Até onde o conhecimento nos leva? Por que e para que andarmos? A própria caminhada nos ensina a sabermos onde queremos ir ou, pelo menos, nos dá pistas de até onde pretendemos chegar. Com o tempo vamos acumulando experiências, de tal modo que podemos reconhecer os atalhos, as curvas, as subidas mais ou menos íngremes, onde estão os regatos, as fontes, quando temos de mergulhar para atravessar um riacho. Movermo-nos em relação ao conhecimento nos torna mais e mais conscientes, mas, hoje esse caminho não parece com a reta que une dois pontos, partindo-se do mesmo plano. Contrariamente, temos vários planos que se fundem e se interpenetram, e os objetivos parecem, muitas vezes, esfumaçar-se. De certo modo, há uma névoa em tudo isso.

A difusão parece reinar em meio aos exercícios que fizemos para buscar algo que entrevemos em alguma instância do futuro. No entanto, os planos se ampliam e bifurcam o que caracteriza nosso tempo atual: fossemos modernos, teríamos a certeza de que, trilhado um determinado caminho, atingiríamos nossos objetivos. Hoje, pós-modernos, vivenciamos instabilidades. Somos francamente consumidores, e não produtores1. Confundimos situações que estão no efêmero mundo da circulação dos mercados com outras, que não são passíveis, em princípio, de ser negociadas2.  A lista de contradições e de esforço de mídia é grande e de qualidade. Pessoas que aprendem, mas aprendem o que, por que e para que, talvez essa devesse ser a pergunta mais correta a ser feita, uma pergunta que não pode prescindir de valores. No entanto, como cada vez mais se pasteurizam os pensamentos e se confunde o ter com o ser, parece que axiologia não importa muito.

 

De todo modo, temos de imaginar pontos ou objetivos que se encontram em movimento. Contudo, a incerteza e a instabilidade em um mundo voltado para o consumo nos faz lembrar que já em 1927, o físico quântico Werner Heisemberg enunciava o princípio da incerteza que, em suma, diz que é impossível conhecer simultaneamente e com precisão a posição e o momento de uma partícula. Por momento entenda-se o produto da massa pela velocidade.

 

Embora aqui não se trate de física quântica, nos parece possível traçar alguns paralelos, quando pensamos no conhecimento do ponto de vista da sua configuração social. Estudar é um valor, mas também é algo que visa à melhoria de nossas vidas no sentido prático. Diz Domenico di Masi3 que se duas pessoas virem o mesmo filme, sendo uma delas ignorante e a outra não, sem dúvida não terão assistido o mesmo filme. Sabedoria provinda da experiência. No momento em que não nos arriscamos ao erro, a flutuar entre possibilidades, o conhecimento se afasta e se embarafusta em alguns dos vários planos pelos quais pretendemos vislumbrar melhores possibilidades.

Precisamos, antes de tudo, mesmo antes do objetivo, aprender a valorar. Saber intuitivamente que água é para ser bebida, o que nos leva ao risco de navegarmos entre as incertezas. Para isso se aprende, para nos tornarmos seres mais independentes do que antes éramos. Se não entendemos isso, transformamos o saber em uma mercadoria e a vida nos passará em branco. Pequenos prazeres, os de sempre, não mais que isso, uma vez que não nos dispomos ao risco. Por isso a aprendizagem, seja ela qual for, pode e deve ser mediada por terceiros, mas somente quem aprende consegue corporal e mentalmente aquilatar as transformações que ela ocasionou. Em tudo somos seres encarnado, mesmo em nossas buscas metafísicas.

De toda forma, caímos aqui no tipo de conhecimento que interessa. Ele é socialmente desejável, é relevante do ponto de vista econômico, é produtivo, tende à pesquisa e à troca de informações. Esse conhecimento é o que, em tese, faz com que as coisas aconteçam da maneira como acontecem. Faz com que pessoas casem e tenham filhos, faz com que estudem e busquem melhorar as suas vidas, ter um emprego que as valorize, ter o que dizer aos mais jovens, ter efetuado algo socialmente validado pelo discurso médio. Em termos mais estritos, é aquele que nos leva a perceber como ele é, mas apreciável e digno de respeito. Não só o indivíduo, mas a sua cultura. É o que nos faz trabalhar em grupo, em equipe, é o que nossos pais gostariam firmemente que fizéssemos.

