O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E O PODER JUDICIÁRIO: UMA RELAÇÃO DE CONTRADITÓRIA NECESSIDADE 

Sérgio Henrique Ferreira da Silva

Fernando Henrique Cunha Sousa[1]

RESUMO

Trata-se do estudo feito sobre a necessidade do controle externo do Judiciário por meio do CNJ, haja vista a estrutura rígida, anacrônica e desviada desse poder, através de medidas que visam reformular e reordenar a atividade estrutural, exemplificando atividades como o dos mutirões carcerários – iniciativas que provam a deficiência do Judiciário diante das demandas da sociedade.

PALAVRAS-CHAVE

INTRODUÇÃO

Abordaremos neste trabalho, de forma sucinta, a necessidade de existência do Conselho Nacional de Justiça, partindo do pressuposto que a atual estrutura de composição, eminentemente política, do Poder Judiciário, provoca uma espécie de anomalia, haja vista caracterizar esse Poder com elementos que o afastam de sua real existência primeira, qual seja, aplicar as normas legais na tentativa de pacificar os conflitos sociais e promover a justiça, avaliando a necessidade da existência do CNJ, frente ao Poder Judiciário cuja estrutura é rigidamente constituída, com pouca ou nenhuma participação democrática por parte dos seus representados.

Faremos um breve histórico com a devida análise do papel do Conselho Nacional de Justiça como órgão de relativa autonomia junto ao Poder Judiciário, tendo como base sua definição organizacional, missão, visão, diretrizes e suas competências, partindo do pressuposto de que a autonomia do Poder Jurisdicional delega a si mesmo uma responsabilidade auto-regulatória e, portanto, indiferente a imposições externas.

Por fim, faremos a título de comparação de fato, uma breve avaliação dos resultados dos mutirões carcerários como forma de evidenciar as mudanças eficazes trazidas ao Judiciário pelo CNJ, na promoção da justa reorganização das atividades jurisdicionais.

2 A POLÍTICA NO JUDICIÁRIO E A NECESSIDADE DE CONTROLE EXTERNO

Reza o texto Constitucional de 1988 em seu artigo 2º, acerca da autonomia dos poderes, sua independência e harmonia entre si, atribuindo a cada um deles competências específicas quando da distribuição das funções do poder do Estado Soberano, a fim de evitar uma concentração do poder estatal em um único órgão. Temos assim noções esclarecedoras sobre o poder estatal, como exemplifica Bonavides:

O poder do Estado na pessoa de seu titular é indivisível: a divisão só se faz quanto ao exercício do poder, quanto às formas básicas de atividade estatal.

Distribuem-se através de três tipos fundamentais para efeito desse mesmo exercício as múltiplas funções do Estado uno: a função legislativa, a função judiciária e a função executiva, que são cometidas a órgãos ou pessoas distintas, com o propósito de evitar a concentração de seu exercício numa única pessoa.[2]

A despeito dessas definições, observamos que a tentativa de não se concentrar o exercício dessas funções, no caso do Judiciário, se torna contraditória na medida em que o Poder Judiciário não tem, em sua composição, a clara representatividade da soberania popular, vez que os representantes desse Poder, ao serem indicados pelos chefes do Executivo, nas esferas Estaduais e Federal, tolhem a participação popular, caracterizando, portanto numa clara incoerência ao poder uno cujo titular é o povo.

Mesmo tomando por base a concepção de que entre os Poderes estatais temos as “técnicas de controle como corretivos para o rigor e rigidez da separação dos poderes”[3], nas quais Bonavides afirma, com base na teoria Montesquesiana, que a nomeação dos membros do poder Judiciário evidenciam tão somente a devida limitação desse poder, e em contrapartida exemplifica medidas em que os poderes interferem entre si, essa circunscrição da atuação do poder Judiciário denota uma interferência, já que incide pontualmente em seu processo de composição autônoma, e não na limitação de suas atividades, atrelando, conforme anteriormente explicitado, o poder Judiciário ao Executivo. A exemplo do entendimento de Bonavides temos:

a participação do executivo na esfera do Judiciária se exprime mediante o indulto, faculdade com que ele modifica efeitos de atos proveniente de outro poder. Igual participação se dá através da atribuição reconhecida ao executivo de nomear membros do poder Judiciário[4]

