HG301 – História da Filosofia Antiga

Primeiro Trabalho - 04/07/2011

Discente: Ana Sara Oliveira do Nascimento. RA 093387

Docente: Lucas Angioni

Inicialmente, o presente trabalho tem dois pontos principais, a saber, a busca em explicar em que consistem a noção de verdade e a noção de verificabilidade de uma proposição, tal qual apresentadas por Lucas Angioni em suas análises, segundo a Teoria Aristotélica da Predicação, e, depois de tais passos, o trabalho seguirá na tentativa de expor, segundo a noção aristotélica, o que se pode chamar de conhecimento científico e as relações que ele possui com verdade, validade lógica de um argumento e a noção de causalidade.

Para tentarmos resolver as primeiras questões apresentadas, será necessário termos em mente o que é, segundo Aristóteles predicação. Julguemos que por predicação este entende todo enunciado que tenha forma S é P ou alguma forma equivalente ou redutível a ela[1], ou ainda, um enunciado que pretende se reportar a fatos do mundo e, deste modo, pretende apresentar-se como pretensão de constatação ou registro desses fatos. Tendo isto em vista, a predicação, pode ser dito, tem pretensão de verdade.[2]

Concentrando-nos na ação de solvermos a questão sobre o que consiste a noção de verdade de uma proposição e deixando de lado os problemas que a caracterização da predicação em Aristóteles implica, necessitaremos estabelecer qual a relação entre a forma lógica de uma proposição e a propriedade de ser verdadeira ou falsa.

Deste modo, para Aristóteles a predicação não é apenas dada por uma combinação de signos, sob a perspectiva na sintaxe, mas tem, e vai muito além de uma pretensão de verdade a respeito das coisas que estão no mundo e envolvidos no campo na dalinguagem. Tal ligação, entre pretensão de verdade dada por Aristóteles nos enunciados e a ligação que elas tem que ter com o mundo, faz possível saber se uma proposição é verdadeira, assim se ela se mostra verdadeira e a partir da situação proposta no enunciado temos a resposta no mundo real. Em caso contrário, ou seja, se não houver semelhança com o entre o que está proposto nos enunciados e o mundo real, a situação é falsa[3].

Tal como, por exemplo: “Sócrates está sentado”. Aqui podemos verificar se a sentença é verdadeira se ela descrever que há no plano da realidade os fatos apresentados em seu enunciado. Assim, para que ela seja verdadeira, é necessário que Sócrates exista e que ele esteja sentado.

          Sócrates                                       está                                       sentado

                                ꜜ                                                                                               ꜜ

Objeto identificável                                                          Propriedade característica do sujeito. 

                                                                

Temos que ter em mente que a noção de verdade de uma proposição consiste na relação estabelecida entre os fatos dados no mundo e a própria proposição que caracteriza o objeto. Tal como afirma Aristóteles:

 “Ora, é evidente haver exemplos deste tipo: a existência do homem implica necessariamente a verdade do juízo pelo qual se afirma essa existência. Se, com efeito, o homem existe, a proposição pela qual afirmamos que o homem existe é também verdadeira; e reciprocamente, se a proposição pela qual dizemos que o homem existe é verdadeira, o homem existe. Todavia, a proposição verdadeira não é de modo nenhum a causa da existência das coisas; pelo contrário, é a coisa que parece ser, de algum modo, a causa da verdade da proposição, pois é da existência da coisa, ou da sua inexistência, que dependem a verdade ou a falsidade da proposição.[4]

Para o que foi descrito acima aconteça, é necessário que a verdade da proposição esteja relacionada ao atributo da mesma, tal como identificado na realidade. Assim, verificamos que, no contexto aristotélico, uma proposição verdadeira tem que ser compreendida de maneira tal como será demonstrado no seguinte exemplo:

‘A porta da sala está fechada’

Neste caso, identificado o objeto acerca do qual se fala, temos que verificar se seu predicado corresponde aos fatos expressos na realidade. Se seu predicado corresponder aos fatos, a proposição exposta acima é verdadeira.

