O Constitucionalismo no Brasil: esboço histórico[1].

 

Kassandra Suellen Sousa Silva

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Evolução Histórica; 2 Na Idade Média; 3 Constituição;4 Características das Constituições do Brasil; 5 Influências das Constituições Francesa e Americana; Conclusão; Referências.

RESUMO

O nascimento do Brasil se deu sob o signo do constitucionalismo. A evolução histórica do constitucionalismo no Brasil coincide com as transformações substancias do próprio Estado. A prática do nosso constitucionalismo se esboçou, sem sucesso, com o movimento revolucionário ocorrido em Pernambuco, em 1817, de inspiração republicana. Foi elaborado um Projeto de Lei Orgânica, de autoria de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada[2], para ser a Constituição da nova   República. Faremos um levantamento de alguns fatos históricos da nossa Constituição.

PALAVRAS-CHAVE

Constituição. Surgimento. Constitucionalismo. História.Influências.

INTRODUÇÃO

A origem formal do constitucionalismo está ligada às constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13 colônias e da França, em1791, apartir da Revolução Francesa. Há um constitucionalismo comum no Brasil, que advém de uma filosofia luso-brasileira do Direito Constitucional. Esse constitucionalismo, ao longo da (nossa) história, vem ancorado pelo liberalismo que nos foi legado pela mesma geração de portugueses e brasileiros. Silvestre Pinheiro Ferreira, português que veio para o Brasil exercer o cargo de Ministro de D. João VI, tentou compatibilizar os direitos naturais, até então pertencente ao discurso filosófico, com os direitos individuais e a estrutura política e administrativa. As idéias  republicadas e aqui divulgadas evidenciaram a influência delasem Portugal. Ocorporativismo e o fascismo italiano foram às fontes inspiradoras ao pensamento constitucional desenvolvido em ambos os lados do Atlântico.

Constitucionalismo é como se denomina o movimento social, político e jurídico a partir do qual emergem as constituições nacionais. Em termos genéricos e supra-nacionais, constituir-se parte do estabelecimento de normas fundamentais de um ordenamento jurídico de um Estado, localizadas no topo da pirâmide normativa, ou seja, sua constituição. Seu estudo implica, deste modo, uma análise concomitante do que seja constituição com suas formas e objetivos. O constitucionalismo moderno, na magistral síntese de Canotilho[3], é uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.

Canotilho, embora reconheça a existência de vários constitucionalismos nacionais (o constitucionalismo inglês, o constitucionalismo americano, o constitucionalismo francês), prefere falar em movimentos constitucionais “porque isso permite recortar desde já uma noção básica de constitucionalismo”. Para ele, constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. É no fundo uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo. Numa outra acepção – histórico-descritiva – fala-se em constitucionalismo moderno (que pretende opor ao constitucionalismo antigo) para designar o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do pode político”.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A história do constitucionalismo,  revela a busca do homem político das limitações ao poder absoluto exercido pelos detentores do poder, assim como o esforço de estabelecer uma justificação espiritual, moral e ética da autoridade, no lugar da submissão cega à facilidade da autoridade existente. Estas aspirações se concretizaram na necessária aprovação, por parte dos destinatários do poder, dos controles sociais exercidos pelos dominadores e, conseqüentemente, na participação ativa dos dominados no processo político.

Os hebreus já aceitavam a existência do constitucionalismo como movimento de organização do Estado, que criaram limites, pela chamada “lei do Senhor” ao poder político. Cabia aos profetas, legitimados pela vontade popular, fiscalizar e punir os atos dos governantes que ultrapassassem os limites bíblicos.

Na Antigüidade clássica, surgem com os gregos, no século V, as Cidades-Estados em que se pratica a democracia direta, havendo identidade entre governantes e governados, sendo os cargos públicos exercidos por cidadãos escolhidos em sorteio, e limitado no tempo. Note-se, no entanto, que, posteriormente, a democracia grega deu lugar para os regimes despóticos ou ditatoriais. Na república romana, os denominados interditos objetivavam garantir os direitos individuais contra o arbítrio e a prepotência, mas o constitucionalismo acabou por se esvaecer com as guerras civis dos primeiros séculos antes de Cristo, acabando com o domínio de César.

