(23/09/03) Eng. Agr. MS. Danilo Freire Pires

RESUMO

O presente estudo analisa a questão do uso das culturas transgênicas, e o temor existente entre vários grupos na maneira pela qual os produtos transgênicos estão sendo introduzidos na nossa alimentação e no meio ambiente. Contudo, os países com uma agricultura eficiente não poderão se eximir da nova tecnologia, que poderá aumentar rapidamente a produção de alimentos. A transgenia e o tradicional melhoramento genético animal e vegetal permitem uma maior diversidade, qualidade, e quantidade de alimentos, a preços mais acessíveis na mesa de milhares de pessoas.

PALAVRAS-CHAVE: Biotecnologia, Conhecimento, Fome, Pesquisa, Transgênico.

A Polêmica Técnica Transgênica

Vários grupos contrários à técnica transgênica, temem a maneira pela qual os produtos transgênicos estão sendo introduzidos na nossa mesa e no meio ambiente, visto que a engenharia genética difere fundamentalmente do melhoramento genético, no fato de que há uma introdução de genes estranhos, os quais podem provocar males tanto à saúde humana e animal, como também danos ambientais.

No entanto, no debate da questão dos transgênicos, não pode haver preconceitos. Devemos superar as divergências ideológicas, e abdicar de lamentáveis reducionismos, e que dentre os mais comuns encontram-se os defensores irredutíveis da transgenia, afirmando que os transgênicos são essenciais para exterminar a fome do mundo, quando sabemos que a questão da fome está mais para a distribuição de renda na sociedade, do que na oferta de alimentos (TAUTZ, 2002).

Num passado recente, presenciamos no campo médico uma verdadeira revolução proporcionada pela chamada biotecnologia "vermelha", e é claro que ocorreram opiniões contrárias proferidas pelos negativistas (GÖRGEN et alli, 2000). Hoje, produtos importantes como a eritropoietina e a insulina, são líderes de vendas e usufruem um excelente conceito perante a opinião pública internacional. E essa boa reputação em breve ocorrerá na biotecnologia vegetal (GASSEN et alli, 2000).

Contudo, culturas transgênicas como o milho, a canola e a soja ainda não são bem quistas pelos consumidores (BRANDÃO, 2003). Porém essa situação tende a se alterar, haja vista o irrefutável aumento populacional nos próximos anos, e o conseqüente acréscimo na demanda por produtos agrícolas. Por isso, num médio e longo prazo, os países com uma agricultura eficiente, não poderão se eximir da nova tecnologia que poderá aumentar rapidamente a produção de alimentos, além do que durante o período em que não houver uma limitação nas taxas de crescimento populacional para se evitar a fome, a técnica da transgenia exercerá um papel vital, e haverá um arrefecimento nos ânimos mais exaltados contra a biotecnologia no agronegócio (GRAZIANO, 2000).

Quanto ao plantio e a comercialização dos transgênicos no Brasil, as autoridades brasileiras deveriam possuir uma posição sólida, debatendo o tema com embasamento científico e com racionalidade, utilizando dados estatísticos sobre a aplicação da biotecnologia no agronegócio, além das pesquisas realizadas por organizações científicas de renome internacional, e dos importantes centros de pesquisa nacionais, que têm manifestado elevada competência ao se dedicarem a questões relacionadas às necessidades locais, como o recente mapeamento do genoma da Xylella fastidiosa por uma equipe de São Paulo.

Benefícios versus Limitações

Foi no final dos anos noventa que a opinião pública brasileira despertou para o fato, de que os alimentos transgênicos chegariam em breve ao mercado. Essa tecnologia incompreendida pelas pessoas comuns, gerou o temor de ser uma ameaça invisível contra a saúde humana e o meio ambiente.

A intranqüilidade foi ocasionada pela falta de uma resposta objetiva à questão de serem os transgênicos benéficos ou não. E comumente os cientistas não fornecem respostas à população de uma forma clara para novas tecnologias, tampouco respostas definitivas.

É necessária a manutenção eqüidistante dos extremos radicais, tais como a perigosa atitude da indústria biotecnológica em acreditar totalmente na segurança da engenharia genética, e por outro lado as insaciáveis suspeitas da nem sempre bem informada militância ecológica (BROWN & HOPKIN, 2003).