Assim, na medida em que o Poder Judiciário tem sua representatividade arraigada a outro poder, percebemos que, de forma direta ou indireta, existe uma delegação da representatividade popular de forma derivada o que, em certa medida, nos remete a questionamentos sobre a independência desse poder. Ainda que inexistam instrumentos propiciadores da vontade popular na escolha de representantes do Poder Judiciário, esta não deveria, em tese, ser renegada à participação que não é popular.

O processo de escolha dos representantes de um Poder por representantes de um outro Poder, constitui, em tese, uma dependência de um poder à outro, ainda que de forma pouco expressiva ou visível. Na tripartição de poderes políticos experimentada em nosso ordenamento nota-se, assim, uma inclinação a um entrelaçamento que vai além do necessário à unidade de poder estatal, configurando-se um padrão similar ao do poder executivo em suas articulações políticas.

As características, claramente políticas, do Poder Judiciário justifica a intervenção, ainda que tímida, de um órgão externo e que, na medida que tenha instrumentos de coibição à práticas diversas ao desse poder, se faz necessária e salutar a uma atuação condizente com as atribuições constitucionais que lhes foram conferidas.

3 A CRIAÇÃO DO CNJ COMO COMPROVAÇÃO CABAL DA NECESSIDADE DO CONTROLE ADMINISTRATIVO DO PODER JURISDICIONAL

Com a criação da PEC nº 96/1992, pelo Deputado paulista Hélio Bicudo, sob a égide da reforma do Judiciário em seus vários aspectos, estava entre as diversas propostas à criação do Conselho Nacional de Justiça com a incumbência de ser o órgão não-jurisdicional de controle externo do Poder Judiciário.[5] Contudo, a efetiva criação do CNJ só acontece em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de julho de 2005.[6]

A criação do CNJ como órgão para controle externo jurisdicional está diretamente ligada a Emenda Constitucional n° 45 de dezembro de 2004 que trouxe no seu bojo a “tão sonhada” reforma do Judiciário.[7] Na presente Emenda, houve várias transformações no quadro da Justiça com a finalidade de aproximar o Judiciário da sociedade no que concerne a celeridade e a eficácia da prestação jurisdicional e, consequentemente, uma maior transparência nos atos propostos por seus agentes na aplicação da lei. Esta ideia inovadora na Justiça brasileira repercutiu de forma estrondosa entre os setores conservadores do judiciário que viam neste um órgão engessado em si e indigno de interferências acerca de sua organização e condução.  

Nessa ótica revolucionária e até audaciosa o CNJ faz jus às pretensões criadas ao propor metas e diretrizes para concretização de seus fins, qual seja “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com Moralidade, Eficiência e Efetividade, em benefício da sociedade” [8]. Isso é visto com notoriedade nas palavras do Ministro Ives Gandra, ao pronunciar: “Pela primeira vez na história do Judiciário pátrio foi possível, por meio de índices concretos, avaliar a implementação de metas estratégicas para uma Justiça mais efetiva, rápida, segura, barata e acessível, em todos os ramos do Judiciário.” [9] Esta visão principiológica dos garantismos jurídicos elucidados a partir da ideia central, que é o acesso à justiça, constitui a verdadeira finalidade do CNJ perante as demandas da sociedade.

Partindo desse princípio, é notória a necessidade de um controle específico do Poder Judiciário - mesmo porque como órgão que trabalha com a pacificação de conflitos sob o viés de proferir decisões, em tese, justas - carece que suas instituições e seus agentes sejam imbuídos de idoneidade, presteza e transparência quanto ao exercício de sua função. É claro que se faz necessário elucidar os limites do próprio CNJ, pois a finalidade não é atingir as decisões e competências, e sim, a parte externa desde poder.

