão impossibilitava o desenvolvimento de uma racionalidade capitalista no que tange a mobilidade e uso racional do trabalho e no aumento da produtividade do trabalho, sendo necessário, assim, superar o problema da rigidez de mão de obra escrava associado à sazonalidade. Esta visão é compartilhada por Silva (1986) que aponta que as possibilidades de expansão cafeeira com a utilização de trabalho escravo eram muito limitadas.

Segundo Tessari (2011), após a Abolição, o trabalhador temporário passou a ter maior importância nas regiões que podiam contar com um potencial de mão de obra local, como o Oeste Velho Paulista e sua presença era relevante tanto em termos quantitativos quanto em termos estruturais, sendo necessários para o bom funcionamento da empresa agrícola. A possibilidade de contratar força de trabalho diminuiu o problema da rigidez da mão de obra, sendo o aumento da necessidade da mesma por ocasião e plantio e colheita contornado pela utilização de trabalho permanente e trabalho temporário fundamentado no arranjo colonato + trabalho temporário sazonal.

De acordo com Silva (1986), o trabalho escravo foi substituído pelo trabalho assalariado em decorrência da forte imigração em busca de trabalho nas plantações. Um contrato de trabalho preparado pelo escritório de imigração estabelecia o pagamento de um salário base proporcional ao número de pés de café atribuídos ao trabalhador, uma soma variável em função da colheita obtida e o trabalhador comprometia-se a efetuar trabalhos exteriores à plantação. Neste mesmo diapasão, Tessari (2011) destaca que o sistema do colonato era um sistema misto de remuneração (fixo, variável e em espécie) e de trabalho, mesclando o trabalho fixo com o trabalho temporário do próprio colono e de sua família, esta tratada como um reservatório de mão de obra a ser utilizada nos momentos de intenso trabalho nas fazendas cafeeiras. Este sistema permitia a redução da parcela monetária do salário, o pagamento exclusivo do trabalho efetuado, redução dos custos de arregimentação da mão de obra suplementar no período de colheita e possibilitava o ajuste automático de parte dos custos ao volume produzido.

Além do colonato, Tessari (2011) indica que nas fazendas também vigoravam contratos de trabalho a salário e apanhadores que consistiam em trabalhadores não residentes contratados para tarefas específicas e sazonais. Os trabalhadores assalariados geralmente eram contratados diretamente pela administração da fazenda e seus contratos poderiam ser semanais, quinzenais ou mensais. Considerando a infinidade de trabalhos diferentes a serem desempenhados e na diversidade de contratos, Tessari (2011) ressalta a dificuldade de sua quantificação.  

Ao analisar documentação pertinente ao cotidiano do mercado de trabalho, as demandas e ofertas de mão de obra, Tessari (2011) destaca que os trabalhadores nacionais e os trabalhadores temporários sazonais eram necessários durante todo o ano agrícola, sendo utilizados de forma generalizada nas fazendas. De acordo com Gremaud, Saes e Toneto (1997), nas primeiras décadas do século XX os fluxos migratórios alteraram e, a partir de 1920 aumentaram as migrações internas para São Paulo, sendo esta fonte de mão de obra superior a imigração nos anos 30, reafirmando a complexidade das relações de trabalho.

O arranjo colonato + trabalho temporário, conforme exposto por Tessari (2011), teve grande importância na transição entre a escravidão e o trabalho livre, visto que permitia o aumento da rentabilidade das unidades produtivas, isentando o fazendeiro do pagamento da mão de obra nos momentos de baixa produtividade permitindo, ainda, o rebaixamento do preço da mão de obra do trabalhador fixo e do trabalhador temporário.

Segundo Tessari (2011), considerando que o aumento da colheita correspondia ao aumento de trabalhadores sazonais, verifica-se grande relevância do trabalho temporário sazonal na flexibilização dos custos de produção de acordo com o volume produzido, permitindo o uso mais racional da força de trabalho e sendo, desta forma, condição para a modernização.

 REFERÊNCIAS

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 17ªed. São Paulo: Editora Nacional, 1980. 248p.

GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flavio A. M. de; TONETO JUNIOR, Rudinei. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997 247p.

SILVA, Sergio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. 7a ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. 114p.

TESSARI, Cláudia Alessandra. Sazonalidade e trabalho temporário na empresa cafeeira (Oeste Paulista, 1980-1915). História Econômica & História de Empresas, São Paulo, HUCITEC/ABPHE, v. XIV, 2(2011), p. 105-143.