No mercado mundial dos organismos geneticamente modificados (OGM), e que no momento passaram a ser denominados de organismos vivos manipulados, existem vários interesses em disputa no agronegócio, e essa competição vem sendo claramente conquistada pelo sucesso econômico das empresas multinacionais, em detrimento do insucesso das autoridades públicas no estabelecimento da questão. (JAMES, 2002). Haja vista o caso do governo brasileiro, que mantém uma postura de precaução quanto aos alimentos transgênicos, permitindo uma liberdade na pesquisa científica transgênica, porém contendo a comercialização de alimentos geneticamente modificados, sob a alegação de que a sociedade esteja suficientemente segura, quanto aos efeitos dos transgênicos na saúde humana e no meio ambiente (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2003).

Não há indicações científicas de que os grãos de milho, geneticamente modificados e comercializados mundialmente, tenham efeitos danosos quando usados como alimentos em ração animal. A produção e a importação de produtos contendo OGM, só pode ocorrer mediante autorização dos órgãos brasileiros de fiscalização competentes (Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente), que devem solicitar o prévio parecer técnico conclusivo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Seria de bom alvitre a aplicação de uma eficaz fiscalização da transferência dos recursos federais à pesquisa de organismos geneticamente modificados.

Contudo, constata-se um crescimento fantástico no mercado mundial dos transgênicos destinado à agroindústria (LEPIANI, 2003). Pois desde o início da década de noventa, as transnacionais propagandeiam aos mercados europeu e estadunidense os seus produtos transgênicos, enfatizando seus créditos quanto ao custo de produção, resistência a herbicidas, valor nutritivo, e muitos outros.

A ausência de equilíbrio entre as fontes de financiamento de pesquisas a favor e contra os transgênicos, é um fator fundamental na disputa pela opinião pública internacional. Por um lado há uma forte concentração de multinacionais agroquímicas, visando a comercialização desses produtos, além dos efeitos propícios nas análises de impactos ambientais, fato esse comprometedor ao caráter independente do pesquisador (JAMES, 2002).

No aspecto ambiental, existe o grave risco da contaminação genética, a qual seria a situação em que espécies nativas adquiririam os genes das espécies modificadas pelo ser humano, arriscando a perpetuação das espécies puras regionais, e a multiplicação de insetos e plantas daninhas resistentes aos agrotóxicos.

Sob outro ângulo, existem importantes grupos ambientalistas incondicionalmente contrários aos organismos geneticamente modificados. Por sua vez, no meio do fogo cruzado, situam-se pesquisadores e determinadas entidades públicas fidedignamente independentes, os quais almejam resultados mais neutros dos prováveis efeitos de um produto transgênico.

De uma maneira geral, é possível compreender o dilema político, o qual defronta-se com a complexa decisão entre abrir mercados e investir em biotecnologia, ou proteger os consumidores que dispõe de um pequeno poder de barganha (SANTOS et alli, 2001). Já os produtores rurais, deparam-se com a questão de se aventurarem na vanguarda das novas biotecnologias alimentares, ou então se arriscarem a perder a competitividade e produtividade num mundo globalizado, caso façam a opção de manterem seus tradicionais métodos de melhoramento genético.

Como meio termo dessa bipolaridade, muitos agricultores europeus estão aderindo ao cultivo orgânico, reduzindo ou até mesmo não aplicando nenhum tipo de fertilizante industrial ou qualquer agrotóxico. A demanda por esses produtos orgânicos cresceu bastante, apesar do seu elevado custo de produção e conseqüente acréscimo no preço ao consumidor.

Quanto ao grupo dos consumidores, possuem um grande poder potencial de persuasão na tomada de decisões entre todos os outros grupos, o que geraria uma coletiva conscientização digna de advogar seus interesses consumistas com salutar perspicácia, mas o fato é que não estão suficientemente organizados. Entretanto, esse poder persuasivo varia entre os distintos povos, visto que a informação é o fiel da balança, pois entre os consumidores de nações não desenvolvidas, tais como os brasileiros, a falta de orientação técnica compreensível expõe o fato de não disporem de uma idéia clara sobre o assunto, haja vista não terem acesso ao debate em maior profundidade, tal como o consumidor europeu, o qual é constantemente informado pelos mais diversos instrumentos de mídia. Exemplificando, ainda é incompreensível para a maioria, a existência de genes de animais em frutas, visando o aumento da resistência às geadas.

