O objetivo do presente estudo é demonstrar de maneira sintética o conceito de "Luvas", sua origem e a legalidade da cobrança em contratos de Shopping Centers.

         O conceito de luvas originou-se com o objetivo de conferir vantagem ou preferência a um negócio determinado. Nesse sentido é o entender de Américo Luís Martins da Silva, presente no artigo "A cobrança de luvas na locação comercial", publicado no volume 811 da Revista dos Tribunais em maio de 2003:

"O termo luvas, existente no direito de locação, originou-se do fato de que o pretendente ou locatário sempre tinha que pagar ao proprietário, além do aluguel convencionado, mais uma certa importância em dinheiro para ter preferência da locação; quantia essa que recebia a denominação de luvas, daí até mesmo surgir, no passado, o nome popular da lei: Lei de Luvas (Dec. 24.150, de 20.04.1934)."

        

         No mesmo sentido, o conteúdo segue:

"(...) a expressão luvas diz respeito à quantia acima do preço de balanço, que é cobrada pela venda ou transferência de estabelecimento mercantil ou industrial, corresponde ao valor do ponto, do arrendamento, da clientela etc."

 

         Passando a legalidade da cobrança de luvas em contratos de locação celebrados em estabelecimentos de shopping center, o entender de Américo Luís Martins da Silva é no sentido que não há proibições, uma vez que especialmente nesse caso devem prevalecer as disposições contratuais firmadas pelas partes, com fulcro no caput do artigo  54 da Lei 8.245/1991, transcrito abaixo:

Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

 

 

No entender de Sílvio Venosa, em seus comentários sobre a Lei de Locações, especificamente sobre o Artigo de lei acima transcrito, a exigência relaciona-se a uma preferência do locador em instalar sua loja em empreendimento futuro, ou seja:

Outro aspecto que deve ser notado é que o shopping center surge antes mesmo de ultimado seu espaço físico. Os comerciantes interessados aderem previamente a um contrato preliminar de reserva de espaço que se ultimará posteriormente com o contrato definitivo, o qual conterá normas de locação e normas próprias desses centros comerciais. A adesão inicial ainda não constitui locação, mas, em síntese, mera reserva de espaço localizado e promessa de contratar. Trata-se, na realidade, de contrato que tem por objeto coisa futura (res sperata).[1]

         Vale observar, contudo, que o momento de exigência das Luvas se restringe ao início do contrato, uma vez que, nesse caso, por tratar-se de locação nova "inexiste ainda o chamado ponto de atividade empresária do locatário, que será por ele criado". [2]

         Em contrapartida, destaca-se que a cobrança na renovação do contrato não é aceita, uma vez que constituiria enriquecimento ilícito do locador, já que o locatário, com riscos próprios, foi o responsável por desenvolver aquele ponto comercial e filiar clientela.

         Passando ao entendimento jurisprudencial, pode-se constatar que as decisões são fundamentadas no mesmo sentido, qual seja, devem prevalecer as condições pactuadas em contrato, mantida a vedação da exigência de luvas nos casos de renovação, conforme se demonstra:

"EMBARGOS DO DEVEDOR - Execução de título extrajudicial - Documento particular assinado pelo devedor e duas testemunhas - Falta de identificação de uma delas - Irrelevância - Circunstância não retira a executoriedade do título - Extinção afastada - Demanda em condições de imediato julgamento - Incidência do art. 515, §3º do CPC - Subscrição de ações pela embargante em virtude do aumento do capital embargado (shopping center) - Existência de contrato de locação entre eles, na mesma época, posteriormente rescindido - Falta de pagamento de 6 parcelas do ajuste de subscrição das ações pela embargante - Regularidade da avença - Alegação de que o ajuste se tratava, em verdade, da cobrança de luvas - Prática que tem sido admitida nas relações locatícias envolvendo shopping center (art. 54 da Lei 8.245/91) - Óbice afastado - Embargos do devedor improcedentes - Sentença reformada - RECURSO PROVIDO". (Apelação com Revisão nº 0359694-75.2010.8.26.0000 - TJ/SP - Des. Rel. Elcio Trujillo - Data de julgamento em 06/04/2011)

 

"Locação de Imóvel. Despejo. Retomada imotivada. Reconvenção. Luvas. Benfeitorias. Multa. Despejo, perda de objeto com a desocupação voluntária. O pagamento pelo fundo de comércio não é vedado na lei 8.245/91 quando tratar-se da primeira locação e não renovação. Não há se falar em indenização e/ou retenção do imóvel, por benfeitorias para adequação do comércio do inquilino. Não havendo infração contratual, não há se falar em multa, vez que livremente pactuadas as cláusulas da locação atípica ("shopping Center"). (Apelação sem Revisão nº 992.06.033373-0 - TJ/SP - Des. Rel. Júlio Vidal - Data de julgamento em 01/06/2010)  

         Assim, conclui-se que a prática de mercado admite a cobrança de luvas em locação de shopping centers, com base no artigo 54 da Lei 8.245/91, desde que não seja referente a renovação do contrato.


[1] Lei do Inquilinato comentada, 12ª edição, página 261, Editora Atlas

[2] "A cobrança de luvas na locação comercial", Revista dos Tribunais, página 74, volume 811, maio de 2003, Editora RT.