À vezes eu conto essa historia. Nada me impede de não o fazê-lo. Conto porque as vezes acho que é o caso. Ou, como agora, pelo fato de estar colocando-a no papel, coisa que nunca fiz. Eu não diria que é uma crônica no sentido literário do termo, ainda que existam muitos sentidos para uma crônica, muito menos um artigo, ou um causo, porque é uma historia ocorrida, há exatos 9 anos, que envolve outras pessoas, envolvendo assim outros sentimentos, para no mínimo se dizer.

Pode-se, creio eu, viver sem religião, mas acredito num mínimo de religiosidade, para se viver a vida e para com os semelhantes. Não é despropositado este comentário, talvez esteja fora de lugar mas julgo que a comunicação do mesmo seja útil no decorrer da leitura.  Também aproveito o ensejo para deixar claro que nomes foram mudados para que a história possa ser narrada sem prejuízo para ninguém. E talvez para juízo de outros, simplesmente por acreditar que nesta vasta experiência chamada vida o compartilhar, enquanto troca, acrescenta.

No final de abril ou no inicio de maio de 1999 teve lugar, em São Paulo, o workshop de James Van Praagh. O evento ocorreu no Maksoud Plaza, numa quinta-feira à noite. James Van Praagh é um médium norte-americano e seu workshop de, 120 minutos, para 500 pessoas, versaria sobre espiritualidade e sobre seu ultimo livro, “Em Busca da Espiritualidade”.

Pedro é o nome do amigo que me convidou para ir no evento. Uma noite antes nos encontramos, e conversa vai, conversa vem, ele me diz: não quer ir comigo? Tenho uma entrada sobrando, minha mulher desistiu na última hora...

Pedro era viúvo, estava no segundo casamento e ele tinha lá as razões dele para ir a esse workshop. Eu não.  O dia seguinte para mim era mudança de escritório, novas associações de trabalho estavam surgindo onde o ato de assinar papeis também seria no dia seguinte, e eu lhe disse tudo isso com a maior boa vontade.
No dia seguinte, entretanto, às 10 para as 8 da noite, mal tinha colocado os pés na casa da minha mãe, estava à todo custo tentando desfazer o nó da gravata e o telefone toca, era o Pedro.  
Nunca soube como o Pedro conseguira aquele telefone.

- Então -  diz ele - estou aqui.

- Pedro -  retruquei, um tanto irritado - meu carro ficou com a minha sócia, estou à pé...

- Estou aqui embaixo – frisou -  ligando do celular, vamos, cara, vai ser bom.

Certas coisas a gente vai na corrente, e eu fui. Lembro-me de ter exclamado “belo automóvel” e ele replicado, “a patroa achava que o outro fazia muito barulho”.

Nesse trecho, me permito a seguinte citação:

 “A metafísica ainda não é uma ciência oficialmente reconhecida. Mas será (...) Em Edimburgo, perante 100 fisiologistas tive a oportunidade de afirmar que os 5 sentidos não são os únicos meios de conhecimento, e que um fragmento de realidade, às vezes, chega à inteligência por outras vias (...) A raridade de um fato não é razão para negar sua existência. Se um estudo é difícil, será motivo para não empreendê-lo? (...) Os que limitam a metafísica à ciência oculta sentirão tanta vergonha como os que desprezaram a química, baseados no argumento que a busca da pedra filosofal era ilusória (...) Quanto à princípios, há somente o de Lavoisier, Claude Bernard e Pasteur – o EXPERIMENTAL, sempre, e em toda a parte.”

Charles Robert Richet, Premio Nobel de fisiologia. (1850-1935)


Chegamos no Maksoud em cima da hora, sem contar o trâmite de estacionar o carro, que no final de contas ficou com o manobrista, mais os passos afoitos em busca do auditório, a entrega dos ingressos que o Pedro não achava e por fim, entramos. As luzes ainda estavam acesas, 500 pessoas murmuravam dando a impressão de rumor em uníssono, e como que levados, porque esta seria a palavra correta, nos dirigimos lentamente em direção ao palco olhando as fileiras de assentos, lotadas, e chegamos na primeira fila, onde não havia ninguém sentado embora houvesse a sinalização, bilíngüe, que ali era proibido. Pois foi onde sentamos. Bem na cara do palco, e 10 segundos depois o “espetáculo” começa.

James Van Praagh entra no palco, não me lembro se houve ou não uma ovação, e como ele não fala português havia à disposição um fone de ouvido com tradução simultânea. Pedro, que entre outras atividades é professor de inglês, não necessitou do acessório. O médium trajava calça jeans, camiseta  pólo e tênis. Seu rosto, por assim dizer, denotava feições mouras. Sua postura era dinâmica, se movimentava com agilidade, seu verbo não exalava gravidade de modo algum,  pelo contrário, era com a alegria e disposição que suas palavras preenchiam o ambiente.

A primeira parte do workshop focava-se num trabalho relativo à intuição de cada um dos presentes, através de pequenos “jogos” com pedacinhos de papéis, objetos pessoais, etc. Palavra que, por mais que eu me esforce, tanto agora, como nas outras ocasiões em que me aventurei a narrar esse ocorrido, tenho pouca lembrança desta primeira parte. Lembro, isso sim, de olhar à esmo pelo recinto e ver várias pessoas usando broches, crachás, e agora urge muita cautela em traduzir para o leitor os dizeres nas lapelas, mas que grosso modo, assim exprimiam : “Congregação das vítimas de assassinato em tal lugar” . Uma senhora atrás de mim usava um desses. Na hora do intervalo, perambulando pelo auditório, vi que várias pessoas ostentavam crachás, ainda que com cor e logotipia diferentes, a mesma mensagem. Pedro ficou lá no assento dele. O intervalo foi rápido.
O movimento de luzes indica um contraponto e o médium retorna ao palco.