Assim, os consumidores exercem uma importante atribuição, ao exigir a efetiva execução dos dispositivos de segurança alimentar, e dessa forma possibilitar um progresso com responsabilidade e prudência. Já se constata esta atitude nos países desenvolvidos, nos quais as pessoas exercem um poder coercitivo, através das diversas formas associativas e organizações não governamentais, pressionando as autoridades políticas e a iniciativa privada, porém o mesmo fato não ocorre efetivamente no hemisfério sul, que se encontra sob outra realidade (BOBBIO & VIROLI, 2002), .

A transgenia é benéfica em várias situações, e por isso não se pode defender a hipótese de ser contra a biotecnologia, contudo a preservação ao direito à informação deve ser mantida, pois é uma condição precípua para a efetiva aplicação da cidadania. Deparamos com uma situação no mínimo inusitada, na qual os consumidores vivem a difícil escolha entre comprar mais barato, ou então requerer garantias e explicações.

O fato é que as pessoas comuns não têm acesso aos resultados completos das pesquisas transgênicas efetuadas, as quais encontram-se implicitamente inacessíveis pela rebuscada linguagem técnica, línguas estrangeiras, além de estarem protegidos por direitos de propriedade intelectual (BRASILEIRO, 2001). E como efeito, a legislação em vigor torna-se um conjunto de palavras escritas sem a efetiva eficácia, restando praticamente a ajuda das associações de defesa dos consumidores, recorrendo ao judiciário para o cumprimento da defesa social.

A cidadania é exercida principalmente quando se dispõe de informações a respeito de um assunto a ser decidido. Sendo assim, o consumidor brasileiro possui direito à mínima informação no rótulo do produto a ser adquirido, visto que não se pode privá-lo de saber pelo menos se um produto é ou não transgênico, dispondo do poder decisório da melhor escolha.

No entusiasmante debate a respeito dos transgênicos, os grupos ambientalistas contrários deparam-se com uma situação muito embaraçosa. Ao se fazer a comparação entre a semente convencional e a transgênica, a transgênica ganha no aspecto de custo de produção e inclusive no contexto ambiental, visto que se faz apenas uma única aplicação de herbicida durante toda a safra, isso no caso da soja, enquanto que no cultivo convencional são feitas seis a sete pulverizações de agrotóxicos bem mais danosos ao meio ambiente, devido ao maior número de aplicações e o nível de toxidez mais elevado (id.).

Uma parcela de pesquisadores que ultrapassou os limites da ética, recebe severas críticas pela mesma massa de leigos que até então aplaudiam entusiasmados os avanços tecnológicos, apesar de que esses mesmos avanços não sejam efetivamente úteis a todos os cidadãos, principalmente aos de baixa renda e escolaridade. Com o desgastante ônus de demonstrar se os transgênicos são nocivos ou não, e em quais condições, a comunidade científica depara-se com o dilema de continuar pesquisando sob o financiamento de empresas privadas, ou experimentar por várias décadas a possível nocividade de seus recentes organismos geneticamente modificados (BROWN & HOPKIN, 2003).

Deferências éticas à parte, não se deve impedir que a ciência evolua, proporcionando bem-estar às pessoas, apesar de que não tenha gerado benefícios de forma plenamente igualitária (LEITE, 2000). Da mesma forma, a ciência não pode estacionar-se perante as desmedidas transformações tecnológicas, proporcionadas pela admissão na civilização transgênica e da era da informática (SZKLAROWSKY, 2000).

A polêmica da transgenia prolifera-se inclusive entre os meios oficiais, como é o caso do governo brasileiro, o qual possui ministros com idéias divergentes, onde o atual ministro da agricultura é pertinaz defensor dos transgênicos, enquanto que a ministra do meio ambiente é de opinião contrária, por isso ambos evitam comentar o assunto publicamente, restringindo-se apenas a comentar que o assunto deve passar por um amplo debate nacional (PAIVA, 2003).

E aproveitando esse reservado desentendimento, os estadunidenses lançaram com grande sagacidade a nociva informação de que mais de sessenta por cento da soja brasileira é transgênica, com o claro objetivo de prejudicar as exportações brasileiras para o mercado europeu, o qual notoriamente prefere produtos convencionais. Entretanto, nesse caso os europeus estarão inevitavelmente nas mãos dos argentinos e norte-americanos, que são os grandes produtores mundiais de soja transgênica, devido à falta de opções no mercado.