 

Nem sempre, porém, é possível vislumbrar tal tipo de conhecimento, pois é necessário que haja um processo dialógico que se dá já a partir das vivências que temos em nossa família, nos grupos sociais em que somos pares, nas ideologias que estão postas como cachos de uvas para serem saboreadas ou cuspidas. Se não conseguimos entender tais situações dentro da multivariada expressão de planos em que estamos colocados, nossa tendência será a de resistir de modo bastante claro àquele conhecimento que nos leva à angústia, a termos de suplantar nossas dores, ao sacrifício do abrir mão de algo para obter o que se espera.

O processo de aprendizagem é longo, exige por vezes preços altos e nem todos se dispõem a pagá-lo ou tem a capacidade de renúncia esperada. Nem sempre os objetivos, por outro lado, são claros (aliás, são encobertos na maior parte das vezes). Contrariamente à imagem de um conhecimento pictoricamente associado a uma escada, na qual a escalada progressiva de seus degraus nos colocaria em um patamar mais confortável, a realidade de hoje nos demonstra uma formatação flexível, instável, pontilhista e fugaz.

A sabedoria é encontrar, ao longo de um processo assim caracterizado, uma miríade de pontos de equilíbrio onde possamos nos apoiar, não mais que temporariamente, não mais que rapidamente, não mais que fugazmente. Novas profissões, novas necessidades (reais ou ilusórias) nos permitem dizer que o conhecimento é o grande diferencial. Nunca precisamos tanto dos outros, pois na medida em que os planos de interseção mudam, igualmente necessitamos que os outros nos alertem dessas mudanças. Não é simplesmente estudar por estudar, mas saber as razões do porque estudarmos. Logo, converter o processo de ensino e de aprendizagem em um padrão meramente capitalista é uma rematada tolice.

Mesmo as profissões de eleição social não garantem por si mesmas, a manutenção do status quo. Ser médico hoje é tão-só ser médico e não mais ser, como há quarenta anos, um deus. Poucos acreditam em deuses atualmente. Talvez nem eles, deuses, acreditem piamente no que são ou deveriam ser. É possível que seja bem mais realista se aprendêssemos algo, ao longo do tempo, que nos proporcionasse a tão humana sensação de que fizemos algo com nossas próprias mãos e nos sentimos felizes por que o fizemos. Que temos capacidade suficiente para nos entregarmos ao desenvolvimento dessa habilidade.

Assim, há inadequação em pensar o conhecimento como um dogma, um castelo, uma universidade reclusa em si própria, como se o mesmo fosse a garantia de um título; bem melhor é imaginá-lo como um caminho que nos traga a felicidade de descobrirmos que somos capazes de, que podemos, que a nossa autoestima não depende da opinião de terceiros, sejam quem forem. É possível então que vivamos em um mundo no qual as materialidades tenham menor importância do que tiveram para as gerações anteriores, para as quais a segurança material era o resultado de uma carreira linearmente estruturada. Hoje se requer a não linearidade, o complexo, o sutil, a abertura em relação ao outro e às suas diferenças e uma singular presença criativa e de cooperação.

Aprendemos sós, mas na presença do outro, na interveniência do outro. Não é possível mudarmos nossos padrões e nem as nossas estruturas. O máximo que o outro pode fazer é perturbar-nos, já o diz Maturana. Em meio a tais perturbações crescemos em um mundo no qual é-nos necessário o compartilhamento, senão por concessão, por necessidade. Ouça um músico tocar em duo, em trio, em orquestra. Cada instrumento continua sendo ele próprio, mas o efeito da harmonia é esplêndido. É possível que possamos entender um pouco mais do humano na medida em que nos cerquemos de harmonia. Sem dúvida, a música tem muito a ensinar-nos.

Referências

1 – BAUMAN, Szygmunt. A arte da vida. Jorge Zahar Ed, RJ, 2009

2 - DUFOUR, Dany-Robert. A arte de reduzir as cabeças. Ed. Cia de Freud. RJ, 2005

3 – DI MASI,  Domenico et BETTO, Frei/mediação e comentários BOLOGNA, José Ernesto. Diálogos Criativos. Ed Deleitura, São Paulo, 2002,