O espaço vem sendo trabalhado exaustivamente nas Ciências Humanas e Exatas, e, nos últimos anos tem ganhado certo destaque pelas calorosas discussões em torno de sua função, do seu papel e do seu significado. A física vem ganhando certo destaque, com múltiplas noções de espaço, com diversas atribuições, a psicologia tem trabalhado exaustivamente a ideia de território, junto com a antropologia.

A sociedade em seu cotidiano também transmite noções e conceitos de espaço, já que partimos de uma ideia de que não há dissociação entre sociedade e universidade. Assim, no cinema, na televisão, nas músicas, percebemos diferentes noções de espaço.

Para compreender um pouco desse ditame, escolhemos o Grupo de samba/pagode Raça Negra, de enorme virtuosidade e com um vasto legado a ser apreciado na música popular brasileira. Não entraremos na discussão sobre as diferenças entre samba e pagode nesse breve ensaio, já que esse não se configura como debate central nesse esforço intelectual.

De início, pensamos em analisar a concepção de espaço na música "Cigana", que dentro da historiografia do grupo representa o início das composições, vinculadas com a tradição Kantiana de espaço, que enxerga o espaço enquanto palco das ações humanas, um receptáculo, sem poder e influência (condicionante ou determinante) na vida humana. O tempo assume um papel proeminente, sendo o agente transformador e ativo na vida social, e, em específico, nas relações afetivas.

Conseguimos perceber essa intenção no trecho:

"Não deixe o tempo acabar com o nosso amor" (CIGANA, Raça Negra). 

Além disso, essa música representa a essência multicultural do grupo, expondo um amor por uma cigana, um ator social omitido e invisibilizado pelo paradigma da sociedade moderna, que tem um padrão de grupo social fixo.

Como efeito de comparação, selecionamos uma segunda música do mesmo grupo, que representa uma segunda fase, revelando novas concepções de espaço. Na música "Quando te encontrei", há uma crítica e uma superação do espaço enquanto categoria da física newtoniana, que presume que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, assim o grupo Raça Negra afirma:

"O que é que eu faço agora, já tentei ir embora, mas meu coração está preso a você." (QUANDO TE ENCONTREI, Raça Negra)

O coração do homem apaixonado ocupa o mesmo espaço do coração da mulher desejada, corroborando com a ideia de que no amor, um mais um é igual a um, no sentido que não se identifica o homem e amulher de forma fragmentada. Dessa forma, O Grupo Raça Negra se insere também na crítica geral ao positivismo, que por essência acredita que a realidade deve ser dividida para ser compreendida e com a soma das partes chegamos ao todo. 

Na análise da relação afetiva, como já salientado, a soma das partes não dá o todo, pois temos o homem, a mulher e relação entre os dois, que o transforma e que a transforma enquanto atores. 

O espaço assim, aparece a partir de uma visão pós-moderna nessa segunda fase do Grupo Raça Negra, agregando uma certa complexidade, exposta principalmente por Morin.