O Brasil dispõe de um amplo mercado consumidor, além de ser um grande exportador agroalimentar, e assim sua situação sui generis lhe confere um importante poder de persuasão no âmbito internacional, poder esse que não vem sendo utilizado nos últimos anos, com a devida eficácia perante os nocivos subsídios nos mercados estadunidense e europeu (VARELLA& PLATIAU, 2000).

O desenvolvimento da técnica de mutação artificial praticada em laboratório, proporciona uma produção maior e melhor, justamente numa época em que os seres humanos estão se multiplicando numa progressão geométrica, bem como a fome. Seria prudente que o ser humano amenizasse a sua renitência em querer proibir tudo através do despotismo do não, além da refutação ao progresso proporcionado por novas tecnologias.

Almejando aperfeiçoar as condições de sobrevivência humanas neste planeta, as experimentações, as pesquisas, enfim o trabalho científico, deve continuar a ser incentivado e não o impedimento que vem ocorrendo, pois o eclipse no saber visa interromper a evolução do homem por um curto espaço de tempo, mas não para a eternidade. Tal como ocorreu na década de oitenta com a chamada reserva de mercado da informática, o nosso país corre o risco de se atrasar com o cerceamento ao cultivo de transgênicos e à pesquisa.

Uma Questão de Conceitos

Percebe-se uma confusão terminológica no debate acalorado da engenharia genética, visto que os adeptos da visão fundamentalista, argumentam ser preferível deixar por conta da natureza as alterações no âmbito dos genes. Porém, é essencial lembrar que as alterações naturais ocorrem através da mutação, que é uma alteração genética estatisticamente aleatória, e por isso desconhecem-se os efeitos daí resultantes. Já a transgenia é uma alteração sim, só que nesse caso é possível saber antecipadamente qual será o resultado com muita precisão.

No aspecto dos conceitos, uma planta é caracterizada como geneticamente modificada quando contém um transgene, que é um gene inserido artificialmente em seu genoma, e esse gene pode vir de um outro vegetal ou até mesmo de outra espécie totalmente distinta.

É importante esclarecer que biotecnologia e transgenia não são sinônimas, haja vista que a transgenia é um subconjunto da biotecnologia. Compreende-se a biotecnologia como sendo uma seqüência de metodologias, que empregam partes de organismos ou em sua totalidade, almejando alterar ou produzir seres vivos ou produtos com fins específicos, nas áreas do conhecimento da clonagem, dos marcadores genéticos, e do recente proteonoma na biologia molecular.

Já na técnica da transgenia, um determinado gene é inserido artificialmente em um específico organismo. O gene exógeno ou comumente denominado transgene, pode ser oriundo de um vegetal, de qualquer outro organismo ou até mesmo sintetizado em laboratório. E quando integra o genoma e se manifesta de maneira estável, o transgene é transmitido à progênie juntamente com os outros genes integrantes dessa planta, de forma tal que a incorporação do transgene não modifica a complexa organização do vegetal.

Independentemente do objetivo, seja para a obtenção de genótipos a serem utilizados em um programa de melhoramento tradicional, ou seja para a produção direta de novas variedades, certamente o choque mais imediato das plantas transgênicas está na agricultura. No horizonte biotecnológico, a pesquisa agronômica em culturas transgênicas, possibilita solucionar graves questões que há décadas atormentam os produtores rurais brasileiros, possibilitando inclusive deliberar questões inerentes à secular seca nordestina.

Recentemente, os europeus suspenderam a anterior decisão de impedir a manipulação com OGMs (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA, 2003). Amargaram um elevado preço pela moratória imposta aos organismos geneticamente modificados, encerrada pela decisão do Parlamento Europeu. Constataram a existência de um retrocesso tecnológico, e a conseqüente redução na competitividade. A não implementação do sistema europeu de patentes, e um lento processo de regularização dos produtos transgênicos, além da ausência de medidas políticas para incentivar investidores e empresas na biotecnologia, proporcionou o êxodo de seus pesquisadores, investidores e empresas, os quais se dirigiram aos países que apóiam a biotecnologia, tais como os Estados Unidos (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001).