2. NA IDADE MÉDIA

O princípio da primazia da lei, a afirmação de que todo poder político tem de ser legalmente limitado, é a maior contribuição para a história do Constitucioalismo. Contudo, na Idade Média, ele foi um simples princípio, muitas vezes pouco eficaz, porque faltava um instituto legítimo que controlasse, baseando-se no direito, o exercício do poder político e garantisse aos cidadãos o respeito à lei por parte dos órgãos do Governo.

A descoberta e aplicação concreta desses meios é própria, pelo contrário, do Constitucionalismo moderno: deve-se particularmente aos ingleses, em um século de transição como foi o século XVII, quando as Cortes judiciárias proclamaram a superioridade das leis fundamentais sobre as do Parlamento, e aos americanos, em fins do século XVIII, quando iniciaram a codificação do direito constitucional e instituíram aquela moderna forma de Governo democrático, sob o qual ainda vivem.

Na transição da monarquia absoluta para o Estado Liberal de Direito (final do século XVIII), os Estados passam a adotar leis fundamentais ou cartas constitucionais, reunindo, em documento escrito, sua organização política, bem como de declaração de direitos dos indivíduos, surgindo o constitucionalismo moderno.

Consoante Paulo Bonavides[4], distingue-se no constitucionalismo dos países ocidentais três modelos sucessivos de Direito Constitucional. O primeiro deles é um Direito Constitucional de geração originária, isto é, o Direito Constitucional do Estado Liberal, que se ocupava da salvaguarda das liberdades humanas, e nasceu em sua rigidez formal na Europa, depois de “banhar-se de sangue no decurso das grandes tempestades e comoções revolucionárias do continente, sobretudo durante a Revolução Francesa”.

Sobreveio então o Direito Constitucional de segunda geração, ou seja, o Direito Constitucional do Estado Social, nascido depois dos abalos não menos traumáticos dos movimentos revolucionários e sociais ocorridos no México, na União Soviética e na República de Weimar.

3.CONSTITUIÇÃO

É a lei fundamental de um Estado, na qual se acham expressas, orgânica e sistematicamente, as bases de sua estrutura, tais como: regime de governo, órgãos da administração do Estado e limites de sua competência, direitos e deveres fundamentais do cidadão e outros aspectos e determinações relativos à manutenção e defesa do Estado.

Embora a origem do constitucionalismo reporte-se às Constituições dos Estados Unidos da América em 1787,  aponta-se  a Inglaterra, como precursora da primeira Carta Magna em 1215, mediante a qual foram limitados princípios básicos a serem obedecidos, indiscriminadamente, por todos os cidadãos. A seguir veio a dos Estados Unidos da América; a Constituição norte americana a servir de modelo para numerosos países do mundo.

A primeira Constituição do Brasil, após a independência de Portugal, surgiu em 1824.

O exame sucinto das constituições brasileiras revela a marcha histórica dos princípios que têm norteado a vida nacional.

As Constituições do Brasil e de Portugal sempre exibiram uma extraordinária proximidade em seus princípios e regramentos básicos. A brasileira de 1824 e a portuguesa de 1826, redigidas pelas mesmas mãos, introduziram o liberalismo[5] na nossa cultura. As republicanas e as corporativas de 1891 e 1837 (Brasil) e de 1911 e 1933 (Portugal) também guardam notável semelhança.

4. INFLUÊNCIAS DAS CONSTITUIÇÕES FRANCESA E AMERICANA

Surgem as redes de influência das várias constituições liberais. A Constituição francesa de 1791 influencia a Constituição espanhola de 1812, que, por sua vez, vai marcar a nossa Constituição de 1822.    A Carta Constitucional Francesa de 1814 e o ato Adicional de 1815 vão inspirar a Carta Constitucional brasileira de 1824, quase repetida na nossa Carta Constitucional de 1826.  Já a Constituição portuguesa de 1911 é tributária da Constituição brasileira de 1891. É, com efeito, todo um processo de comunicação e mistura de idéias que cria um autêntico direito público comum entre os povos que então se diziam civilizados. É, no fundo, a demonstração da existência de um espaço cultural comum que, mais do que europeu, é ocidental, dada a constante comunicação entre os dois lados do atlântico. O que é particularmente significativo no âmbito das trocas entre Portugal e o Brasil, cuja as transformações  tem sido constante desde que a nossa Carta de lá foi exportada, mas para onde também remetemos algumas "inspirações", desde o texto de 1933, noutras épocas e noutras modas, ao próprio texto de 1976.