Todavia, o controle externo e específico sobre os atos administrativos praticados pelo Poder Judiciário ainda não tinha merecido um tratamento constitucional expresso e adequado. Impende salientar que o controle é apenas externo e tange tão somente aos atos administrativos e financeiros, não abrangendo a atividade judicante (atividade-fim) exercida pelos membros do Poder Judiciário (juízes, desembargadores e ministros).[10]

Por isso, a preponderância do CNJ faz com que o Judiciário não perca de vista o ponto de partida, pois se o Judiciário em seu corpus estiver desvirtuado, logicamente isso repercutirá negativamente na sua atividade judicante. Nesse tocante, eliminar as incoerências dentro do Judiciário quanto as suas práticas abusivas, demonstra um dos grandes desafios do CNJ. Assim, como salienta o Procurador William Brito Júnior:

O controle administrativo-financeiro externo do Poder Judiciário tornou-se um imperativo, tendo em vista as inúmeras denúncias, umas fundadas, outras despidas de veracidade, acerca do nepotismo nos tribunais, má-gestão de recursos financeiros e a eficaz correição dos membros de todas as instâncias do Poder Judiciário que cometam faltas disciplinares.[11]

Dessa forma se evidencia que o focus da atividade do CNJ se limita ao controle externo administrativo do Poder Judiciário, no entanto, com esse controle, passa a interferir de forma benéfica à função precípua do Poder Jurisdicional. Com isso, indiretamente são destilados na estruturação do Judiciário os elementos de modernização quanto à absorção por parte desse Poder dos elementos de democratização mais abertos e harmônicos, como por exemplo: à participação da sociedade civil organizada e sindical.

4 AS ATUAÇÕES DO CNJ NO MUTIRÃO CARCERÁRIO PARA REORDENAÇÃO DO ESTADO PERANTE AS FALHAS DO JUDICIÁRIO

Frisam-se as atuações do CNJ no que consiste às iniciativas deste junto à sociedade com a finalidade de promoção do acesso à justiça e a celeridade processual. Os trabalhos como: mutirão carcerário, o projeto “Começar de Novo” e a própria visita dos membros do CNJ aos Tribunais Estaduais do país, são exemplos vivos de que existem mazelas dentro da organização jurisdicional que são entrave na propagação da justiça diante das demandas da sociedade.

É mister elencar mais uma vez a importância do CNJ ao fazer essa ponte entre a sociedade e o poder jurisdicional, pois durante a história do judiciário no Brasil sempre houve uma distância significativa entres ambos. Para não continuar persistindo no erro de tratar a Constituição como “mera folha de papel”, o CNJ trabalha com a ideia de integração dos órgãos do sistema de justiça com os demais órgãos públicos para promover a justiça garantida no texto constitucional, sobretudo, na resolução da morosidade e até negligência destes órgãos que resulta na supressão dos direitos e garantias constitucionais. A esse exemplo, o mutirão carcerário, iniciativa do CNJ junto aos Tribunais Estaduais, propõe erradicar falhas grotescas no sistema prisional e denunciar abusos cometidos por este, como:

Em relação ao preso provisório, o mutirão identificou processos de um até quatorze anos sem julgamento em primeiro grau de jurisdição, e de até três anos sem denúncia do Ministério Público. No tocante à qualidade do encarceramento, os relatórios dos mutirões relatam péssimas condições de saúde, superlotação, casos de tortura de presos, dentre outras ilegalidades. [12]

Por essa razão lastimável de cerceamento da cidadania em face de abruptas incoerências do sistema prisional, percebe-se o quanto é preciso percorrer para se chegar a uma promoção da cidadania propriamente dita. No entanto, essa “semente” plantada pelo CNJ através dos mutirões, traz uma sensação de otimismo dentro da Justiça, pois, como relata:

A experiência é exitosa não apenas por permitir uma melhor compreensão da problemática que envolve o encarceramento no Brasil, mas também por possibilitar o trabalho conjunto com os tribunais e demais órgãos públicos. Mais que isso, possibilitou um conjunto de ações, como: a regulação de temas afins, por meio de resoluções e recomendações, a partir da realidade constatada; a elaboração do Projeto Começar de Novo, que já está possibilitando cursos de capacitação e vagas para trabalho a presos e egressos; e, ainda, a formalização de diversos termos de cooperação com entes públicos e privados.[13]

