O Conflito existente entre os direitos fundamentais à liberdade (ART. 5o, CAPUT) e à saúde (ART. 6o, CAPUT) no que tange a proibição de fumar em locais públicos fechados (LEI 9.294/96).

Estudo de caso sobre a Colisão de direitos fundamentais e o problema do núcleo essencial. 

        Os direitos fundamentais são os direitos indispensáveis à manutenção da dignidade da pessoa humana.

        Já a expressão “núcleo essencial” surgiu pela primeira vez na Lei Fundamental Alemã (a Constituição alemã) de 1949, em seu art. 19, II, para tentar se evitar que os direitos fundamentais sejam esvaziados por completo; sustentavam os constitucionalistas que o mínimo da essência deveria ser imutado, inafastável. Ou seja, o núcleo essencial dos direitos fundamentais jamais deveria ser afastado.

        A partir deste contexto, surgiram problemas no que tange a colisão entre os núcleos essenciais que não poderiam ser afastados em hipótese alguma; como solucionar este problema?

Primeiramente, como os direitos fundamentais possuem a relatividade como sendo uma das características marcantes, isto é, nenhum dos direitos ditos fundamentais são absolutos, em situação de conflito aparente, deve-se relativizar um dos direitos fundamentais para sobrepor a este o outro.

Isto na teoria parece ser bem fácil fazer, porém assim não é quando estamos diante de um caso concreto. Verificar o momento, o local e o ponto exato onde se termina ou começa determinado círculo de tutela de direito fundamental é uma tarefa muito difícil.[1]

        Neste contexto, pegando um exemplo muito interessante, farei um estudo de caso para se tentar chegar a uma solução: o conflito existente entre direito à liberdade (art. 5º, caput) e o direito à saúde (art. 6º,caput). Mais especificamente farei um estudo de caso sobre o conflito entre o direito de liberdade dos fumantes e o direito à saúde dos não fumantes.

        As propagandas de cigarros, durante um longo período de tempo, incentivaram as pessoas a fumarem, manipulando informações e camuflando o seu verdadeiro risco a saúde das pessoas. As indústrias de cigarros apresentavam campanhas com esportistas, bebês, médicos para causarem uma falsa ideia de que fumar não causaria graves problemas de saúde, principalmente no sistema respiratório. Com base nisso, e após grande estudo e pesquisa, o Governo vem realizando programas de incentivo a paralisação de fumar, como por exemplo, o INCA coordenando e executando, em âmbito nacional, o “Programa de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco de Câncer” com o foco à prevenção de doenças na população através de ações que estimulem a adoção de comportamentos e estilos de vida saudáveis e que contribuam para a redução da incidência e mortalidade por câncer e doenças tabaco-relacionadas no país. As ações do Programa são desenvolvidas em parceria pelas três instâncias governamentais - federal, estadual e municipal - para capacitar e apoiar os 5.561 municípios brasileiros e abrangem as áreas da educação, legislação e economia.[2].

No âmbito jurídico, além de a Constituição Federal em seu parágrafo 4º do artigo 220 obrigar as propagandas comerciais de cigarro a advertirem sempre que necessário dos possíveis malefícios do seu uso, leis foram promulgadas com o fito de proibir as pessoas de fumarem em locais públicos fechados.

Neste contexto temos como grande exemplo o Estado de São Paulo, com a “lei antifumo” (Lei no 13.541/2009[3]) e o Estado do Rio de Janeiro, com a lei 5.517/2009[4], “Rio sem fumo”, que ratificaram a lei federal 9.294/96, alterada pela lei 12.546/2011[5], e mostraram que realmente entenderam a real importância da adoção de ambiente 100% livre da fumaça do tabaco.

Ainda neste prisma, segundo constatado no site do Instituto Nacional do Câncer (INCA)[6], o tabagismo passivo, definido como sendo uma pessoa não fumante que inala fumaça de derivados do tabaco, principalmente em locais fechados, é a terceira maior causa de morte evitável no mundo.

        Segundo a Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo, abordando a lei antifumo:

A nova lei que cria ambientes livres de tabaco em São Paulo visa defender a saúde, principalmente, das pessoas que não fumam, mas acabam obrigadas a inalar a fumaça do cigarro daquelas que fumam. O tabagismo passivo, fumo de segunda mão, tabagismo involuntário ou exposição à fumaça do tabaco ambiental são diferentes conceituações do mesmo fenômeno.

O fumo passivo é um grave problema de saúde pública. Já está comprovado que não existem níveis seguros de inalação da fumaça de cigarros. Já no início dos anos 60, importantes instituições de saúde, como o Royal College of Physicians de Londres e o Surgeon General dos Estados Unidos, divulgaram dados apontando a relação entre fumo passivo e câncer do pulmão. Com o avanço das comprovações científicas sobre os males para a saúde pública, em 1971, os Estados Unidos já aprovavam leis protetoras aos fumantes passivos.

No começo da década de 80 foi divulgado o célebre estudo de Hirayama, no Japão, que avaliava a incidência de câncer de pulmão em pessoas que nunca haviam fumado. Esse estudo pioneiro, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa do Centro Nacional de Câncer, avaliando mais de 100 mil mulheres, demonstrou que esposas de fumantes apresentavam incidência dobrada de câncer pulmonar, quando comparadas às mulheres casadas com não fumantes.[7]

        Para o Governo do Estado do Rio de Janeiro, este Estado deu um grande passo rumo à preservação da vida e da saúde pública, pois com a Lei Estadual 5.517/2009 o Governo estará visando resguardar a sociedade dos malefícios do fumo passivo, preservando a saúde do cidadão.[8]

Acrescenta ainda que inalar a fumaça do cigarro aumenta em 50% a probabilidade de crianças e bebês desenvolverem sérios problemas respiratórios assim como aumentam em 30% os riscos de câncer de pulmão e infarto do coração nos adultos não fumantes.

Enfim, pude concluir que embora se chegue, com essas campanhas e leis, a falsa impressão de que o direito de liberdade de um fumante sofreria alguma proibição, tal premissa não é verdadeira, posto que além de poder fumar em qualquer local aberto ou até em área reservada a ele, se não houvesse a proibição de fumar em local público fechado, o direito de liberdade de um não fumante e o direito à sua saúde ficariam limitados.



[1]BADR, Fernanda Matos. Direitos fundamentais: núcleo essencial como limite de flexibilização. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2437, 4 mar.2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14449>. Acesso em: 18 abr. 2013.

[2] INCA. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=programa&link=introducao.htm>. Acesso em: 16 de abril de 2013.

[3] BRASIL. Lei 13.541/2009. Disponível em: <http://www.leiantifumo.sp.gov.br/usr/share/documents/legislacao.pdf> Acesso em: 18 de abril de 2013.

[4] BRASIL. Diário Oficial Do Estado Do Rio De Janeiro. Disponível em: <http://www.riosemfumo.rj.gov.br/site/downloads/lei_do_ambiente_livre_rj.pdf> Acesso em: 18 de abril de 2013.

[5] BRASIL. Lei 9294/96. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9294.htm> Acesso em: 16 de abril de 2013.

[6] INCA. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=passivo&link=tabagismo.htm> Acesso em: 18 de abril de 2013.

[7] Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo. O Fumo Passivo. Disponível em: <http://www.leiantifumo.sp.gov.br/portal.php/males_apresentacao> Acesso em: 18 de abril de 2013.

[8] Governo do Rio de Janeiro. Por que a lei foi criada? Disponível em: <http://www.riosemfumo.rj.gov.br/site/conteudo/porque.asp> Acesso em: 18 de abril de 2013.