5.CARACTERÍSTICAS DAS CONSTITUIÇÕES

5.1. CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO, DE 1824:

* O governo era uma monarquia unitária e hereditária;

* A existência de quatro poderes: o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o Poder Moderador, este acima dos demais poderes, exercido pelo Imperador e por ele o imperador controlava a organização política do Império do Brasil.

* Utilizando deste quarto poder, Dom Pedro I aprovava ou não as decisões da Assembléia Geral, além de convocar ou dissolver a Câmara dos Deputados.

* O imperador demonstrava o caráter centralizador e autoritário da organização política do Império do Brasil .

5.2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, 1891:

* A adoção da democracia e da forma republicana de governo (República Federativa, sob o nome República dos Estados Unidos do Brasil – reflexo da influência norte-americana);

* A existência dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (extinguindo-se Poder Moderador, da época do Império);

* O exercício do Poder Executivo pelo Presidente da República, auxiliado por ministros de sua livre escolha;

*O Poder Legislativo, constituído pelo Congresso Nacional: Senado Federal e Câmara dos Deputados;

*A escolha do Presidente da República e dos membros do poder Legislativo por meio do sufrágio direto universal masculino(os cidadãos com direitos plenos poderiam votar em seus representantes, sem necessidade de comprovar a renda); não podiam votar: analfabetos, menores de 21 anos, mulheres, monges regulares, praças das Forças Armadas e mendigos;

* Não tinha religião oficial;

* Ampla autonomia para os estados, que escolheriam seus representantes, teriam bancos regionais com liberdade para emitir moeda, poderiam contrair empréstimos no exterior e ter corpos militares próprios (federalismo);

* Aos municípios seria reservada a escolha de prefeitos e integrantes das Câmaras Municipais, para o exercício dos poderes Executivo e Legislativo, respectivamente;

* A reforma do Código Penal, com a extinção da pena de morte.

5.3  . CONSTITUIÇÃO DE 1934:

* Instituiu o voto secreto;

* Estabeleceu o voto obrigatório para maiores de 18 anos;

* Propiciou o feminino, direito há muito reivindicado, que já havia sido instituído 1932 pelo código eleitoral do mesmo ano;

* Confirma a Lei Eleitoral de 1932, que Justiça Eleitoral, voto feminino, voto aos 18 anos;

* Proíbe o trabalho infantil, determina a jornada de trabalho de 8 horas, repouso semanal obrigatório, férias remuneradas, indenização para trabalhadores demitidos sem justa causa, assistência médica e dentária e assistência remunerada a trabalhadoras grávidas;

* A questão social passou assumir grande destaque no país: direitos democráticos foram conquistados, a participação popular no processo político aumentou.

* Foi a conseqüência direta da Revolução Constitucionalista de 1932, quando a Força Pública de São Paulo lutou contra as forças do Exército Brasileiro.

* A Carta de 1934 foi inovadora, mas durou pouco: em 1937, uma constituição já pronta foi outorgada por Getúlio Vargas transformando o presidente em ditador e o estado “revolucionário” em autoritário.

* Era evidente a troca de classe dominante: antes a oligarquia cafeeira, agora industriais, classe média e militares. Na Europa os regimes fascistas e autoritários estavamem ascensão. Ainfluência da constituição alemã de 1919 (a chamada “República de Weimar”).

5.4  .CONSTITUIÇÃO DE 1937: Ascenção do Estado como controlador de atividade econômica.

     * Golpe de Estado – Getúlio Vargas;

     * Economia corporativista;

     * Concentração de poder no Executivo federal;

     * A intervenção do Estado no domínio econômico somente se legitima para             suprir as deficiências da iniciativa individual e coordena os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação;

* Corporações representativas das categorias de trabalhadores (art. 140);

     * Pretendeu-se substituir o capitalismo por uma economia corporativista, na        qual a economia de produção deveria ser organizada em corporações colocadas sob a assistência e a proteção do Estado;

    * Economia capitalista / cooperativista.