O mutirão carcerário, portanto, faz o trabalho que é próprio do sistema penal brasileiro, sendo que o CNJ não cria nenhuma novidade no sentido de fazer algo inédito, mas resgata as finalidades constitucionais que, por algum motivo, foram postas de lado por aqueles que têm o encargo de fazer cumprir o que foi posto pelo legislador. Os próprios objetivos do mutirão carcerário demonstram que o CNJ apenas dá qualidade aquilo que já existe, como mostra:

A linha de atuação nos mutirões carcerários assenta-se em três eixos bem definidos, quais sejam: a) efetividade da justiça criminal - diagnóstico das varas criminais e de execução penal; b) garantia do devido processo legal - revisão das prisões; c) reinserção social - Projeto Começar de Novo.[14]

Por isso, é notório que o Judiciário brasileiro não goza de uma autonomia administrativa, sendo necessário um órgão que o regule e determine quanto as suas obrigações. O CNJ, nesse sentido, faz esse papel de resgatar a credibilidade do Judiciário e garantir o acesso à justiça da sociedade neste poder do Estado.

CONCLUSÃO

Por tudo que foi explicitado, fica notório que o Judiciário brasileiro não goza de uma autonomia administrativa sendo, em função da clara invasão de preceitos e articulações políticas necessário um órgão que o regule e determine quanto as suas obrigações. O CNJ, nesse sentido, faz esse papel de resgatar a credibilidade do Judiciário e garantir o acesso à justiça da sociedade através do poder que exerce, buscando um resgaste, ainda que inicialmente tímido, das funções atribuídas ao Judiciário.

Por outro lado, fica claro também que, apesar do CNJ poder ser definido nos termos desta pesquisa como uma anomalia, pois, em tese, regula um poder que possuiu autonomia e atribuições claras, essa anomalia é necessária para a devida pontuação das atribuições do Judiciário frente a ingerência política, exercida pelo Executivo e pelo Legislativo, quando interferem na razão de existência desse Poder, promovendo assim uma limpeza e renovação na atuação dele junto à sociedade, além de fomentar a tão evidente “abertura necessária” à participação democrática por parte da sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Melheiros, 2007.

BRITO JÚNIOR. William de Almeida. O Conselho Nacional de Justiça e o controle externo da atividade administrativa do poder judiciário. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1795/O-Conselho-Nacional-de-Justica-e-o-controle-externo-da-atividade-administrativa-do-poder-judiciario. Acesso em: 04 de junho 2010.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. O que é o CNJ.  Disponível em: http://www.cnj.jus.br/. Acesso em: 04 de junho 2010.

_________. Mutirões Carcerários. Disponível em: http://www.cnj.jus.br. Aceso em: 05 de junho 2010.

GANDRA, Min. Ives. O CNJ e as metas do Judiciário para 2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br. Acesso em: 04 de junho 2010.



[1]Acadêmicos do 3.º período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. E-mail’s: [email protected] e [email protected].

[2] BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Melheiros, 2007. p. 109.

[3] Ibidem. p. 140.

[4] Ibidem. p. 141

[5] BRITO JÚNIOR. William de Almeida. O Conselho Nacional de Justiça e o controle externo da atividade administrativa do poder judiciário. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1795/O-Conselho-Nacional-de-Justica-e-o-controle-externo-da-atividade-administrativa-do-poder-judiciario. Acesso em: 04 de junho 2010.

[6] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. O que é o CNJ. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/. Acesso em: 04 de junho 2010.

[7] BRITO JÚNIOR. Op. cit.

[8] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Op.cit.

[9] GANDRA, Min. Ives. O CNJ e as metas do Judiciário para 2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br. Acesso em: 04 de junho 2010.

[10] BRITO JÚNIOR. Op. cit.

[11] Ibidem.

[12] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Mutirões Carcerários. Disponível em: http://www.cnj.jus.br. Aceso em: 05 de junho 2010.

[13] Ibidem.

[14] Ibidem.