Quanto à questão da obrigatoriedade da rotulagem, deve-se considerar que certamente haverá uma elevação dos custos de produção dos produtos transgênicos, acarretando a elevação dos preços das mercadorias, os quais certamente serão transferidos ao consumidor, além de problemas internacionais, tal como ocorre agora com as transações bilaterais com a Argentina, a qual emite o seu desagrado com a rotulagem imposta pelo governo brasileiro.

Tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei que estabelece um modo interessante de classificar os diferentes cultivos. Haveria uma voluntária certificação por parte do produtor rural, o qual solicitaria junto ao Ministério da Agricultura um certificado que classificaria sua cultura em três tipos distintos: os convencionais, que são os atuais produtos obtidos pelo melhoramento genético de plantas; os transgênicos ou OGM, estipulados para os produtos obtidos por modificação genética; e os orgânicos, caracterizados pelo cultivo sem o uso de fertilizantes industriais e de agrotóxicos (id.).

Essa classificação ajudaria bastante o empresário rural na sua adequação ao exigente mercado internacional, competindo de maneira ainda mais eficiente nas diferentes categorias, além de possibilitar ao produtor um aumento tecnológico e de receita em sua propriedade.

Por sua vez, o sistema plantio direto, o qual possibilita o plantio diretamente na palha, independente do tamanho da área cultivada ou do capital disponível ao produtor rural, e que é uma tecnologia de excelência para a conservação do meio ambiente, pois reduz o aquecimento do planeta ao possibilitar o aumento do seqüestro do carbono, além de evitar o processo erosivo e conseqüentemente diminuir o assoreamento nas represas das usinas hidrelétricas, e quando associado às lavouras de plantas transgênicas, estas são ambiental e economicamente bem menos prejudiciais do que as convencionais, visto que ocorre uma redução no número e na dosagem de agrotóxicos, os quais respondem significativamente pelos custos de produção numa empresa rural, bem como pelo impacto ambiental ocasionado.

Avanços e Retrocessos

Constata-se que as técnicas agrícolas têm contribuído eficazmente para a preservação ambiental. É graças ao sistema plantio direto e às técnicas de conservação do solo, por exemplo, que se obteve uma redução no efeito estufa a nível global. O desenvolvimento tecnológico no agronegócio, é e será o instrumento eficaz nos próximos cinqüenta anos, de modo a contribuir para uma verdadeira preservação do meio ambiente. Existe uma incoerência na legislação de biossegurança, pois as plantas geneticamente modificadas visando à resistência a vírus e insetos, as chamadas plantas com propriedades bioinseticidas, foram estabelecidas como tendo o mesmo risco que um agrotóxico habitual, o que é claramente uma inexatidão (VARELLA & PLATIAU, 2000).

Recentemente, através da medida provisória número 113 de 27 de março de 2003, o governo brasileiro liberou a soja transgênica para comercialização no Brasil. Assim, referendou-se o parecer técnico-científico da CTNBio quanto à segurança desta cultura, e portanto legitimou-se a segurança de todos os alimentos produzidos a partir desta soja. Sabe-se que atualmente cerca de 90% dos alimentos comercializados possuem soja ou derivado em sua composição, daí a preocupação na sociedade em geral, visto que a segurança do produto é uma condição essencial, para que ocorra a liberação para consumo humano ou animal. Sendo assim, depara-se com a questão da rotulagem, a qual tem sido analisada como um instrumento de exclusão do produto, e não como um direito de livre escolha do consumidor. Quanto à questão sanitária, a própria Organização Mundial da Saúde caracterizou os produtos transgênicos, como sendo improváveis de transmitirem qualquer tipo de dano à saúde humana (LEITE, 2000).

Presenciamos uma espécie de síndrome quanto ao termo manipulação genética, porém não nos esqueçamos que o homem pratica o engendramento genético há muito tempo. O fato é o seguinte: praticamente tudo o que comemos é resultado de modificação genética. Há várias décadas, os pesquisadores realizam melhoramentos genéticos em plantas e animais, e graças às técnicas de cruzamento é que podemos apreciar o atual tomate suculento, o qual era do tamanho de uma cereja e até então considerado venenoso. Isso é manipulação genética, tal como o cruzamento entre bovinos, almejando-se obter uma raça que dê mais leite ou carne.