     5.5. CONSTITUIÇÃO DE 1946

     * Com fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados ditatoriais nazi-fascistas    foram derrotados;

* Seguiu um movimento inicial de democratização, o que foi acompanhado pelo Brasil;

* Getúlio Vargas convocou eleições diretas para a Presidência e para o Poder Legislativo;

* Foi eleito, com apoio de Vargas, o general Eurico Gaspar Dutra;

* Foi promulgada, em 18 de setembro de1946, aConstituição da República dos Estados Unidos do Brasil, inspirada nas anteriores (de 1891 e 1934);

* A Constituição só garante a liberdade econômica até onde não exijam que sejam restringidos os princípios de justiça e o interesse nacional;

5.6. CONSTITUIÇÃODE 1967 e a EC n.1, de 1969

* No contexto internacional da Guerra Fria, em 1964 houve o golpe militar no Brasil – era o início de uma ditadura que perdurou até 1985;

* Outorgada em 24 de janeiro de 1967, apoiava-se na busca pela Segurança Nacional;

* Amplos poderes foram concedidos à União e ao Poder Executivo;

* Os direitos individuais foram sendo gradativamente suprimidos;

* Durante a ditadura, foram expedidos diversos Atos Institucionais, dos quais o de número 5 representou praticamente a supressão das garantias individuais;

* Em 17 de outubro de 1969 foi outorgada a Ementa Constitucional n.1, considerada por muitos doutrinadores como uma nova Constituição, tanto que, com essa ementa, a Constituição do Brasil passou a ser denominada Constituição da República Federativa do Brasil.    

* Seguiu os passos da Constituição de 1946, fixando os princípios fundamentais do ordenamento econômico;

5.7.            CONSTITUIÇÃO DE 1988:

* Importa destacar que a luta pela redemocratização iniciou-se com o próprio Golpe em 1964. Porém a ditadura perdurou por mais de vinte anos. Em 1984 houve uma intensificação desta luta, destacando o movimento pelas “diretas já”, o qual pretendia que as eleições para Presidente de 1985 fossem diretas, o que não ocorreu;

* Venceu o candidato que apoiava a democracia – Tancredo Neves. Eleito, de forma indireta, pelo Colégio Eleitoral, em 15 de Janeiro de 1985, não chegou a tomar posse, pois faleceu;

* Assumiu o Vice-Presidente, José Sarney, que, embora tenha sido aliado dos militares, deu continuidade ao processo de redemocratização;

* Houve a formação da Assembléia Nacional Constituinte, criaram um texto que foi aprovado em dois turnos de votação, por maior absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte, o que ocorreu em 05 de Outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição da República Federativa do  Brasil.

 CONCLUSÃO

O constitucionalismo brasileiro, embora representasse um avanço político pelas discussões democráticas, no presente momento desaba junto com as esperanças do povo.  Isto evidencia que entre o Constitucionalismo Brasileiro e a Realidade Brasileira há uma lógica interna que os mantêm vivos. Todavia, urge, a partir da teoria da relatividade A. Einstein, para não se relativizar interesses individualistas mas, propostas de princípios éticos - políticos para o exercício da cidadania inserida/ globalizante, do homem prossumidor e proativo a fim de que possa construir a realidade brasileira sedimentada na riqueza feita de símbolos: o conhecimento. E, da mesma forma, o poder nela baseado. 

 

REFERÊNCIAS

WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil. São Paulo. Ed. Acadêmica, 1989.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Malheiros Editores, Caps. II e III, 11ª edição, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo. Malheiros Editores, Caps. II, 7ª edição, 2004.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria Constitucional. Coimbra. Ed. Almedina, 7ª edição, 2003.

RUSSO, Luciana. Direito Constitucional. São Paulo. Editora Saraiva. Edição 2009.

site: http://maltez.info/respublica/topicos/aaletrac/constituicao.htm



[1] Relatório do paper apresentado às disciplinas de História do Direito e Teoria do Direito Constitucional, ministrada pelos professores Elton Fogaça e  Luiza Oliveira, respectivamente, como forma de elucidação do tema.

[2] Antonio Carlos Ribeiro de Andrade. Projeto de Lei Orgânica.

[3] J.J. Gomes Canotilho.  Direito Constitucional e Teoria da Constituição p. 78

[4] Paulo Bonavides. Curso Direito Constitucional p. 118

[5] Liberalismo tem suas origens na iluminação européia e no conflito entre os empreendedores capitalistas do mercado livre e a aristocracia feudal fortemente enraizada. Basea-se em um compromisso coma liberdade do individuo. Desenvolveu-se nos séculos XIV e XX.