É perfeitamente possível, através dos conhecimentos e das culturas milenares, buscar o conceito original de trabalho e os meios de desenvolvimento de cada região; analisar como surgiram as civilizações e por que foram desmoronadas. Quais subsídios colaboraram para seus avanços e quais elementos contribuíram para suas quedas. Fatos estes que, ao longo da história, devido a interesses políticos, foram distorcidos e manipulados, e infelizmente só restou a parte que é apenas fruto de uma visão sectária da história.

O conceito original de trabalho consistia na prática de atividades que aperfeiçoassem as habilidades humanas e conseqüentemente produzissem as coisas que atendiam às necessidades ou realizassem serviços com o objetivo de promover o bem-estar das pessoas. Portanto, com a aceleração nos ritmos de trabalho, este conceito pouco a pouco tem sido mudado, e muitos dos princípios já consagrados durante milhares de anos sobre a ética do trabalho foram abolidos. Nesse meio, a essência e o conceito original de trabalho perderam a sua importância para as novas gerações.

A Índia, por exemplo, era uma nação que em todos os aspectos progrediu. Na medicina, na matemática, na fabricação de produtos de seu uso, na arquitetura, culinária, farmácia, fitoterapia, e milhares de outras atividades como tapeçaria, tecelagem, música, artes e diversos ofícios. Este povo ainda preserva parte da sua literatura, que representa com peculiaridade o seu passado. Por exemplo, para conhecer o sentido mais original do trabalho, pode-se consultar o livro Bhagavad-Gita, que contém as sagradas escrituras do hinduismo, com mais de cinco mil anos de existência. Nesta obra antiga e grandiosa encontram-se várias partes explicando o objetivo real do trabalho:

"O homem pode atingir a perfeição através de seu próprio trabalho." "Ninguém deve imitar o dever alheio. Um homem deve, por natureza, se sentir atraído à espécie de trabalho próprio. Dessa maneira, todos devem trabalhar segundo seu próprio dom." "Deve-se trabalhar para a satisfação de Deus. Nada deve ser executado para o gozo dos sentidos, mas tudo deve ser feito para a satisfação de Deus. Esta prática não só nos salvará da reação do trabalho, mas também nos elevará pouco a pouco ao transcendental serviço amoroso ao Senhor, o único meio que pode promover-nos ao reino de Deus." 1

Estas frases, embora muito antigas, carregam consigo três conceitos muito sábios. O trabalho deve proporcionar a perfeição humana, não se deve imitar o trabalho do outro e deve-se escolher a profissão de acordo com as próprias potencialidades. Sabe-se que milhares de gerações foram beneficiados com este modelo estabelecido por Krishna.

A pergunta é: como um homem pode atingir a sua perfeição através de seu próprio trabalho? Na verdade, nestas palavras sábias pode estar entesourado o conceito original de trabalho. Conceito este que, nas abordagens atuais, não se vê mais. Aliás, ao observar os ambientes de trabalho das empresas, é muito difícil encontrar uma atmosfera que possa inspirar os funcionários para algo parecido com as palavras ditas na antiga literatura.

Ainda o povo hindu considerava o trabalho algo sagrado por que confiava nestes freses:

"Com o resultado do trabalho em que se ocupa, deve adorar a Suprema Personalidade de Deus. Seja qual for a atividade em que se ocupe, se prestar serviço ao Senhor Supremo, ele alcançará a perfeição máxima."1

Esta definição do significado de trabalho carregada de valores é um dos conceitos mais antigos que foi estabelecido por Krishna e durante vários séculos foi a motivação para o trabalho e desenvolvimento da humanidade. Um dos conceitos mais recentes foi traçado por Bahá'u'lláh:

"É ordenado que cada um de vós se ocupe em alguma forma de trabalho — seja ofício, algum ramo de comércio, ou coisa semelhante. Benevolamente temos elevado vossa ocupação em tal trabalho ao grau de adoração a Deus."2

Nestas Palavras, a profissão deve ser um meio para aperfeiçoamento nas artes, ofícios, ciências e conhecimentos. E a prece deve tomar a forma de ação na realização das artes, nos ofícios e nas ciências.