No Brasil existe a Lei de Biossegurança, que dentre outras atividades regulamenta as atribuições da CTNBio, a qual é composta por cientistas de diversas áreas, pela sociedade civil organizada e por representantes do setor privado, que se submetem a uma criteriosa escolha, e têm a capacidade de avaliar sob a ótica técnica, os potenciais riscos humanos e ambientais que poderiam ser proporcionados pelos OGMs.

Devido à ausência de estudos que poderiam comprovar cientificamente, determinados efeitos prejudiciais significativos proporcionados pelos transgênicos, os grupos contrários a essa tecnologia foram forçados a se agarrarem ao chamado "princípio da precaução" (GÖRGEN et alli, 2000). Assim, a questão focaliza-se no âmbito partidário e ideológico, além de se basear em informações sem embasamento científico (LEITE, 2000). A aceitabilidade da biotecnologia, é diretamente proporcional ao nível de informação que a sociedade dispõe sobre o tema.

A insulina humana foi o primeiro produto originado pela biotecnologia moderna. São evidentes os efeitos benéficos proporcionados pela insulina aos diabéticos. Ocorre que a insulina era extraída do pâncreas de bovinos e suínos, contudo desde a década de oitenta, a insulina começou a ser gerada em massa por bactérias ou leveduras modificadas, com um gene humano que codifica esta proteína. Até o presente momento, este OGM está possibilitando a existência de milhares de pessoas que sofrem de diabetes, sem as alergias e as inúmeras outras desvantagens da insulina extraída de animais.

Recentemente, passou-se a exigir a certeza absoluta de que os produtos decorrentes da técnica da transgenia não provoquem nenhum risco, mas como a certeza absoluta só se alcança na matemática pura, evidentemente existirão questões a serem solucionadas em pesquisas futuras.

Quanto à ausência de risco dos transgênicos à saúde humana e ao meio ambiente, na hipótese do governo brasileiro não confiar totalmente nas avaliações efetuadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que faça então uma carta-consulta ao Programa de Segurança Alimentar da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Os riscos no âmbito da biossegurança abrangem diversas áreas do conhecimento humano, citando-se dentre outras as áreas ambiental, médica, nutricional, agronômica (LACEY, 2000). Por sua vez, a nossa Lei de Biossegurança é respeitada como uma das mais completas do planeta, proporcionando a participação de vários representantes dos mais diversos campos do conhecimento, e assim está ocorrendo a gradativa migração de outros países para o modelo brasileiro.

Perspectivas

A utilização de culturas geneticamente modificadas resulta em evidentes benefícios, tais como uma efetiva redução nos custos de produção agrícolas; um maior rendimento das culturas; redução do impacto ambiental; maior lucratividade ao produtor rural. Além disso, citem-se os valores agregados às culturas que beneficiam os consumidores, como a batata com maior quantidade de amido; o arroz enriquecido com vitamina A e ferro; as vacinas comestíveis presentes no milho e na batata; as características palatáveis e saudáveis presentes nos óleos de soja e canola; a capacidade conferida a cultivares de milho a suportar condições adversas.

Os países em desenvolvimento poderão beneficiar-se em muito com as tecnologias que possibilitam o aumento da produção agrícola, e que em contrapartida reduzem os custos dos alimentos e elevam concomitantemente a sua qualidade. Dessa forma, alimentos nutricionalmente melhorados ou potencializados, promovem um bem fundamental na redução da desnutrição, a qual é um cancro nesses países.

Desde os tempos do homem primitivo, o melhoramento de espécies vegetais existe para o benefício à sua comunidade, e esse melhoramento consiste na criação de novos genótipos, além da sua subseqüente seleção para as características do interesse almejado. Contudo, apesar dos valiosos ganhos proporcionados pelo melhoramento vegetal, este se esbarra em limitações decorrentes de questões genéticas, fisiológicas e morfológicas intrinsecamente relacionadas aos vegetais, tais como:

  1. o tempo necessário para o desenvolvimento de uma nova variedade que fica entre 5 e 15 anos;

la adição de uma nova característica pode vir acompanhada de fatores indesejáveis ou até mesmo deletérios;

  • muitas características de importância agronômica são poligênicas, ou seja, determinadas por genes múltiplos;

lexiste uma reduzida disponibilidade do pool gênico, isto é, os novos genes limitam-se às espécies sexualmente compatíveis (BRASILEIRO, 2001).