Do contrário, se, como na sentença apresentada acima existir uma porta cuja existência na realidade eu identifique e possa verificar seu estado - estar fechada ou aberta - porém, ela se encontra fechada, a proposição será falsa.

De outro modo, ao falarmos de proposições verdadeiras ou falsas temos que ter em mente o sentido do verbo é, termo operador copulativo da predicação. Este termo tem sentido verdadeiro quando: (i) se afirma que o que é verdadeiro é o que é; deste modo, que S [que é P] é P; e sentido falso quando se afirma que o que é falso é o que não é; deste modo que S [que é P] não é P.

“[...] o ‘ser’ e o ‘é’ significam que é verdadeiro, enquanto o ‘não ser’ significa que não é verdadeiro, mas falso, de modo que semelhantemente para as afirmações e negações, por exemplo: que ‘é Sócrates musical’ significa que isso é verdadeiro; ou que ‘Sócrates é não-branco’ significa que isso é verdadeiro. Por outro lado, que ‘não é comensurável a diagonal’ significa que é falso” [5].

Tendo exposto a questão que diz respeito à verdade e falsidade de uma proposição e a relação entra a sua forma lógica e sua propriedade de ser verdadeira ou falsa, será necessário nos atermos à propriedade de uma proposição ser verificável. Como muito do que já foi exposto neste trabalho faz parte de um pré-requisito para se buscar entender acerca da verificabilidade de uma proposição, teremos de ser breves nesta análise a fim de evitarmos nos ater a pontos repetitivos.

Iniciamos, então, esta análise versando sobre a propriedade de uma proposição tornar-se verdadeira ou falsa, ou seja, a sua verificabilidade.

Nas seguintes sentenças podemos exemplificar o que são proposições verificáveis:

(i)                 A luz está acesa.

 

(ii)               A luz está apagada.

            Para tal análise, teremos de estabelecer padrões circunstanciais os quais, neste caso, serão: a luz em que nos encontramos existe na realidade e encontra-se acesa.         Deste modo, para que uma sentença seja verificável é necessário que seu sujeito S seja identificável na realidade. Sendo este identificado na realidade e seu predicado P sendo reconhecido com a propriedade característica atribuída a este na proposição, então ela é verificável.

Nas proposições a seguir, podemos exemplificar outro tipo de sentenças, a saber, aquelas as quais não se pode saber se são verificáveis:

(i)                 A diretora do IFCH está dormindo.

(ii)               A pessoa sentada na sala ao lado está gripada.

            As proposições apresentadas acima não são verificáveis porque não podem ser analisadas circunstancialmente, pois  não são verificáveis porque o sujeito S não é conhecido empiricamente, portanto, não podemos atribuir-lhes tais propriedades características.

            Porém há outro tipo de proposições, tais como:

(iii)             O atual rei do Brasil é jovem.

            Nesta proposição, o termo-sujeito da predicação não pode ser identificado na realidade, e, portanto, não podemos atribuir à proposição acima a capacidade de ser verificável.

             Para uma análise mais apurada, podemos dizer que em (i) a proposição não é verificável porque não é possível saber circunstancialmente sobre o sujeito expresso na proposição; em (ii) as proposições não são verificáveis do  ponto de vista epistemológico, pois não há uma situação contingente para se apurar a sua verdade. Finalmente, em (iii) o sujeito ‘o rei do Brasil’ é inexistente do ponto de vista da realidade, pois no Brasil não há rei. Desde modo, a última proposição apresentada não é nem verdadeira nem falsa, ela simplesmente não possui a propriedade de ser verificável porque dizemos que aquilo que não existe não é possível ser nem verdadeiro nem falso.

            Na tabela a seguir estará exposta a suscetibilidade que as proposições apresentadas tem de serem verdadeiras ou falsas ou, ainda, de não serem passíveis de verificabilidade:

 

1* Sujeito

 

+ se identificado na realidade

- se não identificado na realidade

2* Predicado

+ se a propriedade condisser com o sujeito

- se a propriedade não condisser com o sujeito

Verdadeiro

+

+

Falso

+

-

Não verificável

-

-

           

            Onde: 1*, o que faz uma predicação qualquer ser verdadeira;

                               2** porque um dado sujeito S tem a propriedade P.