"Toda função desempenhada pelo homem, de todo o coração, se for movida pelos mais nobres propósitos e pelo desejo de servir à humanidade, é adoração." 2

Um fato muito interessante é que, nas duas citações, uma de cinco mil anos atrás e outra de cem anos atrás, as determinações de Deus não mudaram. As verdadeiras regras divinas não são como as teorias dos filósofos ou economistas; elas sustentam a ordem e progresso sempre; elas são eficientes e coerentes. Nelas estão embutidos argumentos suficientes para que sejam sustentáveis para toda a eternidade. Desde a época de Krishna o conceito de adoração de Deus era um só: aos olhos de Deus, a verdadeira adoração é o trabalho com espírito de serviço à humanidade.

Talvez seja difícil avaliar a amplitude dessas frases e suas infinitas influências positivas nos múltiplos aspectos da vida. Mas não é difícil prever como elas poderiam corrigir as distorções hoje existentes em relação ao trabalho. Neste contexto, até a motivação de busca de conhecimento deve ter como objetivo o desenvolvimento, melhor meio de servir à humanidade. Assim Bahá'u'lláh escreve:

"O conhecimento é como asas para a vida do homem; é como uma escada pela qual ele possa ascender. Incumbe a cada um adquiri-lo. O conhecimento deve ser adquirido, porém, de tais ciências que possam prestar benefícios aos povos da terra." 2

Desta maneira, o trabalho terá dupla função: profissionalismo e louvor a Deus. A primeira função exige a aquisição de conhecimentos e ciências, no intuito de desenvolver as potencialidades inerentes a cada pessoa, numa postura de utilização destas no trabalho. A segunda função depende da intenção de como exercer o trabalho. Caso o objetivo seja oferecê-lo para melhoria da vida do povo, o ato torna-se sagrado, como o próprio louvor a Deus.

Numa sociedade em que o ganho material e a carreira profissional são meios de se obter prestígio, naturalmente cultiva-se a natureza egoística humana. Por isso, essa tradição não se poderá perpetuar. O futuro é reservado para novas gerações em que o trabalho e profissionalismo serão assumidos num espírito de serviço, e o ganho, como o salário, é a conseqüência da dedicação sincera no atendimento às necessidades sociais.

Então, o trabalho deve passar a ser algo além de um emprego remunerado, deve se tornar uma forma de ampliação das capacidades mentais e espirituais dos indivíduos a serviço da sociedade e da humanidade. E, as instituições devem prestar serviço à coletividade como uma contribuição para o avanço da civilização.

Através do trabalho produtivo, as pessoas devem expressar as suas imensas capacidades latentes, transformando-as em aptidões profissionais, destinadas a satisfazer tanto as suas próprias necessidades quanto as dos outros. Na medida em que o trabalho é assumido num espírito de serviço à sociedade, ele é um meio de adoração a Deus.

Esta mudança de paradigma elevaria os objetivos do trabalho para um patamar mais conceitual e, dentre tantos outros efeitos, irá revolucionar as relações no ambiente de trabalho. Assim, muitos fatores negativos, de natureza egoística, que geram competição e desgaste, podem ser eliminados. Nas palavras da Casa Universal de Justiça:

"Os seres humanos são impelidos a expressar as imensas capacidades latentes dentro de si através do trabalho produtivo destinado a satisfazer tanto as suas próprias necessidades quanto as dos outros. Ao agirem assim, eles se tornam participantes, por modesta que seja sua contribuição, dos processos de avanço da civilização. Cumprem propósitos que os unem aos outros. Na medida em que o trabalho é conscientemente assumido num espírito de serviço à humanidade, afirma Bahá'u'lláh, ele é uma forma de prece, um meio de adoração a Deus." 3

Trabalhar com Espírito de Servitude

Quando todo trabalho, do mais simples até o mais pomposo, em qualquer cargo e função, for assumido com intuito de ajudar, atender, auxiliar, socorrer, orientar os outros, e não com intenção de promoção pessoal, surgirão deslumbrantes resultados. Os frutos destes trabalhos abnegados dedicados à sociedade, serão assombrosos. Resultados estes que favorecerão toda a sociedade e todas as nações. Só assim, verdadeiramente, os doces frutos do progresso que a humanidade obteve através da evolução da ciência e da tecnologia chegarão ao alcance de todos os povos.