Nesta segunda parte ele irá exibir seus poderes mediúnicos. Não foi o que eu pensei na hora, porque sinceramente nunca tinha ouvido falar no sr. Van Praagh, muito menos de seus atributos, diferente da platéia, que lá estavam intencionados, eu não, minha situação era a de acompanhar um amigo e talvez, se me aprofundar na questão, seguindo o fluxo do meu caminho, pois se mentalmente eu declinara da proposta, a vida simplesmente me abriu todas as portas para que eu lá estivesse. E isso é um tipo de coisa que, com a idade, passei a respeitar. Outra coisa que também ganhou a minha atenção é a sincronismo dos eventos, cotidianos ou não, mas que, de um modo ou de outro, digam respeito à minha pessoa.

A historia aqui apresentada ocorreu em 1999, embora já constassem um par de anos na minha agenda em que deu-se, por determinação, e não foi sem esforço, o meu afastamento da mídia “espreme que sai sangue”.  Não sei de que se trata o crime do momento, nem quero saber, não  participo da nau dos infelizes, e se de outras historias soube, soube porque outros insistiam em me contar e tapar os ouvidos seria falta de educação. Mas daí a ligar a TV para me informar das minúcias com que estriparam não sei quantos, comigo não. Ocorre que, em julho de 1997, assisti, no extinto jornal da Cultura, ao meio dia, um crime hediondo. Desses inesquecíveis, dotado de todos os requintes,  e James Van Praagh escolhe justamente tal episódio, justamente o pai da vitima lá estava, e com este trava uma conversa, ali, para 500 pessoas, sobre o paradeiro de seu filho numa outra dimensão. Foi uma conversa ligeira, se pensarmos na próxima, porque na próxima, ele se aproxima de nós, olha para mim, olha para o Pedro, e nem lhe pergunta o nome.

- Seu nome é Pedro. Pedro de Tal. Você é catedrático em literatura inglesa mas também é formado em engenharia. Aliás, você adora usar esta história: para o engenheiro 2 mais 2 não são 4, mas algo entre 3,9 e 4,2. 

O médium aí não efetuava pausas para que o interlocutor as confirmasse, ele simplesmente fechava os olhos por um instante e então  prosseguia:

- Você é viúvo. Sua esposa desencarnou há 5 anos, num acidente de automóvel. Ela diz que não sentiu nada, só uma leve tontura. Ela está aqui do meu lado, diz que está muito feliz por você. Você quer perguntar alguma coisa para ela?
O corpo paralisado de Pedro tentava exprimir um “não” enquanto as lágrimas escorriam pela sua face.

- Sua mãe também esta aqui. Aliás, ela que me contou essa sua parábola sobre os engenheiros...Fulana de Tal, (a esposa que desencarnara), está me contando que foi ela quem o direcionou para a sua atual companheira...Ah, sim, você tem 2 filhos, ela me diz que tem uma ligação muito forte com o mais velho...Que ficou muito feliz com a escolha do nome...Ela hoje trabalha num hospital que recebe pessoas que desencarnam de modo súbito.

Mais uma pausa, Pedro agora chorava pra valer, o silêncio era grande, porque às vezes o silêncio assim se mostra, Van Praah prossegue:

- Pedro, sua mãe e sua ex-esposa estão aqui do meu lado, dizendo que te amam muito, e que também apreciaram que você tenha comprado um carro novo, pois segundo elas o outro era muito barulhento.

Emoção, de um tipo que eu nunca havia experimentado, que não sobe os degraus da morbidez tampouco se esvai na emotividade, mas uma sensação intensa, forte, impossível de colocar em palavras, deu-me a impressão de que foi geral, também me vi às voltas com lágrimas, o Pedro nem se fala, e num instante as luzes se apagaram, dava pra ver o médium no meio do palco, um ardil de iluminação jogava um facho minguado atrás dele, e com as seguintes palavras ele se despede:

- Nesta sala não tem 500 pessoas, mas 5.000. E a verdadeira mensagem para todos é: não julguem.

À saída, esperando o motorista trazer o carro, pessoas chegaram até o Pedro, em gesto de solidariedade, exceto uma senhora, que de guarda-chuva em riste perguntou quanto ganhamos para participar daquela palhaçada.


Pedro pediu que eu dirigisse. Vagamos um tanto sem rumo pelas cercanias, as lágrimas saíam de seu rosto não convulsivamente mas quietas, eu me sentia cansado e apontei o rumo para casa dele. Muito pausado ele me disse que naquele momento não queria ir para casa, se era possível pararmos em algum lugar e nisso liga minha namorada, moça esotérica e naquele momento assaz curiosa para saber como fora o workshop. Resumi a situação do instante e ela não hesitou: venham para cá.

Tomamos chá, ela acendeu incensos, Pedro calado ouvia o meu relato, ela com os olhos arregalados, até que, dado instante, ele explana:

- Minha mãe adorava fazer troça com aquele negócio da engenharia...Eu falava para ela, as coisas não são tão exatas assim...Mas, sabe..., eu nunca tinha ouvido falar desse cara até ver uma propaganda na TV à cabo, mês passado. Quando vi, pensei, acho que ainda vou encontrar esse sujeito. Vocês acreditam?

Eu e ela assentimos, sem mais palavras.