            Além de descrevermos as características exigidas para que uma proposição seja verificável, estabeleceremos agora a relação entre sua forma lógica e sua propriedade de ser verificável. Deste modo, se faz necessário que tenhamos em mente que uma proposição constituída pelos termos S é P, possui o termo S como sujeito lógico o qual, como já foi descrito anteriormente, necessita ser localizado na realidade. 

            Tendo encontrado na realidade o termo S, e, podendo  atribuir ao seu predicado uma característica que se encontra na realidade, é possível verificar a verdade ou falsidade de uma proposição.

            Em Metafísica IX, 10, vemos que “o ser verdadeiro e falso das coisas consiste na sua união ou na sua separação, de modo que estará na verdade quem considera separadas as coisas que, efetivamente, são separadas e unidas as coisas que, efetivamente, são unidas [...] a respeito das coisas que nunca podem ser diferentes do que são, a mesma opinião e o mesmo raciocínio não podem se tornar ora verdadeira, ora falsos, mas são sempre verdadeiros ou sempre falsos[...]”.[6]

            Podemos, finalmente, dizer que após termos identificado o sujeito da predicação na realidade é possível afirmar se ela é verificável. E, após constatarmos sua verificabilidade, dada pela existência circunstancial do objeto identificado, podemos atribuir-lhe a propriedade de ser verdadeira ou falsa de acordo com a propriedade atribuída ao seu predicado.

            Neste ponto de nosso trabalho, nos ateremos ao que diz respeito à explicação científica em Aristóteles.

            Primeiramente, temos que saber que ciência é um processo argumentativo, constituída através de um conjunto de silogismos. Para Aristóteles conhecimento científico descreve da seguinte forma: “Julgamos conhecer cientificamente uma coisa qualquer, sem mais (e não do modo sofístico, por concomitância), quando julgamos conhecer, a respeito da causa pela qual a coisa é, que ela é causa disso, e que não possível ser de outro modo[7]”. Na citação anterior, vemos que Aristóteles nos expõe que para haver conhecimento cientifico é necessário sabe que o conhecimento científico se opõe ao modo sofístico.

            Para Aristóteles, em Tópicos, podemos reconhecer conhecimento científico se o argumento que o caracteriza conta como uma demonstração científica e se ele satisfaz conjuntamente três requisitos para caracterizá-lo, a saber, (i) ser um argumento válido, pois para que haja explicação científica é necessário haver validade lógica do argumento. Este requisitos tornam o conhecimento científico diferente de um argumento sofístico o qual parece concluir de modo válido, mas de fato não conclui, antes comete um erro formal de inferência[8] ; (ii) se ele constitui-se de proposições verdadeiras, pois para que haja explicação científica é necessário que as premissas que o caracteriza sejam verdadeiras e que elas sejam aceitas como verdadeiras, além disso: é necessário que elas sejam imediatas, mais conhecidas que a conclusão e sejam, por fim, elas tem que ser causa da conclusão.

            Nisto, todavia, diferem os argumentos sofísticos do conhecimento científico, em que os primeiros, sendo ou não uma inferências válida, toma como se fossem aceitas como verdadeiras premissas que de fato não são verdadeiras nem aceitas como verdadeiras. E, por fim, (iii) explicar o explanandum[9], pois que pra que haja conhecimento científico é necessário que o argumento possua inferência válida e mesmo sendo constituído de proposições verdadeiras, ele explique sua conclusão de modo adequado, através do porquê  adequado, ou se a de suas causas.

             Deste modo, conhecimento científico é aquele que se apresenta composto de argumentos válidos constituídos de proposições verdadeiras e que ainda possui seus princípios próprios e que possui explicação pela demonstração.

            Após termos definido o que é conhecimento científico, será necessário, de acordo com a exigência do trabalho proposto, explicarmos o que é demonstração, ou ainda, segundo Porchat, silogismo científico. Desta maneira, entramos, mais uma vez, na obra Segundos Analíticos      com a finalidade de explicar de qual forma o conhecimento se apresenta: “Se também há, então, outra maneira de conhecer cientificamente, di-lo-emos mais tarde, mas afirmamos conhecer, também, através da demonstração. Chamo de demonstração o silogismo científico; chamo por outro lado, de científico aquele em virtude do qual, por tê-lo, conhecemos cientificamente” [10].        