Quer queira, quer não, a biotecnologia está intrínseca no cotidiano do ser humano contemporâneo, através do interferon, da insulina humana, dos hormônios, dos microorganismos degradantes do óleo derramado por navios petroleiros, ou aqueles que degradam os danosos efluentes industriais em produtos inofensivos ao meio ambiente.

Muito em breve teremos, traçando-se um quadro de exemplificação, culturas transgênicas na vanguarda condição de produtoras de vacinas, anticorpos, biopolímeros, metabólitos, enzimas e tantas outras substâncias químicas de grande importância, possibilitando que as plantas transgênicas atuem eficazmente como biofábricas, próprias para a produção de produtos de interesse para as indústrias de alimentos, medicamentos e rações.

Dentre as principais culturas transgênicas que estão sendo estudadas em todo o mundo, as primordiais características introduzidas são: a tolerância a herbicidas; resistência aos insetos; a simultânea tolerância a herbicidas e a resistência aos insetos; e por último mas não menos importante, a melhoria da qualidade do produto.

Existe uma ampla carência de investimentos em pesquisa básica, a qual possibilitaria uma melhor compreensão da estrutura molecular dos processos bioquímicos e fisiológicos dos vegetais, haja vista que apenas trinta a quarenta genes estão sendo empregados para a geração de culturas transgênicas comerciais. Daí o entendimento do enorme potencial vinculado tanto à pesquisa básica como à investigação aplicada em transgenia.

Através da pesquisa brasileira de transformação genética, a qual está sendo realizada nas distintas culturas de importância sócio-econômica, estão sendo introduzidos genes que irão exteriorizar características tais como a resistência a pragas e doenças, amadurecimento tardio de frutos, tolerância a herbicidas, incremento do teor nutricional, além de muitas outras de grande relevância. Dessa forma, entre os países em desenvolvimento, os centros de pesquisa nacionais detêm lugar de destaque nas pesquisas em culturas transgênicas. Contudo, a disponibilidade de verbas é incipiente, e este é o grande entrave para o soerguimento da pesquisa brasileira.

A moderna biotecnologia já possibilita vantagens em várias áreas do conhecimento humano, tais como na engenharia de alimentos, na saúde humana e na saúde animal, no monitoramento ambiental, e nas práticas agronômicas. Além disso, existem pesquisadores que conjecturam a efetiva capacidade de se ofertar alimentos:

lcontendo elementos anticancerígenos;

ldesprovidos de substâncias que provocam alergias;

lresistentes o suficiente para suportar condições adversas como frio, calor e seca.

A falta de conhecimento, os temores, ou a falta de uma política clara sobre a transgenia, poderão anular os benefícios proporcionados pelo avanço da pesquisa. Torna-se necessário que os nossos governantes e a sociedade brasileira, tenham plena compreensão da importância da biotecnologia moderna para o futuro do nosso país.

Conclusões

O elevado potencial de gerar culturas comerciais economicamente importantes, proporcionado pela tecnologia da transgenia, é simplesmente muito valioso para ser ignorado. Portanto, as políticas relativas às culturas geneticamente modificadas, deveriam basear-se costumeiramente em estudos científicos, e opiniões decorrentes de um debate aberto e honesto com os vários segmentos da sociedade.

Ao adotarmos o uso dos organismos geneticamente modificados no Brasil, devemos ter em mente que esta decisão influi precipuamente na economia do nosso país, na segurança alimentar, no desenvolvimento tecnológico, na conservação do meio ambiente. Assim, lembremos que o ser humano já manipula geneticamente os alimentos mesmo antes da atual era cristã, e que conjuntamente com tantos outros meios tecnológicos, o tradicional melhoramento genético animal e vegetal permitiu uma maior diversidade, qualidade, e quantidade de alimentos, a preços mais acessíveis na mesa de milhares de pessoas até então famintas.

A biotecnologia e suas associações contribuirão significativamente na oferta qualitativa e quantitativa de alimentos. A redução do uso de fertilizantes e de agrotóxicos promoverá uma agricultura bem menos impactante no meio ambiente, na saúde do produtor e do consumidor. Já se vão dezessete anos desde a obtenção do primeiro vegetal transgênico no mundo, e por isso não é mais concebível questionar se as culturas transgênicas afetarão nossas vidas, mas de que maneira irão afetar nossas vidas (RYDLE & VERANO, 2003).

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