"Aquelas pessoas que são escolhidas para servir o público, ou indicadas para posições administrativas, devem desempenhar seus deveres em espírito de verdadeira servitude e pronta aquiescência. Devem se manter afastadas de motivos indignos e bem longe de propósitos gananciosos; pois retidão, probidade e justeza estão entre os mais potentes meios para atrair a graças de Deus e assegurar tanto a prosperidade do país como o bem-estar do povo." 4

Um funcionário, um executivo ou um político que está dedicado meramente a sua carreira, em última análise não está produzindo algo positivo para sociedade, nem para sua empresa; ele está a serviço de seu interesse. Ao contrário, quando as pessoas se consagram ao seu trabalho e desempenham a sua função com espírito de irmandade e devoção, certamente, ajudam na melhoria e progresso.

"Na desincumbência das funções do cargo para o qual foste indicado, tua conduta e ações deveriam dar testemunho do mais alto padrão de fidedignidade e honestidade, de um grau de sinceridade que esteja totalmente acima de suspeita e de uma integridade que esteja imune às sugestões de interesse pessoal." 4

A responsabilidade aumenta na medida que o cargo é público e abrangente. Os governantes e autoridades se distinguem nesta categoria. Pois a falta de vigilância em relação aos interesses públicos proporciona enormes prejuízos para a população. Na verdade, a grande maioria dos problemas que hoje cerca o povo do mundo é devida ao envolvimento dos dirigentes, e até dos subordinados, em esquemas de corrupção. Assim, os procedimentos não prosseguem com discernimento e seriedade. A exemplo de um rio de águas cristalinas que pertence à população; porém, os donos das terras constroem canais antes do rio chegar ao seu destino, e desviam as águas para suas terras; e outros, além de aproveitar a água, ainda jogam os resíduos de suas fábricas no rio. Então, o que chega à cidade para abastecer a população é um riacho sem as características do rio original.

Se as obras, projetos e metas se desenvolvessem da forma íntegra e honesta, e os responsáveis zelassem com toda energia e empenho a fim de finalizá-las sem nenhum desperdiço de recursos e desvio de objetivos, a humanidade caminharia para a felicidade e a prosperidade coletiva.

"Estas almas que são empregadas em departamentos governamentais deveriam acercar-se de seus deveres com total desprendimento, integridade e independência de espírito, e com completa consagração e santidade de propósito. Satisfeitos com salários que estão recebendo deveriam ter cuidado para não macular seu nobre caráter através de atos de suborno e fraude." 4

É mais inteligente investir naquilo que traz a honra e a verdadeira prosperidade, algo duradouro. Ter todo cuidado para a integridade e a nobreza de caráter não sejam questionadas em função de certas vantagens materiais.

"Para alcançar verdadeira glória e honra, o homem deve exercer a justiça e a eqüidade, abster-se de agir de um modo opressivo, prestar serviço a seu governo e trabalhar para o bem de seus concidadãos. Se buscasse qualquer outra coisa a não ser esta, estaria, na verdade, em evidente perda." 4

Artigo retirado do livro "Trabalho e o Reencontro de Interesses" 2006,  de autoria de Felora Daliri Sherafat, Editora Núr. Rio do Janeiro.

Dica: Leia o Artigo "A Crise Mundial e a Nova Ordem Traçada por Bahá’u’lláh (1817-1892)"

1.Parbhupãda, Bhaktivedata Swami. Bhagavad-Gita como Ele É. 2a Edição. São Paulo. Editora The Bhakitivedanta Book Trust, 1993.

2.Epístolas de Bahá'u'lláh. Rio de Janeiro. Editora Bahá'í, 5ª Edição, 1983.

3.Casa Universal de Justiça. A Prosperidade da Humanidade. Nova York. Public Information, 1995.

4.Fidedignidade. Seleção de Escritos Bahá'ís. Mogi Mirim. Editora Bahá'í, 2004.

5.Felora Daliri Sherafat, Trabalho e o Reencontro de Interesses, 2006, Editora Núr. Rio do Janeiro