            A fim de relembrarmos e, tornar mais fácil a compreensão do nosso trabalho, se seguirá a explicação de argumento válido: Aristóteles em Tópicos nos diz que “silogismo é um discurso argumentativo no qual, uma vez formuladas certas coisas, alguma coisa distinta destas coisas resulta necessariamente através delas pura e simplesmente.” [11]

 Através da explicação que temos para silogismo, é possível o utilizarmos para explicar o que é um argumento válido: argumentos são compostos por premissas, conclusão e uma expressão que apresenta relação com as premissas e a conclusão. Pode-se afirmar que um argumento é válido se todas as premissas forem verdadeiras e tornarem verdadeiras a conclusão. Ele pode ser, portanto inválido se pelo menos uma das premissas forem verdadeiras e tornarem a conclusão falsa. Segundo Branquinho, devemos ter claro que o conceito de validade de um argumento independe da verdade das suas premissas, ou seja, não se exige que as suas premissas sejam de fato verdadeiras, mas sim que todas as interpretações que as tornem tal tornem também verdadeira a conclusão. [12]

            Dessa noção de argumento temos os seguintes fatos: Um argumento válido pode ter: (i) Premissas verdadeiras e conclusão verdadeira, (ii) premissas falsas e conclusão falsa, (iii) premissas falsas e conclusão verdadeira. Um argumento válido não pode ter: (iv) Premissas verdadeiras e conclusão falsa. Por fim, um argumento inválido pode ter: (v) premissas verdadeiras ou falsas com conclusão verdadeira ou falsa.

            Tendo em vista o que venha a ser silogismo, podemos então, afirmar que “o instrumento do conhecimento científico é uma espécie de silogismo que chamaremos demonstração, silogismo este cuja cientificidade se manifesta no mesmo fato de identificar-se sua posse [...] com o conhecimento científico” [13]. E Aristóteles ainda nos diz: que não é a ciência o silogismo demonstrativo, mas ele é o meio instrumental de sua efetivação, é o discurso que ela sempre acompanha. Porchat ainda nos diz que o discurso silogístico não é somente o instrumento do conhecimento científico, mas é também uma forma de discurso em cuja mesma estruturação vamos encontrar transcritas as relações causalidade necessárias que a ciência conhece.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia

 

ANGIONI, Lucas. Introdução à Teoria da Predicação em Aristóteles. Campinas: Editora Unicamp, 1ª edição, 2006

______________. O conhecimento científico no livro I dos Segundos Analíticos de Aristóteles. Filosofia Antiga, Campinas, Journal of Ancient Philosophy vol. I 2007 Issue 2,  Acesso em: 03 de julho. 2011 http://www.filosofiaantiga.com/documents/Lucas-2007-2.pdf.

ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Editora Globo, 1ª edição, 1969.

_____________. Metafísica; Ensaio Introdutório, Texto em grego com tradução e comentário de Giovanni Reale, São Paulo: Loyola, 2002.

_____________. Organon. Tradução: Pinharanda Gomes, Lisboa: Editora Guimarães, 1986.

 



[1] Angioni, Lucas, 2006; p.9

[2] Angioni, Luca, 2006; p. 17.

[3] Cf. Angioni, Lucas 2006, p.20.

[4] Categorias 12, 14 b.

[5] Metfísica - V,7 (1017a 31)

[6] Metafísica –IX, 10(1051b SS)

[7] Segundos Analíticos – I, 2 (71b 9-12).

[8] Cf. ANGIONI, L. in http://www.filosofiaantiga.com/documents/Lucas-2007-2.pdf

[9] Segundos Analíticos I, 2 (71b 17-27)

[10] Segundos Analíticos I, 2, 71b (16-9)

[11] Tópicos,  100a25 – 27.

[12] Branquinho, p. 45.

[13]  Porchat, 2000, p. 68